Avaliação para a inclusão?

Por Ivonete Sacramento | 22/06/2009 | Educação

Avaliação para a inclusão?

Ivonete Maciel Sacramento dos Santos*

A Avaliação

Avaliar é um processo em que realizar provas e testes, atribuir notas ou conceitos é apenas parte do todo.

A avaliação é uma atividade orientada para o futuro. Avalia-se para tentar manter ou melhorar nossa atuação futura. Essa é a base da distinção entre medir e avaliar. Medir refere-se ao presente e ao passado e visa obter informações a respeito do progresso efetuado pelos estudantes. Avaliar refere-se à reflexão sobre as informações obtidas com vistas a planejar o futuro. Portanto, medir não é avaliar, ainda que o medir faça parte do processo de avaliação.

Avaliar a aprendizagem do estudante não começa e muito menos termina quando atribuímos uma nota à aprendizagem. (Currículo e Avaliação, 2007)

A avaliação é assunto recorrente nas discussões e pesquisas atualmente. Mas, nas na grande maioria das escolas públicas, causa temor aos estudantes por adotar práticas classificatórias e excludentes, que levam a reprovação, repetência e evasão.

As avaliações externas, a exemplo do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB e Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM mostram que os estudantes estão longe de um patamar de conhecimento que permita sua plena participação na sociedade a qual estão inseridos.

Ressaltamos aqui a importância que avaliação adquire no processo de mudanças no currículo da Educação Básica a fim de garantir

[...] o direito à educação entendido como direito à formação e ao desenvolvimento humano, como humanização, como processo de apropriação das criações, saberes, conhecimentos, sistemas de símbolos, ciências, artes, memória, identidades, valores, culturas... resultantes do desenvolvimento da humanidade em todos os seus aspectos. (Indagações sobre currículo: Introdução, 2007)

É fato que no interior da escola pública existem sujeitos provenientes das mais variadas pertenças, cada qual com sua individualidade, sua maneira de ver o mundo. Oferecer condições para a igualdade de oportunidade, respeitando as diferenças desses sujeitos deve ser prioridade do seu currículo, desenvolvendo ações pedagógicas que atendam essas especificidades. A reestruturação do currículo da Educação Básica exige uma mudança nos conceitos e práticas referentes ao aprender, ensinar e avaliar.

O lugar da avaliação no currículo

O que se avalia e como se avalia está condicionado pelas competências, habilidades, conhecimentos que o currículo privilegia ou secundariza. Os valores e as lógicas de avaliação reproduzem os valores, lógicas e hierarquias que selecionam, organizam os conhecimentos nos currículos. Por sua vez, o que se privilegia nas avaliações escolares e nacionais determina as competências e conhecimentos privilegiados ou secundarizados no currículo. Reorientar processos e critérios de avaliação implica em reorientar a organização curricular e vice-versa. (Indagações sobre currículo: Introdução, 2007)

Nesta perspectiva, a avaliação como procedimento diagnóstico pode apontar caminhos para efetivar a escola como espaço de formação de cidadãos mais críticos e atuantes na sociedade a qual pertencem.

Assim, é de extrema importância fazer uma análise crítico-reflexiva sobre as concepções e práticas avaliativas dominantes na escola e seus efeitos no processo de aprendizagem, questionando quais as concepções de avaliação são dominantes na escola, como esta acontece de fato na escola e o que legitima as práticas de avaliação concretas (Arroyo, 2008).

Obter respostas,ainda que provisórias a estas questões não é uma tarefa fácil, mas pode apontar caminhos para práticas inclusivas inovadoras, revelar práticas em construção ou ainda originar práticas transformadoras.

Sabe-se que a avaliação é a base do planejamento curricular. É por meio dela que se obtêm informações objetivas e valiosas para possíveis decisões a serem tomadas frente ao processo de aprendizagem do aluno, à programação de um curso a ser desenvolvido e até a própria montagem de um sistema educacional. (DINIZ, 1982).

As avaliações externas se consolidaram no cenário mundial inclusive no Brasil. A consolidação de sistemas de avaliação em larga escala tem sido acompanhada pela implementação de políticas educacionais nos níveis federal, estadual e municipal. No geral, o principal propósito dessas políticas tem sido a qualidade da educação. Entretanto, sua implementação real depende em grande parte da ação dos professores dentro de suas salas de aula e do modo como eles conduzem a avaliação dos estudantes.

A avaliação e o professor

Para Sacristán (1995) a avaliação da aprendizagemreflete a concepção de ensino adotada pelo professor e, dependendo de como esse processo é entendido, pode funcionar como simples comparação de um resultado ou enfocar o processo de ensino/aprendizagem.

Ao avaliar, o professor parte de suas concepções, valores, expectativas e das determinações do contexto, sendo que muitas vezes nem ele próprio tem muita clareza ou mesmo sabe explicitar estes dados considerados na avaliação dos alunos.

Logo, as avaliações feitas nas escolas procedem de várias concepções, nem sempre apoiadas em fundamentos precisos. O sistema educacional se alicerça numa avaliação classificatória, objetivando a verificar a aprendizagem ou competências através de medidas e quantificações. Este tipo de avaliação pressupõe que as pessoas aprendem do mesmo modo, nos mesmos momentos e tenta evidenciar competências isoladas, fazendo que os quem tenham melhores condições de aprender aprenda mais e melhor, excluindo do processo de escolarização os que não respondem bem ao conjunto de disciplinas.

Hoffman (2002) chama a atenção para a incompatibilidade das práticas avaliativas com uma educação democrática, que levou a atenção dos educadores, políticos e da sociedade para a dimensão social e política da avaliação, intensificando os estudos e as pesquisas na área. Ressalta que no Brasil, as questões debatidas em avaliação, os princípios expressos nos documentos legais e as novas experiências desenvolvidas em várias regiões, expressam as tendências universais de mudanças. Aponta a preocupação de vários estudiosos contemporâneos (como Arroyo, Demo, Estrela, Hadji, Luckesi, Macedo, Perrenoud, Vasconcellos, Zabala) em superar o viés positivista e classificatório das práticas avaliativas escolares, retomando-as em seu sentido ético, de juízo consciente de valor, respeito às diferenças, compromisso com a aprendizagem para todos e a formação da cidadania.

Na abordagem de avaliação de Scriven (1967), seus papéis ou funções – que o autor introduz através dos conceitos de avaliação formativa e somativa – referem-se às maneiras como as respostas são usadas. Ao diferenciá-las mostra que a primeira deve ocorrer durante o desenvolvimento da atividade educacional para promover aprimoramento do que está sendo objeto de implementação. Como práticas envolvendo a dimensão formativa da avaliação pode ser citado o aumento da variabilidade didática e conseqüente aplicação de diferentes instrumentos de mensuração. A segunda, conduzida ao final de um programa de avaliação, possibilita ao seu usuário fornecer elementos para julgar sua importância, seu valor e seu mérito no atingimento dos objetivos e metas propostas.

Uma não é melhor nem pior do que a outra, apenas tem objetivos diferenciados. Ambas podem levar a processos de exclusão e classificação, dependendo das concepções que orientem o processo educativo.

Quando a LDB estabelece que a avaliação deve ser contínua e priorizar a qualidade e o processo de aprendizagem (o desempenho do aluno ao longo de todo o ano e não apenas numa prova ou num trabalho), usa outras palavras para expressar o que o jargão pedagógico convencionou chamar de avaliação formativa. O primeiro a usar essa expressão foi o americano Michael Scriven, em seu livro Metodologia da Avaliação, publicado em 1967. Segundo ele, só com observação sistemática o educador consegue aprimorar as atividades de classe e garantir que todos aprendam. (Nova Escola, 2003).

Na avaliação formativa, o professor está vigilante aos processos e aprendizagens de seus estudantes e não avalia para dar notas, por compreender que estas são consequencia do processo, não o seu fim. "Por fim, podemos dizer que avaliação formativa é aquela que orienta os estudantes para a realização de seus trabalhos e de suas aprendizagens, ajudando-os a localizar suas dificuldades e suas potencialidades, redirecionando-os em seus percursos" (Currículo e Avaliação, 2007).

No momento em que se propõe uma reestruturação no currículo da Educação Básica, é necessário que os professores reflitam e examinem, junto ao coletivo escolar, as concepções de avaliação que norteiam sua prática pedagógica e se pergunte: Utilizo a avaliação para incluir meus estudantes, estimulando seu potencial? Dou oportunidade para meus estudantes desenvolverem sua autonomia e senso crítico? Avalio na perspectiva do desenvolvimento integral de todos os estudantes? Procuro estabelecer um diagnóstico correto para cada estudante e identificar as possíveis causas de seu fracasso e/ou dificuldade, visando uma maior qualificação e não somente uma quantificação da aprendizagem?

O caminho é longo e incerto. Mas, ao fazer esta reflexão, certamente daremos um grande passo para desenvolver nosso trabalho dentro de uma perspectiva de inclusão.

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* Pedagoga. Especialização em Psicopedagogia e PROEJA

REFERÊNCIAS

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 5 de outubro 1988.

_______. Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996.

_______. Conselho Nacional de Educação: Ministério da Educação, INEP. Diretrizes Curriculares - Educação Básica. Brasília. 2001

_______. Ministério da Educação: Secretaria de Educação Básica. Indagações sobre currículo: currículo e avaliação. Cláudia de Oliveira

Fernandes, Luiz Carlos de Freitas. Brasília. 2007.

DINIZ, Terezinha. Sistema de avaliação de aprendizagem. Rio de Janeiro: LTC, 1982.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora: Uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação. 2001.

HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação. 2001.

http://novaescola.abril.uol.com.br/ed/159_fev03/html/repcapa3.htm - acessado em 20/02/2009.

PERRENOUD. As Competências para ensinar no século XXI: A formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002.

SACRISTÁN,Gimeno. Currículo: uma reflexão sobre a prática. Artmed, 2ª edição Porto Alegre, 1995.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar. São Paulo: Libertad, 2000 – Cadernos Pedgógicos do Libertad; v. 3.

VASCONCELLOS,Celso Santos. Construção do conhecimento em sala de aula.16ª edição São Paulo: Libertad, 2005.