Aval Antecipado

Por Thamires Ávila | 14/03/2014 | Direito

AVAL ANTECIPADO

 

Thamires Araújo Ávila

 

RESUMO

O trabalho em questão visa abordar o aval antecipado, espécie de aval, sob a perspectiva da divergência doutrinária em relação à responsabilidade do avalista antecipado no caso do não aceite, por parte do sacado, do título de crédito. É dizer, analisar o conceito de aval antecipado e contrapor as teses de que o avalista antecipado responde pela obrigação assumida quando não há o aceite ou se o referido compromisso é quimérico face a inexistência do atendente da ordem de pagamento. Por fim, estabelecer um posicionamento acerca da melhor solução a ser adotada.

Palavras-chave: aval antecipado; avalista antecipado; aceite; sacado.

ABSTRACT

The work in question aims to address the anticipated endorsement, sort of endorsement, from the perspective of doctrinal divergence from the liability of the anticipated avalist in case of not acceptance by the drawee in the debt claim. That is, considering the concept of early endorsement and counter the thesis that the anticipated obligation assumed by the guarantor responds when there is not accepted or if the undertaking chimeric face is the lack of attendant order. Finally, to establish a position on the best solution to be adopted.

Keywords: anticipated endorsement; anticipated avalist; acceptance; drawee.

Introdução

Aval é a declaração cambial sucessória que dá garantia ao pagamento do título de crédito. Por não ser essencial a sua presença na relação cambial, é considerada eventual. É uma garantia típica do direito cambiário que envolve dois sujeitos: o avalista e o avalizado. Respectivamente, aquele que presta, assume o aval, se compromete como garante do pagamento do título caso o titular não quite o pagamento e aquele que é destinatário, garantido do pagamento da dívida. O avalizado possui responsabilidade tanto quanto o avalista.

O aval antecipado, por sua vez, é uma espécie de aval no qual avaliza-se sujeito que não está obrigado na relação cambial. Segundo Wille Duarte Costa (2007, p. 411), “[...] é aquele que se dá antes de se obrigar no título o avalizado”. Dessa forma, o avalista avaliza o avalizado antes que ocorra a assinatura do aceite. Nesse sentido, e. g., o sacado que assina o aceite no título de crédito.

Aval antecipado sem obrigação do avalista

Não ocorrendo a assinatura do aceite, a obrigação do avalista de garante do pagamento da dívida, cessaria. Isso porque, o avalista obriga-se da mesma maneira que o avalizado face ao artigo 32 da Lei Uniforme de Genebra de 1966, que prevê:

Art. 32.

O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.

A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.


Dessa forma, o avalista não estaria obrigado a assumir a responsabilidade perante o pagamento do título de crédito, uma vez que, sem o aceite, o avalizado não faz parte da relação cambial e não possui nenhuma obrigação. Se não há avalizado, a responsabilização do avalista é inexistente e, portanto, não haveria possibilidade de persistência da responsabilidade.

Todavia, caso outra pessoa, independente de quem seja, aceite no lugar do avalizado, o avalista seria responsabilizado pelo pagamento da dívida.

Defendendo essa corrente, o professor Wille Duarte (2007, p. 411) expressa em relação ao aval antecipado na duplicata:

Diante disso, se o avalista é obrigado da mesma maneira que seu avalizado, a obrigação do avalista na duplicata só se completa se ocorrer também a obrigação do avalizado. Se o avalizado não assinou e, portanto, não se obrigou, não há obrigação do avalista. Se não for formalizada a obrigação do avalizado, a do avalista não se completa, não se constitui. É que, por força das disposições do art. 32 da LUG já citado, o avalista se obriga da mesma maneira que seu avalizado. Então, se o avalizado ainda não se obrigou, não há que se falar em obrigação do avalista. Atente-se, no entanto, que se outra pessoa assinar no lugar do avalizado, por força da teoria da aparência a obrigação do avalista se completa. Pouco importa que o signatário não seja o verdadeiro, que a assinatura seja falsa ou de pessoa incapaz, o avalista torna-se obrigado, completando sua obrigação. (grifo nosso)

Dessa forma, a concretização do compromisso legal do avalista depende da condição suspensiva de aceite do avalizado, isto é, respondendo ambos da mesma maneira, se este não é obrigado, aquele também não poderá ser, senão quando houver assinatura do aceite, ainda que possua vícios.

Neste sentido, já se manifestou favoravelmente o magistrado no Rio Grande do Sul:

EMENTA: AVAL ANTECIPADO SENDO A ASSINATURA DO EMITENTE ELEMENTO ESSENCIAL DA NOTA PROMISSORIA (LEI UNIFORME, ART.32, II), NAO VALE, EM SUA FALTA, O AVAL ANTECIPADO. APELO NAO PROVIDO.

(Apelação Cível Nº 186062519, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Luiz Felipe Azevedo Gomes, Julgado em 04/11/1986) (grifo nosso)

Fran Martins, Cesare Vivante, Alberto Asquini e José Carvalho de Mendonça seguem a mesma linha de Wille, defendendo a necessidade da firma configurar no título para garantir o aceite e, consequentemente, a permanência da obrigação do avalista. Esta posição, fundamentada na teoria dos atos inexistentes, é doutrinalmente minoritária, uma vez que a maioria dos teóricos defendem a permanência da obrigação, como veremos a seguir.

Aval antecipado com obrigação do avalista

 Nessa corrente, segue a ideia de que o avalista ainda estaria obrigado face à dívida prestada, ainda que o avalizado não assine o título de crédito. Seguindo essa linha, a maioria doutrinária, e. g., Rubens Requião, Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior, Trajano Miranda Valverde e Fábio Ulhôa Coelho, defendem que o avalizado possui responsabilidade face o princípio da autonomia das relações cambias, na qual a obrigação do avalista é independente da obrigação do avalizado, bem como que o avalista avaliza o título e não a pessoa do avalizado.

Nos dizeres de Ulhôa (2011, p. 290):

Questão altamente controvertida surge da autorização legal do aval antecipado, constante do art. 14 do Decreto n. 2.044/1908. Teria o avalista antecipado do sacado que recusa o aceite alguma obrigação cambial? Uma leitura precipitada do texto da Lei Uniforme, atinente à equiparação da responsabilidade do avalista à do respectivo avalizado, poderia dar a entender que, inexistindo obrigação por parte do avalizado (o sacado, lembre-se, não tem qualquer responsabilidade cambial antes do aceite), também inexistiria por parte do avalista. Não se poderá, contudo, esquecer o princípio da autonomia das obrigações cambiais. O avalista antecipado de sacado que recusa o aceite responde pelo valor do título na exata medida em que assumiu, com o aval, uma obrigação autônoma, independente de qualquer outra representada no mesmo título de crédito. (grifo nosso)

O artigo 14 do Decreto nº 2.044/08, que define a letra de câmbio e a nota promissória e regula as Operações Cambiais, contém:

Art. 14. O pagamento de uma letra de câmbio, independente do aceite e do endosso, pode ser garantido por aval. Para a validade do aval, é suficiente a simples assinatura do próprio punho do avalista ou do mandatário especial, no verso ou no anverso da letra. Sendo soltas duas assinaturas, deduz ser do sacador e são simultâneos e não sucessivos. (grifo nosso)

 

Essa solução apresenta também outros fundamentos. Afirma que no aval antecipado o avalista se equipararia ao aceitante. Segundo Gabriel da Graça Vargas Sampaio em artigo científico A Responsabilidade do Avalista no Aval Antecipado em Título de Crédito Passível de Aceite (2010, p. 20), seguindo a linha de Requião, Miranda, Coelho e Rosa Júnior, “se o aceite for considerado como condição para a eficácia do aval, a garantia se tornaria inóqua justamente no momento em que é necessária à realização do crédito do título, frustrando a legítima expectativa de terceiro de boa-fé”.

Neste ponto, afigura-se portanto, que consoante princípio da autonomia das obrigações cambiais, o fato de avalizar-se o título de crédito e não a pessoa do avalizado, a assunção da obrigação do avalista no lugar do aceitante e a legitimidade da expectativa do direito de terceiro de boa-fé, o avalista assume a obrigação do título, ainda que sem o aceite, na medida da responsabilidade assumida no aval.

Conclusão

Face ao exposto, é possível auferir que o aval antecipado, no qual se avaliza indivíduo não responsabilizado na obrigação cambial, é tema altamente controverso no âmbito doutrinário. Defendendo a maioria que a responsabilidade subsiste ainda que o sujeito que receba a ordem do pagamento não aceite, a proposta diversa possui argumentos relevantes.

O importante nessa discussão, é encontrar, resumidamente, os fundamentos básicos defendidos por ambas posições, ressaltando que o propósito foi de estabelecer pequenas linhas de informações em vista à obrigação do avalista de aval antecipado.

Data venia à doutrina minoritária e seguindo a majoritária, o avalista responde pelo título proporcionalmente ao que se responsabilizou, ainda que ausente o aceite e, consequente, o avalizado, uma vez que partimos do pressuposto precípuo de que avaliza-se o título, sendo a pessoa a ser avalizada mero instrumento formal.

Além disso, em vista a indiscutível impossibilidade de substituição da pessoa por outro agente a ser avalizado, o avalista se responsabiliza quanto ao título – ciente da possibilidade de não ocorrer o aceite – e não quanto à pessoa.

Segue-se, ainda, o fato de que a obrigação do avalista é autônoma face a do avalizado, devendo persistir aquela ainda que essa se torne inexistente, já que a recusa não é vedada e a assunção da obrigação é assumida de maneira deliberada.

Portanto, no aval antecipado, o avalista assume a obrigação perante os terceiros de boa-fé pela garantia do pagamento do título no vencimento, ainda que o avalizado não aceite a ordem de pagamento.

  

Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Define a letra de câmbio e a nota promissória e regula as Operações Cambiais. Diário oficial [da República Federativa do Brasil]. Disponível em: < http://www.ebah.com.br/content/ABAAAe4BgAH/decreto-2-044-1908> Acesso em: 13 mar. 2014.

BRASIL. Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Promulga as convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbios e notas promissórias. Vade Mecum. 13 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 550 p.

COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito. Belo Horizonte: 3. Ed. rev., atual, e amp., Del Rey, 2007. 892 p.

SAMPAIO, Gabriel da Graça Vargas. A responsabilidade do avalista no aval antecipado em título de crédito passível de aceite. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010. 28 p. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2010/trabalhos_22010/gabrielsampaio.pdf > Acesso em: 13 mar. 2014