AUTONOMIA PRIVADA DA VONTADE E O TESTAMENTO VITAL

Por Marine Mota de Melo | 20/10/2015 | Direito

AUTONOMIA PRIVADA DA VONTADE E O TESTAMENTO VITAL: A aplicação do princípio da autonomia da vontade no Testamento Vital: uma análise critica frente à tutela da vida Felipe do Vale Nunes e Marine Mota de Melo RESUMO O presente artigo tem por escopo apresentar uma breve análise a aplicação do princípio da autonomia da vontade no Testamento Vital, e entender sua importância na viabilidade desta nova modalidade testamentária, bem como as polêmicas que o envolve no âmbito jurídico, em sede de saúde, e no âmbito religioso. E, por fim, discutir-se-á a receptividade na jurisprudência brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Autonomia da Vontade; Testamento; Testamento Vital; Resolução do CFM nº 1995/12. 1 INTRODUÇÃO A sucessão testamentária é a manifestação última de vontade de uma pessoa, e se encontra ao lado da sucessão legítima, isto porque quando o de cujus não expressa sua vontade por meio do testamento, a transmissão de seus bens passa a ser feita de acordo com o previsto no artigo 1829 do Código Civil. O Código Civil de 2002 trouxe diversas modalidades de testamento, e recentemente foi votada uma nova modalidade testamentária pelo Conselho Nacional de Medicina, que trouxe polêmicas em sede jurídica, médica e, quiçá, religiosa. Assim, o presente trabalho destina-se a apresentar uma visão geral sobre os testamentos e suas diversas modalidades para então vir a alcançar o caso especifico que norteia esta obra, o testamento vital. Tratando da relevância do tema quanto aos óbices para implementação deste instituto no atual Código. Para que por fim, possa se analisar se casos desta natureza tem tido receptividade pacífica na jurisprudência e assim formar um juízo sintético sobre a causa. 2 TESTAMENTO: NEGÓCIO JURÍDICO PERSONALÍSSIMO; UNILATERAL E GRATUITO O conceito de testamento era tratado no Código Civil de 1916 como “ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte”. Essa definição foi alvo de muitas críticas, “não só por omitir a circunstância de ser o testamento ato pessoal, unilateral, solene e gratuito, como também por circunscrever o objeto do testamento à mera disposição de bens” (RODRIGUES, 2002, p. 145), mas o Código em vigor não trouxe nenhuma definição, só elencou suas principais características. Dentre suas características, tendo em vista que o testamento constitui uma declaração de vontade, a fim de produzir efeitos jurídicos, tratar-se-á de um negócio jurídico. O testamento é ato unilateral, pois “perfaz-se com uma emissão de vontade” (PEREIRA, 2006, p. 196). Vale ressaltar que esta unilateralidade não é contrariada quando ocorre a não aceitação da herança ou do legado. “A aceitação ocorre ulteriormente à abertura da sucessão, não influindo na feitura nem na eficácia do testamento” (PEREIRA, 2006, p. 196). É ato personalíssimo, já que só pode ser feito pelo próprio testador, não admitindo representante nem mandatário. De ato essencialmente gratuito, não podendo haver nenhum tipo de vantagem. Trata-se ainda de negócio solene, visto que é estabelecida por lei uma forma rígida para sua feitura, podendo ser considerado invalidado se algumas das formalidades não forem atendidas. “A excessiva formalidade do testamento visa assegurar a autenticidade do ato e a liberdade do testador, bem como chamar a atenção do autor para a seriedade do ato que está praticando” (RODRIGUES, 2000, p.145). Finalmente, o testamento é negócio revogável, e esse característico é elementar no seu conceito, uma vez que, pela concessão de ilimitada prerrogativa de revogar o ato de última vontade, assegura o legislador, a quem testa, a mais ampla liberdade. Assim, a mera existência de um testamento ulterior válido, se for incompatível com o anterior, revoga o testamento anterior, visto que o direito de dispor de seus bens causa mortis e de mudar as disposições passadas só se exaure com o falecimento da pessoa. (RODRIGUES, 2000, p.146). Em suma, o testamento é um negócio jurídico unilateral que a pessoa pode dispor para depois de sua morte, total ou parcialmente de seus bens. Podendo, além disso, dispor de qualquer outra disposição de última vontade que não necessariamente patrimonial. Este poderá ser mudado ao qualquer tempo, entretanto somente na sua presença. No que tange a capacidade para testar, pois por mais que o testamento seja válido é necessário que pessoa tenha capacidade para isso, o Código Civil de 2002 optou pela regra de todo negócio jurídico, pessoas maiores de 16 anos terem capacidade ativa, e regular a exceção. Artigo 1860: Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Parágrafo único: Podem testar os maiores de dezesseis anos. No sistema brasileiro encontramos três formas de testamento ordinário como está contemplado no artigo 1862 do CC: o público, que deve ser escrito pelo tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, lavrado, lido em voz alta para o testador e duas testemunhas e em seguida assinado; o cerrado, que é escrito pelo testador ou outra pessoa a seu pedido sigilosamente, assinado pelo testador e aprovado pelo tabelião se válido; e o particular, que pode ser escrito pelo próprio punho ou mediante processo mecânico na presença de três testemunhas que o devem subscrever. Há também previsto nos artigos 1881, CC e ss, “instrumento hábil para transmitir bens causa mortis, admite o legislador o codicilo, que se parece com o testamento, mas não é. O codicilo pode conter, também, disposições de caráter não patrimonial” (RODRIGUES, 2002, p. 168). Neste o autor pode determinar providências do seu enterro, faz esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadas, aos pobres de lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal (artigo 1881, CC). Outra forma são os testamentos especiais, artigo 1886, CC e seguintes: o marítimo, o aeronáutico e o militar. Diante do exposto, é de suma importância ressaltar que o legislador limitou no que diz respeito a legítima dos herdeiros necessários. O testador, que não tiver herdeiros necessários, pode dispor, por testamento, de todos os seus, quer instituindo um ou mais herdeiros, quer instituindo herdeiros e nomeando legatários, quer, afinal, deixando todo o seu patrimônio em legados. Se tiver herdeiros necessários, não pode o testador testar mais da metade de seus bens. (RODRIGUES, 2000, p. 180). Se vier a ter herdeiro necessário, quais sejam: descendentes, ascendentes e o cônjuge, estes não poderão ser afastados da sucessão, e metade dos bens do de cujus devem a estes serem divididos. “Pois, tendo em vista a proteção daqueles parentes e do cônjuge, defere-lhes, de pleno direito, a outra metade, que se denomina reserva ou legítima desses herdeiros” (RODRIGUES, 2000, p.123) como disposto no artigo 1846 do CC, com exceção de ser o caso de deserdação ou indignidade. Por fim, cabe analisar a forma como deverá ser feita a interpretação do testamento de acordo com o disposto pelo legislador. O artigo 1899 do CC determina que “quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador”. O doutrinador Silvio Rodrigues discorda do legislador, e este alega que o testador deva ser absolutamente claro se quiser que seja cumprido sua vontade. “Se o não for, se por negligência ou ligeireza deixar obscuro o seu pensamento, deve a disposição testamentária ser desprezada, em virtude de sua obscuridade” (2000, p.180), pois pode se chegar a uma interpretação totalmente diferente da vontade do de cujus. Entretanto, enquanto este autor é contra o desdobramento que o legislador deu para tentar consertar a falha do testador, a maioria dos autores aprovam a posição da lei de tentar descobrir a vontade presumida no testamento. 3 RESOLUÇÃO DO CFM Nº 1.995/12: TESTAMENTO VITAL Com a Resolução nº 1.995/12 do Conselho Federal de Medicina uma pessoa pode hoje escolher como sua morte deve ocorrer. E essa vontade será expressa através do Testamento Vital, também chamado de “Diretiva Antecipada de Vontade” que tratará de forma prévia, uma declaração do paciente em estado terminal. A Resolução visa assegurar “o direito a optar por uma morte digna, ao lado da família e dos amigos, sem sondas, aparelhos e procedimentos medicamentosos que prolonguem o sofrimento quando não existe mais possibilidade de vida” (IBDFAM, 2010). Desde 2010 que notícias eram publicadas dando força a implantação desta modalidade de testamento no Brasil, que até então já existia em países como Estados Unidos e vários países europeus. Anteriormente a esta Resolução, o Código de Ética Médica estabelecia que era proibido ao médico abreviar a vida de seu paciente, mesmo que este pedisse, mas depois da Resolução o paternalismo médico é excluído. O principal objetivo do Testamento Vital é dar ao paciente o poder de escolha sobre seu processo de terminalidade, pois quando este já estiver nesse estado não terá possibilidade alguma de decidir. Poderão os pacientes, de acordo com tal medida, especificar, antecipadamente, as opções e instruções relativas a cuidados de saúde aos quais desejam ou não receber, e que visem a retardar o processo natural de morte, no caso de encontrarem-se acometidos de doença grave e irreversível. Podem ser citados, como exemplo, a reanimação em paradas cardiorrespiratórias, medidas de suporte básico de vida, medidas de alimentação e hidratação artificiais, além de tratamentos dolorosos, desumanos ou degradantes, estes já vedados constitucionalmente (art. 5º, III). (OLIVEIRA, 2013). A criação desse testamento veio considerando: a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira; considerando a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas; considerando a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas da vontade; considerando que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais; considerando que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo; e considerando o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012. (RESOLUÇÃO CFM Nº1.995/12). Resolvendo em três artigos: Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. §1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico. §2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica. §3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. §4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. §5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. A partir de então, as pessoas maiores de 18 anos que detenham de plena capacidade civil poderão expressar sua vontade, dispondo os limites terapêuticos que devam ser adotados quando este estiver em estado terminal. No caso de enfermidades graves, irreversíveis e que reconhecidamente levarão à morte o paciente, principalmente naqueles de pacientes terminais, o médico estará autorizado a evitar, reduzir ou suspender os procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente. Todavia, deverá adotar ou manter as medidas e cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento físico ou psíquico do paciente, resguardada sempre a assistência integral, nos termos do que dispõe o artigo 41, parágrafo único, do Código de Ética Médica (“nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”). (OLIVEIRA, 2013). Mesmo não havendo previsão legal, este testamento seguirá os mesmos moldes de um testamento ordinário, especial ou codicilo. Trará disposições não patrimoniais, o que é perfeitamente possível devido ao parágrafo 2º do artigo 1.857 do Código Civil/2002; aqui também será possível haver a revogação do testamento a qualquer momento. Entretanto, embora a Resolução tente manter a autonomia da pessoa, escolhendo o que quer ou não ser submetido, se quer ou não manter a vida na fase final de uma doença grave, etc., o assunto tem sido alvo de várias polêmicas, em diversos âmbitos do Direito como sendo um equivoco da medicina, devendo impor limites a esta. Dentre as criticas podemos citar que em um testamento é atestado providências para depois de sua morte, o que não ocorre no testamento vital. Além de questionarem a forma deste, que por não estar previsto na legislação, e a resolução não ter especificado, ficaria a mercê do paciente se expressar ao médico, o que ensejaria problemas posteriormente. Enfim, não bastará a regulamentação no âmbito da ética médica para afastar todas as consequências que possam advir deste testamento. 4 A AUTONOMIA DA VONTADE NO TESTEMANTO VITAL É indubitável que o testamento tem natureza de negócio jurídico, todavia terão seus efeitos diferidos para quando do momento posterior à morte do testador. Sempre o testamento poderá ser impugnado parte de seus termos ou mesmo ele como um todo, dando azo a sua revogação, uma vez existindo cláusula de irrevogabilidade, esta será considerada nula, e per si, inexistente de pleno direito, a faculdade da derrogação será concebida à todos os testamentos, cabendo ao testador fazer uso desta ou não de acordo com sua vontade vigente. O próprio caráter de ambulatório, precário, ou seja passível de vir a ser transformado a qualquer tempo, decorre do fato que o próprio testamento ser a expressão de última vontade do de cujos. Com a liberdade, eminente na autonomia, em dispor dos seus bens, ou mesmo tratar de razões não economicamente-valoráveis, uma vez ele estipulando ali determinadas disposições, dár-se-ão como verdadeiros e tidos como seu entendimento final sobre determinadas questões. Ao testamento será imprescindível que tenha sua forma levada em observância, podendo ser público, particular ou mesmo cerrado, devendo ser levado em consideração todas as peculiaridades inerentes e insertas nas disposições dos seus artigos correspondentes, no Código Civil. Essas cautelas anteriormente postas em tela serão, por óbvio, requisitos para a feitura, para vigência do próprio negócio, no caso o testamento. Todavia, malgrada tamanha prudência para a constituição do testamento, bastante para em casos de revogação (total ou parcial) será toda e qualquer forma de emissão ou exteriorização da vontade e que de todo modo ela se apresentara como inquestionável novo pensamento e entendimento do sujeito, nesse sentido, esta última deliberação é a que hei de preponderar em face das demais anteriores. Como já fora salientado supra, existem diversos tipos de testamentos e que neles poderão estar dispostos acerca de matérias tanto de caráter material, como um bem a alguém, ou sem valoração econômica, que seja de uma ordem meramente declaratória. É nesse segundo bojo que dar-se-á ensejo à análise da matéria cerne desta obra, que é a respeito do Testamento Vital e por em ressalto ao seu requisito maior que é a própria autonomia da vontade daquele que testa. É mister destacar, ainda que em linhas rasas, a diferença entre a eutanásia e ortotanásia, a primeira se apresenta como uma efetiva intervenção médica, com atos que tem com fulcro abreviar a vida do paciente, será feita de forma provocada. Já na ortotanásia o médico apenas irá usar os procedimentos triviais e que aos poucos o paciente irá a óbito, de maneira assistida, aqui prima-se pela mitigação do sofrimento do paciente em detrimento da mera manutenção dos seus status vitais com um prolongamento ou sobrevida meramente protelatórios da morte e perpetuante de sofrimentos. As duas práticas são mal-vistas no âmbito do direito penal, e uma vez incorrendo em morte, ao médico e sua equipe caberão por responder por crime de homicídio, caso não havendo morte na ortotanásia, respondem, pelo menos, por omissão de socorro. Há muito se debate na doutrina do âmbito jurídico-penal-civilista sobre a problemática de se encontrar esvaziado aportes legais que acautelem sobre a temática, no entanto, ao passo da imobilidade do judiciário nacional, o Conselho Federal de Medicina (CFM) que se depara diuturnamente com a temática desde dispõe sobre medidas antecipativas em curso de doença terminal. De maneira um pouco mais abrangente, a Resolução de 2006 nº1.805, legislativamente há o projeto de Lei 6.715 de 2009 que dispões acerca da ortotanásia, no entanto, como se vê, ainda apenas se encontra em processo legislativo e que incerto será quando de sua aprovação, se é que será sancionado. Entretanto dentre todas as expressões normativas nesse sentido a que de maior inovação nesse sentido foi posto pela Resolução 1.995 de 2012 do CFM ao por em voga a autonomia da vontade do próprio paciente. Por óbvio, essa vontade deverá ser expressa anterior ao seu estado de precariedade de saúde, quando estiver em plena consciência de suas convicções, manifestado em documento público do testamento. Com o advento desta medida é possível por à mesa implicações mesmo de natureza Constitucional, em especial ao caput do artigo 5º que, dentre outros, encarta a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a quase que intangível mitigação do princípio fundamental à vida será alcançada mediante a vontade do paciente. Antes, se buscava apenas meras razões médicas como forma de poder promover a ortotanásia, ou seja, a última palavra sempre era do médico e ele decidia se poderia ali ou não por termo aquela vida, ele decidia sobre seu paciente. De acordo com o Testamento Vital, claro que o médico continuará tendo uma função providencial quando de se ver confrontando com um paciente terminal, com o referido testamento, todavia, verá o médico se há chance da reversibilidade do quadro clínico, e se caso não haja conflito com preceitos do Código de Ética Médica, a oitiva da vontade nos termos do testamento vital deverá ser posta em observância. Deste modo, a manifestação do médico terá caráter unicamente instrumental-técnico, não devendo ser levado em consideração juízo de valor ou opiniões que visem interferir na ortotanásia. O consentimento do paciente em dar cabo a sua própria vida será sobrepujante a todo e qualquer parecer não-médico, completa, nesse sentido, Fernando Vieira, sobre a preponderação da vontade do paciente: inclusive sobre os desejos dos familiares e o médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. E por fim, não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente e nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao comitê de bioética ou à comissão de ética médica do hospital ou, ainda, aos conselhos regional e federal de medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender que esta medida é necessária e conveniente. (VIEIRA 2012). Insta frisar que apenas será defensável esta prática quando já exauridas todas as possibilidades de reversão do quadro clínico do paciente, sendo seu tratamento apenas suficiente para a manutenção dos fatores vitais, persistindo, nesse sentido como inalcançável a cura de tal enfermidade. A tutela da vida não será absoluta, assim como todos os demais princípios, e uma vez estando postos em conflito deverá haver a preponderação entre eles, no caso em tela têm-se o princípio da dignidade da pessoa humana, direito à honra, ao próprio corpo e outros em contraposição ao direito à vida. Não há dúvidas que o prolongamento dessa vida a qual o paciente está obrigado a passar não é nada além de perpetuação de um sofrimento, tanto à família, tanto ao acamado. Em razões de sede macroscópicas, é possível enxergar o padecer infinito do sujeito, pessoas, familiares, ou mesmo o próprio doente que acordou não lhe terá restado mais aqueles sentimentos primevos, que ainda inebriados pela esperança aguardava a cada amanhecer uma nova oportunidade em reerguer-se, mas senão apenas o contentar-se com mais uma prorrogação daquela dor. O promotor de Justiça Diaulas Costa Ribeiro em entrevista à repórter Eliane Brum, da Revista Época ao ser questionado acerca da “obsessão pela vida a qualquer preço”, responde categoricamente: Os espanhóis chamam essa obstinação de manter o paciente vivo sem vida de ''encarniçamento terapêutico''. Ou seja, reduz a pessoa à carne pura, não à alma. Deixam de ser gente e são reduzidos a um monte de tecidos. O coração bate, mas a pessoa já desapareceu há muito tempo. (RIBEIRO, 2009. Grifo nosso). O ponto ao ainda parece restar ser melhor compreendido para pessoas que são eminentes defensores por sempre manter pela vida a todo custo, o que realmente lhes faltam compreender é que coisas, sim, têm preço pessoas dignidade. Essa conta, que de certa forma todos pagam, familiares, amigos, ou mesmo demais enfermos que clamam por uma vaga em leito de UTI, e evidentemente, o próprio adoentado, sempre fica cara demais, pagar pela sustentação de um conformismo mal resolvido por aquele estado do paciente com o sofrimento próprio e alheio não parece ser minimamente razoável. Parece que esta questão ficou cada vez mais imbricada em impasses pessoais, dos entes próximos que não aceitam os fatos, o que já se foi, a alma, e de certa forma a vida daquela pessoa, restando ali, por vezes, reles pulsação e órgãos fraquejantes. Ou mesmo do médico que “comprou” duelo com aquela doença, sendo optar pela ortotanásia a renúncia ou mesmo reconhecimento da sua derrota, Concepções religiosas, um país com sua cultura muito arraigada de tradições voltadas à igreja, tutela a competência da tutela da vida unicamente ao seu Deus, não sendo possível ser feita pelos homens, e por último o fator homem x máquina. Nos últimos tempos houve avanços da mais alta valia no âmbito da nanotecnologia e um dos setores que mais se beneficiaram com isso foi a medicina, logo seria um ultraje ter falseado todos esses incrementos médicos por conjecturas unicamente morais poderiam ser assim como aos médicos, aqui também sendo visto a morte como derrota. De repente a morte parou de ser natural, difícil sua aceitação, a vida não é mais passagem, ou estrada, mas uma morada, que todos se perpetuem por aqui. Eis que da importância de concepções vanguardistas, ainda tenha nascido efetivamente por vias administrativas, Resoluções do CFM, em especial a 1.992/12, mas já é notório o movimento nesse sentido dos operadores do direito e que a concepção cristalizada sobre tanto, ou seja, não aceitar de nenhuma forma a morte, ainda que como forma de dirimir dor. Agora o que parece estar ocorrendo é que o paciente-“vegetante”, que sequer se expressa tem ganhado voz, sua vontade de fato sendo ouvida e sendo decisiva na tomada das decisões, mas já a vida deverá ser vista com mais parcimônia aos doentes em estado terminal, subsistindo sua inviabilidade de forma a dar guariba o mínimo de dignidade, não há do que se louvar pelas batidas daquele coração que persiste em não se entregar. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Verificar a pertinência entre a resolução de nº 1.995 de 2012, do Conselho Federal de Medicina consubstanciado mediante inteligência depreendida do princípio da autonomia da vontade, pondo especial foco no Princípio da Inviolabilidade da Vida, tão propalado na doutrina e amplamente aceito em sede jurisprudencial foi o cerne desse trabalho, o qual, primeiramente, ocupou-se em esclarecer o que viria a ser o testamento, distiguindo, pormenorizando e colacionando seu amparo com diversos institutos do Direito brasileiro, demonstrando seus diversos entendimentos, então, se chegar à análise de sua aplicabilidade sob a égide de sua efetiva possibilidade. Em um segundo momento, foi posto a Resolução 1.995/12 do CFM que inova ao propor do Testamento Vital, uma vez que por expressão de vontade e viabilidade de circunstância médica, ou melhor, quando não mais for possível a reversão do quadro clínico do paciente, fazendo que ele supere aquela condição de terminalidade, desse modo, arrolando na conformidade do ordenamento jurídico nesse aspecto. De forma clara, viu-se que o Testamento Vital pôs em voga a autonomia da vontade do autor do autor do testamento frente às dos demais sujeitos intervenientes ao caso como parentes ou mesmo o corpo médico, sendo este último se posicionando unicamente de maneira imparcial, se não for mais possível superar aquele estado, estaria cabível a aplicação da ortotanásia mediante expressa designação do paciente, uma vez que ele tenha observado todos os requisitos formais do testamento. Todavia, ficara macroscópico, na medida em que as leituras foram feitas e aprofundadas, que inexoravelmente que o implemento desta resolução implicaria em infundadas celeumas no âmbito jurídico, dentre elas conflitos entre princípios como a vida e a própria autonomia da vontade, e ainda também o impasse aos médicos que devem subordinação aos regramentos do Conselho Federal de Medicina sob penal de terem suas atividades suspensas por desrespeitarem. Na outra margem encontra-se o ordenamento jurídico pátrio, o qual segundo majoritária posição de sua doutrina entende como tipificável a conduta do médico que permite seu paciente vir a óbito uma vez que ele não empregue todos os meios cabíveis e alcançáveis os quais detinha. Ademais, a cega observância a um preceito fundamental levaria a grande número de arbitrariedades, assim como a “autonomia da vontade” deverá ser mitigada, apenas ser utilizada como última ratio e não for mais cabível a melhora daquele quadro de perecimento, o que apenas arrola em degradação e fere ao próprio princípio da dignidade da pessoa humana, evitando assim a banalização da vida e o que poderia ser visto como mero “descarte”. Em sentido contrário, a vida em si não é bastante para ser acautelada, deverá ela ter um mínimo de dignidade, não apenas sobreviver e ter seus status vitais em funcionamento, mais condições para que essa vida seja levada com respeito e honra que aquele sujeito detém. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Resolução CFM nº 1.995 de 09 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diário Oficial, Brasília, DF. BRUM, Eliane. Entrevista: Diaulas Ribeiro- Promotor de polêmica. Revista Época, 29 mai. 2006. Disponível em: . 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