AUTONOMIA DO PROCESSO EXECUTIVO FACE AO ADVENTO DA LEI 11.232/2005.

Por Tájara Marina Leite Guimarães | 22/12/2020 | Direito

AUTONOMIA DO PROCESSO EXECUTIVO FACE AO ADVENTO DA LEI 11.232/2005.

 

Tájara Marina Leite Guimarães*  

 

Sumário: Introdução; 1. Análise sintética das reformas do Código de Processo Civil; 2. O rompimento do paradigma liebmaniano, face ao advento da Lei 11. 232/2005. 3. O novo modelo da execução de sentença; Conclusão.

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Resumo: Discussão sobre a autonomia do processo executivo no ordenamento jurídico brasileiro, dando-se ênfase à superação do paradigma liebmaniano, face ao advento da Lei 11.232/2005.

Para adentrar essa discussão tornou-se necessário analisar, ainda que de forma breve, a evolução das reformas do Código de Processo Civil brasileiro, outrossim, destacam-se as implicações reais de tais modificações no processo executivo, especialmente, a transformação da execução de sentença em face  do mesmo processo em que o provimento jurisdicional é proferido.

 

 

Palavras-chave: Processo Civil - Processo de Execução – Lei 11.232/2005  


 

“Por mais tarde que essa mudança tenha ocorrido, contribui sensivelmente o legislador para que se concretize no plano factual, que é onde importa,

a ocorrência da efetividade das aspirações das partes, procurando a verdadeira concessão da tutela jurisdicional.”

Joaquim Henrique Gatto

 

Introdução

 

O presente artigo analisa a problemática da nova realidade do processo de execução, face ao advento da Lei 11.232/2005, enfocando principalmente a autonomia do mesmo em comparação à realidade anterior a esta legislação no sistema processual brasileiro.

Em um breve relato histórico, percebe-se que desde a década de 40, Enrico Tullio Liebman influenciou a cultura jurídica nacional, tendo sido a grande inspiração do Código de Processo Civil brasileiro de 1973. Dentre seus ensinamentos mais profundos, por oportuno, destacam-se os sobre distinção entre processo de conhecimento e processo de execução, como realidades jurídicas diversas e complementares.

Todavia, deve-se perceber que a sociedade atual não possui mais os mesmos valores que a da década de 1970, fato que ocasionou uma incompatibilidade entre a legislação processual cível, as lides e sua resolução, fato que ficou evidenciado na baixa efetividade dos provimentos jurisdicionais e na morosidade do processo executivo. Tais motivos impuseram a realização de reformas com o fim de alcançar a pacificação dos conflitos sociais.

Diante de tal realidade, ressaltam-se as inúmeras alterações do Estatuto instrumental brasileiro e a efetiva superação do paradigma liebmaniano, face ao surgimento do novo modelo de execução de sentença.

Nesse diapasão, o presente trabalho é dividido em três principais momentos. No primeiro deles analisar-se-á as principais reformas pelo qual a legislação processual civil brasileira passou nos últimos anos, enfatizando quais as mudanças mais significativas que cada uma delas introduziu. Em seguida, enfocar-se-á como os ensinamentos de Liebman, sobre a separação entre o processo de cognição e o de execução, foram superados com o advento da Lei n.º 11.232/2005. Finalizando o estudo, será feita uma analise sintética do novo modelo de execução de sentença, fruto das reformas processuais, especificadamente e relação à lei supracitada, todavia, sem a pretensão de esgotar o tema.

 

 

  1. Análise sintética das reformas do Código de Processo Civil.

 

As alterações do Código de Processo Civil Brasileiro (CPC) remontam ao seu período de vacância, quando a Lei 5.925/73 retificou a redação de noventa e três artigos, além de modificar a epígrafe de uma Seção e de um Capítulo do referido estatuto.

Todavia, as modificações pertinentes ao presente estudo, inserem-se no que a Ciência do Direito denominou de reforma do CPC, entendida como um movimento de modificações setoriais do Estatuto Civil Instrumental brasileiro, iniciaram, efetivamente, durante a década de noventa.

No primeiro momento dessa reforma, destaca-se o advento da Lei n°. 8.455/1992, que alterou a prova pericial; a Lei n°. 8.710/1993, que modificou a citação; a Lei n°. 8.898/1994, que inovou a liquidação de sentença; a Lei n°. 8.953/1994, que modificou o processo de execução; a Lei n°. 9245/1995, que substituiu o procedimento sumaríssimo pelo procedimento sumário, dentre outras.

Na segunda fase das reformas, merece relevo a Lei n°. 10.444/2002, responsável pela alteração dos dispositivos relativos ao processo de conhecimento e de execução, concluída, pela Lei n°. 11.232/2005. Por fim, já na terceira etapa de alterações, frisa-se, por relevante, a Lei. n°. 11.382/2006, que modificou dispositivos da Lei nº. 5.869, relativos ao processo de execução e a outros assuntos.

É pertinente esclarecer que foi na segunda etapa de reformas do Estatuto Processual Civil brasileiro que houve o rompimento definitivo com o modelo criado por Liebman, até então, dominante no ordenamento jurídico pátrio, qual seja, o paradigma da completa autonomia do processo de execução em relação ao processo de conhecimento.

 

  1. O rompimento do paradigma liebmaniano face ao advento da Lei 11. 232/2005.

 

O Código de Processo Civil Brasileiro foi elaborado com base nas teorias desenvolvidas pelo professor italiano, Enrico Tullio Liebman. Dentre seus ensinamentos mais profícuos, sobressai a autonomia do processo de execução frente ao processo de conhecimento.

A doutrina pátria, até a década de 90, foi uníssona em reafirmar os ensinamentos deste doutrinador, destacando-se os professores José Frederico Marques, Cândido Rangel Dinamarco, Ernane Fidélis dos Santos, Moacyr Amaral Santos, Alfredo Buzaid, em lista não exaustiva.

Para esses cientistas do Direito, o processo de execução não possui identificação com o processo de conhecimento, tratando-se de relação jurídica completamente autônoma. Nesta esteira, oportuno citar o magistério do professor Ernane Fidélis dos Santos, qual seja:

 

O processo de execução nada tem que ver com o processo de conhecimento. É relação jurídica completamente autônoma O que pode ocorrer é a execução fundamentar-se em título oriundo do processo de conhecimento, mas sem ser dele nenhuma continuação.

 

Na mesma direção, Cândido Rangel Dinamarco sustentou que o processo executivo é um processo autônomo, distinto e diferente do processo de conhecimento, ainda quando a execução tenha por fundamento um título judicial.

Porquanto o magistério do professor Liebman, influenciou e, ainda, influencia os processualistas brasileiros. Em abono a tal afirmação, leciona Dinamarco que:

 

Os pensamentos e escritos de Liebman, notadamente aqueles voltados ao direito brasileiro, vieram a projetar-se intensamente na cultura processualística de nosso país, com intensa repercussão, desde logo, na doutrina dos que com ele conviveram e, ao longo de todas essas décadas, no pensamento formado entre os discípulos de seus discípulos. Daí a idéia orgânica de uma verdadeira Escola, responsável pelas conquistas de então e de agora, tanto em sede doutrinária quanto no direito positivo brasileiro.

 

Porém, a doutrina pátria mais moderna posicionou-se na contramão destes preceitos, defendendo a desnecessidade da dicotomia existente entre processo de conhecimento e de execução, pois a exigência de submeter o credor a dois processos para ter sua pretensão resolvida, transformou-se em barreira desnecessária.

Tais cientistas do Direito  advogam que o modelo adotado pelo CPC brasileiro não era o mais adequado, pois o referido diploma, embasado na doutrina até então dominante, tratava o processo de execução como um processo a parte do processo de conhecimento, sendo certo que por ser uma única pretensão posta em juízo deveria existir um único provimento jurisdicional efetivo.

Em abono a tal corrente doutrinária, duas leis passaram a vigorar, quais sejam: a Lei 10.444/2002 e a Lei 11.232/2005. Com esta, supera-se, definitivamente, a dicotomia entre processo de conhecimento e processo de execução.

Nesta esteira, mais uma vez oportunas as lições do Prof. Alexandre Freitas Câmara que ensina:

Pois agora, com a Lei 11232/05, o Código de Processo Civil muda definitivamente de paradigma. Abandona-se o modelo liebmaniano e se passa a um sistema em que a execução de sentença é mero prolongamento do processo em que tal sentença tenha sido proferida. Completa-se, deste modo, a reforma do sistema de execução de sentença, iniciada coma aprovação da Lei. 10.444/02.

 

É lícito concluir que a Lei 11.232/05 alterou profundamente o modelo processual até então adotado no país, ou seja, abandona-se a idéia da existência de processos distintos e passa-se a pensar em um processo misto que se desenvolve em duas fases distintas, um procedimento de conhecimento seguido por um de execução.

 

  1. O novo modelo da execução de sentença.

 

A nova realidade, iniciada pelo advento da lei 10.444/2002 e finalizada pela vigência da Lei 11.232/2005, com aquela extinguindo o processo autônomo de execução para as sentenças que estabeleciam obrigações de fazer, não fazer e entregar e, com esta suprimindo o processo de execução autônomo nas sentenças condenatórias. Dessa forma, a execução firmou-se como mero prolongamento de um mesmo provimento jurisdicional, superando, em definitivo, o paradigma da autonomia do processo de execução em relação ao de conhecimento, em prol da efetividade da prestação jurisdicional.

Cabe destacar a diferença entre a execução fundada nos arts. 461 e 461-A do CPC daquela elencada no art. 475-I e ss. do CPC. Nesta, introduzida pela Lei n.º 11.232/2005,  a execução não poderá ser realizada de oficio pelo magistrado, devendo haver manifestação da parte para que o titulo judicial seja executado. Naquela, oriunda da Lei n.º 11.444/202, a execução é feita ex offício pelo juiz e só é aplicável às obrigações de fazer e não fazer e de pagar quantia certa.

Nesta linha de raciocínio, relevante o magistério do professor Gatto:

 

 A Lei 10.444/02 suprimiu o processo autônomo de execução para as sentenças não condenatórias, quais sejam, fazer, não-fazer (461 CPC) e entregar (461-A CPC). A Lei 11.232/05 faz desaparecer o processo autônomo de execução nas sentenças condenatórias, fazendo com que aquela seja uma continuação dentro do processo de conhecimento. Comemora-se enfim, a extinção da execução de título judicial mediante processo autônomo.

 

Em outras palavras, superou-se a idéia recorrente na doutrina da dicotomia entre processo de conhecimento e execução, passando a execução a ser prolongamento do processo em que a sentença foi proferida. Dessa forma, após a decisão jurisdicional, inicia-se tão somente um procedimento de execução da ordem ali prolatada, com ou sem a necessidade da manifestação da parte.

Todavia, é importante esclarecer que as alterações proporcionadas pelas leis 10.444/2002 e 11.232/2005 não extinguiram o processo de execução. Destaca-se, neste sentido, a execução de títulos extrajudiciais e a de títulos judiciais cuja satisfação não seja prolongamento da atividade cognitiva, como ocorre, por exemplo, no caso de execução de sentença arbitral.

Porquanto, afasta-se o mito da abolição do processo de execução no ordenamento jurídico brasileiro. Na realidade, o legislador pátrio, auscultou os reclamos da sociedade por uma tutela jurisdicional efetiva, e transmudou a expropriação de bens do devedor em fase de um mesmo provimento jurisdicional.

Dessa forma, infere-se que, com o advento da Lei 11.232/2005 a autonomia do processo executivo não foi ferida, haja visto que, nos títulos executivos extrajudiciais e em outros casos específicos (execução de sentença arbitral, por exemplo) deve-se obedecer todos os procedimentos contidos no livro II do Código de Processo Civil.

A legislação sob analisa foi, em verdade, responsável pela modificação da incidência do processo de execução. Ou seja, houve somente uma restrição nos casos em que se pode aplicar o disposto nas normas que versam sobre o processo de execução, de forma que, nos casos de titulo executivo judicial, por exemplo, não há mais a aplicação desta parte do CPC.

 

Conclusão

 

Pode-se aferir dos argumentos desenvolvidos, que com o advento da Lei 11.232/2005, superou-se, em definitivo, o paradigma liebmaniano que influenciou durante décadas os processualistas brasileiros. No novo modelo, a execução de sentença passa a ser mero prolongamento do mesmo provimento jurisdicional, acabando-se com o binômio processo de conhecimento/processo de execução.

Resta evidenciado o papel fundamental das leis 10.444/2002 e 11.232/2005 para a efetividade dos provimentos jurisdicionais e, como consectário lógico, a satisfação dos interesses das partes de um conflito de interesses.

Ademais, é imprescindível mencionar que, nos títulos executivos extrajudiciais, bem como quando o titulo executivo judicial não for fruto de um processo de cognição, tal qual a sentença arbitral, o processo executivo continua a existir como realidade autônoma.

Portanto, o processo de execução não teve sua autonomia diminuída. Houve, ao contrário, uma mudança da aplicação do livro II do estatuto processual civil brasileiro, restringindo os casos em que se precisa iniciar um processo de execução para satisfazer a pretensão resistida. Deve-se ainda afirma que esta modificação veio a atender um anseio social, qual seja, a rapidez na prestação jurisdicional e na resolução da lide.



REFERÊNCIAS:

 

ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 2 ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a Lei n.º 11.382/2006. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

 

CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. 3 ed. Rio de Janeiro, 2007.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Liebman e Cultura Processual Brasileira. Linhas mestras do processo civil: comemoração dos 30 anos de vigência do CPC,/Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, José Horácio Halfed Rezende Ribeiro, Pedro da Silva Dinamarco(coordenadores), São Paulo: Atlas, 2004. Coordenadores de qual obra??? 

GATTO, Joaquim Henrique. Execução e efetividade processual: primeiros traços à Lei 11.232/200. Data Dez, n° 37, 2007. 

SANTOS, Ernane Fidelis. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva 2002.

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