ATUAÇÃO POLICIAL EM ABORDAGENS: UMA ANÁLISE...

Por Thyciana Maria Brito Barroso de Carvalho | 05/04/2017 | Direito

ATUAÇÃO POLICIAL EM ABORDAGENS: UMA ANÁLISE DOS CRIMES DE DESACATO E RESISTÊNCIA FRENTE POLICIAIS E CIDADÃOS


RESUMO 

O presente trabalho tem como objetivo explicar os crimes de desacato e resistência, assim como os modelos de polícia existentes no país, após tais explanações faz-se necessário a explicação do procedimento (de poder) da abordagem policial atentando aos aspectos jurídicos pertinentes e obviamente no que toca aos requisitos e impedimentos que são impostos aos policiais militares quando adentram na esfera dos direitos fundamentais dos indivíduos que são abordados. Ainda por meio de pesquisa bibliográfica, serão verificados posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema proposto, tentando “evidenciar as normas e princípios legais, constitucionais e humanitários que margeiam o ato praticado pela polícia militar consistente na abordagem policial a pessoas”.


1 INTRODUÇÃO 

Grande é a controvérsia acerca da atuação policial quando se trata de abordagens feitas, seja em blitz ou em rondas pelas comunidades. De um lado o cidadão “de bem” que sofre uma abordagem se sente constrangido com tamanha truculência utilizada pelos militares, chegando a questionar o motivo de tal abordagem, o que por algumas vezes acaba por gerar uma situação ainda mais gravosa para o cidadão, que considera excesso a força policial empregada.

Do outro lado da moeda está à autoridade militar, que no exercício de suas funções cumpre o papel para o qual fora designado, qual seja de servir a população dando maior segurança aos cidadãos, incluindo qualquer meio que esteja a seu dispor para tanto (dando voz de prisão por desacato ou por atos de resistência).

Fato que merece atenção é a existência de forças políticas que estão presentes na sociedade, no entanto, que trazem um diferencial quando empregados nos discursos dos dois lados da moeda.

Diante disso, buscou-se realizar uma pesquisa que analisasse a atuação estatal no tocante ao procedimento de abordagem adotado por policiais, e qual a influência que se tem nos direitos e garantias fundamentais do individuo em conformidade com o bem estar coletivo, bem como quai aspectos legais dos agentes públicos no que concerne a discricionariedade (sobre o que é fundada suspeita ou até mesmo sobre o cidadão ter cometido crime de desacato e/ou resistência) durante a abordagem policial. 

2 DOS CRIMES DE RESISTÊNCIA E DESACATO 

Tendo como base a polícia em seu modelo atual, e levando em conta a sua cultura de abordagens utilizando do instrumento de reação que é a força, fácil é trabalhar com situações onde a polícia intervém e criminaliza a conduta do cidadão seja por crime de Resistência art. 329 “Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio”; ou por mesmo por crime de Desacato art. 331 “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”, está ultima conduta tem sido a mais empregada pelos polícias como meio de “solução”, que é a prisão do cidadão.

O crime de desacato, nunca foi algo distante da sociedade existindo desde muito tempo, no entanto, nunca se debateu tanto a sua ainda mais crescente e frequente utilização. Apesar deste crime não está unicamente relacionado ao agente de segurança pública, mas de qualquer funcionário público, é “contra” os policiais que o crime tem maior incidência.

O núcleo desacatar “deve ser entendido no sentido de faltar com o devido respeito, afrontar, menosprezar, menoscabar, desprezar. profanar” (GRECO, 2006, p.546), os agentes públicos devem ser respeitados (assim como qualquer outro cidadão), mas não há exigência de veneração, não podendo ser interpretada como conduta criminosa a simples reprovação de seus atos.

Quase sempre “há uma confusão” por parte das autoridades policiais, principalmente quando essas autoridades são questionadas por um cidadão ou mesmo frente a uma reclamação de qualquer natureza, que ocorre principalmente quando se trata das abordagens realizadas pelos policiais, seja em abordagens feitas pelas rondas nas comunidades seja nas abordagens pessoais, em veículos, nas blitz, uma vez que, uma reclamação, questionamento ou até mesmo uma simples oposição pelo cidadão em qualquer uma dessas hipóteses, no entender dos policiais, já se configura crime de desacato ou resistência.

É perceptível que o medo que o cidadão tem de sofrer a repressão dos agentes de segurança tem diminuído, na medida em que tem sido crescente número de ações/recursos alegando Abuso de Autoridade por parte dos polícias tem chegado ao Poder Judiciário demonstrando a total insatisfação e violação aos direitos fundamentais do cidadão. O abuso de autoridade nada mais é que a prática de atos que ultrapassem o exercício das atribuições do funcionário público. Existem pelo menos três pressupostos para que haja esse abuso de autoridade, são eles: ilicitude do ato praticado; que o ato seja praticado por funcionário público no exercício de suas atividades habituais; que não haja motivo que o legitime.

Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça: 

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. MILITAR. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. ART. 4º, A, DA LEI N. 4.898/65. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 172 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. Na hipótese dos autos, os policiais militares agiram com abuso de autoridade, ao abordarem as vítimas, exigindo a apresentação da identidade civil, sob o argumento de que as identificações militares apresentadas somente teriam validade se exibidas junto com a identificação civil, além de terem detido as vítimas sob alegação de desobediência.

O crime de desobediência ocorre quando há o descumprimento de uma ordem legal de funcionário público, o que não se verifica no caso concreto, uma vez que as determinações dos policiais não encontravam respaldo legal, restando caracterizado, em tese, o crime de abuso de poder por parte dos policiais militares. Não há falar em crime de constrangimento ilegal (art. 222 do Código Penal Militar - CPM), porquanto ausente a grave ameaça ou violência na conduta dos policiais, necessária para caracterização do referido crime militar. Pratica o crime de abuso de autoridade o agente que, em represália por justa cobrança de parte da vítima, faz-lhe exigências descabidas, culminando por conduzi-la à presença da autoridade policial. A falta de justa causa para o procedimento faz realçar a represália como único e condenável intuito o agente. O abuso de autoridade cometido em serviço, por policial militar, deve ser julgado pela Justiça Comum. Incidência da Súmula n. 172/STJ 

3 MODELOS DE POLÍCIA 

“A atuação da polícia no Brasil desde o século XIX pode ser descrita como uma demarcação de fronteiras entre escravos e homens livres, cidadãos trabalhadores e grevistas, cidadãos honestos e criminosos, homens de bem e vadios” (BOHN, 2014). Essa postura da polícia tradicional aparece perfeitamente durante o período do regime militar que foi de 1964-1985, o autoritarismo, a violência e a arbitrariedade eram justificados para que fosse mantida a ordem e a segurança nacional. Foi exatamente nesse contexto ideológico de guerras que os policiais foram formados, vários eram as torturas físicas e psicológicas sofridas por esses oficiais em formação. “Esta cultura institucional militarizada, bem como suas práticas e treinamentos foram disseminadas de geração a geração dentro das academias de polícia” (BOHN, 2014), foi somente com o final do período da ditadura militar que se pensou em novas políticas de segurança pública com o objetivo de melhorar ou modificar o modelo (atual) tradicional de polícia.

O descompasso existente estre as mudanças sociais e políticas que ocorrem desde a década de 90, e a prática da polícia acaba por gerar uma crise nos ramos das polícias brasileiras, principalmente das policias militares (já que estas lidam diretamente e de forma ostensiva com os cidadãos), crise essa, advinda da relação Estado-sociedade “em conseqüência da falta de sintonia entre o avanço social e a prática policial, ampliada pela ausência de um processo dinâmico e otimizado que faça funcionar um sistema de segurança pública para a realidade brasileira” (BENGOCHEA, et. al. 2004, p. 119) pois há uma disparidade entre os avanços sociais e a prática da polícia, o que se torna ainda mais complexo devido à ausência de meios ou ações que façam funcionar de fato (e não apenas no discurso) a segurança pública para a realidade vivida no Brasil, pois a sociedade já demonstra reações da extrema necessidade de mudança do modelo atual de polícia existente, uma vez que, para um Estado Democrático de Direito requer-se uma polícia diferente, uma polícia cidadã.

Tem-se o modelo tradicional de polícia, onde o uso da força tem sido o principal, quase o único meio de intervenção estatal, e esta fora tem sido empregada de forma totalmente desqualificada e antiprofissional, beirando a ilegalidade, pois a repressão tem sido utilizada para reprimir o problema. Importante ressaltar que nesse modelo histórico-cultural, no tocante à distribuição dos policiais, é (quase) sempre feita por interferência política, sem mencionar o baixo salário existente entre as patentes.

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