ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO: ANÁLISES PONTUAIS SOBRE A LEI FEDERAL Nº. 12.850/2013
Por Antônio Franceildo Soares Matias | 15/02/2015 | DireitoFACULDADE DE DIREITO PROFESSOR DAMÁSIO DE JESUS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
ANTÔNIO FRANCEILDO SOARES MATIAS
ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO: ANÁLISES PONTUAIS SOBRE A LEI FEDERAL Nº. 12.850/2013
UBERLÂNDIA
2014
ANTÔNIO FRANCEILDO SOARES MATIAS
ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO: ANÁLISES PONTUAIS SOBRE A LEI FEDERAL Nº. 12.850/2013
Monografia apresentada à Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal, como exigência parcial para obtenção do título de especialista em Direito Penal e Processo Penal, sob orientação do Professor Roberto Sein Pereira.
UBERLÂNDIA
2014
ATA DE APRESENTAÇÃO E DEFESA DE MONOGRAFIA
Aos _____ dias do mês de _________ do ano de dois mil e quatorze, às ___ : ___ horas, nas dependências da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus - Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal, na presença da Banca Examinadora, composta pelos professores Roberto Sein Pereira (orientador), _________________________________ e ______________________________, o aluno ANTÔNIO FRANCEILDO SOARES MATIAS, apresentou a monografia intitulada ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO: ANÁLISES PONTUAIS SOBRE A LEI FEDERAL Nº. 12.850/2013, como elemento obrigatório para obtenção do título de especialista em Direito Penal e Processo Penal.
A Banca Examinadora, após a apresentação e arguições, reuniu-se reservadamente e deliberou, segundo os critérios estabelecidos no Regulamento de Monografia do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus, devidamente observados por cada membro da Banca, concluindo pela ( ) aprovação ( ) reprovação ( ) aprovação com ressalvas do aluno conforme segue:
Roberto Sein Pereira Nota ___
Professor Orientador ____________________________________________.
______________________________________________________________ Nota___
Professor Convidado ____________________________________________.
______________________________________________________________ Nota___
Professor Convidado ____________________________________________.
A nota final da Monografia resultou em _______ Conceito _______.
Eu, professor orientador Roberto Sein Pereira, na qualidade de presidente, lavrei a presente ata que será assinada por mim, pelos demais membros e pelo aluno.
Uberlândia, _____ de ______________ de 2014.
Assinaturas:
Presidente (Roberto Sein Pereira): ___________________________________.
1º Avaliador (___________________________________): _______________.
2º Avaliador (___________________________________): _______________.
Aluno (ANTÔNIO FRANCEILDO SOARES MATIAS): ________________.
TERMO DE APROVAÇÃO
O aluno, ANTÔNIO FRANCEILDO SOARES MATIAS, matrícula nº. 1464808, telefones: (34) 9184-6416, (34) 8817-2292 e (34) 9792-2292, e-mail: franceildosm@hotmail.com, regularmente matriculado na Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus - Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal, apresentou e defendeu a Monografia ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO: ANÁLISES PONTUAIS SOBRE A LEI FEDERAL Nº. 12.850/2013 obtendo da Banca Examinadora a média final de _______, tendo sido considerado APROVADO.
Uberlândia, _____ de _____________ de 2014.
______________________________________________________________
Professor Orientador Roberto Sein Pereira
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Professor Convidado _________________________________________
______________________________________________________________
Professor Convidado _________________________________________
_______________________________________________________________
Aluno ANTÔNIO FRANCEILDO SOARES MATIAS
Dedico esse trabalho aos meus pais, ANCELMO MATIAS NETO e FRANCISCA SEVERINA SOARES, por todo amor e educação que me deram durante essa longa jornada da vida. Tenho convicção que minha evolução se deu em razão do companheirismo diuturno desses heróis.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, protagonista de toda honra, por Ele ter me proporcionado o sabor da vida e guiado seus planos à grandes acontecimentos em meu ser.
À minha adorada mãe, que sempre batalhou do meu lado, tendo, inclusive, renunciado o seu direto de liberdade para fortalecer-me diante dos obstáculos que houve nesse intenso caminho.
Ao meu amado pai, meu velho guerreiro, que sempre me inspirou nas lutas da vida, incentivando-me aos estudos e aconselhando-me sobre as tomadas de decisões imprescindíveis.
À minha família, que sempre me apoiou e apostou no meu sucesso profissional, impulsionando-me cada vez mais a batalhar, de forma humana, pelos meus objetivos.
Aos meus amigos, sem citar nomes, pois seria inevitável o esquecimento de algum, seja por motivos de distância ou por outro qualquer.
Aos meus mestres: Dr. Fábio Ladeira Amâncio, Juiz de Direito Coordenador do Juizado Especial de Uberlândia, pelos ensinamentos judiciosos; Dr. Marco Aurélio Nogueira, Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal de Uberlândia, pelas manhãs criminais que aperfeiçoaram meus conhecimentos jurídicos e ao Dr. Eduardo Henrique Lemos, Delegado da Polícia Civil Mineira, pelos ensinamentos prático-jurídicos da fase pré-processual.
Aos meus professores da Pós-Graduação Damásio de Jesus, que bastante preparados plantaram sementes de conhecimento sobre minha pessoa, fazendo com que eu aperfeiçoasse cada vez mais os meus estudos.
Por fim, àqueles que de alguma forma contribuíram para o meu desenvolvimento pessoal e profissional.
"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto."
(Rui Barbosa)
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a análise do crime organizado no Brasil sob os aspectos da Lei nº. 12.850/2013. Para tanto, partiremos de uma noção do crime organizado no direito estrangeiro até chegarmos ao contexto brasileiro, e como enfrentarmos esse fenômeno com o respaldo na Lei nº 12.850/2013.
O trabalho abordará temas como: conceito, estrutura, modus operandi, tecnologias de últimas gerações, o mundo globalizado e o desenvolvimento do crime organizado, bem como a inércia do Estado como fator contribuinte para o crescimento descontrolado e assustador das diversas organizações criminosas.
Posteriormente tentaremos demonstrar como a comunidade internacional e a brasileira vem se preparando para o enfretamento do crime organizado dentro de seus territórios, a partir dos parâmetros legais de combate ao crime organizado, trazidos pela Nova Lei de Organização Criminosa, Lei nº. 12.850 de 2 de agosto de 2013.
Palavras – chave: Direito Penal. Crime Organizado. Análise da Lei Federal nº. 12.850/2013.
ABSTRACT
This paper aims at analysis of organized crime in Brazil under the aspects of Law. 12.850/2013. To do so, we depart from a notion of organized crime abroad right until we reach the Brazilian context, and how to confront this phenomenon backed by Law No. 12.850/2013.
The work will address topics such as: concept, structure, modus operandi, the latest generation technologies, the globalized world and the development of organized crime as well as the inertia of the state as a contributing factor to the uncontrolled growth and scary the various criminal organizations.
Later we will argue how the international community and the Brazilian has been preparing for coping organized within their territories, from the legal parameters for combating organized crime, brought by the New Law of Criminal Organization Law No. crime. 12.850 of 2 August 2013.
Key words: Criminal Law. Organized Crime. Analysis of Federal Law. 12.850/2013.
Sumário
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1
1.HISTÓRIA DO CRIME ORGANIZADO ......................................................................... 5
1.1 O Crime Organizado no Brasil ...................................................................................... 5
1.2 Principais Organizações Criminosas no Mundo ........................................................... 8
1.3 A Definição de Organização Criminosa ...................................................................... 13
1.4 Estrutura das Organizações Criminosas ........................................................................ 17
1.4.1. A Divisão Direcionada de Tarefas ......................................................................... 18
1.4.2. Os Membros das Organizações .............................................................................. 18
1.5. A Globalização e a Criminalidade Organizada ............................................................. 19
2. CRIME ORGANIZADO E A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO DIREITO PENAL COMPARADO ...................................................................................................................... 21
2.1. No Direito Francês ......................................................................................................... 22
2.2 No Direito Italiano .......................................................................................................... 22
2.3. No Direito Português ..................................................................................................... 23
2.4. No Direito Espanhol ...................................................................................................... 23
2.5. No Direito Argentino ..................................................................................................... 24
2.6. No Direito Chileno ........................................................................................................ 25
2.7. No Direito Cubano ......................................................................................................... 26
3. O CRIME ORGANIZADO NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO ........................... 27
3.1 Inovações trazidas com a Lei nº. 12.850/13 ................................................................... 29
3.2 Persecução Penal e Meios de Prova ................................................................................ 30
3.3 Da Colaboração Premiada .............................................................................................. 31
3.3.1 Requisitos e Consequências da Colaboração Premiada ............................................... 32
3.3.2 Dos Direitos do Colaborador ....................................................................................... 34
3.4 Da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos ...................... 36
3.5 Da ação controlada ......................................................................................................... 36
3.6 Do acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais ............ 38
3.7 Da interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica .............................................................................................................................. 39
3.8 Do afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica .............................................................................................................................. 39
3.9 Da infiltração, por policiais, em atividade de investigação ............................................ 40
3.10 Da cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal ........ 44
3.11 Das Disposições Gerais Previstas na Lei nº. 12.850/2013 ........................................... 44
3.11.1 Artigo 288 do Código Penal e suas alterações ........................................................... 46
3.11.2 Artigo 342 do Código Penal – Falso Testemunho – Alteração da Pena ................... 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 49
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 51
INTRODUÇÃO
Na abordagem deste trabalho, será utilizada uma metodologia baseada em fundamentação teórica, realizando-se pesquisa de leis, livros e jurisprudência que tratam sobre a Nova Lei de Organização Criminosa.
Serão empregadas técnicas de leitura analítica, cuja finalidade é elucidar o conceito, estrutura e finalidade do Crime Organizado, com base na análise da Nova Lei de Organização Criminosa, Lei Federal nº. 12.850 de 2 de agosto de 2013.
Recentemente, o Brasil tem se surpreendido com diversas organizações criminosas que vêm crescendo de forma incessante em nossa sociedade que, em razão das impunidades escancaradas, já não acredita mais nas forças estatais que, além de muitas vezes serem inertes, agem também com desvio de conduta através de seus representantes no judiciário, no executivo e nas casas legislativas.
Atualmente, o crime organizado é um dos problemas mais graves que o Estado vem enfrentado, é um enigma que se alastra nas instituições governamentais, inclusive com a participação do alto escalão do governo, cuja atividade fim é o enriquecimento a qualquer custo.
É sabido que a evolução do crime organizado se deu ainda dentro do sistema prisional, onde indivíduos que se encontravam segregados pelo Estado começaram a constituir sociedade para diversos fins ilícitos. Nascia nesse momento a verdadeira criminalidade organizada, com o objetivo de cessar as opressões do sistema penal brasileiro e intimidar toda a sociedade.
A evolução natural da humanidade, decorrente da modernização dos meios de comunicação, equipamentos tecnológicos de toda natureza, dos meios de transporte e de processamento de dados, trouxe também a reboque o incontrolável incremento da criminalidade, e, em especial, da criminalidade organizada. A sociedade transformou-se ligeiramente nas últimas décadas e a legislação criminal também se vê diante da emergencial necessidade de adaptação.
Já não são suficientes somente os métodos de investigação previstos no Código Penal de 1940. Ademais, o não acompanhamento da legislação penal no âmbito social causa uma sensação conhecida no Direito Penal como anomia. Assim, explica com mais precisão o professor Rogério Greco (2010, p. 25),
A anomia pode ser concebida de duas formas: em virtude da ausência de normas, ou, ainda, embora existindo essas normas, a sociedade não lhes dá o devido valor, confiando na impunidade, que se mostra transparente em razão da inflação legislativa penal. Por mais paradoxal que possa parecer, aquilo que chamamos de inflação legislativa, ou seja, o número excessivo de normas, pode nos conduzir à sensação de anomia. Isto é, quanto mais normas, maior a sensação de ausência de leis, em face do sentimento de impunidade.
Entre elas, algumas de muita importância, a exemplo da Lei nº. 11.343/2006, que trata dos delitos de tráfico de entorpecentes, a Lei nº. 9.613/98, a qual trata da lavagem de capitais e a Lei nº. 8.072/90, que trata dos crimes hediondos. Todas elas convivem no sentido de viabilizar a Administração da Justiça a dar uma resposta minimamente eficiente à criminalidade contemporânea através da Lei nº. 12.850/13 que, com grandes inovações, estabelece mecanismos de investigação adaptados aos meios tecnológicos postos à sua disposição.
A utilização dessa legislação segue sempre carregada de dúvida quanto à forma de aplicação para a permissidade constitucional, bem compreendida nos exatos âmbitos de alcance, incorpora-se à sistemática jurídica, revela-se aplicável e constitui importante arma na incansável luta contra a delinquência organizada. Infiltra-se sorrateiramente no subterrâneo estatal ou reveste-se de sereia fora d’água, que esconde a cauda de escorpião e golpeia violentamente a inocência ou transvestida de colarinho branco, apresenta-se idônea quando carrega no seu interior inigualável tumor maligno.
Como a criminalidade se desenvolve de maneira assustadora e, por outro lado, a legislação encontrava-se ultrapassada, se viram as autoridades obrigadas a criar uma lei para combater tais organizações criminosas, pois os meios que eram empregados eram inadequados tanto para investigação como para combate dessas organizações.
Com o péssimo costume de remendar as leis, o legislador brasileiro ao invés de criar uma nova lei que tomasse conta de toda a matéria começou à tradicional e velha arte de remendar a legislação que existia, publicando imediatamente algumas inovações, em busca do combate às organizações criminosas, sendo, ainda, insuficientes os mecanismos processuais da investigação ao precário meio colocado à disposição das autoridades.
O simples fato da existência do crime organizado fez com que a legislação restritiva de direitos e garantias fundamentais fosse ampliando cada vez mais no âmbito jurídico e de maneira extraordinariamente assistemática, por não conseguir sequer estabelecer o conceito de organização criminosa. Passou-se, então, a segmentar um campo na sociedade em que a intervenção estatal se tornou habilitada de forma mais brutal, ficando as pessoas submetidas a algumas limitações de direitos e garantias, o que ficou conhecido por direito penal do inimigo.
Todavia, a doutrina majoritária repudia o direito penal do inimigo, aduzindo-se tratar de um direito insuportável. Nesse sentido lecionam os professores Zaffaroni e Pierangeli (1999, p. 119),
Seja qual for a perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal do autor (culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ‘ser’ de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação.
É do conhecimento das autoridades que o crime organizado contribui diretamente para a cifra obscura da criminalidade e se beneficia diretamente das legislações fracas existentes em vários países, como, por exemplo, da legislação do Brasil que é conhecido como o país da impunidade.
Tentando minimizar esse câncer social, a nova lei de organização criminosa, Lei nº. 12.850/2013, além de proclamar o conceito de organização criminosa, autoriza também a utilização de meios excepcionais de persecução penal, próprios de modelos autoritários ou sociedades imersas em conflitos extremos, como, por exemplo, as guerras civis, para a normalidade do dia a dia do processo penal brasileiro.
A grande dificuldade está na apuração dos delitos cometidos por essas organizações, pois seus membros são fiéis, dificultando ao máximo a coleta de prova. Percebe-se que a cultura de dificultar a coleta da prova é passada dos criminosos mais velhos aos mais novos, sinalizando a cultura de desfazer da prova com objetivo de não entregar de qual organização criminosa o indivíduo pertence.
As organizações criminosas com objetivos de agregar mais membros para prática de delitos oferece tudo que é proibido, bem como rejeita o que já está esgotado no mercado do crime. Isto é, o crime organizado dá a seus membros, de modo geral, como forma de pagamento, sexo, prostituição, drogas, diversão e proteção.
Entre vários conceitos jurídicos e econômicos político sociais, a demonstração de que o crime organizado é um poder não legitimado pela sociedade, que cresce de uma maneira a assustadora e vem atuando nas lacunas deixadas pelo poder estatal, demonstra a falência do Estado Democrático de Direito no combate ao crime organizado.
1. HISTÓRIA DO CRIME ORGANIZADO
1.1 O Crime Organizado no Brasil
No século XX, anos 90, conhecido como a década das organizações intergovernamentais, registravam-se mais de 350 (trezentos e cinquenta) desses órgãos, enquanto que o número de Estado não atingia sequer a soma de 200 (duzentas) unidades.
A intenção de confraternização e cooperação entre os povos e comunidades constitui ideia bastante antiga na história da humanidade, passando posteriormente a consolidar-se em formas de assembleias, patronatos, ligas e associações de natureza permanente e relações regulares, gerando vínculos, servindo de importante instrumento e meio de solução para concretizar interesses comuns dos Estados.
Os antecedentes mais antigos destas coletividades apontam ao século VII a. c., junto às assembleias realizadas entre povos chineses, em face das ameaças do poder hegemônico lá exercido pelo Reino de Chu. Já a Grécia clássica apresentava duas formas curiosas destas associações: conselhos ou patronatos - criados pelas polis, objetivando compartilhar credo e cultos.
Observando-se a trajetória, percebe-se que a criminalidade se desenvolve junto com a sociedade e suas civilizações. Para Emile Durkheim (DURKHEIM. 1899, p. 4,), “nos tempos antigos os crimes se dividiam em duas partes, senda a primeira, os crimes religiosos cometidos contra os deuses, e a segunda contra as autoridades e seus representantes, os costumes e tradições”.
Com a evolução da sociedade, as civilizações e criminalidades vão acompanhando e se transformando junto com a realidade dos tempos, evoluindo-se do modelo religioso ao individual e, desta forma, culminando com a atual criminalidade das organizações criminosas e dos crimes organizados.
O crime organizado no Brasil se dá através de várias formas, dentre elas encontra-se a união entre presos políticos e preso comuns, vez que durante o regime militar de 1964 todos os que se opunham a ele eram condenados à prisão. Nessa esteira, o resultado destas prisões foi a convivência e o aprendizado dos presos comuns às táticas de guerrilha e à forma de organização e hierarquia passada pelos presos políticos.
Nesse mesmo sentido aduz o jornalista Amorim:
Sessenta e seis homens condenados por atividades revolucionárias passaram pela Galeria B, entre 1969 e 1975, quando os presos políticos começaram a ser transferidos para uma unidade especial do Departamento do Sistema Penitenciário (Desipe). [...] Naquele mesmo setor do Instituto Penal Cândido Mendes – a Galeria B – estavam os presos comuns condenados por crimes previstos na LSN, como assaltos a bancos e instituições financeiras. O governo militar tentou despolitizar as ações da esquerda, tratando-as como “simples banditismo comum”, o que permitia também uma boa argumentação para enfrentar as pressões políticas internacionais em prol da anistia e contra as denúncias de tortura. Nivelando o militante e o bandido, o sistema cometeu um grave erro. O encontro dos integrantes das organizações revolucionárias com o criminoso comum rendeu um fruto perigoso: o Comando Vermelho. (2004, p. 58)
Todavia, foi nos anos 70 e 80 que o crime organizado mostrou sua verdadeira face. Nessa época, surgiram varias organizações dentro dos presídios do Rio de Janeiro como, por exemplo, a Falange Vermelha, que nasceu dentro do presídio de ilha grande e é formada por quadrilha especializada em roubo a banco.
Senão bastasse, em sequência cronológica, surgiu também o Comando Vermelho, originado dentro de Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de drogas. Em período sequente, o Terceiro Comando surge através do Comando Vermelho, que discordava da prática de sequestro perpetrada por grupos criminosos. Em meados da década de 90 surge em São Paulo, no presídio de segurança máxima anexo à casa de custódia de Taubaté, a organização criminosa Primeiro Comando da Capital, conhecida atualmente como PCC.
O Primeiro Comando da Capital, com atuação diferenciada em vários Estados brasileiros, patrocinava rebeliões, prática de roubos a bancos e carros fortes, extorsão de familiares de detentos, sequestro, tráfico de drogas e mantinha ligação com organizações criminosas internacionais.
No Brasil, torna-se perceptível a dificuldade no campo do estudo e investigação sobre o fenômeno do crime organizado, o que dificulta qualquer esforço na identificação e análise das organizações criminosas existentes, vez que estas, por sua vez, são bem estruturadas, bem como contam com o apoio de vários funcionários público que se deixam corromper.
As organizações criminosas brasileiras mais conhecidas são: o Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando (TC), ambas com sede no Rio de Janeiro, sendo a primeira surgida nos anos 70, no presídio de Ilha Grande e a segunda nos anos 80, fruto da divisão entre criminosos. Há também a Amigos dos Amigos (ADA), criada em 1994, a partir de conflitos internos no Comando Vermelho.
Um dado interessante que não pode ser esquecido é a conexão “organizações criminosas dos morros cariocas” – Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos - com o Poder Público brasileiro e seus agentes instrumentalizados pela corrupção, sem a qual não seria possível identificá-los como organização criminosa.
Ademais, é sabido que o crime organizado não está concentrado somente no Rio de Janeiro, até porque é notório que em São Paulo também o se faz presente, como, a título de exemplo, tem-se o PCC (Primeiro Comando da Capital). Insta salientar mais uma vez que tal organização exerce rebeliões, sequestro relâmpago, assaltos a bancos, tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro, fraudes contra o INSS, resgate de presos, roubos a carro de transporte de valores, extorsão de familiares, atentado a órgãos públicos, pistolagem e matança de policiais, dentre outros.
1.2 Principais Organizações Criminosas do Mundo
Algumas das organizações criminosas alienígenas de maior expressão são as máfias siciliana e americana, a camorra, a Ndrangheta, a Sacra Corona, Unita, a Organizacija, as Traides chinesas, a Yakuza e os carteis Colombianos, todas trasnacionais. Passemos à análise de cada uma delas.
A Máfia siciliana, como relata Walter Maiierovitch, “... logrou introduzir na Sicília, um sistema de controle social, que longe está de ser eliminada pelo Estado, a primeira organização a estabelecer uma net com carteis colombianos”. É a mais potente organização internacional, mesmo encontrando-se presos seus principais Chefes: Totó Reiina e Bernardo do Provenzano. (MAIEROVITCH, op., cit., p, 1-2).
Tem ao seu dispor cerca de 5.000 membros, encontrados em mais de 180 cosche, e centenas de simpatizantes. Possui conexão em toda a Itália, tendo vínculo com a Camorra, a Ndrangheta e a Sacra Corona Unita e conexões internacionais com a Máfia americana, Organizacija, os carteis colombianos e as Triades chinesas, apresentando ainda células mafiosas na Alemanha, na Grã-Bretanha, Bretanha, na Bélgica, na França, na Espanha e no Brasil.
Como atividades mais visadas pela Cosa Nostra siciliana, incluem-se tráfico de drogas, as extorsões, as operações financeiras de lavagem de grade somas de dinheiro e a participação em obras publicas, mediante chantagens. Fora de conhecimento público que esta organização criminosa opera como uma espécie de contadoria para acordos internacionais e rotas de trafico de drogas, sendo que o tráfico internacional de drogas tornou-se a sua atividade maior.
No que tange à Máfia americana, ela está estabelecida em muitos dos territórios americanos, mas, também exibe ligações internacionais com organizações do porte da Cosa Nostra siciliana, dos carteis colombianos e da Organizacija. Atua preponderantemente no tráfico de drogas, nos jogos ilícitos, nas extorsões, na usura, na prostituição, tráfico de armas, além de estender sua influência aos sindicatos por meio de lobby e penetrar no mundo dos negócios, como no da construção e no dos alimentos no atacado, entre outras atividades.
Como estratégia usual de operação da Máfia, está o equívoco e poderoso instrumento da corrupção de autoridades, associadas aos pactos de respeito mútuo com outros grupos criminosos estabelecidos na área de atuação comum.
Pela avaliação de Walter Maierovicht, a estrutura em pirâmide da Cosa Nostra americana conta com 3.000 (três mil) soldados distribuídos em 25 (vinte e cinco) famílias – das quais 05 (cinco) em Nova York, estas consideradas as de maior prestígio e influência sob liderança de uma comissão que aglutina 24 (vinte e quatro) desses maior clãs criminosos, sendo que se encontram presos ainda, segundo o autor, 20 (vinte) dos 25 (vinte e cinco) chefes máximos, bem como 300 (trezentos) soldados de Nova York. (PELLEGRINE, COSTA JR., op., cit., p, 75-76).
A Camorra, por sua vez, reúne mais de 100 (cem) grupos e, por volta de 6.700 (seis mil e setecentos) membros, com atuação, sobretudo na Campânia, região de Nápoles, na Itália, ostenta entre suas principais atividades, o tráfico de drogas, as extorsões, o contrabando de cigarros, as loterias clandestinas e o jogo de bicho, os financiamentos ilícitos e as participações em obras públicas. (PELLEGRINE, COSTA JR. Op., cit., p,74-75).
Os elementos com maior influência sobre a presente ordem dos grupos da Campânia são representados pelos originários da mutação de milhares de pequenas quadrilhas dedicadas à prática delituosa em grupos firmemente estabelecidos no território.
A Ndrangheta, com sede na Calábria, também na Itália, totaliza aproximadamente 144 (cento e quarenta e quatro) grupos, com cerca de 5.600 (cinco mil e seiscentos) membros, operando comumente no ramo de sequestro para pagamento de resgate, extorsões e tráfico de drogas, de acordo com dados fornecidos por Walter Maierovitch. (MAIEROVICTCH. Op., cit., p, 1-2).
Quanto às atividades da Ndrangheta, é bem mais extensa e, provavelmente mais atualizada, a lista exibida por Angiolo Pellegrini e Paulo da Costa Junior, os quais ainda ressaltam a assunção de uma autêntica face transnacional e internacional pela organização. (PELLEGRINE; COSTA., op., cit., p, 20).
Com efeito, as principais atividades da Ndrangheta podem se apresentar no seguinte rol: tráfico de drogas, de armas e de lixos nucleares, entremeado com suas implicações políticas com terrorismo, guerrilha, conflitos de gêneros diversos, migrações clandestinas, tráfico de mulheres e criança, incluindo-se a prostituição e doações ilegais, tráfico de órgãos, transformação ilegal de lixo tóxico com as incalculáveis e imprevisíveis consequências em matéria de segurança ambiental, furtos e contrabando de automóveis, jogos de azar, extorsão, usura, estelionato de diversos tipos e lavagem de dinheiro, que comporta a introdução no giro dos capitais e do investimento legal.
A Criminosa Italiana, a mais nova dentre elas, por sua vez, emergida nos anos 80, a Sacra Corona Unita (Sagrada Coroa Unida), cognominada a máfia puglia - por suas raízes na Puglia, terra dita da quarta máfia, onde tradicionalmente, em associação com a Cosa Nostra Siciliana, Camorra e a Ndrangheta - é constituída por cerca de 17 (dezessete) a 50 (cinquenta) grupos, tendo por volta de 1.000 (mil) integrantes, e se dedica ao contrabando de cigarros, ao tráfico estupefacientes, de armas e de imigrantes clandestinos, aos jogos, às extorsões, a usura, à exploração de mão-obra e de extra comunitários, à fraude à comunidade Européia e à reciclagem.
Também segundo os autores, os tráficos levados a cabo, principalmente os de armas, permitiram aos grupos pertencentes à criminalidade organizada pugliese o estabelecimento de proveitoso contato com perigosas quadrilhas calabresas, mediante os quais se verificam trocas de armamento procedente dos Balcãs com remessas de drogas.
Tampouco pode ser olvidada a penetração em várias áreas viabilizadas pela sustentação de contato com figura expressivas do mundo do crime nos Estados Unidos, na América Latina e nos países que margeiam o Mediterrâneo. Com ramificações em regiões da Itália, como Lombardi, Emília Romana e Abruzzo, na Albânia e em Montenegro, especialmente visando ao controle da migração clandestina do contrabando de cigarros e do tráfico de drogas, e armas, Nuova Sacra Corona Unita revela-se detentora de um reconhecido grau de organização. (PELLEGRINE. COSTA JR. op., cit., p,35-36).
A Organizacija (ou Organizatsiya, em outra grafia), chamada de máfia Russa, com faturamento alcançando centenas de milhões de Dólares, em processos de continua expansão desde a decorada do comunismo nos antigos domínios soviéticos, conquanto seja anterior ao fenômeno, apresenta, em sua composição três milhões de membros integrando por volta de 5.700 grupos, duzentos dos quais pelo menos, ostentam estrutura bastante sofisticada, que permite contatos comerciais em 29 países. Suas conexões internacionais mais conhecidas incluem os Estados Unidos, o Canadá, outros países da ex-União Soviética, a Máfia italiana, os cartéis colombianos e o Brasil.
No rol das atividades principais, figuram tráfico de todas as espécies, tais como de matéria-prima, armas do antigo Exército vermelho, material nuclear e drogas, fraudes, a lavagem de dinheiro, venda de produtos falsificados no mercado negro e prostituição. (MAIEROVICTH. PENTEADO. Op., cit.,p, 70-71).
As tríades chinesas, conhecidas como máfia chinesa, tem como principais grupos o Sun Yee On, o 14 K e a federação Wo. Os três sediados em Hong Kong, com a composição estimada de 64.000, 30.000 e 28.000 membros respectivamente.
O United Bamboo e o Bando dos Outros mares, ambos com sede em Taiwam, aglutinando, em termos respectivos, cerca de 20.000 e 5.000 integrantes; e o Grande Circulo, na China. Em Hong Kong, as atividades escolhidas são as extorsões, os negócios envolvendo, por exemplo, hotéis, restaurantes e imobiliárias, o tráfico de drogas e a prostituição. Em Taiwan, os ramos focalizados são, particularmente, as drogas, as extorsões, o jogo à usura, a prostituição e a imigração ilegal.
Caracterizam-se as Tríades, conforme Dennis Kenney e Jaimes Finckenauer:
Pela utilização da corrupção, pelos recursos à violência, pela continuidade, pela dedicação a múltiplos empreendimentos criminosos, pelo cultivo de uma estrutura organizacional envolvimento com negócios legítimos, pela sofisticação, pela disciplina e pelo estabelecimento de laços. (KANNEY; FINCKNAUER., op. Cit., p. 279).
À semelhança das Tríades chinesas, a Yakusa, com sede no Japão, chamada de máfia japonesa, também é o nome dado a uma organização criminosa que atua, dentro e fora do país. No Brasil, por exemplo, as atividades da Yakusa parecem se concentrar no negócio das drogas e tráfico de mulheres, bem como na extorsão de empresa. A primeira notícia reproduzida, de 1993, acusa o interesse da organização pela rota do tráfico de cocaína no país e pelo envio de brasileiras para casas de prostituição no Japão.
Nos cartéis Colombianos, como maiores produtores de coca, estão os países da América do Sul. A sua configuração administrativa e política e o favorecimento de oportunidades para o investimento em larga escala, provindos de integrantes do Mundo do crime organizado, componentes ativos da economia local, exerceram marcante influência na estrutura do narcotráfico internacional.
Os Cartéis Colombianos, sendo os mais conhecidos, os de Medellín e Cali, nomes das cidades de localização de suas respectivas bases originárias, dispondo de centenas de membros, bem como de uma rígida estrutura do tipo piramidal, constituem um caso à parte entre as organizações criminosas, pois desde o princípio se dedicam sempre, e unicamente, às drogas como atividade motriz, primeiramente a marijuana, e, posteriormente a cocaína, gerindo todo ciclo desde a etapa de produção até a distribuição em todo o mundo. (PELLEGRINE. COSTA JR. Op., cit., p,77).
1.3 A Definição de Organização Criminosa
A grande dificuldade que se tinha de definir organização criminosa estava em estabelecer parâmetros mínimos que serviam de diretrizes para identificar a presença ou não do crime organizado, isto é, identificar termos gerais, conforme afirmava o sociólogo Garacy Mingard (1994, p. 26). Para este, o crime organizado caracteriza-se pela previsão de lucro hierárquico, planejamento empresarial, divisão de trabalho, pauta de conduta estabelecida em códigos rígidos, divisão territorial e intimidação de seus membros.
A definição de “organização criminosa” suscitava diversos debates doutrinários, posto que não existia um critério consensual para tanto, além de sua dificuldade de tipificação legal, conforme já sustentado anteriormente. Era por essas razões que as inúmeras tentativas de definição tinham resultados diversos. Para exemplificar, citamos abaixo algumas das definições encontradas em MENDRONI (2002, p. 5).
No Estado da Califórnia – EUA - crime organizado consiste em duas ou mais pessoas que continuidade de propósito se engajam em uma ou mais das seguintes atividades:
1- Provimento de coisas ou serviços ilegais, vícios usuras;
2- Crimes predatórios como furto e roubos; diversos tipos distintos de atividade criminosa se enquadram na definição de crime organizado que pode ser distribuído em 5 cinco categorias:
2.1- Extorsões;
2.2- Operadores de vícios; indivíduo que opera um negócio contínuo de coisas ou serviços ilegais como, exempli gratia, prostituição, narcotráfico, jogos de azar e usura;
2.3- Furtos, roubos, receptação e estelionato;
2.4- Gangues, grupos de indivíduos com interesse de atuarem juntos;
2.5- Terroristas grupos de indivíduos que combinam espetaculares atos criminosos como, verbi gratia, sequestros, assassinatos de pessoas públicas para minar confidências em governos estatais ou para vingar se de alguma ofensa.
No ordenamento jurídico penal brasileiro, antes da edição da Lei nº. 12.850/13, não havia o conceito de “organização criminosa”. Todavia, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) baseava suas posições utilizando a Convenção de Palermo que trazia o conceito de organização criminosa como sendo a união de 03 (três) ou mais pessoas com a finalidade de cometer crimes e, na mesma Convenção, esse crime trazia uma pena máxima de 04 (quatro) anos ou mais.
Contudo, o STF (Supremo Tribunal Federal) impediu o STJ (Superior Tribunal de Justiça) de usar a Convenção de Palermo, pois essa Convenção de Palermo não era Lei em sentido formal e, por esse motivo, feria o Princípio da Reserva Legal. Após essa decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o Legislativo criou a Lei de Organização Criminosa e fez isso utilizando o mesmo conceito trazido no texto da Convenção de Palermo, conforme se vê da Lei nº. 12.694/12, que fora a primeira Lei em Direito Interno a trazer o conceito de organização criminosa.
A Lei nº. 12.694/12 fora criada com a finalidade de julgamento colegiado em 1º grau (composição de 3 juízes) para os crimes de organização criminosa e quando da decisão destes juízes não haveria a menção dos números de votos, mas somente se fora julgado condenatório, desclassificatório ou de absolvição.
Essa Lei nº. 12.694/12 não trouxe inovação quanto ao julgamento em colegiado de 1º grau, posto que já tínhamos no ordenamento jurídico julgamentos colegiados em 1º grau, a exemplo do Tribunal do Júri (composto por 7 jurados) e Turmas Recursais dos Juizados Especiais (composto por 3 juízes de 1ª grau).
Ademais, no dia 24 de setembro de 2013, entrou em vigor a Nova Lei de Organização Criminosa (Lei nº. 12.850/13 e, expressamente, revoga a antiga Lei de Organização Criminosa (Lei nº. 9.034/95). Com a recente Lei nº. 12.850 de 02 de agosto de 2013, restou sanado qualquer discussão sobre o real conceito de organização criminosa, vez que o artigo 1º, §1º, da mencionada Lei, prevê o seguinte:
Art. 1º. [...] §1º. considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. [...].
Dividindo-se os elementos fornecidos pelo conceito legal, tem-se:
a) associação de quatro ou mais pessoas: o número de associados, para configurar o crime organizado, resulta de pura política criminal, vez que variável e discutível. Segundo entende a doutrina majoritária, conforme o caso concreto, duas pessoas podem organizar-se, dividir tarefas e buscar um objetivo ilícito comum;
b) estruturalmente ordenada: exige-se um conjunto de pessoas estabelecido de maneira organizada, significando alguma forma de hierarquia (chefia e chefiados);
c) divisão de tarefas: a decorrência natural de uma organização é a partilha de trabalho, de modo que cada um possua uma atribuição particular, respondendo pela sua função;
d) obtenção de vantagem de qualquer natureza: o objetivo da organização criminosa é alcançar uma vantagem (ganho, lucro, proveito, rendimento), como regra, de cunho econômico, embora se permita de outra natureza;
e) mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos: este elemento também é fruto de política criminal, que, a doutrina majoritária, considera equivocada, posto que não há sentido em se limitar a configuração de uma organização criminosa. É evidente que pode existir uma organização criminosa voltada à prática de jogos de azar (contravenção penal cuja pena máxima jamais ultrapassará 4 anos);
f) mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional: independente da natureza da infração penal (crime ou contravenção) e de sua pena máxima em abstrata, caso transponha as fronteiras do Brasil, a atividade permite caracterizas a organização criminosa.
Com a edição da Lei nº. 12.850/13, existiram posições sobre o conflito entre a Lei 12.850/13 e a Lei 12.694/12, sendo que a primeira posição traz a ideia de que a Lei nº. 12.850/13 revogou tacitamente a Lei nº. 12.694/12; já a segunda posição é no sentido de que o conceito do artigo 2º. da Lei nº. 12.694/12 ainda se aplica, mas somente para os efeitos dela mesma, que seria formação de colegiado de juízes de 1º grau.
Vale lembrar ainda as ressalvas trazidas pela primeira corrente no sentido de que as únicas diferenças entre os conceitos das leis citadas é que a novel legislação aumentou o número mínimo de integrantes da organização criminosa, isto é, o artigo revogado falava em três ou mais pessoas, enquanto a nova lei reclama quatro ou mais integrantes, para caracterização de organização criminosa.
A primeira corrente ressalta, ainda, que fora alterada o teto de pena máxima dos crimes cometidos pelas organizações criminosas, ou seja, a Convenção de Palermo, bem como a Antiga Lei 12.694/12 falavam em crimes cuja pena máxima fosse igual ou superior a quatro anos, já o novo diploma legal proclama crimes cuja pena máxima seja superior a quatro anos.
Com efeito, ressalta-se que o inciso II, do § 2º, do artigo 1º, da Nova Lei de Organização Criminosa aplica-se também às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional. Deste modo, chega-se à conclusão de que é possível aplicar as técnicas investigativas enumeradas no novo mandamento legal somente às organizações terroristas internacionais definidas por normas de direito internacional.
Contudo, a problemática não fora totalmente sanada, vez que não há em nosso ordenamento jurídico pátrio diploma legal e preciso para conceituar organização terrorista. Mesmo assim, houve um grande avanço na legislação brasileira, posto que agora existe possibilidade de usar as técnicas investigativas previstas no artigo 3º da Lei 12.850/13, no combate ao terrorismo internacional.
1.4 Estrutura das Organizações Criminosas
A estrutura dessas organizações quase sempre se dá de forma piramidal, sendo um chefe, o qual toma conta de tudo, um gerente que está depois do chefe e, logo após, vários subchefes, gerentes, e “aviões”.
Os chefes, na maioria das vezes, são pessoas que ocupam cargos públicos importantes, que possuem bastante dinheiro, bem como posição social privilegiada por qualquer razão etc. Já os subchefes, quase nunca aparecem, pois comandam através dos “testas de ferro ou laranjas”, que na maioria das vezes coincidem com as pessoas dos gerentes, dificultando sobremaneira a produção de prova criminal contra eles.
Os gerentes são pessoas de confiança dos chefes que, com competência de comandos, delegam alguns poderes oriundos de beneficiar a organização de forma direita e/ou indireta. Alguns dos gerentes das organizações de grandes e médio porte recebem dos chefes concessões de negócios, franquias de grades redes internacionais como, exempli gratia, McDonald, PizzaHut, entre outros.
Os “aviões” são pessoas com algumas qualificações e, por vezes, especializadas para funções de execuções a serem desempenhadas pela organização criminosa com o fim exclusivo de auferir alguma vantagem. Torna-se evidente que a contratação destes membros dependerá do perfil de cada um, bem como dos ramos de atividade a que se dedique a organização.
1.4.1 A Divisão direcionada de tarefas
A divisão direcionada de tarefas costuma ser estabelecida segundo as especialidades de cada membro e, são divididas em estrutura modular, sendo a subdivisão feita por partes geralmente determinadas pelo ramo das atividades criminosas desenvolvidas. A título de exemplos estão: tráfico de drogas - sendo a aquisição de entorpecente para, mistura, revenda, distribuição; roubo de veículos - subtração, esquentamento ou desmanche, revenda; roubo de carga - obtenção de informação privilegiada, falsificação de documentos, monitoramento, subtração, revenda de carga etc.
Cada etapa será desenvolvida pelo executor com maior habilidade e experiência na atividade, conforme determinação prévia passada pela gerência, e deverá ter por ele destino preestabelecido.
Oportuno citar as operações da Máfia Siciliana Cosa Nostra, onde suas características já se encontram presentes em algumas formas nacionais e a divisão de tarefas é clara e se revela em três níveis: em primeiro, estariam os chefes, subchefes e conselheiros; em segundo lugar, estão, os gerentes, ou como preferem chamá-los de “capodecina”, ou seja, aquele que comanda sempre um número de dez, os chamados “soldados” que são subordinados àqueles, e compõem o terceiro nível.
1.4.2 Os membros das organizações
Os membros que compõe as organizações criminosas são submetidos à triagem para comprovarem suas habilidades, posto que tal procedimento é uma das condições, um teste de sobrevivência e manutenção. Suas habilidades são adquiridas mediante testes, dentre os quais são submetidos a uma avaliação para se saber de qual parentesco é ou se fora indicado por outro membro. Depois de ter reunido todas as qualificações, ainda terá que demonstrar que é capaz de obedecer às ordens, seguir regras e manter segredo.
As organizações criminosas quando atingem determinado grau de desenvolvimento, não conseguem dar continuidade a suas ações sem a participação de agentes públicos. Existem várias formas para subtrair o dinheiro público e um dos meios mais presentes na criminalidade brasileira são os clássicos exemplos: fraudes em licitação, permissões e concessões públicas, superfaturamento das obras públicas e serviços, alvarás e falsificações que sempre fazem parte do esquema e de seus benefícios, tendo em vista que rende muito dinheiro, dentre outros.
1.5 A Globalização e a Criminalidade Organizada
O crime organizado não é um fenômeno recente. No entanto, antigamente havia alguns fatores impeditivos de proliferação das atividades internacionais, sendo que as principais estavam relacionadas às dificuldades do meio de transporte do dinheiro, dos meios de comunicação e do controle das fronteiras, o que dificultava e atrasava as atividades criminosas.
Ademais, no passado, a opção de viagens mais limitadas a um controle de fronteira mais apertado, tornavam-lhe a passagem de fronteira mais difícil. (Andrade, 1992, pg. 27 de abril de 2004).
Com o fim da guerra fria, diminuiu as barreiras políticas e econômicas tanto para Europa como para o mundo afora. Com efeito, a globalização, assim como todo e qualquer fenômeno, só foi analisada e encarada de maneira positiva.
Nesse sentido, o mundo começou a ficar cada vez próximo como se não houvesse fronteira e limites para o desenvolvimento e a informação em massa. Com isso, houve também o aumento e a facilitação do crime de lavagem de dinheiro, umas das mais importantes infrações do crime organizado, isto é, a transformação do dinheiro ilícito, em lícito ficou bem mais prático e fortaleceu ainda mais as organizações criminosas.
A lavagem de dinheiro serve para movimentar o lucro das organizações criminosas, lucro este obtido com as mais variadas infrações penais, e, por tratar-se de dinheiro “lavado” (dinheiro lícito), tem também a finalidade de facilitar o crime de corrupção, o tráfico de influência dentro das casas legislativas, no âmbito do poder executivo e judiciário.
2. CRIME ORGANIZADO E A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO DIREITO PENAL COMPARADO
Com objetivo de oferecermos uma razoável representatividade ao mosaico das comparações, buscamos investigar legislações de características distintas, recentes, ou antigas.
No direito penal americano, reina a figura autônoma da conspiração. Assim, de acordo com Dennis Kenney e James Finckenauer, o direito penal americano tradicionalmente foca ilícito cometido por criminosos individuais. É exigida a probable cause (causa provável) para que alguém possa ser processado criminalmente, o que significa que deve existir motivo para a convicção de que houve a prática de um delito específico e que determinada pessoa o cometeu. (BRAZ., op., cit., p,35-36).
No contexto do direito alemão, seja no Código Penal, seja nas leis extravagantes, não há qualquer figura típica escorada em conceito ou descrição do crime organizado ou de organização criminosa. Não há qualquer tipificação do fenômeno com base em padrão de derivação sociológica.
Por conseguinte, o dispositivo do Código Alemão (stgb), aplicável ao crime organizado e às suas organizações, é basicamente o inserto no artigo 129 epigrafado de “formação de associações criminais”, pertencentes à seção sétima cuja qual segue o tradicional modelo genérico de caráter dogmático da associação de malfeitores (ou “associação de criminal”, associação para delinquir”, “associação criminosa”). (CF. ibidem. p. 84).
2.1 No Direito Francês
A tradicional figura da associação de malfeitores é herança do código napoleônico. As infrações penais objetivadas pela associação não se limitam aos crimes, incluindo igualmente os delitos que, para o legislador francês, são menos graves que o crime e mais momentoso que as contravenções, dentro da escala fixada no artigo 111-1, diferentemente da relação sinônima entre tais palavras no direito penal brasileiro. (CF. HASSEMER. Op., cit., v. 6, n. 23, p. 25).
2.2 No Direito Italiano
Os antecedentes mais próximos deste ilícito podem ser identificados nos códigos sardo- italiano e toscano, bem como no anterior código italiano, em seu art. 248. A associação objeto do art. 416, na definição de Silvio Ranieri, configura la unión voluntariay permanente de três o más personas, com el conocimento em cada uma de la conducta ajena y com el proposito comun de cometer vários delitos.
Pelo entendimento dominante na doutrina e jurisprudência italianas, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a ordem pública, o que é surpresa, face à denominação do título no qual se insere o artigo 416.
No que tange ao agente, o tipo penal exige a presença de três ou mais pessoas, sem as quais o crime não se configura. São reconhecidos como crimes de concurso necessário. Ademais, em regra, será plurissubsistente, isto é, exige a possibilidade real de se percorrer, “passo a passo”, o caminho do crime. Ou seja, os agentes cogitam, preparam-se e executam a infração penal em momentos distintos e visualizáveis, tal como ocorre com os chamados crimes materiais, como é o caso de roubos à carga.
A constituição do fato típico, segundo Andrea Castaldo, tem dois elementos como referências fundamentais, que são a affectio societatis e o pactum sceleris:
La configuracion del hecho típico en el art. 416 gira essencialmente en torno de elementos: la affctio societatis, o se ala existência de um vinculo associativo de caracter permanente o pro lo menos estable y del pactum sceleris que es el acuerdo de los associados dirigido a la realizacion de um programa criminal de caracter substancialmente indeterminado ( CASTALDO, op, cit., v 7, n, 27, p, 13).
Apesar da polêmica sobre o assunto, é em geral, aceita a possibilidade do concurso eventual de pessoas, desde que o extraneus, esteja essencialmente à margem da estrutura orgânica da associação criminosa, de uma contribuição casual em relação aos objetivos desta.
2.3 No Direito Português
O direito português foge da opção por uma figura típica de orientação sociológica, destinada ao tratamento do crime organizado e das organizações criminosas, como ocorre no Direito Italiano, acolhendo o tradicional padrão dogmático da associação de malfeitores do Direito Francês e de tantos outros direitos. Destarte, o artigo 299, intitulado “associação criminosa”, com roupagem dada pela Lei nº. 59/2007, de 04 de setembro, cuja pena de prisão e de 01 (um) a 05 (cinco) anos, pune aquele que promove ou funda grupo organizado ou associação, cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes. (DIAS. op., cit., p 39-41; 43).
2.4 No Direito Espanhol
Na mesma linha dos diplomas Franceses, Alemão e Português, o Código Penal Espanhol, Lei Orgânica nº 10/95 de 23 de novembro, o mais recente entre os estatutos europeus aqui visitados, não apresenta qualquer tipificação especialmente destinada ao crime organizado ou às organizações criminosas, com base sociológica. Tampouco exibe qualquer conceituação do fenômeno.
O artigo 5.115 do referido diploma legal dita a punição das associações ilícitas, enquadrando nesta categoria genérica, as seguintes:
a) Aquelas que visem à prática de algum delito ou que, após a sua constituição, promovam a sua perpetração, bem como aquelas com feição organizada, coordenada e reiterada;
b) Os bandos armados, organizações ou grupo de caráter terrorista;
c) Aquelas que buscam, não obstante a sua finalidade licita, façam uso de recursos violentos ou de modificação ou controle da personalidade para obtenção daquela;
d) As organizações paramilitares;
e) Aquelas que fomentem a discriminação, o ódio ou a violência contra pessoas, grupos ou associações por causa de suas ideologias ou crenças, entre outras iniciativas.
Dos artigos 516 ao 521, o Código Espanhol se ocupa das penas aplicáveis no caso do ilícito de associações proibidas, tais como a pena privativa de liberdade e, cumulativamente, a de multa e a de inabilitação para o emprego ou cargo público por até quinze anos. (SALES. Op., cit., p.251).
2.5 No Direito Argentino
O Código Penal de La Nacion Argentina (Lei nº. 11.179 op., cit.,p 244 1997), na esteira da maioria dos códigos já examinados, adota a figura genérica da associação ilícita equivalente à nossa associação criminosa do artigo 288 do Código Penal Brasileiro. Ademais, como ocorre no tipo da associação criminosa do código penal brasileiro, a finalidade da associação ilícita é a perpetração de delito no plural, excluindo-se as contravenções.
Sebastian Soler (p.643-644) disserta a figura típica estatuto argentino, destacando os seus elementos específicos:
a) Participação em uma associação ou bando;
b) Numero mínimo de participantes;
c) Fim coletivo de comissão de delitos.
Em acréscimo, um requisito implícito que não pode ser resolvido é o da permanência, também inerente ao tipo penal do nosso artigo 288 do Código Penal Brasileiro. A este atributo, o conhecido penalista une a necessidade de configuração de algum grau de organização ou coesão entre os componentes da associação. (SOLER. Op., cit., p 644-645., cf. ibidem, p. 641-642).
2.6 No Direito Chileno
No Código Penal Chileno as associações ilícitas são o tema do § 10, inserido no Titulo VI (De los crimenes y simples delitos contra el ordem y la seguridade públicos por particulares), do livro II (crimenes y simples y sus penas). O §10 principia com o artigo 292 e finda com artigo 295, assim vejamos:
O art.292 tipifica a conduta da organização em associação ilícita: Toda asociacion formada com el objeto de atentar contra el ordem social, contra las buenas costumes, contra las personas e las propriedades, importa um delito que existe por el solo hechos de organizare. (SOLER. Op., cit., p. 642. CF. ARGENTINA, 1997, p, 55-56).
2.7 No Direito Cubano
No Código Penal de Cuba, Lei nº. 62, de 27 de dezembro de 1987, de orientação socialista, prevê a velha e tradicional figura da associação para delinquir, que, nada mais é do que a mesma expressão que serve de epíteto ao artigo 416 do Código Italiano (unión voluntariay permanente de três o más personas, com el conocimento em cada uma de la conducta ajena y com el propósito comum de cometer vários delitos), e tal figura típica penalista encontra-se em seu artigo 207.
Os artigos 208 e 209 pertencem ao capítulo seguinte (Capítulo VIII), epigrafado de associação, reunião e manifestações ilícitas, integrando um contexto incriminatório de visível política, no qual são responsabilizados criminalmente os afiliados, as associações não inscritas no registro próprio, seus promotores ou diretores, assim como os participantes e organizadores de reunião ou manifestações em desacordo com as disposições reguladoras do exercício desses direitos. (CF. ibidem, p.107-108).
3. O CRIME ORGANIZADO NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
O crime organizado, embora já venha de épocas longínquas, nunca esteve tão evidente quanto nos dias atuais. A criminalidade organizada contraiu dimensões assustadoras, atuando em diversas áreas ilícitas, infiltrando-se nos poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário), bem como aterrorizando toda a sociedade de bem, que se encontra em estado de repugnância.
Ante o eficaz aparelhamento das organizações criminosas, ressalta-se, como nunca visto anteriormente, e, por outro lado, a total desorganização do Estado que não consegue combater de forma eficaz as facções criminosas por falta de um planejamento específico para este tipo de criminalidade, esse fenômeno da criminalidade organizada cresceu de forma exacerbada.
Outrossim, vale reforçar mais uma vez que o surgimento do crime organizado contou com um grande apoio do Estado na década de 70. Exatamente nessa época, o país vivenciava, mais uma vez, um período ditatorial e, como é sabido, a característica principal de um regime que tem como governante um ditador, é a perseguição e a carnificina dos seus adversários, ignorando-se todos os direitos e garantias fundamentais imprescindíveis a qualquer ser humano.
Nesse cenário, muitos revolucionários políticos foram presos e encarcerados no presídio de Ilha Grande. Os ativistas revolucionários de esquerda agiam movidos por uma ideologia política, seguiam o pensamento de “Che” Guevara, adotando, os que eram mais rebeldes, a luta armada. Com a finalidade de descaracterizar a fundamentação política que guiava as ações destes ativistas, o governo militar uniu num mesmo lugar presos políticos e presos comuns.
Não diferentemente, a convivência permanente entre os presos políticos e os presos comuns possibilitou uma troca de conhecimentos, no sentido em que o preso político fornecia informações que, até então, nunca haviam sido passadas ao preso comum e, por outro lado, este passou àqueles o conhecimento do mundo do crime. Assim, juntaram-se pessoas com alto nível intelectual e cultural com outras que não os tinham (por culpa exclusiva do Estado e falta de condições financeiras para subsidiar uma educação de qualidade), mas, que dispunham de disposição irracional para agir contra o Estado e, por consequência, contra a Segurança Nacional.
A troca de culturas proporcionou aos bandidos comuns uma nova visão, uma maior conscientização do mundo que os cercava, aspiraram as ideias daqueles e as cultivaram em suas atividades criminosas. Como consequência, passou a ocorrer o surgimento de um tipo de crime mais planejado, esboçado com mais cuidado. Os presos comuns tornaram-se mais cultos, passando a seguir condutas nunca adotadas antes, tais como exercitar a leitura, principalmente a leitura sobre o marxismo, ocasião onde aprenderam técnicas sobre guerrilha e revoluções.
Com essa evolução, as dificuldades de apurar infrações penais praticadas por organizações criminosas cresceram, tendo em vista o alto grau de tecnologia por parte destas. Logo, percebem-se algumas inovações ilícitas e, dentre elas estão: crimes praticados por meio de instrumento de alta tecnologia (microfones parabólicos de escuta de TV privada, fotocopiadora, em cores de alta resolução, laboratórios portáteis sofisticados, recipiente para transporte de órgãos humanos etc.), ou por meio dos mais avançados sistemas de computação que exigem conhecimentos só alcançáveis por poucos expert no mundo, entre outros.
Nos dizeres de Cervini (op., cit., p. 240-284 1997), a alta tecnologia facilitou o desenvolvimento dos sofisticados aparatos, cuja aplicação é para o cometimento de crimes que causara um grande dano material e social, que normalmente irá ficar sem punição.
Importante frisar-se também que a inclusão do lucro como finalidade das organizações criminosas, distancia estas do delito de terrorismo, conforme se encontra o entendimento da doutrina majoritária, isto é, ao acrescentar a finalidade econômica, diferenciam-se, no campo jurídico penal, os tipos penais de organização criminosa e terrorismo, ante a prevalência desta última ideologia.
3.1 Inovações trazidas com a Lei nº. 12.850/13
A Lei nº. 12.850, de 02 de agosto de 2013 definiu organização criminosa e dispôs sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
No plano processual, a Lei nº. 12.850/13 regula alguns meios para a obtenção de prova, como, por exemplo, a colaboração premiada (art. 3º, inciso I), ação controla (art. 3º, inciso III), a infiltração de agentes (art. 3º, inciso VII) etc. Traz outra inovação no seguinte sentido: o acusado/investigado pode conseguir o perdão judicial (art. 4º) ao fazer a colaboração premiada e, nesse caso, haverá a extinção da punibilidade (art. 107, IX, CP).
Outrossim, o Ministério Público pode deixar de oferecer denúncia, desde que o colaborar não seja líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva colaboração premiada (art. 4º, § 4º). Esse dispositivo configura uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da propositura da ação penal. Contudo, se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
Oportuno esclarecer também o procedimento para celebração do acordo: esse acordo não pode ser celebrado pelo juiz em atenção ao sistema acusatório; são legitimados para celebrar esse acordo, durante a investigação, a Autoridade Policial e investigado e seu defensor (nesse caso deve haver a manifestação do Ministério Público - art. 4º, § 6º). Já na fase judicial, somente o Ministério Público e investigado ou acusado com seu defensor tem legitimidade para celebrar esse acordo (art. 4º, §6º).
Ressalta-se também que nessas ações, o agente infiltrado/encoberto (policial), se cometer crime quando de sua infiltração, estará isento de pena, nos termos do art. 13, parágrafo único, da mencionada Lei, em razão da inexigibilidade de conduta diversa.
3.2 Persecução Penal e Meios de Prova
A persecução penal é a denominação da atividade estatal de investigação e processo, na seara criminal, com o fim de apurar a prática de determinada infração penal e sua autoria. Inicia-se, em regra, pela instauração de inquérito policial - procedimento administrativo, sob a presidência da autoridade policial, visando à colheita de elementos de informação, suficientes a demonstrar a materialidade e autoria do delito, cuja finalidade é subsidiar a ação penal promovida pelo órgão acusatório – passando, em seguida, ao processo criminal.
O ponto essencial tanto à fase inquisitiva quanto à fase processual é a prova da existência da infração penal e de quem foi o seu autor. Assim, percebe-se o quão é importante o ato de provar, de levar à juízo a veracidade dos fatos para fazer-se a fundamentação da imputação jurídico-penal.
Com efeito, frisa-se que o objeto da prova é o fato, cujo fim é garantir o convencimento do magistrado. Destarte, as partes valem-se dos meios de prova para atingir suas finalidades: a acusação, incumbida do ônus da prova, visa a demonstrar a culpa do acusado; a defesa, beneficiando-se do princípio constitucional da presunção de inocência, tem por finalidade manter o status quo de não culpabilidade.
Ante os genéricos meios de prova no processo penal, como, por exemplo, testemunha, documento, perícia, confissão, interrogatório, indício, acareação, reconhecimento de pessoa ou coisa, busca e apreensão, entre outros, especificamente, prevê o art. 3º, da Nova Lei de Organização Criminosa, os seguintes:
Art. 3º. [...] I - colaboração premiada; II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.
3.3 Da Colaboração Premiada
A origem deste instituto no direito penal brasileiro se remonta às Ordenações Filipinas, codificação jurídica que resultou da reforma do Código Manuelino, por Filipe II de Espanha (Felipe I de Portugal), durante o domínio castelhano, permanecendo vigente mesmo após a queda da Dinastia Filipina, com a ascensão de D. João IV como rei de Portugal.
As Ordenações Filipinas vigoraram desde janeiro 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. No Código Filipino, no titulo VI, definia o crime de “lesa Magestade” no item 12, tratava da delação premiada.
Sempre rechaçada pelos doutrinadores e legisladores pela sua evidente carga moral, religiosa e ética, a delação premiada só fora instituída pelo ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1990, através da Lei nº. 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos). Isto é, durante vários anos essa resistência se justificava pelo moralismo público, fato inadmissível na seara penal.
Colaborar significa prestar auxílio, cooperar; associando-se ao termo premiada, que representa vantagem ou recompensa, extrai-se o significado processual penal para o investigado ou acusado que dela se beneficia. Torna-se luzidio que o colaborador ao admitir a prática criminosa, como autor ou partícipe, revela a aglomeração de outros indivíduos, o que permite ao Estado ampliar o conhecimento acerca da infração penal, no que tange à materialidade ou à autoria.
Não obstante a lei utilizar a expressão colaboração premiada, cuida-se, na verdade, de delação premiada, posto que tal instituto não se destina a nenhuma espécie de cooperação de investigado ou acusado. Pelo contrário, se destina à descoberta de dados desconhecidos quanto à materialidade e autoria da infração penal. Com efeito, trata-se de autêntica delação, isto é, no exato sentido de acusar ou denunciar alguém. Não obstante o colaborador assuma a prática de uma infração penal, o objetivo da colaboração premiada não é conseguir a autoincriminação, mas sim a consecução de um prêmio a este corajoso.
3.3.1 Requisitos e Consequências da Colaboração Premiada
O art.4º, da Lei 12.850/2013 estabelece os requisitos para a aplicação do prêmio referente à delação. São eles:
1) colaboração efetiva e voluntária com a investigação e com o processo criminal, sendo que a medida da eficiência da cooperação será verificada com o preenchimento dos demais requisitos;
2) personalidade do colaborador, natureza, circunstâncias, gravidade, repercussão do fato criminoso e eficácia da colaboração. Nesse contexto, há uma mistura de elementos de ordens subjetiva e objetiva;
3) identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas. Esse dispositivo trouxe um rigor mais excessivo no tocante a soma de descoberta de todos os indivíduos, bem como todas as infrações penais por eles cometidas;
4) revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa. Fato de grande valia para o poder estatal se descoberto a composição e o escalonamento da organização criminosa;
5) prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa. Será de rara aplicação, pois a revelação de futuras infrações do crime organizado, sem desvelar quem são os coautores e partícipes, é praticamente inviável;
6) recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa. Tendo em vista a alternatividade, isto é, bastando um dos requisitos para valer o prêmio ao colaborador, torna-se necessário valorar a referida colaboração, pois a restituição de valor ínfimo não pode gerar amplo benefício;
7) localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Este dispositivo aplica-se geralmente ao crime de extorsão mediante sequestro ou ao sequestro.
Oportuno citar que os requisitos para a colaboração premiada são cumulativo-alternativos, da seguinte forma: em cumulação os previstos nos números 1 e 2, associados a um dos demais, previstos nos números 3, 4, 5, 6 e 7.
Importante a colação de um julgado mineiro do ano de 2009[1], mesmo que anterior à nova lei de organização criminosa, posto que aduz claramente a necessidade de eficácia da colaboração premiada. Assim vejamos:
Ementa: ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - ESTABILIDADE - NÃO-EXIGÊNCIA TÍPICA - ASSOCIAÇÃO EVENTUAL - SUBSUNÇÃO AO CRIME - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. A associação para o tráfico exige apenas vínculo associativo prévio e consistente com o tipo penal do art. 35 da Lei Federal 11.343/06 que prescinde de demonstração de estabilidade para os fins de subsunção à ação desenvolvida, de modo que a só eventual associação importa na condenação. DELAÇÃO PREMIADA - PRETENSO RECONHECIMENTO - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA. Para o reconhecimento da delação premiada não basta que o réu tenha contribuído voluntariamente, mas que tal colaboração resulte na identificação e prisão dos demais coautores ou partícipes onde haja revelação de esquema ou organização que atenda ao interesse público na disseminação de drogas, de modo que a só indicação genérica de alguns envolvidos, com parcial resultado prático, aliada à ausência de maiores informações, tudo levando a crer que houve uma participação eventual do agente, não sustenta a aplicação da causa. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA - MAIOR FRAÇÃO MATEMÁTICA - IMPOSSIBILIDADE. Se os indícios nos dão conta de que o réu teria organizado a atividade, mantendo pelo menos cinco comissionados na venda de drogas, não poderia sequer ser reconhecida a causa de diminuição em face da necessária organização criminosa decorrente da mercancia, de modo que não se justifica modificação na fração matemática aplicada que não pode ser modificada nesta instância em função das condições do art. 617 do Código de Processo Penal. Recurso não provido.
Já no critério consequência, constatando ter havido a colaboração premiada, o magistrado tem o poder-dever de tomar uma das seguintes medidas:
1) conceder o perdão judicial, julgando extinta a punibilidade;
2) condenar o réu colaborador e reduzir a pena em até 2/3;
3) substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, dentre as previstas no art. 43 do Código Penal.
As opções acima transcritas devem levar em consideração o grau de cooperação do delator, ou seja, quanto mais amplo e benéfico aos interesses do Estado, maior deve ser o seu prêmio, em razão do critério da proporcionalidade.
Vale lembrar também que, de acordo com o art. 4º, §4º, da Lei nº. 12.850/2013, o Ministério Público, quando presentes as hipóteses do caput do artigo 4º e seus incisos, pode deixar de denunciar o delator (não líder) que tenha colaborado em primeiro lugar.
3.3.2 Dos Direitos do Colaborador
Proclama o art. 5º, da Lei nº. 12.850/2013 serem direitos do colaborador os seguintes:
Art. 5º. [...] I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;
VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
As medidas de proteção referidas no inciso I são previstas pela Lei nº. 9.807/1999 (Lei de Proteção a Testemunhas e Vítimas), particularmente, o disposto pelos artigos 7º, 8º e 9º.
Quanto à preservação da identidade do delator, sem dúvida, possui caráter absoluto no tocante ao público em geral, particularmente em relação à mídia. Todavia, jamais poderá ficar oculto da defesa dos outros corréus, criando-se um testemunho secreto, sob pena de afrontar o princípio da ampla defesa que veda o sigilo extremado de provas.
O direito do delator de ser conduzido ao fórum separadamente dos demais coautores ou partícipes é uma imposição lógica da postura do delator.
A participação do delator nas audiências sem contato visual com os outros acusados trata-se de um direito relativo, posto que depende de várias circunstâncias, dentre as quais, algumas imprescindíveis para a busca da verdade real, como, por exemplo, existindo necessidade de acareação, mesmo entre delator e delatado, pois é um meio de prova lícito. Por óbvio, haverá contato visual entre ambos.
No que tange ao direito de não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito, é uma decorrência natural da proteção aos seus dados pessoais, situação prevista no inciso II do art. 5º. Assim, mesmo que a mídia descubra por qualquer fonte a identidade do delator, deve guardar estrito sigilo acerca da identidade, sob pena do responsável incorrer no crime previsto no art. 18 da mencionado Lei.
Por fim, no que se refere ao último inciso, o direito de cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados é correto, bem como evita represálias fatais contra o colaborador.
3.4 Da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos
As comunicações entre pessoas podem ocorrer de diversas formas, como, por exemplo, via telefone, por carta, de fora presencial, entre outras. Não obstante os diversos meios de comunicação utilizados como meio de prova no processo penal, o termo captação, utilizado no inciso II do art. 3º, da Nova Lei de Organização Criminosa, quer sinalizar para a colheita de determinados dados, feita por um interlocutor em ralação ao outro, geralmente de nodo astucioso.
Tratando-se de captação ambiental, cuida-se de conversa ocorrida em determinado local, diferentemente daquela realizada por meio telefônico ou carta, possibilitando ainda o contato pessoal entre os interlocutores, como, por exemplo, gravação de voz e registro de imagem.
A menção a sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos significa a ampla possibilidade de se gravar a voz, filmar, fotografar e registrar, por qualquer aparelho apropriado ao meio.
3.5 Da ação controlada
Trata-se, na verdade, do retardamento legal da intervenção policial ou administrativa, basicamente a realização da prisão em flagrante. A autoridade policial se vê diante da concretização de uma infração penal praticada por determinada organização criminosa, entretanto, aguarda o momento propício para agir, sob o fundamento de colher mais provas e informações. Desse modo, quando, futuramente, efetivar a prisão, será possível atingir um maior número de envolvidos e, se viável, a liderança do crime organizado.
Com a nova redação redada à Lei de Organização Criminosa, inclui-se também a intervenção administrativa, voltada aos órgãos de controle interno das instituições. Destarte, não somente a autoridade policial está autorizado a postergar o flagrante como também a Corregedoria não precisa intervir, de pronto, caso existam agentes públicos na organização criminosa.
A Nova Lei traz implícito e expressamente alguns requisitos a serem seguidos pelo instituto da ação controlada. São eles:
1) tratar-se de infração penal praticada por organização criminosa ou pessoa a ela ligada, isto é, a ação controlada não é autorizada para toda e qualquer infração penal;
2) existir investigação formal instaurada para averiguar as condutas delituosas da organização criminosa, ou seja, a ação controlada não pode ser medida informal de investigação;
3) encontrar-se a organização criminosa em permanente e atual observação e vigilância, inclusive pelo mecanismo da infiltração de agentes. Logo, um dos mecanismos idealizados para essa vigilância é a infiltração de agentes;
4) ter o objetivo de poupar provas para a prisão e/ou indiciamento do maior número de pessoas. Assim, ter inconteste ganho para o Estado pela ação retardada;
5) comunicação prévia ao juiz competente e, portanto, submeter a referida ação ao crivo judicial, afinal, direitos e garantias individuais estão em jogo;
6) respeitar os eventuais limites fixados pelo magistrado. Nesse tópico a doutrina aduz que não deve ser a regra, posto que não cabe ao juiz fixar os parâmetros da ação controlada, vez que esta é uma ação típica de investigação.
No que tange ao procedimento, deve-se instaurar o competente inquérito policial para apurar o crime de organização criminosa e as infrações penais por ela praticadas, bem como oficiar ao juiz competente que, na forma do §1º, do artigo 8º, da mencionada lei, comunicará tal procedimento ao Ministério Público.
Vale ressaltar também que, nos termos do §3º, do art. 8º da Lei nº. 12.850/2013, até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações e, na forma do §4º do referido artigo, ao término da diligência, deverá ser elaborado o auto circunstanciado acerca da ação controlada.
Por fim, em respeito à soberania de outros países, se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime, conforme proclama o artigo 9º da Nova Lei do Crime Organizado.
3.6 Do acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais
Regulando este dispositivo, encontra-se o art. 15 da Lei nº. 12.850/2013. Oportuno frisar que a previsão do mencionado art. 15 não merece censura, pois os dados cadastrais referentes à qualificação pessoal, à filiação e ao endereço, não constituem meios de prova contra o indivíduo, mas tão somente sua identificação.
Em seguimento, dispõe o art. 16 da mencionada Lei que as empresas de transporte devem possibilitar, pelo prazo de 05 anos, acesso direito e permanente do magistrado, promotor ou delegado de polícia aos bancos de dados de reservas e registros de viagens. Importante mencionar que a doutrina majoritária aduz não se vislumbrar lesão à intimidade os informes constantes em bancos de dados de empresa de transporte público, posto que o uso de transporte público serve para descaracterizar qualquer cenário íntimo.
Por fim, dispõe o art. 17 da Nova de Lei de Organização Criminosa que as concessionárias de telefonia manterão, pelo prazo de 05 anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos números dos terminais de origem e destino das ligações telefônicas em geral. Todavia, este dispositivo não corresponde à legitimidade das autoridades mencionadas no art. 15 da citada Lei, vez que para ter acesso a dados diversos da qualificação pessoal, filiação e endereço, como é o caso dos registros telefônicos – fato que ingressa no âmbito íntimo do indivíduo – imprescindivelmente precisará de autorização judicial.
3.7 Da interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica
Interceptação, no âmbito jurídico, significa o ato de intrometer-se em conversa alheia, seja por meio telefônico ou computadorizado, seja por outras formas abertas ou ambientais.
A Constituição Federal, expressamente em seu art. 5º, inciso XII, cuida da inviolabilidade da comunicação telefônica, como regra, autorizando, por exceção, que, por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, ocorra a interceptação, com a consequente gravação, para utilização como meio de prova. A Lei nº. 9.296/96 disciplina a forma legal para a ocorrência da interceptação telefônica, sendo esta a legislação específica.
3.8 Do afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica
Preliminarmente, é importante citar que o sigilo financeiro é regulado pela LC 105/2001, somente podendo ser quebrado para fins de prova mediante autorização judicial.
Não diferentemente, os sigilos bancário e fiscal são igualmente tutelados pela Constituição da República Federativa do Brasil, sob o bem jurídico da intimidade e vida privada, razão pela qual também só comportam quebra por meio de autorização judicial.
3.9 Da infiltração, por policiais, em atividade de investigação
A infiltração representa uma penetração diuturna em algum lugar ou coisa, com o fim exclusivo de captação de prova.
A natureza jurídica da infiltração de agentes é um meio de prova misto, isto é, envolve a busca e a testemunha, tendo em vista que o agente infiltrado busca provas enquanto conhece a fundo a estrutura e as atividades da organização e, por tal razão, deverá, futuramente, ser ouvido como testemunha.
O artigo 10 da Lei 12.850/2013 traz alguns requisitos para a infiltração de agentes, sendo estes os seguintes:
1) ser o agente policial: a nova lei de organização criminosa aduz que somente agentes policiais, federais ou estaduais, podem infiltrar-se em organizações criminosas. Por óbvio, excluído estão os agentes de inteligência, advindos de órgãos diversos da polícia;
2) estar em tarefa de investigação: mais uma vez demonstra-se a necessidade de uma elaboração formal de investigação;
3) autorização judicial motivada: compete ao juiz, que acompanha o desenvolvimento da investigação criminal, autorizar a infiltração de agentes em organizações criminosas;
4) indícios de materialidade: a infiltração de agentes somente pode dar-se caso se comprove ao magistrado a prova mínima de existência de infração penal por parte de organização criminosa;
5) subsidiariedade da infiltração policial: em respeito à intimidade alhei, a infiltração de agentes se caracteriza como a ultima ratio, isto é, quando não mais existirem meios idôneos para captar todo o cenário da organização criminosa;
6) prazo de seis meses: o período inicial máximo – podendo ser deferida por menor tempo – é de seis meses, conforme preconiza o art. 10, §3º, da Lei nº. 12.850/2013. Todavia, nada impede a prorrogação de tal prazo ao prudente critério judicial, desde que o juiz faça uma avaliação minuciosa sobre tal prorrogação de prazo;
7) relatório circunstanciado: a autoridade policial responsável pelos agentes infiltrados fica obrigada a cada final de período, aprovado pelo juiz, elaborar relatório minuciosos, contendo todas as diligências empreendidas;
8) momento para infiltração: em regra, pode ser dada durante a investigação policial, por representação do delegado ou requerimento do Ministério Público, desde que autorizada pelo juiz. Nada impede que seja realizada durante a instrução criminal e, nessa hipótese, deve-se constar de incidente sigiloso, seguindo à autoridade policial para a viabilização.
Com efeito, nos termos do artigo 11 da Novel Lei, “o requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração”. Isto é, o mencionado artigo traz em seu bojo cinco elementos, sendo estes: a demonstração de indícios de materialidade, necessidade da medida, alcance das tarefas, nomes ou apelidos dos investigados e local da infiltração.
Como regra, o inquérito está instaurado e o pleito de infiltração de agentes deve se realizar em apenso próprio, com a observância do sigilo imposto por lei, conforme proclama o artigo 12 da Lei nº. 12.850/2013. O mesmo artigo 12, em seu §1º, aduz que as informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de polícia, devendo-se, portanto, adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.
O §2º do artigo 12 da Novel Lei aduz que “os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente”. Todavia, a doutrina faz uma crítica a tal dispositivo, vez que em um Estado Democrático de Direito não se pode admitir uma “testemunha sem identidade”, isto é, o mencionado §2º deve ser interpretado de forma restritiva, ou seja, o agente infiltrado pode ficar oculto somente do público em geral, mas, em hipótese alguma do réu e seu defensor.
Nesse mesmo sentido, aduz o festejado doutrinador Nucci (2013, p.81-82):
[...] não se pode admitir uma “testemunha sem rosto”. Ela não pode ser contraditada, nem perguntada sobre muitos pontos relevantes, visto não se saber quem é. Além disso, todos os relatórios feitos por esse agente camuflado – e nunca revelado – não podem ser contestado, tornando-se provas irrefutáveis, o que se configura num absurdo para o campo da ampla defesa.
E prossegue o renomado professor com sua crítica:
A única solução viável para que todo o material produzido por esse agente se torne válido é a sua identificação e defesa do acusado, possibilitando o uso dos recursos cabíveis. É responsabilidade do Estado garantir a segurança de seus servidores policiais, não se podendo prejudicar o direito constitucional à ampla defesa por conta disso.
Logo, o §3º do art. 12, traz a solução para casos de risco iminente para o agente infiltrado, ao proclamar que “havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.”
No tocante aos aspectos criminais da atuação do agente infiltrado na organização criminosa, o permissivo 13, parágrafo único, da Lei nº. 12.850/2013 constrói a ideia de uma excludente capaz de imunizar o referido agente pelo cometimento de algum delito, sob o amparo legal da inexigibilidade de conduta diversa. Tal permissivo legal trata-se de uma excludente de culpabilidade, com a finalidade de mostrar não haver censura ou reprovação social ao autor do injusto penal, vez que este estar envolvido por circunstâncias especiais e excepcionais.
Contudo, merece ressaltar que o caput do referido permissivo não coaduna com os excessos praticados pelo agente infiltrador, isto é, traz uma margem de proporcionalidade entre a conduta do agente e a finalidade da investigação.
Por fim, estabelece o artigo 14 da Novel Legislação serem direitos do agente os seguintes:
1) recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada: este permissivo legal coaduna com a possibilidade de recusa do agente policial que, por não se sentir preparado para tanto, pode recusar tal encargo, bem como não pode ser compelido ao encargo, sob pena de violação funcional;
2) ter a sua identidade alterada e usufruir as medidas de proteção a testemunhas: esse permissivo legal deve obedecer o caráter excepcional, disciplinado no caput do art. 9º, da Lei nº. 9.807/99, nesses termos: “Em casos excepcionais e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração do nome completo.”;
3) ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário: a doutrina faz uma crítica a este instituto, vez que durante a instrução criminal não se pode admitir uma “testemunha sem rosto”, sob pena de afronta ao direito constitucional à ampla defesa. Contudo, na parte final deste dispositivo, prevê-se a autorização judicial em contrário, ou seja, deve-se autorizar o acesso à defesa do réu ou investigado, nesta última hipótese se já fora indiciado;
4) não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito: significa dizer que o agente deve ser mantido fora do alcance da mídia. Como não existe um tipo penal incriminado para a violação desse direito do agente, a única saída seria a propositura de uma medida cautelar de ordem civil para bloquear a indevida divulgação por parte da mídia.
3.10 Da cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal
É sabido que a cooperação entre instituições e órgãos federais é decorrência lógica do funcionamento da máquina estatal, além de constituir uma ação positiva de colaboração.
Outrossim, há de ressaltar que o disposto no art. 3º, inciso VIII, da Nova Lei de Organização Criminosa, não concerne ao cenário dos meios de prova e, portanto, essa cooperação entre instituições e órgãos não é um mecanismo de demonstração da verdade de um fato, como aparenta ser.
3.11 Das Disposições Gerais Previstas na Lei nº. 12.850/2013
O artigo 22 da Nova Lei de Organização Criminosa trata especificamente do procedimento adotado para processar integrantes de organizações criminosas, isto é, aduz que o procedimento será o comum ordinário, bem como proclama o prazo máximo de duração da instrução criminal quando o réu estiver preso, qual seja, 120 (cento e vinte) dias.
Logo, percebe-se a otimização trazida pela novel legislação ao fixar qual a duração razoável do processo relativo a crimes cometidos por integrantes de organizações criminosas. Assim, conclui-se também que fora bem reputado o inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal.
Nesse sentido, vejamos a redação do referido diploma legal:
Art. 22. Os crimes previstos nesta Lei e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário previsto no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), observado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. A instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu.
Já o artigo 23 da Nova Lei de Organização Criminosa seguiu a redação proclamada na Súmula Vinculante de nº. 14 do Supremo Tribunal Federal, no tocante ao acesso do defensor do investigado a dados colhidos no curso do inquérito policial, acrescentando, ainda, que se o sigilo for decretado por decisão judicial, o acesso só pode se dar por meio de autorização do juízo competente. Assim, vejamos o que aduz o referido diploma:
Art. 23. O sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das diligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
Parágrafo único. Determinado o depoimento do investigado, seu defensor terá assegurada a prévia vista dos autos, ainda que classificados como sigilosos, no prazo mínimo de 3 (três) dias que antecedem ao ato, podendo ser ampliado, a critério da autoridade responsável pela investigação.
Ressalta-se que o sigilo determinado pela autoridade judiciária é um plus em relação ao sigilo ordinário previsto no artigo 20 do Código de Processo Penal, tendo em vista que em investigações “comuns”, o delegado de polícia pode franquear o acesso ao advogado do investigado sem necessidade de autorização judicial.
Por fim, insta salientar também que o parágrafo único do artigo 23 da Lei nº. 12.850/2013, não determinou que os investigados integrantes de organizações criminosas sejam necessariamente assistidos por defesa técnica na fase inquisitorial, até porque o inquérito que apura crimes praticados por organizações criminosas não estar precedido do contraditório. Logo, percebe-se que o permissivo legal apenas determinou que, caso os investigados tenham advogados, os patronos terão acesso aos autos três dias antes da oitiva.
3.11.1 Artigo 288 do Código Penal e suas alterações
Com a Nova Lei de Organização Criminosa, o crime de quadrilha ou bando fora remodelado, isto é, alterou-se o nomen júris da infração penal, passando para “associação criminosa”. Essa modificação fora positiva, posto que pois fim no debate inócuo sobre a diferença entre quadrilha e bando, já que tal diferença não importava para fins de aplicação do artigo 288 do Código Penal Brasileiro.
Ressalta-se que o delito continua tendo por objeto jurídico a paz pública, de forma que se classifica como crime de perigo abstrato, isto é, sem a necessidade de evidenciar o perigo para a sociedade, vez que presumido em lei.
O número de agentes reduziu-se. Anteriormente, necessitava-se de no mínimo quatro indivíduos. Agora, basta o número de 03 (três) ou mais.
A atual previsão do artigo 288 do Código Penal busca estabelecer uma diferença entre a organização criminosa e a associação criminosa pelo número de integrantes, sendo que na primeira exige-se pelo menos quatro, enquanto a segunda se configura com o número de três. Todavia, a doutrina majoritária não vê razão para tanto, uma vez que a organização criminosa não se configura apenas por número de agentes, mas sim por outros critérios com, por exemplo, pela estrutura, hierarquia, divisão de tarefas, dentre outros fatores.
Frisa-se também que o parágrafo único do art. 288 do Código Penal, com a nova redação, tem aspecto, em parte, favorável ao réu, pois houve redução do aumento de pena quando a associação é armada, sendo que antes o aumento era em dobro e; atualmente, o aumento é até a metade. Por outro lado, previu-se aumento – nunca visto antes- caso haja a participação de criança ou adolescente na associação criminosa.
O professor Nucci (2013, p. 107-108) faz uma crítica no tocante a este aumento de pena, quando houver a participação de criança ou adolescente, nos seguintes termos:
“O aumento foi estabelecido em parâmetros equivocados: até a metade. Assim sendo, o mínimo viável é de um dia. Porém, se a fixação for realizada nesse montante, torna-se pífia, fugindo a qualquer padrão de causa de aumento. Portanto, o mínimo deve concentrar-se em um sexto – o menor aumento fixado no Código Penal”.
3.11.2 Artigo 342 do Código Penal – Falso Testemunho – Alteração da Pena
O Código Penal, com o intuito de preservar a busca da verdade, previu em seu artigo 342 o delito de “falso testemunho” ou “falsa perícia”. De início, vejamos o que proclama o “caput” do referido diploma:
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. [...]
Com efeito, ao analisar-se o “caput” do mencionado artigo consegue-se destacar alguns elementos mencionados na figura típica, como, por exemplo, a conduta de fazer afirmação falsa, ou negar, ou calar a verdade; como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete; em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.
Para que determinado indivíduo possa ser absolvido, condenado, tenha a sua pretensão atendida pela justiça ou até mesmo rejeitada, receba uma sanção de natureza administrativa entre outras, é imprescindível a existência de provas. Ou seja, o julgador deve se valer do conjunto de provas para que forme seu convencimento e fundamente sua decisão.
A prova é o fundamento de uma decisão. Assim, sem prova não há como acolher qualquer pretensão trazida a juízo ou mesmo à repartição administrativa. Sobre o mencionado instituto assevera o professor Rogério Greco (2010, p.576):
São várias as provas de que o julgador poderá se valer para motivar sua decisão. Sendo que tanto o Código de Processo Penal quanto o Código de Processo Civil cuidam especificamente do tema. Dentre elas, a prova testemunhal pode ser considerada como uma das mais antigas. Sempre houve preocupação com os depoimentos prestados pelas testemunhas, principalmente porque cada uma delas interpreta o fato de acordo com a sua visão. Em muitos casos, somente haverá prova testemunhal. Muitos podem ser condenados pelos depoimentos de outras pessoas. A importância da prova testemunhal pode ser verificada, ainda, na própria Palavra de Deus, sendo que um dos dez mandamentos, constante do Livro Êxodo, Capítulo 20, versículo 16, assevera: Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
Tendo em vista a relevância deste instituto para a administração da justiça, a Nova Lei de Organização Criminosa trouxe nova redação no tocante à sanção penal do delito de “falso testemunho ou falsa perícia”. A pena do crime de falso testemunho, originalmente, era estabelecida em reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa. Todavia, há cerca de 10 (dez) anos, fora reduzida para o patamar de 1 (um) a 3 (três) anos. Agora, com a nova redação dada pela Lei nº. 12.850/2013, voltou-se para reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa, primeira pena fixada no Código Penal para tal instituto.
Por essa razão, não comporta mais a suspensão condicional do processo, prevista do artigo 89 da Lei nº. 9.099/95. Contudo, continua admitindo-se a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em casos de condenação, por tratar-se de delito não violento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o contexto já explanado, chega-se à conclusão de que o crime organizado abrange uma gama extensiva de delitos violentos, sofisticados, estudados e, sobretudo praticados por indivíduos altamente qualificados para a função delitiva, vez que preparados anteriormente e seguindo-os de uma estrutura piramidal que os fortalecem diariamente.
Torna-se luzidio que esse fenômeno “crime organizado” é entendido socialmente como um câncer maligno que constantemente se evolui, se enraíza no seio da humanidade. Logo, infelizmente surge a percepção social de reconhecer-se que nessa disputa – Estado versus crime – o Estado vem perdendo batalhas significativas, o que tem levado ao marcante desgaste do poder público.
Vale lembrar que a inércia do Estado quando do combate ao crime organizado, fora o principal fator para a evolução das diversas organizações criminosas, posto que tal “Vadiagem Estatal” deu espaço para que as organizações criminosas sofisticassem suas técnicas e, num futuro próximo, usá-las em desfavor do Poder Estatal, colocando em risco iminente a própria soberania do Estado.
Em razão do luzidio descontrole estatal no tocante ao crime organizado, surgiu em 02 de agosto de 2013, a Lei nº. 12.850 que, com algumas inovações no âmbito jurídico-penal, busca, ademais, a utilização de todos os meios permitidos pela legislação e que são eficazes para o combate incessante à atividade criminosa organizada, trazendo-a em seu bojo instrumentos para tanto, como, por exemplo, a interceptação telefônica; o acesso a dados e informações sigilosas; a delação premiada, inclusive com o perdão judicial para o delator; a infiltração de agentes; as ações controladas de modo geral, dentre outros.
Outra forma de combater o crime organizado é criação de uma legislação onde os integrantes sejam punidos com penas severas, mas com caráter de ressocialização, isto é, sempre buscando a reintegração do infrator no convívio social novamente, dando à pessoa infratora possibilidade de ter uma nova vida distante da criminalidade.
A sociedade protesta por maior empenho estatal, aprimoramento e modernização em nossa legislação penal, dando-se aos órgãos responsáveis pela persecução penal condição legal de enfrentar o crime organizado e punir seus integrantes.
Por fim, deve ficar claro que para haver sucesso no combate ao crime organizado, precisamos de uma união entre os órgãos do poder judiciário, legislativo, executivo e os entes federativos. É imprescindível também investimento em segurança pública, qualificando e especializando as polícias, os magistrados, os promotores de justiça e os demais funcionários públicos para que possam enfrentar essa situação com o amparo estatal devido e retirar esse tumor da sociedade.
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[1] TJMG_Processo: Apelação Criminal 1.0378.08.025350-3/001 0253503-67.2008.8.13.0378 (1). Relator(a): Des.(a) Judimar Biber. Disponível em: http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do;jsessionid=2C970B17287EE5820F0BC19812467EF4.juri_node2?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&palavras=crime+organizado+dela%E7%E3o+premiada&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&codigoOrgaoJulgador=&codigoCompostoRelator=&dataPublicacaoInicial=&dataPublicacaoFinal=&dataJulgamentoInicial=&dataJulgamentoFinal=&siglaLegislativa=&referenciaLegislativa=Clique+na+lupa+para+pesquisar+as+refer%EAncias+cadastradas...&numeroRefLegislativa=&anoRefLegislativa=&legislacao=&norma=&descNorma=&complemento_1=&listaPesquisa=&descricaoTextosLegais=&observacoes=&linhasPorPagina=10&pesquisaPalavras=Pesquisar. Acesso em 21 jul. 2014.