ATIVISMO JUDICIAL: ATIVISMO JUDICIAL NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS PRIVADAS

Por Evandro Antonio Vieira de Moura Filho | 11/10/2016 | Direito

 

RESUMO

Realizar-se-á uma análise histórica do Constitucionalismo e da importância da Jurisdição Constitucional para proteção dos princípios e valores democráticos constitucionais. A partir daí, será esclarecido o motivo da ascendência do Judiciário no contexto atual e o surgimento do movimento denominado Ativismo Judicial, com ênfase nas relações contratuais privadas.

INTRODUÇÃO

O Paper tem como escopo ressaltar o campo de atuação do Poder Judiciário frente às questões emblemáticas emergentes do século XXI, visando ao resguardo dos Princípios e Direitos Fundamentais do Estado Democrático de Direito. Assim como, evidenciar o movimento denominado Ativismo Judicial, que se encontra em destaque nos últimos anos no Brasil e pelo mundo.

O primeiro capítulo faz uma breve abordagem a respeito do Constitucionalismo, evidenciando o contexto de seu desenvolvimento, seus objetivos e finalidades. O segundo capítulo é dedicado à Jurisdição Constitucional, demonstrando como ocorre a proteção às conquistas realizadas ao longo da história referentes ao ideal constitucionalista e o terceiro e quarto trata do Ativismo Judicial, demonstrando as causas e tecendo críticas à atuação dos Tribunais e juízes brasileiros, inclusive no que tange às relações contratuais privadas.

1 CONSTITUCIONALISMO

Para entendermos o contexto de desenvolvimento do Ativismo Judicial faz-se necessário uma breve análise histórica do nascimento da ideia de constitucionalismo.

O marco temporal do constitucionalismo moderno e contemporâneo data o século XIII, mas precisamente o ano de 1215. Neste período, era grande a insatisfação popular no Reino-Unido, principalmente por parte dos barões e grandes proprietários de terra, que eram contra os abusos do Poder Executivo, representado pelo rei João Sem Terra.

Na tentativa inicial de limitar os poderes do soberano e assegurar os direitos dos cidadãos, como os direitos de propriedade e liberdade, foi imposto ao rei João Sem Terra a assinatura da Magna Charta, em 1215. Esta carta foi uma forma de proteger os direitos e dar garantia aos indivíduos que esses direitos seriam resguardados. Considera-se que este documento tenha sido uma inspiração para todo o mundo.

Após a assinatura da Magna Charta foram criados outros documentos e medidas com a finalidade de resguardar os direitos do cidadão e de impor limites aos poderes pertencentes ao Executivo. Houve estabelecimento de um Parlamento independente em relação ao soberano, fazendo a separação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo e a criação de uma Petição de Direitos (Petition of Rights) e Declaração de Direitos (Bill of Rights).

E conforme assegura Luís Roberto Barroso, “[...] o modelo institucional inglês estabelece-se sobre raízes tão profundas que pôde prescindir até mesmo de uma Constituição escrita [...], e ele “[...] projetou sua influencia sobre diferentes parte do mundo, diretamente ou indiretamente (através dos Estados Unidos).” (BARROSO, 2009, p. 13-14)

Outra experiência precursora do constitucionalismo que merece destaque é a dos Estados Unidos da América. As partes que hoje são conhecidas por Estados Unidos eram colônias inglesas, que começaram a ser povoada por puritanos em meados do século XVII. Estes, revoltados com o excesso de tributação imposto pela Coroa britânica, com os limites impostos às atividades comerciais e a ausência de representação no Parlamento inglês pela colônia, iniciaram um movimento de independência. Em 1776, foi elaborada a Declaração de Independência, simbolizando a independência das colônias. Após a independência foi iniciado em 1787 um projeto de revisão dos “Artigos da Confederação”, que acabou se transformando em uma “Convenção Constitucional”, nascendo assim, a primeira Constituição escrita da história. Sua maior importância é devido ao conteúdo principiológico exclusivo até então, contendo artigos referentes à construção de um judiciário forte, à previsão de eleições periódicas, à formação de princípios gerais para nortear a sociedade e, principalmente, à implantação de um governo fundado na separação dos poderes e na supremacia da lei. Posteriormente, foram criadas dez emendas, conhecidas como Bill of Rights. Nelas, os direitos básicos eram detalhados e conhecidos por todos. (BARROSO, 2009, p.16-19)

A Constituição dos Estados Unidos é exemplo de Constituição rígida, cujo controle das leis é de competência do poder judiciário, com destaque para a Suprema Corte, maior responsável pela interpretação da Constituição.

Na França não foi diferente. Houve um intenso processo revolucionário para acabar com a exploração e os privilégios das classes dominantes, o que culminou na transformação do Estado absolutista em liberal. Com o tema de Igualdade, Fraternidade e Liberdade, a Revolução Francesa mudou a visão de Estado em todo o mundo.

Em 1791, nasce a Constituição Francesa com a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão em seu preâmbulo. E conforme dita Barroso, [...] quanto às instituições políticas e ao constitucionalismo, consolidaram-se valores como o sufrágio universal, a soberania popular, a separação dos Poderes, a proteção aos direitos individuais, com ênfase nas liberdades públicas, na igualdade formal e na propriedade privada. (BARROSO, 2009, P. 28).

A ideia de Constitucionalismo nos remete ao Estado de Direito, em que o poder estatal está limitado e a lei é tida como suprema, de forma a garantir os direitos e garantias fundamentais. O Estado fruto deste constitucionalismo se consolidada na Europa após o fim da II Guerra Mundial e os direitos do ser humano que antes foram totalmente usurpados e esquecidos passam a ser garantidos em diversos países do mundo, sendo recepcionados por uma Constituição.

2 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Com a consolidação do Estado constitucional de direito após a Segunda Guerra Mundial, ocorre o que Paulo Bonavides chama de declínio formal da lei ou dessacralização da lei, passando a Constituição a ocupar o lugar de destaque, em termos jurídicos formais. Nestes termos, a Constituição se torna a fonte de inspiração e ordenação de todo o ordenamento jurídico, sendo morada dos ideais de justiça, liberdade, dos poderes legítimos, o paço dos direitos fundamentais, a casa dos princípios e sede da soberania. (BONAVIDES, 2004, p. 127)

Nesta transição observa-se que antes deste novo modelo de Estado havia uma centralidade nas leis, independente da matéria legislada, estando muitas vezes em dissonância com a Constituição, e supremacia do Legislativo, que em sua maioria era controlado pelo Chefe do Executivo através de estratégias políticas para atender aos seus interesses. Modelo ideal para a ação de ditadores com desejos contrários à causa de justiça e democracia. Faz-se importante a lembrança dos regimes totalitários (como o Nazismo de Hitler), representando o abuso e atrocidades aos direitos fundamentais da pessoa humana.

A partir das experiências frustrantes e da ausência de apreço à Constituição, nasce a necessidade de uma jurisdição constitucional com o estabelecimento de uma instância neutra e imparcial com poderes suficientes para a resolução de conflitos entre as leis infraconstitucionais e a própria Constituição, com o objetivo de garantir o respeito às normas constitucionais e aos direitos fundamentais. É que ocorre com países federativos como o Brasil, onde há um sistema rígido com entes distintos e autônomos que formam um corpo político, separação de Poderes, com distribuição de funções entre órgão centrais e locais e uma forma presidencialista de governo, havendo a plena necessidade do estabelecimento de um sistema de controle de constitucionalidade das leis.

No Brasil, a jurisdição constitucional é exercida pelos tribunais e juízes, sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão de cúpula do Poder Judiciário. Conforme compreende Barroso:

“ [...] em suma, no Brasil “a jurisdição constitucional compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional conforme a constituição.”(BARROSO, P. 5)

É importante ressaltar que houve uma de “evolução” processual da jurisdição constitucional no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988. A princípio, havia uma má e ineficiente aplicação dos mecanismos constitucionais para controle de constitucionalidade, com um Poder Judiciário passivo frente às vontades do executivo, que se aproveitava das medidas provisórias para ser um poderoso legislador. Em 1999, o Ministro Celso de Mello falou do assunto da seguinte forma:

“[...] O presidente da República se transformou no grande legislador do país. Essa sua compulsão legislativa fez o Brasil viver sob o signo do efêmero porque as Medidas Provisórias, por serem provisórias, introduzem um elemento normativo instável. Essa distorção institucional afeta e compromete o princípio da separação dos Poderes, uma das cláusulas pétreas, a alma da nossa Constituição [...]” (MELLO, 1999 apud BONAVIDES, 2004, P. 130)

Hoje, a realidade já não é a mesma, o juiz brasileiro se tornou muito mais atuante, impulsionado principalmente pelo processo de judicialização. Isso significa dizer que questões de grande importância, as quais ficavam reservadas ao âmbito do legislativo e executivo estão sendo decididas pelo poder judiciário, em razão da insuficiência das instâncias políticas brasileiras e da necessidade de assegurar os valores de uma democracia constitucional.

Certamente no Brasil este fenômeno tomou proporções ainda maiores pelas seguintes causas: o fato da Constituição ser analítica, devendo os tribunais atender às mutações sociais que não são resolvidas pela atuação política e devido ao sistema de controle de constitucionalidade, em que todo juiz pode pronunciar a invalidade de uma norma e as ações diretas de inconstitucionalidade são ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal.

Dessa feita, a judicialização é consequência de um modelo institucional. Entretanto, o “problema” aparece quando são ultrapassados os limites da atuação do Judiciário na busca dos valores constitucionais, podendo existir um Ativismo Judicial.

3 ATIVISMO JUDICIAL

No século XXI, nasce uma sociedade complexa com conflitos sociais e políticos emergentes que não eram previstas pelo ordenamento jurídico, junto com esta nova sociedade surge o que alguns doutrinadores chamam de Neoconstitucionalismo, marcado principalmente pelo reconhecimento da Constituição (muitas delas são analíticas, com termos abrangentes e princípios vagos) como norma jurídica principal e pela importância dada à jurisdição constitucional para concretização dos direitos fundamentais e princípios constitucionais.

Para Barroso, “a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais intensa e ampla do judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”. Segundo o mesmo autor, não é necessário o confronto entre os Poderes para existir Ativismo Judicial, mas apenas uma ocupação de espaços vazios. (BARROSO, P. 10)

Ou seja, quando o juiz ou tribunal transpassa os limites de sua competência no campo do direito, passando a atuar como agente político, chamado de “juiz legislador” ou quando o controle de constitucionalidade se dá de maneira exacerbada em casos em que os atos de outros Poderes não são claramente inconstitucionais, nasce assim, uma atitude extrajudicial, uma politização da jurisdição constitucional, que está além da atuação esperada. É o que se convenciona chamar de Ativismo Judicial.

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