ATIVIDADE EMPRESARIAL E A CAPACIDADE PARA OS ATOS DA EMPRESA

Por LETICIA DE LIMA FARIAS | 11/06/2018 | Direito

Letícia de Lima Farias 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Jorginho é um jovem de 16 anos com um grande tino comercial, antes de tal idade o mesmo já consertava bicicletas dos amigos de seu bairro, diante de sua habilidade mecânica o garoto passou a prestar o serviço para diversas pessoas, na garagem de seu pai. Porém com o aumento da demanda por serviços, o jovem teve a brilhante ideia de alugar uma loja, lá ele prestava serviços e também vendia peças para as bicicletas.
Ao saber de um processo licitatório realizado pelo município, que tinha por objeto a venda de bicicletas e a prestação de serviços de manutenção delas, Jorginho viu uma grande oportunidade para alavancar definitivamente seu negócio. 
Jorginho não só se inscreveu como também venceu a licitação. Porém o segundo colocado inconformado com tal situação, impugnou administrativamente o certame, utilizando como argumento que o jovem por ser menor relativamente incapaz, precisava de assistência e em momento algum do processo o mesmo fora assistido por um responsável. Sendo assim Jorginho deveria ser desclassificado e repassado a ele o contrato com a municipalidade.
Diante disso questiona-se: A participação de Jorginho no processo licitatório é válida?

2 IDENTIFICAÇÃO E ANALISE DO CASO

2.1 Descrição das decisões possíveis

a) Sim, a participação de Jorginho na licitação é válida.
b) Não, a participação de Jorginho na licitação deve ser anulada.


2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

2.2.1 A participação de Jorginho na licitação é válida

I – Partindo-se do conceito de empresário previsto no art. 966 CC/2002, “o profissional que exerce atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (BRASIL, Código Civil/2002), é possível afirmar que Jorginho pode ser classificado como tal, sendo resguardados assim seus direitos, ao passo que o mesmo presta serviços e faz comercialização de bens.
II – No que desrespeito a idade, realmente, Jorginho tem 16 (dezesseis) anos, logo menor relativamente incapaz. Porém deve-se atentar ao fato de que ele detém uma economia própria, alcançando assim um tipo de emancipação automática, que se da sem qualquer homologação judicial ou declaração formal, não necessitando assim expor documentação alguma. Para resolver tal conflito basta que o órgão que administra o processo licitatório requerer a comprovação de renda de Jorginho.
Art 5: Cessará, para os menores, a incapacidade: 
V- pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. (BRASIL. Código Civil/2002).
III- De acordo com a Lei nº 8666/93 que dispõe sobre o processo licitatório, o pedido do segundo colocado não tem fundamento, uma vez que o primeiro processo realizado é o de verificação de documentação, e observando que Jorginho venceu a competição, fica subtendido que o mesmo é regularizado, e entregou toda a documentação exigida.
Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
I - abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos concorrentes, e sua apreciação;
II - devolução dos envelopes fechados aos concorrentes inabilitados, contendo as respectivas propostas, desde que não tenha havido recurso ou após sua denegação;
III - abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, desde que transcorrido o prazo sem interposição de recurso, ou tenha havido desistência expressa, ou após o julgamento dos recursos interpostos; (BRASIL, Lei de Licitações/1993). 


2.2.2 A participação de Jorginho na licitação deve ser anulada.

I – De acordo com o art. 972 CC/2002 “podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos” (BRASIL, Código Civil/2002). Logo Jorginho não pode se classificado como empresário e não deveria sequer participar do processo licitatório, uma vez que não preenche os requisitos da capacidade, tendo em vista que o mesmo possui apenas 16 anos e não houve menção de presença do mecanismo de assistência ou apresentação de declaração que comprove sua emancipação.
II – Sublinha-se ainda que, Jorginho não apresentou qualquer documentação que comprove seu registro na junta comercial. De fato ele pode ate se enquadrar como empresário, pois exerce atividade em nome próprio e faz circular bens e serviços, porém é de forma irregular. Tal classificação o inviabiliza de participar de qualquer licitação pública, “os empresários irregulares são impossibilitados de participar de licitações, nas modalidades de concorrência pública e tomada de preço” (COELHO, 2007, p.44). Logo sua participação na licitação deve ser desconsiderada, e o segundo colocado deve assinar o contrato com o município. 

3 PERGUNTAS SECUNDÁRIAS
 
a) Jorginho pode ser enquadrado como empresário? Fundamente.

Jorginho pode ser classificado como empresário, pois além de enquadrar-se no conceito anteriormente exposto, o mesmo preenche os requisitos exigidos para ser um empresário: profissionalismo, atividade econômica organizada e circulação de bens ou serviços (COELHO, 2007).
O jovem é estabelecido economicamente, possui um estabelecimento comercial no qual presta serviços de revisão e consertos, e ainda vende peças de bicicletas. Partindo ainda do pressuposto que o mesmo possui uma oficina ampliada, devido a grande demanda de serviços, é possível dizer que no mínimo há um ajudante contratado. 

b) Como se operacionaliza o suprimento da incapacidade do menor com 16 anos completos, que se estabeleça comercialmente, por seus próprios esforços?

O suprimento da incapacidade se da por meio somente da emancipação, como foi exposto na argumentação, Jorginho se enquadra em um tipo de emancipação automática, ou seja, não precisa de homologação judicial, ou escritura pública, prevista no art. 5, inciso V CC/2002.

c) A capacidade para ser empresário se difere da capacidade para ser sócio de sociedade empresária?

Há uma distinção no que desrespeito a capacidade de ser sócio e empresário. Ao passo que, “as regras aplicáveis ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária” (COELHO, 2007, p.20).
Em regra para ser empresário o individuo deve estar em pleno gozo de sua capacidade civil, com exceção do “menor emancipado (por outorga dos pais, casamento, nomeação para emprego público efetivo, estabelecimento por economia própria, obtenção de grau em curso superior), que também pode exercer a empresa como o maior” (COELHO, 2007, p.21).
Ser relativamente incapaz não impede o menor de ser sócio ou quotista em uma sociedade. De acordo com o art.8 CPC “os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores na forma da lei civil” (BRASIL, Código de Processo Civil/1973). Nesse caso o representante ou assistente assina a documentação relativa à ação dentro da sociedade juntamente com o menor.

d) Caso Jorginho, ao invés de ter se estabelecido por seus próprios esforços, tivesse herdado uma atividade empresária, ele poderia atuar independentemente de estar assistido?

Em caso de atividade empresária herdada, o menor poderá exercer a empresa constituída por seus pais mediante autorização judicial, alvará, porém o menor não pode exercer de forma independente, o incapaz autorizado deve ser assistido.
No interesse do incapaz, prevê a lei hipótese excepcional de exercício da empresa: pode ser empresário individual o incapaz autorizado pelo juiz. O instrumento dessa autorização é especialíssimo. Ela só poderá ser concedida pelo judiciário para o incapaz continuar exercendo empresa que fora constituída por seus pais ou por pessoas de quem o incapaz é sucessor. [...] O exercício da empresa por incapaz autorizado é feito mediante representação ou assistência (COELHO, 2007, p.21).

e) Qual o sentido do tratamento legal diferenciado nessas duas situações?

A distinção do tratamento legal para as situações consiste na ideia de que ao constituir uma atividade empresarial com seus próprios esforços, pressupõe-se uma habilidade e maturidade para lidar com os negócios, logo o mecanismo de assistência seria algo dispensável. Já com relação à herança da atividade, entende-se que o menor não tem a experiência comercial, e não tem a mesma astúcia do menor que constitui empresa com esforço próprio. Cabendo assim a assistência do menor para o ato de exercício como maior dentro de uma empresa. 
Diante disso, o tratamento legal diferenciado se justifica na proteção da empresa, ao passo que o menor ao herdar empresa não tem a noção de como continuar a atividade lucrativa, e também na proteção do empresário menor emancipado, pois a empresa ficaria em seu poder, e assim não se entregaria a administração dessa para outros indivíduos, esses que não saberiam como prosseguir a expansão da atividade comercial. 

f) No caso de um menor que herda atividade empresária, o que vem a ser o patrimônio de afetação/afetamento e qual o seu objetivo?

No patrimônio de afetamento, o indivíduo passará a ter dois patrimônios: o afetado, vinculado aos riscos da atividade empresarial e, portanto, passível de ser penhorado ou objeto de garantia do negócio, e, de outra parte, o desafetado, ou seja, o patrimônio que não poderá ser atingido para pagamento das obrigações decorrentes do negócio (LOURENÇO, s/d).
Ou seja, tal mecanismo surge no intuito de proteção financeira ao sucessor, uma vez que a atividade econômica é sujeita a riscos. Com a separação patrimonial, o sucessor menor tem resguardado seus bens separadamente aos bens da empresa, e em caso de falência esses bens não serão entregues para cumprimento de obrigações decorrentes de tal atividade econômica (SCHERER, 2012).

4 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS EM CADA DECISÃO POSSÍVEL

4.1 A participação de Jorginho na licitação é válida

EMPRESÁRIO – indivíduo que exerce em nome próprio a atividade empresaria.
CAPACIDADE – preceito que dispõe sobre a possibilidade de um indivíduo exercer alguma atividade, responder por obrigações, etc.

4.2 A participação de Jorginho na licitação deve ser anulada

ASSISTÊNCIA – mecanismo de suprimento para o exercício do relativamente incapaz.
LICITAÇÃO – processo que visa assegurar igualdade de condições a todos que queiram realizar um contrato com o poder público.
REFERÊNCIAS

BRASIL, Código de Processo Civil: decretado em 1973. Vade Mecum. Ed Saraiva, 17 ed. 2014.

BRASIL, Lei nº 8666 de 1993. Dispõe sobre licitações. Vade Mecum. Ed Saraiva, 17 ed. 2014.

BRASIL. Código Civil: decretado em 2002. Vade Mecum. Ed Saraiva, 17 ed. 2014.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa. Ed. Saraiva, 19 ed. São Paulo, 2007.

LOURENÇO, Shandor Portella. O empresário e a teoria subjetiva moderna. Disponível em . Acesso em 02 set 2014.

SCHERER, Tiago. A inserção da empresa individual de responsabilidade limitada no direito brasileiro. Revista de direito empresarial. Belo Horizonte,  ano 9,  n. 3,  set. / dez.  2012. Disponível em: < http://www.editoraforum.com.br/ef/wp-content/uploads/2013/10/Direito-Empresarial-A-insercao-da-empresa-individual-de-responsabilidade-limitada-no-Direito-brasileiro.pdf>. Acesso em 03 set 2014.

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