“Até quando vamos nos calar?”

Por NERI P. CARNEIRO | 26/07/2016 | Filosofia

Até quando vamos nos calar?”

A indagação revoltada veio de uma dona de casa. Aos quarenta e cinco anos é de supor que tivesse alguma experiência em fazer compras em lojas e supermercados. É de se supor, também, que observasse bem os produtos comprados.

Mas ela, como a maioria de nós, olhava para as embalagens e fazia apenas uma breve análise do prazo de validade e comprava o produto. E, como a maioria de nós, via o que estava acontecendo, mas não dava atenção ao detalhe. Para ela, como para a maioria de nós, a ficha ainda não tinha caído. Até que a ficha caiu, entendeu a situação e eu também quis saber.

Ela me contou que acordou quando os pacotes de absorvente que estava acostumada a usar não mais estava sendo suficiente para o seu ciclo menstrual (Uma mulher de quarenta e cinco anos tem, pelo menos, trinta anos de experiência menstrual e, portanto, tem noção de quantos absorvente usa em cada período. Por isso, uma certa quantidade costumeira de pacotes de absorventes passar a ser insuficiente para cada ciclo, chama a atenção, levanta a indagação: aumentou o fluxo ou diminuíram as unidades de absorventes em cada pacote?)

E ela me contou que foi isso que a fez perceber o engodo. Os pacotes que antes vinham com dez unidades, agora eram vendidos com apenas oito unidades.

Isso posto, foi adiante e passou a observar outros produtos: o pacote de esponja de aço, antes com dez unidades, estava chegando com apenas oito. O pacote de café, não foi diferente: até aparecia a indicação de duzentos e cinquenta gramas, mas numa faixa o fabricante confessava: cento e noventa gramas.

E a lista continuou: o bico do creme dental aumentou de tamanho, para sair mais pasta em cada apertão. O frasco de um litro de óleo continha apenas novecentos mililitros. A caixa tradicional de um quilo de sabão em pó continha novecentos gramas. Até os pacotes de bolacha emagreceram.

Essa senhora deu-me uma lição de observação e uma lista de produtos que, tradicionalmente eram apresentados com uma quantidade, mas “de uns tempos para cá” chegavam ao mercado com uma quantidade “a menos”. De refrigerante a sabonete; de detergente a sacos de lixo... as embalagens permaneceram tradicionais. A novidade estava na quantidade: diminuiu!

Na minha ingenuidade de cidadão bem intencionado e crédulo na boa fé da indústria, argumentei: “As embalagens trazem quantidades menores porque os preços diminuíram!”

Claro que ela não me chamou de idiota, mas me fez entender o seguinte: a indústria de vários produtos vem diminuindo o tamanho do produto ou a quantidade de produtos em cada embalagem sem a respectiva redução do preço, visando manter – ou aumentar – os lucros.

Dessa forma a indústria vende mais quantidade de embalagens, mas não entrega a mesma quantidade de produtos. O raciocínio é simples: num embalagem antiga de dez agora oferecida com oito, o cliente deixa de levar dois produtos. Esses dois produtos que não foram entregues, juntados a mais seis de outras três embalagens, permitem à indústria produzir mais uma embalagem (de oito produtos) que será vendida pelo mesmo preço de uma de dez. Assim, a cada quatro embalagens vendidas, a indústria ganha a quinta; da mesma forma que a cada nove embalagens de novecentos gramas ganha a décima.

Esse foi o contexto da indagação revoltada dessa dona de casa: “Até quando vamos nos calar?” Seu questionamento convoca a revisão de atitude: Vamos aceitar sermos ludibriados ou tomaremos uma decisão. De minha parte, estou ampliando o grito da dona de casa. Mas precisamos de mais: mobilização maciça dos consumidores; boicotes a produtos maquiados; boicotes aos mercados que aceitam revender esses produtos...

Alguém tem mais alguma ideia? Quando começamos?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura – RO