Aspectos Jurídicos do Processo de Formação do Município de Horizonte do Estado do Ceará

Por Denis Lopes do Nascimento | 26/08/2010 | Direito

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar, a partir de uma perspectiva constitucional, o processo de formação do município de Horizonte, localizado na região metropolitana de Fortaleza, a 42 km da capital do Estado do Ceará.
De início, por oportuno, impende destacar que o município de Horizonte formou-se "legalmente", com a promulgação de sua Lei Orgânica Municipal, em meados de 1987 (embora o movimento de emancipação seja bem mais antigo, por volta de 1963), na vigência da Carta Magna de 1969, se assim considerarmos a Emenda Constitucional n° 1.
Desta forma, em face da proximidade de sua criação com a Constituinte de 1988, faz-se necessário o estudo do texto constitucional de 1969, sem perder de vista as mudanças trazidas pela Constituição Federal de 1988, alcunhada por Ulisses Guimarães de Constituição Cidadã.

2. O MUNICÍPIO

Sem os mesmos contornos da atualidade, como forma de dominar os conquistados e garantir a integridade do império, o município, visto como unidade político-administrativa, surgiu no Império Romano por volta de 100 a.c. Conforme a submissão ao poder central de Roma, às regiões conquistadas era assegurado maior ou menor autonomia, podendo inclusive eleger seus governantes e dirigir a própria cidade, surgindo daí duas espécies de municipalidade: municipia caeritis e municipia foederata.
No Brasil, o surgimento das municipalidades remonta ao período colonial, sendo que a sua implantação, em face da imposição das instituições dos dominantes sobre os dominados, deu-se nos mesmos moldes da metrópole portuguesa, fundada na centralização do poder e na restrição das autonomias locais.
Até meados de 1946, conquanto os textos constitucionais previssem que os municípios eram entidades autônomas, não passava de letra morta sem qualquer eficácia, seja porque não era de interesse do império possuir regiões dotadas de liberdades que pudessem ameaçar a integridade nacional (em contraposição ao ideal centralizador do Imperador), seja porque os regimes ditatoriais sufocavam as municipalidades através de um intervencionismo exacerbado, seja porque o favoritismo e o coronelismo deturparam o sistema constitucional estabelecido na Carta Política.
Podemos afirmar, com fulcro no eminente publicista Hely Lopes Meireles, que, somente com a constituição de 1946, foi concretamente assegurada aos municípios autonomia administrativa, política e financeira. Assim dispunha o texto constitucional de 46:
"Art. 15. A autonomia municipal será assegurada:
I - pela eleição direta de prefeito, vice-prefeito e vereadores, realizada simultaneamente em todo o País; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982)
II - pela administração própria, no que respeite ao seu peculiar interêsse, especialmente quanto:
a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação de suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; e
b) à organização dos serviços públicos locais". (destaquei)
Outrora muito se discutiu se o município era parte integrante da federação brasileira. Atualmente, tendo em vista o que dispõe a Constituição Federal de 1988, essa discussão foi superada. A municipalidade hodierna é dotada de autonomia plena, elevada a categoria de princípio constitucional sensível, podendo a União Federal decretar a intervenção no Estado-membro que ameaçar de alguma forma o livre exercício das competências das municipalidades que se encontram em seus limites territoriais (art.10, VII, alínea e, da Emenda Constitucional n° 1 de 1969; art. 34, VII, alínea c, da CF/88).
Sendo a autonomia municipal, outorgada pela Carta Política de 1988, materializada na capacidade de autogoverno, auto-organização, auto-administração e auto-legislação concedidas a esse ente da federação brasileira.
O autogoverno está consubstanciado na possibilidade de eleição direta de seus próprios governantes, sem o intervencionismo das entidades superiores como outrora ocorria. Deste modo, os munícipes poderão escolher livremente, através de voto direto e secreto, com valor igual para todos, os membros do Poder Legislativo e do Executivo que irão representar seus interesses junto à comunidade local.
Por meio da auto-organização, foi dado ao município o poder de reger-se por Lei Orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do respectivo Estado (art.29, caput, da CF/88).
A partir da repartição constitucional de competências, um dos pilares da federação brasileira, foi assegurado aos municípios atribuições legislativas e administrativas, ora exclusivas, ora concorrentes. Portanto, é dado a ele legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, I e II, da Constituição Federal de 1988), bem como organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (art. 30, V, CF/88).

3. A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 1 DE 1967.

Pela abrangência e a extensão dos dispositivos da Emenda Constitucional n° 1 de 1969, a doutrina constitucionalista majoritária atribui a ela a natureza de Constituição em sentido estrito. Em verdade, tal emenda não representou o poder constituinte derivado reformador decorrente da Constituição de 1967, mas sim poder constituinte originário, instalando uma nova ordem jurídica.
Nesse sentido é a doutrina de Pedro Lenza aduzindo que "sem dúvida, dado o seu caráter revolucionário, podemos considerar a EC n. 1/69 como a manifestação de um novo poder constituinte originário, outorgando uma nova Carta".
Lançadas as primeiras linhas propedêuticas sobre o município como ente da federação brasileira e analisada a natureza jurídica da EC n° 1/69, passemos a discorrer acerca do procedimento estabelecido nas Constituições de 1969 e de 1988 para criação dos municípios.

4. A CRIAÇÃO, A INCORPORAÇÃO, A FUSÃO E O DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIOS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE 1969 E 1988.

Nos termos da Emenda Constitucional n° 1 de 1969, a criação de Municípios, bem como sua divisão em distritos, dependerá de lei estadual, sendo que Lei complementar estabelecerá os requisitos mínimos de população e renda pública e a forma de consulta prévia às populações locais, para a criação de novos Municípios (artigos 14 e 15 da EC n°1/69).
Por outro lado, o texto constitucional de 1988 estabelece em seu art.18, § 4º, com a redação dada pela emenda constitucional n° 15, que, a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.
Percebe-se que a atual Carta Política, no que diz respeito ao tema sob comento, foi mais abrangente, exigindo das áreas que pretendem se emancipar um estudo de viabilidade municipal, ou seja, deverá ser demonstrada a capacidade de aquela área vingar, diminuído, portanto, o crescimento desenfreado de novos municípios.
Desta feita, partindo da análise dos dispositivos constitucionais, conclui-se que deverão ser observados certos requisitos para a criação do município, como legítimo ente da federação da brasileira. São eles:
? Lei complementar federal ? mediante a qual será determinado o período para a criação do município. Todavia, cabe aqui destacar, que, até o presente momento o legislativo quedou-se inerte, não elaborando a norma que estabeleceria o procedimento para a criação do município. Desse modo, diversas leis estaduais estão criando municípios desprezando-se a omissão legislativa;
? Estudo de viabilidade municipal ? através do qual a região que pretende se emancipar deverá demonstrar a viabilidade da criação do município;
? Plebiscito ? quer isto dizer que as populações diretamente interessadas deverão ser previamente ouvidas antes da elaboração de qualquer lei estadual de criação do município;
? Lei estadual ? a criação do município deverá dar-se mediante a elaboração de lei estadual dentro do período que a lei complementar federal houver definido.
Impende destacar, por oportuno, que, para afastar a inconstitucionalidade formal na criação de novos municípios, por conta da inexistência da referida Lei Complementar, recentemente, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n. 57, adicionando o artigo 96 aos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, nos seguintes termos: "Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação".

5. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE HORIZONTE DO ESTADO DO CEARÁ

O município de Horizonte, localizado na região metropolitana de Fortaleza, a 42 km da capital do Estado do Ceará, era alcunhado de Olho d?Água do Venâncio, pertencente ao município de Pacajus.
A primeira tentativa de emancipação de da região horizontina foi com a Lei Estadual n.º 6.793 de 1963, assinada pelo Governador Virgílio Távora. Todavia, em face da edição do Decreto-Lei n.º 8.339/63 pelo presidente Castelo Branco, o município teve uma existência efêmera de apenas um ano.
Atendendo os ditames da Emenda Constitucional n.1 de 1969, em 1985 foi realizado um plebiscito em que 2.273 eleitores votaram SIM e 182 votaram NÃO à emancipação.
Somente em 06 de março de 1987, é criado o município de Horizonte através da Lei Estadual n.º 11.300, sancionada pelo então governador Gonzaga Mota, no antigo Palácio da Abolição.

6. CONCLUSÂO

Conquanto o município de Horizonte tenha realizado o plebiscito e o Estado do Ceará tenha atestado a sua criação por meio do processo legislativo (Lei Estadual n. 11.300/87), cumpriu a municipalidade apenas parte do que era exigido pela EC n.1/69, já que o Congresso Nacional ainda não havia elaborado a Lei Complementar exigida pelo texto constitucional de 1969, através da qual se estabeleceria os requisitos mínimos de população e renda pública e a forma de consulta prévia às populações locais, para a criação de novos Municípios.
Atualmente, com a edição da EC n. 57, conforme afirmado acima, o texto constitucional de 1988 tornou legítima a criação dos municípios que tenham sido efetivadas até a publicação da referida emenda, em 31 de dezembro de 2006.
Desta forma, cumpre reconhecer a existência concreta e legítima do município de Horizonte como ente da federação brasileira, dotado de capacidade de autogoverno, auto-organização, auto-administração e autolegislação.

7. REFERÊNCIAS

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13° ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 926p.


MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 14° ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 920p.


COSTA, Nelson Nery. Direito municipal brasileiro. 3° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 403p.


Evolução Histórica do Município de Horizonte. Disponível em: <http://www.aprece.org.br/site/?prefeitura=77&acao=historico&subacao=listar&id=304#historico>. Acesso em: 04 de junho de 2010.