Aspectos culturais da obra As Pêras de Ribbeck do autor alemão Friedrich C. Delius.

Por Mariana Frederico J. dos Santos | 24/08/2011 | Literatura


A cidade de Ribbeck fica situada a aproximadamente cinqüenta quilômetros da cidade de Berlim, e pertencia a antiga RDA.
A obra começa com uma grande celebração em torno da plantação de uma nova pereira no túmulo do senhor von Ribbeck, uma vez que a antiga pereira havia sido derrubada durante a ocupação russa e que estava sendo replantada novamente no ano de 1990.
Temos então a partir deste fato, um longo desabafo de um camponês que passa então a criticar os fatos e a relembrar determinados fatos históricos.
Iremos neste capitulo tratar sobre a critica social, ou seja o principal tema da obra.
Após a queda do muro, ocorreu um grande choque social entre ocidente e oriente, uma vez que estes não possuíam contato, e quando tinham contato era escasso e vigiado.
O narrador nos conta que durante a existência do muro, eles não tinham privacidade, que estavam proibidos de falar com alguém do outro lado do muro, que não haviam mais festas, somente reuniões fechadas e que estas ainda eram espionadas (p.12/13). Podemos perceber uma critica ao sistema totalitário de poder, que oprime o individuo. Porém, ao mesmo tempo em que o narrador faz uma critica ao sistema totalitário, ele o elogia, e nos remete ao fato de que durante este, não lhes faltavam nada, a falta de liberdade era então suprida pela proposta de vida nova (p.47/82).
A falta de liberdade é mostrada sempre, e sempre de modo claro, primeiro com o Sr. Ribbeck, onde os camponeses eram praticamente escravizados, depois ele nos conta como eram as coisas durante a guerra, e então como ficaram na época de Hitler, como ficou com os russos no comando e agora, como está, como as coisas irão ficar ou ficaram com a unificação.
O narrador nos conta a época da Cooperativa , onde tudo funcionava, era um sistema organizado, todos trabalhavam, porém todos sempre eram recompensados com a comida, e com uma vida considerada confortável, apesar de suas privações.
Outro importante aspecto da obra que vale ressaltar é a tentativa de impor determinados costumes, ou seja, de impor uma cultura a aquelas pessoas, uma cultura que as não pertenciam, e isso nos mostra o motivo do choque social, o motivo pelo qual o narrador faz um longo discurso criticando toda aquela festa que estava acontecendo na cidade.
Uma das primeiras criticas que temos é o fato de os ocidentais chegarem em seus carros e fazendo uma bagunça como não se via na cidade desde a ocupação russa.
Temos também quando o narrador nos remete a vida no vilarejo na época de Hitler ,quando o último Ribbeck foi preso, ele continuou a não respeitar a maioria das pessoas naquela cidade, o narrador nos diz que:


´´ tão ruim assim não foi na época dele,ao menos era organizado,mas se trabalhava de sol a sol por quase nada ´´ (DELIUS,1991,p.60)


O narrador faz então questionamentos a respeito de como teriam sido suas vidas caso Hitler tivesse vencido a guerra.Se talvez a vida deles fosse melhor caso isso tivesse acontecido.


´´ ninguém quer saber o que existe hoje ou o que existiu no passado,como se o mundo começasse de novo ´´ (DELIUS, 1991,p.26)


Podemos perceber através dessa passagem a indignação do autor em relação a aquela festividade, ele nos diz que os moradores de Berlim ocidental foram lá, fizeram uma enorme festa, e esqueceram de perguntar aos moradores se eles concordavam, qual era o sentimento que rondava todo aquele povoado, todo aquele acontecimento.
Temos também além da presença de uma imposição cultural, a imposição econômica, é claro que esta teria que ocorrer a qualquer momento, porém a aqueles moradores daquele vilarejo ela foi imposta de maneira rápida e que gerou um grande impacto socioeconômico.
O narrador nos mostra uma parte desse impacto econômico quando nos diz que agora ele precisa pagar mais caro, por uma coisa que possui menos conteúdo, sendo que antes ele pagava no mesmo produto um preço mais acessível e com mais conteúdo (p.42).
A intenção dos ocidentais é implantar a reunificação o mais rápido possível, e por isso eles fazem esta festa, para socializar as pessoas que vivam do outro lado do muro, como se aquelas pessoas não fossem socializadas.A imposição cultural é tão grande que o narrador expressa esse acontecimento em diversas ocasiões e, sempre que possível, quando por exemplo diz que as prateleiras dos mercados estão cheias de produtos que vêm do outro lado (p.66) , ele nos diz isso logo após um longo desabafo para nos falar que toda a comida que está sendo arduamente produzida pelos camponeses ´´ orientais ´´ está sendo jogada aos porcos, ou seja o trabalho deles está sendo desvalorizado pelo mundo capitalista, e que a comida que agora está apodrecendo não apodrecia quando a economia era planificada (p.65)
Essa imposição cultural ocorreu logo após a queda do muro, pois as pessoas do lado oriental do país não tinham acesso as modernidades, as pessoas e a cultura que na época era universal, eles viviam ´´ rusticamente ´´ como camponeses e não tinham acesso a determinadas informações, pois , o acesso a essas informações muitas vezes lhes custava a liberdade.
Na página 72 o narrador nos diz que os ocidentais não param de fazer cálculos para lhes mostrar que em tudo no lado ocidental é mais barato e melhor. O narrador deixa claro também que os ocidentais são as pessoas que pensam assim, mais não eles, não as pessoas que durante anos conviveram com um preço tabelado de tudo, e com uma vida difícil, agora as coisas são fáceis, porém , eles não conseguem admitir que as pessoas lhes imponham tal atitude, tal fato, isso nos faz relembrar o episódio da cerveja já citado a cima, em que o narrador critica a economia.
Um outro aspecto importante que vemos no decorrer da historia , é a divisão de classes que existe, essa divisão de classes é sempre tratada de maneira explicita, e isso ocorre desde o começo da narrativa, pois sempre temos o Sr. von Ribbeck, os camponeses,os cocheiros, os soldados , os dirigentes , os chefes da cooperativa, e os ocidentais.
A chegada dos ocidentais e a queda do muro nos deixa a questão social mais acentuada.Pois passa então o narrador ao longo de seu discurso, nos mostrar essa divisão e a faz também uma critica aos sistema capitalista e ao sistema socialista.
A grande duvida que fica também a que rumo tomar após a queda do muro , isso o narrador nos diz quando durante seu discurso diz que:

´´ a falsa batalha finalmente foi decidia, e que sorte que não fomos nós os vencedores, isso você pode dizer bem alto, pois agora estamos unificados, não somos mais inimigos, ótimo! (...) como vamos continuar? ´´ (Delius,1991,p.74/75)


A falsa batalha que o autor cita podemos dizer que trata-se não só da divisão da Alemanha, como também da divisão mundial entre os dois blocos capitalista e socialista, ou seja A Guerra Fria.A guerra fria foi a bipolarização mundial,é chamada de guerra fria porque não houve nenhum conflito armado, somente uma tensão mundial se haveria guerra ou não, a Guerra Fria foi a principal causa da divisão da Alemanha.
O narrador, faz portanto em seu discurso uma critica, ou seja, a maioria venceu , é o fim do sistema socialista, e agora? Qual o melhor caminho a ser tomado pelas pessoas que viviam desse sistema? Alguns como o narrador cita ocaso dos Ribbecks que conseguiram recuperar uma parte o dinheiro perdido com a mudança cambial,da disputa pelas terras que foram durante um longo período consideradas estatais e tomadas de seus donos, o narrador ainda nos diz que sabe que do lado capitalista ele pode ganhar mais dinheiro fazendo um trabalho mais leve (p.45).
Temos a presença da ironia e da imposição cultural em diversos trechos da obra, sempre que possível o narrador nos remete a este fato, mesmo que para isso ele precise sempre voltar a coisas que já foram faladas.


´´ por décadas vocês não se importaram conosco (...), mal a fronteira foi aberta e as buzinas já tocam por aqui,(...), em poucos dias conseguem com o marco ? moeda forte, roubar nosso sossego ´´ (Delius,1991,p.40)


Percebemos que ocorre uma grande virada,o narrador agora é mais direto, ele fala que as pessoas estão lá somente para lhes roubar o sossego , e fazer bagunça, que os ocidentais querem comprar-lhes com brindes, festas e bebida gratuita.
O narrador passa então a lembrar dos russos, imaginar o que eles estariam fazendo agora que não existe mais a bipolarização e que não há mais quem oprimir ou levar-lhes as vacas,os carneiros, ou violentarem suas mulheres.Agora, esses homens vivem em uma situação pior que a deles. Uma situação onde o deslocamento social é maior, onde a perda da identidade foi mais afetada, uma vez que os soldados acostumaram-se a viver daquela determinada maneira também.
Ou seja, durante todo o discurso o narrador nos remete a fatos históricos, ele começa contando como as coisas funcionavam na época do senhor Ribbeck , aquele que distribuía peras para as crianças, e vai tecendo uma linha histórica, lembrando de fatos que marcaram não somente o pequeno povoado, mais também o país e o mundo. Chega a um certo ponto do discurso em que o narrador em que ele diz claramente que não sabe o que os ocidentais estão festejando com eles, uma vez que , aquele era para ser um momento deles somente, de alegrias para aquele lado do muro, que não é necessária a presença de outras pessoas dizendo como eles devem ou não comemorar. (p.77)
O próprio autor em entrevista disse que:


´´ Eu não vejo isso como uma questão Leste-Oeste, mas vejo isso apenas como pessoas que cresceram em diferentes sociedades, e acho que é um tópico incrível, emocionante, porque ele teve lugar, e terá lugar em solo alemão com uma linguagem comum, mas experiência com diferentes espaços, e isto é para um escritor um sujeito maravilhoso. ´´ (Entrevista com o autor Friedrich Christian Delius por Sylvie Reichel, 03/10/2004)

Nessa mesma entrevista o autor diz que apesar de o livro ser de 1990, ainda é um livro atual. Ainda hoje temos a imposição de novas culturas, deixando então de lado tradições culturais, e isso tem ocorrido de forma cada vez mais escancarada, assim como ocorre no livro, há a imposição das festas, das bebidas, do dinheiro e principalmente da cultura, uma cultura que a eles não pertenciam e portanto lhes causavam uma enorme estranheza.