As Representações da Identidade em Raízes do Brasil

Por Luciano Agra | 11/11/2008 | História

Sérgio Buarque de Holanda dedicou-se a maior parte da sua formação escolar, realizou-se no Colégio São Bento, em São Paulo, onde teve por professor de História Afonso de Taunay. Mudou-se em seguida, em 1921, para o Rio de Janeiro, matriculando-se na Universidade do Brasil. Em 1925, obteve nesta o bacharelado em Direito. Ao longo da década de 1920, atuou como representante do movimento modernista paulista no Rio de Janeiro. Trabalhou então em diferentes órgãos de imprensa e, entre 1929 e 1930, foi correspondente dos Diários Associados em Berlim, onde também freqüentou atividades acadêmicas esporadicamente.

A partir dos anos 1930, continuou a trabalhar como jornalista. Em 1936, obteve o cargo de professor assistente da Universidade do Distrito Federal. Neste mesmo ano, casou-se com Maria Amélia de Carvalho Cesário Alvim, com quem teria sete filhos, entre eles o cantor e compositor Chico Buarque. Ainda em 1936, publicou o ensaio "Raízes do Brasil", que foi seu primeiro trabalho de grande fôlego e, ainda hoje, é o seu escrito mais conhecido. Em 1939, foi extinta a Universidade do Distrito Federal e passou a trabalhar na burocracia federal. Em 1941, viajou pela primeira vez aos Estados Unidos da América. Ele reuniu, no volume intitulado Cobra de Vidro, em 1944, uma série de artigos e ensaios que anteriormente publicara nos meios de imprensa. Publicou também em 1945 e 1957, respectivamente, "Monções" e "Caminhos e Fronteiras", que consistem em coletâneas de textos sobre a expansão oeste da colonização da América Portuguesa entre os séculos XVII e XVIII.

Em 1946, voltou a residir em São Paulo, para assumir a direção do Museu Paulista, que ocuparia até 1956 - sucedendo então ao seu antigo professor escolar Afonso de Taunay. Em 1948, passou a lecionar na Escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo, na cátedra de História Econômica do Brasil, em substituição a Roberto Simonsen. Viveu na Itália entre 1953 e 1955, onde foi docente convidado na Universidade de Roma. Em 1957, assumiu a cadeira de História da Civilização Brasileira, agora na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. O concurso para esta vaga motivou-o a escrever Visão do Paraíso, livro que publicou em 1958, no qual analisa aspectos da mentalidade européia à época da conquista do continente americano. Ainda em 1958, ingressou na Academia Paulista de Letras e recebeu o Prêmio Edgar Cavalheiros, do Instituto Nacional do Livro, por Caminhos e Fronteiras.

A partir de 1960, passou a coordenar o projeto da História Geral da Civilização Brasileira, para o qual contribuiu também com uma série de artigos. Em 1962, assumiu a presidência do recém-fundado Instituto de Estudos Brasileiros. Entre 1963 e 1967, foi professor convidado em universidades no Chile e nos Estados Unidos e participou de missões culturais da Unesco em Costa Rica e Peru. Em 1969, num protesto contra a aposentadoria compulsória de colegas da Universidade de São Paulo pelo então vigente regime militar decidiu encerrar a sua carreira docente.

No contexto da História Geral da Civilização Brasileira, publicou, em 1972, Do Império à República, texto que a princípio fora concebido como um simples artigo para a coletânea, mas que, com o decurso da pesquisa, acabou por ser ampliado num volume independente. Trata-se de um trabalho de história política que aborda a crise do império brasileiro no final do século 19, explicando-a como resultante da corrosão do mecanismo fundamental de sustentação deste regime: o poder pessoal do imperador.Permaneceu intelectualmente ativo até 1982, tendo ainda neste último decênio publicado diversos textos. De 1975 é o volume Vale do Paraíba - Velhas Fazendas e de 1979, a coletânea Tentativas de Mitologia. Nestes últimos anos, trabalhou também na reelaboração do texto de Do Império à República - que não chegou a concluir. Participou, em 1980, da cerimônia de fundação do Partido dos Trabalhadores. Neste mesmo ano, recebeu tanto o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, quanto o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.

O livro "Raízes do Brasil" pode ser dividido em duas partes: a primeira trata do nosso passado colonial; da colonização portuguesa em comparação com a espanhola e do homem cordial. A segunda trata de uma sutil crítica à sociedade política da década de 30 e 40, principalmente uma crítica ao Estado Novo. Essa segunda parte, segundo Antonio Candido, mereceria atenção melhor, pois muito se fala da análise histórica do livro, deixando os capítulos finais, "Novo Tempo" e "Nossa Revolução", de lado, talvez pela abstração desses capítulos, ou mesmo, pela incompreensão, já que ele fala de um momento histórico que se estava constituindo, e ainda era uma incógnita.

A problemática da democracia nesse ensaio passa pela análise, comum na época, da relação entre Estado e sociedade. Essa questão central é dividida em diversas outras como: a tipologia "trabalho" e "aventura", distinguindo dois tipos de colonização: a portuguesa e a espanhola; a relação entre público e privado, através da análise da família patriarcal; a relação entre democracia e personalismo, democracia e cordialidade e, por fim, entre democracia e liberalismo.

Ao fazer uma análise de "nossas raízes", Holanda identifica a importância que a colonização portuguesa teve para a formação de nossa cultura. É lógico que tais influências não foram as únicas, cabendo ao índio e ao negro papel importantíssimo. A formação de nosso povo foi uma mistura dessas três raças. Só que os portugueses tinham características próprias, que foram responsáveis pela formação cultural e, principalmente, política no Brasil. A intenção de Sérgio Buarque de Holanda, nos primeiros capítulos de Raízes do Brasil, é descrever as características dos povos ibéricos, portugueses e espanhóis, destacando as peculiaridades de cada um. Se, por um lado, os portugueses conseguiram adaptar-se com muita facilidade nestas terras tropicais e formar uma nação com uma extensão territorial vasta, por outro, é devida a estas mesmas "raízes", caracterizadas pelos valores personalistas e cordiais, a responsabilidade pelo nosso atraso econômico em relação às outras nações, e pelo nosso entrave democrático.

Podemos perceber ainda que o livro traz, com todo um requinte literário, um olhar a respeito da formação do povo brasileiro e suas diversas implicações sociológicas, históricas, políticas, econômicas e antropológicas. Darei uma ênfase nas questões sociológicas e antropológicas, nas quais acredito estarem constantemente imbricadas. Contudo não podemos deixar de ressaltar os traços psicológicos abordados, sobretudo, no primeiro capítulo da supracitada obra, e o valor histórico, geográfico e sociológico na sua descrição da formação da sociedade brasileira. Nosso escritor pretendeu descrever, minuciosamente, o processo e o caráter da colonização portuguesa no Brasil, sem esquecer do legado das outras nações européias, como Espanha, Holanda e Inglaterra. Ainda discorrendo sobre isto, Sérgio Buarque de Holanda aponta que:

 

"É significativa, em primeiro lugar, a circunstância de termos recebido a herança através de uma nação ibérica. A Espanha a Portugal são, com a Rússia e os países balcânicos ( e em certo sentido também a Inglaterra), um dos território-ponte pelos quais a Europa se comunica com os outros mundos. Assim, eles constituem uma zona fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns casos, desse europeísmo que, não obstante, mantêm como um patrimônio necessário".(HOLANDA, 1976, p. 3)

É nessa citação acima que o autor aborda a questão da colonização do Brasil numa perspectiva inovadora para a época, a qual rompe com paradigmas como o da miscigenação e do colonizador português, o qual é visto nas aulas de história de forma simplista, apenas como um europeu explorador. A obra traz um Portugal diferente do apresentado ao senso comum na história da colonização brasileira, um Portugal que não é Europa, uma vez que possui uma cultura distinta dos demais países europeus, apresentando um espírito expansionista de aventura e que desconhecia um sistema metódico para a conquista patrimonial.

Sérgio Buarque de Holanda procura mostrar como se deu o processo de colonização nas Américas e principalmente no Brasil. Por isso, ele fala de nossa herança ibérica, mostrando as características desses povos e suas diferenças, e como isso contribuiu para a formação de nossas "raízes". É por isso que ele diz que "somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra"(HOLANDA, 1976, p. 3), pois tudo o que temos aqui é fruto de outra terra, de outro continente, de outro povo. A colonização foi uma transposição européia ("fronteiras da Europa"), é como estar na sua terra e não estar. É de lá que veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi se adequando bem ou mal às nossas características.

Essas nações ibéricas têm certas peculiaridades em relação às outras nações européias. Sérgio Buarque de Holanda observa várias características que as diferem dos outros povos europeus, como no caso a cultura da personalidade; a importância particular que atribuem ao valor dos homens em relação aos semelhantes, no tempo e no espaço; a frouxidão da estrutura social; a frouxidão das instituições; a falta de hierarquia organizada; entre os ibéricos, os elementos anárquicos sempre frutificam mais facilmente; a cumplicidade ou a indolência displicente das instituições e costumes; a repulsa ao trabalho - o trabalho mecânico e manual visa a um fim exterior ao homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta dele; o ócio importa mais que o negócio; a obediência - o único princípio político verdadeiramente forte; a vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens são-lhes peculiares; patrimonialismo, e assim sucessivamente.

O colonizador português distinguiu-se justamente por sua capacidade de adaptação e identificação com a nova terra e seus nativos. O português, mais do que qualquer outro povo europeu, cedia com docilidade ao prestígio comunicativo dos costumes, da linguagem e das seitas dos indígenas e negros. Americanizava-se e africanizava-se conforme fosse preciso, diferentemente das outras raças européias, que não conseguiram adaptar-se à região. Todas as tentativas de colonização de povos não ibéricos na América fracassaram.

Pode-se vislumbrar, portanto, que Sérgio Buarque mostra que os países Ibéricos eram os que faziam fronteiras entre a Europa com o mundo através do mar, e por isso eles são menos "europeizados" do que os demais países. Eles ficam um pouco à margem do resto da Europa mesmo nas navegações que foram pioneiros. Para os países Ibéricos cada homem tinha que depender de si próprio. Eles não possuíam uma hierarquia feudal tão enraizada, por isso a mentalidade da nascente burguesia mercantil se desenvolveu lá primeiro. Somando a isso, havia toda uma frouxidão organizacional que estarão muito presentes na história de Portugal e conseqüentemente do Brasil. Para Sérgio Buarque, a aparente anarquia Ibérica era muito mais correta, muito mais justa que a hierarquia feudal, pois, não continha muitos privilégios. A nobreza portuguesa era muito flexível, o que o autor chamará de mentalidade moderna. Havia uma igualdade entre os homens.

O pioneirismo de Portugal nas navegações se deve a um incentivo próprio, já que esse país tinha uma mentalidade mais aberta. Autor chega a defender a mentalidade burguesa e os países Ibéricos. Os Ibéricos não gostavam do trabalho físico, queriam ser senhores, mas sem ter que fazer o trabalho manual. Por fim o autor nos fala que o Brasil tem muitas características ibéricas e sua construção cultural vem daí. O autor ainda mostra que:

"Pioneiros da conquista do trópico para a civilização, tiveram os portugueses, nessa proeza, sua maior missão histórica. E sem embargo de tudo quanto se possa alegar contra sua obra, forçoso é reconhecer que foram não somente os portadores efetivos como os portadores naturais dessa missão. Nenhum outro povo do Velho Mundo achou-se tão bem armado para aventurar à exploração regular e intensa das terras próximas à linha equinocial, onde os homens depressa degeneram, segundo na era quinhentista,..."(HOLANDA, 1976, p. 12)

Para o autor, os portugueses que foram os primeiros a se bancarem no mar eram ao que estavam mais aptos para a missão no Novo Mundo. Em seguida Sérgio Buarque fala que existem dois tipos de homens: um com olhar mais amplo, o aventureiro, e outro com olhar mais restrito, o trabalhador. No entanto esses dois homens se confundem dentro da mesma pessoa, e com isso ele quebra um pouco a idéia de que a Inglaterra é sinônimo de trabalho. O gosto pela aventura foi o que possibilitou a colonização no Novo Mundo. Nenhum outro povo como o português foi capaz de se adaptar tão bem na América.

A economia escravista colonial era a forma pela qual a Europa conseguiu suprir o que faltava na sua economia. O indígena não conseguiu se "adaptar" à escravidão, tornando o escravo africano imprescindível para o sistema colonial. O português vinha para a colônia buscar riqueza sem muito trabalho, além disso, eles preferiam à vida aventureira a o trabalho agrícola. Nesse contexto a mão-de-obra escrava aparece como elemento fundamental na nossa economia. Como o fator terra era abundante na colônia, não havia preocupação em cuidar do solo, o que acarretou na sua deterioração. Os portugueses se aproveitaram de muitas técnicas indígenas de produção, que acabaram ganhando certa proteção que os distanciou um pouco da escravidão.

Para Sérgio Buarque, os portugueses já eram mestiços antes dos Descobrimentos. Além disso, já conheciam a escravidão africana no seu país. Autor faz parecer que o preconceito com negros era bem maior que com os índios no Brasil colonial. O Brasil não conhece outro tipo de trabalho que não seja o escravo. O trabalho mecânico era desprezado no Brasil, e por isso não houve a construção de um verdadeiro artesanato, só se fazia o que valia a pena, o que era lucrativo. Os brasileiros não eram solidários entre si. A moral da senzala era a preguiça. A violência que ela continha era negadora de virtudes sociais.

Autor critica os colonos holandeses que não procuraram se fixar no Brasil. Além disso, tais colonos trazem para o Brasil um aspecto que não se adequa aqui, que é a formação do seu caráter urbano, quase liberal. Sérgio Buarque ainda afirma, que a própria língua portuguesa era mais fácil para os índios e os negros, o que ajudou muito na colonização. Outro elemento que facilitou a comunicação colonial foi a Igreja católica que tinha uma forma de se comunicar muito mais simpática que as igrejas protestantes. Conclui o capítulo mostrando que o resultado de tudo isso foi a mestiçagem, que possibilitou a construção de uma nova pátria. Outro aspecto importante acerca da sociedade colonial é:

"Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. É preciso considerar esse fato para se compreenderem exatamente as condições que, por via direta ou indireta, nos governaram até muito depois de proclamada nossa independência política e cujos reflexos não se apagaram ainda hoje."(HOLANDA, 1976, p. 41)

É nesse fragmento acima, que podemos perceber que a estrutura da sociedade colonial é rural, mais isso só pode ser visto quando analisamos quem detinha o poder na época colonial como no caso os senhores rurais. Dentro desse contexto, a abolição da escravatura aparece como um grande marco na nossa história.

O autor conta que entre 1851 1855, observamos um notável desenvolvimento urbano, graças à construção das estradas de ferro, e que tal desenvolvimento esteve muito ligado à supressão do tráfico negreiro. Muitos senhores rurais eram contra a supressão do abastecimento de cativos africanos, o que resultará numa continuidade do tráfico, mesmo depois de abolido legalmente. O medo do fim do tráfico faz com que aumente o número de escravos exportados para o Brasil até 1850. Buarque de Holanda fala que houve um aproveitamento do capital oriundo do tráfico para abrir outro Banco do Brasil. Fala também um pouco das especulações encima do tráfico e da abertura do Banco.

Para o autor, havia uma incompatibilidade entre as visões do mundo tradicional e moderna, o que resultou em muitos conflitos. Exemplo disso foi o malogro comercial sofrido por Mauá. O Brasil não tinha a menor estrutura tanto econômica com política e social para desenvolver a industria e o comércio. Os senhores de engenho eram sinônimos de solidez dentro da sociedade colonial. O engenho era um organismo completo, uma micro sociedade. O patriarca era quem dominava o resto da sociedade. Como a sociedade rural colonial era um grupo fechado, onde um homem dominava, as leis não entravam; os senhores tinham domínios irrestritos sobre seus "súditos".

Num primeiro momento, os homens que vinham para a cidade eram os que tinham certa importância no campo. Houve uma substituição das honras rurais para as honras da cidade. Os colonos brancos continuavam achando que o trabalho físico não dignificava o homem, mas sim o trabalho intelectual. Com a Revolução Industrial, o trabalhador tem que virar máquina. O sentimento de nobreza e a aversão ao trabalho físico, saem da Casa Grande e invadem as cidades; o que nos mostra o quanto foi difícil, durante a Independência, ultrapassar os limites políticos gerados pela colonização portuguesa. Para Sérgio Buarque a vida da cidade se desenvolveu de forma anormal e prematura. "O predomínio esmagador do ruralismo, segundo todas as aparências, foi antes um fenômeno típico do esforço dos nossos colonizadores do que uma imposição do meio".(HOLANDA, 1976, p. 60). É importante considerar queas cidades eram instrumentos de dominação, e foi por isso que a Coroa espanhola, era "totalmente" diferentemente da portuguesa, e assim criou várias cidades em torno das nas suas colônias. Sérgio Buarque mostra como eram construídas tais cidades, mas para Portugal as suas colônias eram grandes feitorais. Enquanto a colonização portuguesa se concentrou predominantemente na costa litorânea, a colonização espanhola preferiu adentrar para as terras do interior e para os planaltos. É nesse ponto queo interior do Brasil não interessava para a metrópole, porque as bandeiras normalmente acabavam se transformando em roças, salvo esporadicamente como foi no caso da descoberta de ouro. Com tal descoberta, a metrópole tentou evitar a migração para o interior da colônia. O advento das minas foi o que fez com que Portugal colocasse um pouco mais de ordem na colônia.

Sérgio Buarque continua falando sobre a colonização portuguesa sempre a comparando com a espanhola. Mesmo sendo mais liberais que os espanhóis, Portugal mantinha firme o pacto colonial, proibindo a produção de muitas manufaturas na colônia. Também fala do desleixo português na construção das cidades. Os Portugueses eram corajosos só que mais prudentes. Portugal tinha uma maior flexibilidade social, e havia um desejo da sua burguesia em se tornar parte da nobreza. Não havia tradição em Portugal nem orgulho de classe, todos queriam ser nobres. Nasce a "Nova Nobreza", que era muito mais preocupada com as aparências do que com a antiga tradição. Fala um pouco da história política de Portugal vinculada à vontade que a maior parte da população tinha em se tornar nobre, e tal desejo pode ser facilmente constatado no Brasil, mostrando que o papel da Igreja aqui era o de "simples braço do poder secular, em um departamento da administração leiga"(HOLANDA, 1976, p. 84). Isto significa dizer que as notas do capítulo, o autor irá trabalhar com a questão da vida intelectual tanto na América espanhola como na portuguesa, mostrando que na primeira ela era mais desenvolvida. Além disto tratará da língua geral de São Paulo, que durante muitos séculos foi a língua dos índios, devido a forte presença da índia como matriarca da família. De toda forma a fala da aversão às virtudes econômicas, principalmente do comércio. E por fim da natureza e da arte coloniais. Faz-se necessário afirmar, que:

"O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição. A indistinção fundamental entre as duas formas é prejuízo romântico que teve os seus adeptos mais entusiastas durante o século décimo nono. De acordo com esses doutrinadores, o Estado e as suas instituições descenderiam em linha reta, e por simples evolução familiar."(HOLANDA, 1976, p. 101)

Podemos enfatizar neste contexto, que homem Cordial para Sérgio Buarque, o Estado não é uma continuidade da família. Dá o exemplo de tal confusão com a história de Sófocles sobre Antígona e seu irmão Creonte, onde havia um confronto entre Estado e família. Houve muita dificuldade na transição para o trabalho industrial no Brasil, onde muitos valores rurais e coloniais persistiram. Para o autor as relações familiares da família patriarcal, rural e colonial, são ruins para a formação de homens responsáveis. Até hoje vemos uma dificuldade entre os homens detentores de posições públicas conseguirem distinguir entre o público e o privado."Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático".(HOLANDA, 1976, p. 106). É interessante notar que a contribuição brasileira para a civilização será então, o "homem cordial". Cordialidade esta que não é sinônimo de civilidade de polidez, mas que vem de cordes, coração.

A impossibilidade que o brasileiro tem em se desvincular dos laços familiares a partir do momento que esse se torna um cidadão, gera o "homem cordial". Esse homem cordial é aquele generoso, de bom trato, que para confiar em alguém precisa conhecê-lo primeiro. A intimidade que tal homem tem com os demais chega a ser desrespeitosa, o que possibilita chamar qualquer um pelo primeiro nome, usar o sufixo "inho" para as mais diversas situações e até mesmo, colocar santos de castigo. O rigor é totalmente afrouxado, onde não há distinção entre o público e o privado. É a partir daí que o Brasil é uma sociedade onde o Estado é apropriado pela família, os homens públicos são formados no círculo doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado, é o homem que tem o coração como intermédio de suas relações, ao mesmo tempo em que tem muito medo de ficar sozinho.

Há na sociedade brasileira atual, um apego muito forte ao recinto doméstico, uma relutância em aceitar a superindividualidade. Poucos profissionais se limitam a ser apenas homens de sua profissão. Há um grande desejo em alcançar prestígio e dinheiro sem esforço. O bacharelado era muito almejado por representar prestígio na sociedade colonial urbana. Não havia uma real preocupação com a intelectualidade com o sabre, havia um amor pela idéias fixas e genéricas o que justificará a entrada do positivismo e sua grande permanência no Brasil. Autor faz críticas aos positivistas. Para o autor a democracia foi no Brasil "sempre um mal-entendido". Os grandes movimentos sociais e políticos vinham de cima para baixo, o povo ficou indiferente a tudo. O romantismo acabou se tornando um mundo fora do mundo, incapaz de ver a realidade, o que ajudou na construção de uma realidade falsa, livresca. Muitos traços da nossa intelectualidade ainda revelam uma mentalidade senhorial e conservadora. Fala da importância da alfabetização para o Brasil.

As revoluções da América, não se parecem com revoluções. A revolução brasileira é um processo demorado que vem durando três séculos e a Abolição é um importante marco. As cidades ganharam autonomia em relação ao mundo rural. O café traz mudanças na tradição, como a legitimação da cidade. "A terra de lavoura deixa então de ser o seu pequeno mundo para se tornar unicamente seu meio de vida, sua fonte de renda e de riqueza"(HOLANDA, 1976, p. 128). Sinteticamente, o que Sérgio Buarque de Holanda quer dizer é que o café substitui a cana, mas não deixa espaço para a economia de subsistência. As cidades ganham novo sentido com o café, que acabam solapando a zona rural. O Brasil é um país pacífico, brando. Julgamos ser bons a obediência dos regulamentos, dos preceitos abstratos. É necessário que façamos uma espécie de revolução para darmos fim aos resquícios de nossa história colonial e começarmos a traçar uma história nossa, diferente e particular. Para o autor a ausência de partidos políticos atualmente é um sintoma de nossa inadaptação ao regime legitimamente democrático. Sérgio Buarque critica o Brasil que acredita em fórmulas.

Outro ponto importante que podemos observar é que Sérgio Buarque de Holanda, neste livro, mostra traços nítidos de sua concepção marxista ao falar do antagonismo de classes e ao criticar o sistema capitalista estabelecido no Brasil. Foi o moderno sistema industrial que, separando os empregados e empregadores nos processos de manufaturas e diferenciando cada vez mais suas funções, suprimiu a atmosfera de intimidade que reinava entre uns e outros e estimulou os antagonismos de classes. O novo regime tornava mais fácil, além disso, ao capitalista, explorar o trabalho de seus empregados, a troco de salários ínfimos. Utilizando o método comparativista, ele acaba por elucidar os pontos relevantes presentes em seu trabalho. Lança mão de uma descrição dedutiva, seguindo do geral ao particular, uma vez que parte de acontecimentos de outros países como, Espanha, Portugal e Estados Unidos, para depois narrar os eventos sócio-econômicos ocorridos no Brasil, utilizando-se de exemplos que otimizam o entendimento do leitor. Na sua coleta de dados percebemos a presença tanto de fontes primárias, como cartas, depoimentos e documentos jurídicos, quanto de fontes secundarias, já que faz uso de obras de outros escritores, que possuem a mesma temática abordada.

O livro é de um valor histórico-social inestimável e nos permite, junto com outras, como Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, ter uma visão geral do processo de colonização do nosso país e da formação da sociedade e da mentalidade brasileira. Contudo não se pode deixar passar despercebidos alguns equívocos do nosso autor, visto que este faz uso de palavras pejorativas e estereotipadas, quando se refere ao português chamando-o de preguiço e incapaz. Este livro também é detentora de termos e conceitos ultrapassados, como conceito de inferioridade e superioridade de raças. Estes são clarividentes, sobretudo, quando se refere ao nativo brasileiro.

Todavia não podemos desconsiderar a época em que Sérgio Buarque viveu e escreveu, temos que levar em consideração, também, a mentalidade predominante na década de 30. Portanto, apesar da falta de atualização, esse livro merece e deve ser lido por todos os estudiosos que se interessam pela História do Brasil, sem esquecer das devidas ressalvas. É notório que "Raízes do Brasil" foi elaborada para atuar no meio acadêmico, devido ao esmero verbal e gramatical, além desta obra exigir um conhecimento prévio de algumas áreas do saber, como Filosofia, Pedagogia, entre outras.

BIBLIOGRAFIA

  • HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil; prefácio de Antônio Cândido. 9ª. Ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1976.