AS PRIVADAS E A PRIVACIDADE: UMA QUESTÃO DE CLASSE SOCIAL

Por Renato Ladeia | 16/11/2020 | Crônicas

 

Antigamente não havia privadas dentro das casas, pois seria considerado anti-higiênico. Mesmo nas residências dos mais abastados, as pessoas iam para o pequeno compartimento no quintal. Se chovia ou era noite, os velhos penicos eram a solução. De louça entre os ricos, de lata para os pobres.
Já no final do século XIX, algumas mansões já dispunham de um sistema mais prático. Era um tipo de baú aos pés da cama. Levantando a tampa, tinha-se um vaso sanitário. Os dejetos caiam diretamente no subsolo.
Numa passagem por Taubaté com destino a Monte Verde, visitamos a antiga casa do avô do escritor Monteiro Lobato, um rico barão do café. Em sua grande casa havia um cômodo usado como banheiro, mas só para banhos, literalmente. As outras necessidades eram na casinha com boa distância da mansarda.
Quem conhece Ouro Preto, em Minas Gerais, deve ter visitado a Casa dos Contos, onde eram cunhadas as moedas de ouro e prata. Em frente às bocas do fogão a lenha, há uns três metros de distância, vi vários buracos em uma mureta. Curioso, perguntei a um guia turístico para que serviam. Ele explicou que eram usados para as necessidades das pessoas que lá trabalhavam ou visitavam. Os hábitos de higiene eram realmente bastante precários naqueles tempos.
Gilberto Freyre em seu clássico Casa Grande e Senzala, narra que os grandes fazendeiros no Nordeste passaram a construir belas casas nas cidades para passarem temporadas com as famílias. As casas, projetadas por engenheiros e arquitetos, já dispunham de sanitários no seu interior, mas os velhos hábitos dos penicos eram mantidos para o desgosto das empregadas domésticas.
Poucos sabem, mas foi o médico sanitarista Noel Nutels, brasileiro por adoção, quem desenvolveu o moderno vaso sanitário em que a água limpa fica na superfície evitando os gases que exalam dos encanamentos. A invenção revolucionou os hábitos de higiene nas habitações.
Outra inovação que apareceu entre nós no século XX, foi o bidê, um lavatório para a higiene íntima das mulheres muito popular na França. Esse equipamento chegou a ser proibido nos EUA por ser considerado imoral. Por aqui virou moda na segunda metade do século passado, mas com a praticidade das duchas de água quente, tornaram-se obsoletos.
Aliás, sobre o bidê tenho uma bizarra história que aconteceu na casa de campo bem equipada de um velho amigo. A convite, apareceu em sua casa de campo, um amigo comum, que levou a tiracolo um capiau que se convidou para o passeio. Foi com grande surpresa que a dona da casa, uma senhora de fino trato, viu no sanitário um grande “número dois” exatamente no bidê. Foi um escândalo, obrigando o amigo que levou o visitante penetra a providenciar a retirada da obra depositada indevidamente. A história vazou e na pequena Piedade a história foi narrada até em sala de aula, tornando-se o rapaz alvo de chacota por onde passava. A dona da casa, inconformada com a falta de civilidade do visitante, ordenou que o bidê fosse arrancado do banheiro.
Quando jovem, trabalhei por uns tempos na Rhodia, empresa têxtil francesa. Ao ir ao sanitário pela primeira vez, descobri que não havia vasos, mas um buraco com dois lugares para apoiar os pés. Diziam que os franceses adotaram a chamada privada turca para evitar que os brasileiros fizessem hora sentados no trono lendo jornal ou dormindo. Na época um amigo que até hoje goza de minha consideração, era chegado à boemia e muitas vezes vinha direto da gandaia para o trabalho. Numa dessas vezes, ouvi um barulho dentro de um dos sanitários, como se algo tivesse caído sobre a porta. Era o meu jovem amigo que dormiu e acabou caindo batendo a cabeça na porta, saindo de lá com um bom galo na testa.
Enfim, para quem estava achando que não tinha um bom assunto para uma crônica, está aí um pouco da história dos sanitários e agradeço a amiga Marisa Dea pela contribuição escatológica.