As Primeiras Investigações Quantitativas Sobre a Temperatura do Corpo Humano
Por Julio Cesar Souza Santos | 17/12/2016 | SociedadeComo Eram Considerados o Frio e o Calor na Idade Média? Qual Foi a Contribuição de Santório ao Estudo da Temperatura Humana? Como Era o Higrômetro Inventado Por Santório?
Por volta de 1650, através de alguns estudiosos do assunto, a Europa medieval percebeu que não era nada extraordinário pensar a respeito de calor e frio. Para eles, quente e frio, seco ou úmido eram distinções ao tato humano. Segundo os gregos, essas qualidades se combinavam para formar a terra, o ar, o fogo e a água.
Assim como tratamos odores (ou sabores) como diferentes espécies, assim ocorria com a temperatura. Em inglês, a palavra “temperature” (do verbo “to temper” = misturar ou manter as devidas proporções) tinha diversos significados, nenhum dos quais era absoluto ou quantitativo.
As evidentes diferenças de calor e frio eram relativas ao clima e ao tempo e, a ideia de que podia haver uma escala de calor, foi aplicada pela 1ª vez ao tempo. Em verdade isso convinha às zonas ptolomaicas à volta da Terra e, a noção de graus de calor, apareceu antes dos instrumentos para sua medição. Galeno tinha sugerido que “4 graus de calor e frio podiam ser medidos em ambas as direções, a partir de um ponto neutro, definido pela mistura de quantidades iguais de gelo e água fervida”.
Até existir uma forma de medir a temperatura do corpo, acreditava-se que as temperaturas do corpo variavam conforme as diferentes partes do Mundo. Quem vivia nos trópicos deviam ter uma temperatura mais quente dos que viviam em climas mais frios. O mais antigo livro europeu sobre matemática médica apresenta o 1º problema: _ “Como calcular o grau de temperatura do homem, conforme sua idade, época do ano, latitude e outras influências?”
O autor apresentava uma tabela indicando o quanto de calor (ou frio) esperar de uma pessoa que vivesse em certa latitude, a fim de que o médico pudesse adaptar a “temperatura” dos remédios. Sabemos que Galileu fez um instrumento para medir mudanças ma temperatura do ar, mas a primeira utilização registrada da palavra “termômetro” em inglês descreve-o como “um instrumento para medir os graus de calor e frio do ar”.
As variações de temperatura foram notadas bem antes das variações da pressão barométrica que esperaram pela descoberta de que o ar tinha peso. No entanto, as escalas desses instrumentos ainda eram confusas. Na Inglaterra, a descoberta de que mudanças verificadas no ar fariam um líquido subir (ou descer) em um tubo, deu origem a um “vidro do tempo”, o qual depressa se tornou um produto de fabricantes de vidro e instrumentos.
Assim como Colombo seguiu o rumo assinalado por Ptolomeu, Santório Santório ([1]) percorreu os caminhos de Galeno, pois ele estava convencido de ter descoberto técnicas quantitativas que poderiam confirmar Galeno e tornar o esquema clássico mais útil. Conforme a classificação galênica das doenças, havia para cada pessoa uma escala de perturbações, indo da mistura certa de humores até à pior mistura possível que causava a morte. Santório calculou que todas as composições possíveis de “humores” atingiam cerca de 8 mil, significando que deveria haver outras possíveis “doenças” e, antes do fim da sua vida, seu interesse pela medição e pela contagem conduziu-o muito além de Galeno
Santório nasceu de uma família aristocrática de Veneza, onde a luta contra a ortodoxia do Papa mantinham as ideias efervescentes. Cidadãos respeitáveis apresentavam conceitos que exigiam um espírito rebelde e audacioso das pessoas e, o pai de Santório, nobre rico, era chefe do Arsenal de Veneza e sua mãe herdeira de títulos de recursos. Como era de costume, deram ao seu primogênito o apelido da família como nome próprio. Aos 14 anos Santório entrou para a Universidade de Pádua a fim de estudar filosofia, recebendo a licenciatura médica aos 21 anos, em 1582. Foi para a Croácia como médico de uma família nobre, aproveitando a oportunidade para experimentar a sua escala de ventos e o seu instrumento para medir correntes de água.
Santório acreditava, com toda razão, que inventara um novo ramo da medicina – que chamou de “medicina estática”, do grego “arte de pesar”. Seu livro (Arts de Medicina Statica) publicado em Veneza em latim, inglês, italiano, francês e alemão. Os médicos antigos foram o ponto de partida de Santório, que apoiou seu trabalho nos deles.
Nas suas primeiras obras pretendia “combater os erros da arte da medicina”, utilizando sua própria experiência para corrigir as obras médicas de Hipócrates, Galeno e Aristóteles. Quando enviou seu livro ao seu amigo Galeno, na carta explicava seus dois princípios: _ “O primeiro, enunciado por Hipócrates, é que a medicina é a adição e subtração, adicionando o que é deficiente e subtraindo o que é supérfluo e, o segundo princípio, é a experimentação”.
O termoscópio que Galileu utilizou para observar mudanças de calor no ar, foi adaptado por Santório para medir mudanças térmicas dentro do corpo. “O paciente agarra o bolbo ou respira para ele por um capuz, ou mete o bolbo na boca de modo que possamos saber se ele está melhor (ou pior), para não sermos induzidos ao erro no conhecimento do prognóstico ou da cura”.
Quanto tempo deveria o paciente agarrar o bolbo ou respirar para o capuz? Ou manter o bolbo na boca a fim de obter-se uma medida adequada da sua temperatura? “Durante dez batidas do pulso” – explicava ele. Não surpreende que um amigo de Galileu tivesse concebido esse instrumento de cronometrar, pois os relógios estavam na infância, os ponteiros de minutos e segundos ainda eram desconhecidos. E, quando o jovem Galileu observou o oscilar do candeeiro na catedral de Pisa, cronometrou-o pelo batimento do seu próprio pulso. Agora, numa engenhosa aplicação inversa do princípio, Santório descobriu que um pêndulo podia ser utilizado para medir o período do pulso.
Quando Santório descobriu que o conhecimento da umidade atmosférica era útil no tratamento de doenças, inventou um higrômetro simples. Esticava-se uma corda horizontalmente em uma parede e suspendia-se do centro uma bola. O aumento da umidade do ar retesava a corda e fazia a bola subir e, à medida que ela subia, registrava-se numa escala inscrita na parede.
Santório estava criando a moderna ciência do metabolismo, o estudo das transformações que constituíam o processo da vida. Teve tanto êxito para usar medições a fim de confirmar as teorias de Galeno, que acabou por destruir o esquema galênico. No sistema de Galeno, quente e frio, seco e úmido eram qualidades diferentes, eram as únicas realidades importantes para a saúde e doença humanas.
Mas, quando o calor e o frio foram medidos na escala de um termômetro, então cada uma das quatro qualidades se tornou mais ou menos de qualquer outra coisa. Portanto, nas modernas ciências físicas “quente” e “frio” seriam qualidades secundárias, percebidas em determinado corpo em determinadas circunstâncias. E, ao transformar os “humores” galênicos em quantidades, Santório deferiu um golpe mortal na medicina antiga.
Mas, a sua “Medicina Estática” não ficou por aí, pois ele abriu uma nova arena para um mundo onde os processos da vida seriam explicados por quantidades. O que suas observações demonstraram foi que, quando ele pesava seus alimentos e depois pesava suas excreções, o peso destas era muito inferior ao daqueles. Ao mesmo tempo, verificou que o peso do seu próprio corpo era muito inferior do que deveria ser, mesmo deduzindo todas as suas excreções.
Tinha de haver qualquer outro processo que consumia o que ele ingeria. Qual? A sua resposta foi a “perspiração insensível”. Nesse tempo perspiração tinha o significado de evaporar, transpirar ou exalar. O processo consumidor de alimento que se operava no corpo era algo ainda não explicado. Durante anos Santório comeu, trabalhou e dormiu na sua “Cadeira de Pesar”. Ele tinha a propensão de conceber outros utensílios como o seu “Trocarte” – uma seringa triangular para extrair cálculos da bexiga –, assim como outras engenhocas mais complicadas como a sua cama-banheira (onde o paciente podia ser encharcado com água fria para baixar ou elevar sua temperatura).
A mente de Santório continuou uma miscelânea de novo e velho e, ao mesmo tempo que seus ataques à astrologia provocavam a hostilidade de seus colegas, ele apoiava o sistema copernicano e concordava com Galileu em astronomia e mecânica com Kepler em ótica. Suas extravagantes reivindicações de que a “medicina estática” era uma nova técnica da Medicina galênica não tinham fundamento, mas o seu método quantitativo tornaria Galeno ultrapassado.
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([1]) Durante 30 anos, Santório tomou o seu peso e o de todos os alimentos e bebidas que ingeriu assim como o peso da sua urina e fezes. Ele comparou o peso do que ingeriu com o das suas excreções, verificando que este último era menor. Formulou a sua teoria da "perspiração insensível" de modo a explicar essa diferença. Embora as suas descobertas tivessem pouco interesse científico, é ainda assim reconhecido pela sua metodologia empírica e famoso pela "cadeira-balança" que construiu para a sua experiência.