As palavras das imagens 7
Por António Lourenço Marques Gonçalves | 16/04/2013 | PoesiasAS PALAVRAS DAS IMAGENS 7*
OH! MEU AMATO AMADO…
Oh! meu Amato amado:
A medicina amaste
E nela, bem cerrado,
O Homem, quanto baste.
Um ‘perpétuo testemunho’*
Derrama da tua obra
De coração e de punho,
Com feitos altos de sobra.
Apartado da cidade,
O teu lugar era o mundo,
Fechado, sem liberdade
Onde eras oriundo.
Mas tu rompeste o destino:
Tal horizonte rasgaste
Que ao berço teu, de menino,
O mesmo mundo levaste!
* Da Dedicatória da 1ª Centúria a Cosme de Médicis.
— em Castelo Branco.
POMBAS TÃO CHEGADAS…
O que atrai estas pombas tão chegadas?
As gotas de água? O voo alto que cansa,
E pede tréguas, na praça cheia de graça?
Ou, simplesmente, o afago da criança?
— em Praça do Rossio.
NA PRAÇA DO ROSSIO, COM UM VERSO DE GOETHE:
"Não canteis com lúgubre canto
A solidão da noite.
Não: porque ela, oh formosas,
Está feita para o convívio.
Por isso no longo dia,
Recorda-o, querido coração:
Cada dia tem o seu tormento
E a noite o seu prazer"
GOETHE
— em Praça do Rossio.
Vista de Castelo Novo:
A RÃ E O TOURO (réplica)
Dizia a rã, no alto da montanha,
À vista de uns prados bem formosos:
“Não há touro capaz desta façanha
De o mesmo ver, sem olhos cobiçosos!
— em Castelo Novo.
QUANDO AS MÓS SALTAREM DOS MOINHOS...
Quando as mós saltarem dos moinhos
E da ribeira a água não regar;
Quando o verde já for o trilho dos caminhos
Onde os passos perderam o andar;
Quando a fruta cair inerte no pomar
E o chão em vez de uvas der espinhos
E a azeitona não luzir na pia do lagar
E nem vivalma aqui houver... sozinhos
Ficarão o vento, que à mesma irá chegar,
Sorrateiro ou brusco sobre os pinhos,
Com os ramos a gemer ou a cantar,
E o sol alegre, em dias lavadinhos
(Deixando a noite fasta de luar),
Saudoso de dar viço aos cebolinhos.
— em Souto da Casa.
"A LITERATURA TRAZ AO HOMEM PLENITUDE; O DISCURSO SEGURANÇA; E A ESCRITA EXACTIDÃO" - FRANCIS BACON, Ensaios
RETRATOS CONTRÁRIOS
São dois retratos contrários:
O mais velho, ainda novo;
E o novo, bem mais precário,
Mais velho, como eu comprovo.
E não sei como explicar!
No novo, mais jovial
O rosto parece estar;
Mas no velho, nem sinal!
Castelo Branco: à sombra do castelo:
As cabras partiram das almagras*
E o feno no verão ficou altivo.
Faltou o leite e as crianças magras
Não brincam lá, privadas de motivo.
*Argila avermelhada. Nestes locais da proximidade do castelo, houve em tempos fornos de fundição e agricultura. Na zona existe a Rua dos Oleiros.
— em Castelo Branco.
O templo de Kom-Ombo, do período Greco-Romano, na margem do Nilo, em setembro de 2008:
e um verso de ARQUÍLOCO, poeta jónico (c. 700 a.C.)
“A mim o que me mata,
Querido efebo, digo-te:
Desejo sem prazer,
Versos sem graça ou ritmo,
E ceias só com chatos.”
e a réplica:
A MIM O QUE ME MATA…
Pois ‘a mim o que me mata’,
Com tal prazer de viver
É esta coisa bem chata
Do gosto não entreter.
— em Kôm Ombo, Aswan.
Ainda o templo de Kom-Ombo, no vale do Nilo (período greco-romano),em setembro de 2008,
e um verso de Safo (630-570 a. C.):
"É um mal a morte,
E os deuses pensam assim:
Ou já estariam mortos,
Há muito, muito tempo..."
e uma réplica:
PODE O MORRER SER UM BEM?
Pode o morrer ser um bem?
Tudo depende, conforme:
Viver mais quando convém
Ao corpo mesmo disforme.
Mas se o gozo for enorme
Algum cansaço há de ter.
Que bem melhor deve haver
Num alquebrado que dorme?
— em Kôm Ombo, Aswan.
"A EUROPA QUASE MORTA’*
‘A Europa quase morta’
está num estado de torpor,
e sopra que não importa
à Europa ter rigor
mortis** à periferia.
Coitada! Como se houvesse
vida assim, mesmo de um dia,
se a periferia morresse!
*Título na TSF, do dia 10 abril 2013
** Rigor mortis: sinal cadavérico.
CEREJEIRAS
"Acordar...ser na manhã de Abril
a brancura desta cerejeira…"
EUGÉNIO DE ANDRADE
In: "Cerejas - Poemas de amor"
Antologia de: GONÇALO SALVADO e MARIA JOÃO FERNANDES
FLORES BRANCAS, QUE CANDURA…
Flores brancas…que candura!
E se as folhas não viessem
Resguardar tão inocente
Cortesia de uma mãe?
— em Donas.
AS PÉTALAS IRÃO - SOPRO TÃO BREVE…
As pétalas irão - sopro tão breve -
Num assombro que não finda; vai durar:
Quando o fruto acudir, o belo aos olhos,
E mais prodígio ainda ao paladar!
— em Alcongosta, Fundão.
ALENTEJO EM ABRIL
Este manto é tão macio,
Faz um sono tão folgado,
Que até o sonho arredio
Começa estando acordado!
— em Nisa.
“ECOS
O seu vigor revibra aqui
entre pedras o sopro da verdura -
ecos vindos vibrantes do porvir
de que a morte soez será vencida,
que antes das flores hão-de ser os frutos."
ANTÓNIO SALVADO, in: "entre pedras, o verde", Palavra em Mutação, 2004
— em Castelo Novo.
* Colheita das palavras das minhas imagens do facebook, no dia 16 de abril de 2013