As Origens do Tratado de Roma

Por sonia melo | 08/09/2013 | Direito

As origens do Tratado de Roma

 

Por muitos anos a humanidade contemporânea necessitou de dispositivos que instaurassem a jurisdição internacional, o qual seria competente para combater os eventuais problemas de uma nação globalizada.

O Sonho da aprovação de uma corte internacional é muito antigo, começando com os primeiros ataques internacionais que aconteceram no cenário mundial. Hoje esta grande vontade foi concretizada. À custa de muito sangue derramado durante períodos históricos, conseguiu-se finalmente materializar a necessidade de criação de um Tribunal Penal Internacional.

Tendo como principal incentivador o Tratado de Roma, a redação do mesmo prevê uma jurisdição UNA que terá competência para agir em casos de crimes contra a humanidade. A instauração do Tribunal Penal Internacional é considerada como um dos grandes da nova era na história do Direito Internacional e das Relações Internacionais.

Contudo, é preciso entender que a sua criação não poderá ficar condicionada à mentalidade de um único estado, ou seja, a mentalidade interna de uma nação não poderá prevalecer sobre a jurisdição internacional. Sendo vital para sua eficácia o entendimento que uma visão interna no que tange às matérias por ele disciplinadas só acarretará em problemas na eficácia dos atos da corte internacional. Isto é, tratar de direito internacional não significa tratar de direito interno, sob pena de os seus conceitos não serem bem compreendidos e sob pena de não se poder jamais atingir o principal escopo do TPI, que é punir individualmente aqueles responsáveis pelo cometimento dos piores e mais bárbaros crimes contra a dignidade dos seres humanos.

Levando- se em conta tudo o que foi dito anteriormente, o estudo sobre o Tribunal Penal Internacional poderá ser iniciado. Primeiramente será discutido sobre os motivos que levaram a fundação do Tribunal Penal Internacional e, posteriormente, sobre a sua instauração, entre demais outros aspectos pertinentes ao estudo.

 1.1 A Reconstrução dos Direitos Humanos no Período Pós-Guerra

Como se não fosse o suficiente os problemas que foram acarretados pelo período de jurisdicionalização das relações internacionais contemporâneas, um sério problema  foi encontrado no direito internacional público atual, já que a concreta efetividade da proteção internacional que a corte penal proporciona para os seus dependentes, quando está em jogo a ocorrência de crimes bárbaros e monstruosos contra o Direito Internacional, que ultrajam a dignidade de toda a humanidade, tais como o genocídio, os crimes contra a paz, os crimes contra a guerra e crimes de agressão.

O presente problema apresentado sobre a real eficácia do Tribunal Penal Internacional poderá ser entendido com a divisão do problema, podendo proporcionar uma análise de dúplice aspecto: a-)  o primeiro, diz respeito à efetivação do direito inerente a todo ser humano de vindicar a seu favor, em cortes e instâncias internacionais, a proteção dos seus direitos internacionalmente consagrados, caso sejam violados, visando uma justa reparação pelos prejuízos sofridos; e b-) o segundo, baseando-se no poder de punição que deve ter o Direito Internacional Público em relação àqueles crimes que afetam a humanidade como um todo, anulando por completo a dignidade inerente a qualquer ser humano.

A ideia exposta na alternativa b foi abordada muito recentemente, já que não eram encontradas reais motivações até o final do século XX. Mas com a ocorrência de inúmeras violações aos direitos humanos no começo do século XX, a questão de ser concretizado um jus puniendi em plano global, ou melhor, dizendo uma jurisdição unificada com competência para julgar casos que aconteceram em territórios internacionais.

O Estado Radical em que foi convertida a Alemanha Nazista no período sombrio do Holocausto. A época do Holocausto acarretou em diversos acontecimentos que desrespeitaram o respeito para a dignidade humana. Desta maneira, o debate sobre uma jurisdição penal internacional com caráter permanente, capaz de processar e punir aqueles criminosos de que a humanidade quer definitivamente se livrar.

    O principal legado que a 2º Guerra mundial proporcionou foi a internacionalização dos direitos humanos, consistindo na preocupação de um mundo pós- guerra, a cerca da falta de uma corte internacional de proteção aos direitos humanos. A principal intenção das pessoas que lutavam pela instalação do Tribunal Penal Internacional era garantir que crimes bárbaros não acontecessem mais.

Durante a época do Holocausto, os nazistas desrespeitaram os direitos da dignidade humana, submetendo os seus prisioneiros a torturas, humilhação, homicídios de familiares, entre tantas outras situações que desrespeitaram completamente a dignidade do ser humano. Assim sendo, diversas pessoas questionaram a atual conjuntura da sociedade mundial, pois não havia a previsão de proteção dos direitos humanos do indivíduo em nível internacional. Hannah Arendt, autor do livro “ A Declaração Internacional” defende que a preocupação da sociedade é baseada no princípio do “ direito a ter direitos”

A partir desse momento, grandes tratados internacionais foram assinados, os quais têm como principal objetivo a proteção dos direitos humanos, que deram causa ao nascimento da moderna arquitetura internacional de proteção desses mesmos direitos.

1.2 A Efetividade do Tribunal Penal Internacional

 Como respostas às atrocidades que ocorreram durante a 2º Guerra Mundial, o Tribunal Militar de Londres foi criado por meio do Acordo de Londres , de 8 de Janeiro de 1945. A Corte de Londres, criada pelos governos da França, Estados Unidos da América, Grã Bretanha e da Antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, este, por sua vez, tinha o objetivo de processar e julgar os “grandes criminosos da guerra” do Eixo Europeu, acusados de colaboração direta com o regime nazista.

No entanto, o Tribunal Pena Internacional era intensamente questionado, pois os quatro juízes que atuavam na corte pertenciam as nações que fundaram a corte, causando essa situação, o questionamento da imparcialidade da Corte.

O art. 6º do Acordo de Londres (Nuremberg) assim tipificou os crimes de competência do Tribunal:

a)     Crimes contra a paz- planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra de agressão, ou para a guerra em violação aos tratados internacionais, ou para participar de um plano comum ou conspiração para a consecução de quaisquer atos de guerra ;

b)    Crimes de guerra- Violação ao direito e aos costumes de guerra, tais como assassinato, tratamento cruel, deportação de populações civis que estejam ou não em territórios ocupados, para o trabalho escravo ou forçado ou para qualquer propósito, maus tratos ou assassinato cruel de prisioneiros de guerra ou de pessoas em alto- mar, assassinato de reféns, pilhagem de propriedades públicas ou privadas, destruição arbitrária de cidades, vilas ou lugarejos, ou devastação injustificada por ordem militar;

c)     Crimes contra a humanidade- assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou outro ato desumano contra qualquer membro da população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em critérios raciais, políticos e religiosos, na execução ou em conexão com qualquer crime de competência do Tribunal, independentemente se, em violação ou não do direito doméstico do país em que foi perpetuado.

Outra tentativa de criação de uma jurisdição internacional foi a criação do Tribunal Militar Internacional de Tóquio, instituído para o julgamento de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.  O objetivo da corte japonesa era punir as antigas autoridades políticas e militares do Japão Imperial. Como aliados dessa corte, o Japão contou com magistrados da Austrália, Canadá, China, Filipinas, Índia, Nova Zelândia e Países Baixos. Nesta corte foral julgados os caso do bombardeamento de Pearl Harbor, assim como os casos em Manila e Hong Kong.

Em um período mais recente, por deliberação do Conselho de Segurança das Nações Unidas , com a participação e voto favorável do Brasil, foram criados outros dois tribunais internacionais de caráter não permanente, um dos dois tribunais foi instituído para  o julgamento das atrocidades praticadas no território da antiga Iugoslávia. O outro, em 1991, foi criado para julgar inúmeras violações de direitos humanos de idêntica gravidade perpetrados em Ruanda, tendo sido sediados, respectivamente na Holanda e na Tanzânia.

Apesar do entendimento já consagrado pela consciência coletiva mundial de que aqueles que perpetram atos bárbaros e hediondos contra a dignidade humana devam ser punidos internacionalmente, os tribunais ad hoc acima mencionados foram duramente criticados, dentre os requisitos criticados  foram que os tribunais criados por resoluções do Conselho da ONU ( tendo como amparo o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, relativo às “ ameaças à paz”, ruptura da paz e atos de agressão”), e não por tratados internacionais multilaterais, como foi o caso do Tribunal Penal Internacional, o que poderia prejudicar o estabelecimento concreto de uma Justiça Penal Internacional de caráter permanente. Estabelecer tribunais internacionais ad hoc por meio de resoluções significa torna-los órgãos subsidiários do Conselho de Segurança da ONU, para cuja aprovação não se requer mais do que nove votos de seus quinze membros, incluídos os cinco permanentes ( art. 27, § 3}, da Carta das Nações Unidas). Este argumento foi muito importante na Iugoslávia, sendo a favor do Conselho de Segurança, na medida em que o modelo de tratado seria muito moroso ou incerto, levando anos para sua conclusão e entrada em vigor internacional.

De acordo com os arts. 53 e 64 da Convenção de Viena, o Direito Internacional Público positivo possui o jus cogens, que talvez possa ser servido de base (antes de sua positivação em norma convencional) para o julgamento do Tribunal de Nuremberg, segundo o qual, há certos tipos de crimes tão abruptos e hediondos que existem independentemente de estarem regulados por norma jurídica positiva.

1.4 A Justiça Penal Internacional de Caráter Internacional

A instituição de tribunais internacionais é consequência do direito internacional contemporâneo. Neste momento em que se presencia a fase da jurisdicionalização do direito das gentes, a sociedade internacional fomenta a criação de tribunais internacionais de variada natureza, para resolver questões das mais diversas, apresentadas no contexto das relações internacionais. A partir desse momento é que se pode compreender o anseio generalizado pela criação de uma Justiça Penal Internacional, dignificando e fortalecendo a proteção internacional dos direitos humanos em plano global.

Após o término da 1º Guerra Mundial, a sociedade passou a compreender efetivamente a responsabilidade penal internacional. Tal fato se deu quando o Tratado de Versalhes pretendeu chamar o julgamento do ex- Kaiser Guilherme II por “ofensa suprema à moralidade internacional e à autoridade dos tratados”, determinando o seu processo criminal penal internacional (art. 228 e 229).  Em seguida, a responsabilização penal pessoal volta à tona quando o Tratado de Sévres, que nunca foi ratificado pela Turquia, pretendeu responsabilizar o Governo Otomano pelo massacre de quase um milhão de armênios, tendo sido este o primeiro genocídio do Século XX.

Por fim, em 1993, a criação de uma corte internacional que fosse competente para julgar violações de direitos humanos presentes na atualidade foi também reafirmada pelo parágrafo 92 da Declaração e Programa de Ação de Viena, segundo o qual: “A Conferência Mundial sobre  Diretos Humanos recomenda que a Comissão de Direitos Humanos examine a possibilidade de melhorar a aplicação de instrumentos de direitos humanos existentes em níveis internacional e regional e encoraja a Comissão de Direito Internacional a continuar seus trabalhos visando o estabelecimento de um tribunal penal internacional.

Tendo como resposta a este anseio da sociedade internacional, no sentido de estabelecer uma corte criminal internacional de caráter permanente, sendo ela o Tribunal Penal Internacional previsto pelo Tratado de Roma.