AS NOVAS SENTENÇAS E OS NOVOS PODERES DO...

Por Antonio Costa de Souza Neto | 15/05/2017 | Direito

AS NOVAS SENTENÇAS E OS NOVOS PODERES DO JUIZ PARA A PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA

RESUMO 

Sabe-se que o direito processual é um instrumento. A partir de determinado momento histórico saiu-se da autotutela para a mediação do conflito pelo Estado-juiz, este que se colocaria, ao menos numa concepção de jurisdição clássica, acima e equidistante das partes. Desse modo, o processo é o meio adequado para resolução de conflitos e efetivação do direito substancial da parte.

Tal relevância que é dada a categoria processual demanda que ela acompanhe as transformações da sociedade a que se destina. Com a globalização e a expansão do capitalismo neo-liberal, tem-se um crescimento assustador de novas tecnologias, e, por via de consequência, surgem litígios nunca antes vistos. O legislador não dá conta desse fluxo de mudanças, portanto, o judiciário é o meio mais adequado para tutela das relações modernas.

Para que isso possa ocorrer é necessário que o magistrado tenha uma maior margem de ação para efetivar os provimentos dessas demandas e garantir seja feita a justiça.

Nesse contexto surgem novos tipos de sentenças, mandamentais e executivas latu sensu, que garantem maior margem de ação para coagir o sucumbente. Também discutem-se uma relativização do princípio da congruência entre pedido e sentença para que se possa dar o provimento mais adequado ao caso concreto, com vistas ao princípio da proporcionalidade. 

Palavras-chave: Sentenças mandamentais e executivas latu sensu; Efetividade do processo; Novos poderes decisórios. 

1 INTRODUÇÃO 

O processo civil brasileiro passou por grandes renovações desde a data de sua promulgação, 11 de janeiro de 1973, aos dias de hoje. Isso ocorre por que o processo, enquanto instrumento hábil para acionar a tutela do estado-juiz sobre um conflito de direito material com intuito de pacificá-lo, deve renovar-se de acordo com as transformações da sociedade. Estas, de acordo com o rumo que acabam por tomar, acabam por instituir novos direitos, que demandaram novas técnicas decisórias para resolução dos litígios (ARENHART e MARINONI, 2010).

Nesse contexto, surgiram as leis nº 8.952 de 1994 e nº 10.444 de 2002 que instituíram novos meios de obter a efetiva tutela dos direitos. Com as devidas leis, houve um rompimento com a classificação clássica dos tipos de sentença, quais sejam: declaratória, constitutiva e condenatória. Diferencia-se assim do que se tinha dentro do contexto da sentença condenatória, as sentenças mandamentais e executivas latu sensu. 

Ocorre que, os atos legislativos acima referidos, conferem ao juiz poderes amplos para a tomada de medidas que julgue mais adequada ao caso de ofício. Significa dizer tomar uma decisão, mesmo que as partes não tenham requerido, e mesmo ultrapassar aquilo que estas pediram em nome de alcançar a “eficiência do resultado prático almejado” (BRAGA, DIDIER JÚNIOR e OLIVEIRA, 2014, p. 314).

Assim, com novos poderes dado ao juiz para prestação da tutela jurisdicional efetiva, surge a questão se tal concessão não violaria o princípio da congruência e ainda daria margem para que o princípio da imparcialidade fosse alimentado no cenário jurídico, havendo então uma espécie de retrocesso e não uma renovação para melhor resolução dos litígios, como era o esperado. 

2 DA SENTENÇA

Para que se possa falar dos poderes decisórios do juiz, antes de tudo, é necessário discutir e assentar entendimento sobre o que é, em que consiste esse ato decisório que chamamos de sentença. Para tanto, separa-se o estudo desse instituto em conceitos e aspectos gerais, classificação e diferenciação entre sentenças que contém ou não enfrentamento do mérito, além dos elementos essenciais. 

2.1 Conceitos e aspectos gerais 

A sentença é instituto do processo de civil que, conforme lição de Freitas Câmara (2013), o juiz visa esgotar seu dever de julgar exarando, ou não, sentença de mérito. Em outros termos tem-se que a sentença é o ato processual que põe fim ao módulo processual cognitivo. Essa definição surge em contraposição à concepção clássica que afirma que a sentença é o ato que põe termo ao processo (art. 162, §1º do CPC, antes da reforma trazida pela lei 11232/05), que, no entanto, encerra diversas espécies de dificuldades (WAMBIER, 2008).

Nesse sentido é a lição de Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 183): “Nesse momento extingue-se a fase de conhecimento mas o processo, que é sincrético, perdura à espera pelo início da nova fase, a executiva; e, depois que esta vier a ser instaurada, perdurará durante toda sua pendência”.

Por sentença se entende o seu conceito amplo e o conceito restrito (BRAGA, DIDIER JUNIOR, OLIVEIRA, 2012). O conceito amplo de sentença se entende o extraído na leitura do art. 458 ao art. 466 do Código de Processo Civil, no sentido de ser toda e qualquer decisão judicial, seja qual for sua espécie. Já sentença em seu sentido estrito, isto é, espécie do sentido supracitado, é “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269” do CPC, como assim está explicitado no art. 162, §1º do CPC.

O problema em ter como sentença um ato processual que põe fim ao procedimento processual, é que tal afirmação generaliza e não fala o que acontece na prática. Explica-se: dizer que sentença é o pronunciamento do juiz que põe fim ao procedimento, é se afirmar que com a sentença há a extinção do processo; no entanto, o fato é que a sentença é o pronunciamento do juiz que põe fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, mas não extinguindo o processo, e sim extinguindo o procedimento cognitivo em primeiro grau de jurisdição (WAMBIER, 2008, p. 497).

Passada a discussão a respeito da conceituação doutrinária da sentença, vale a ressalva que a Lei 11.232 de 2005 reformulou parcialmente referido instituto, deixando de ser vista apenas como o ato final do processo. De acordo com essa Lei, “sentença passou a ser definida como o ato do juiz que implica alguma das situações previstas no art. 267 ou no art. 269. O art. 267 trata da ‘extinção’ do processo sem julgamento de mérito. O art. 269 trata das hipóteses de julgamento do mérito.” (WAMBIER, 2008, p. 498). O problema para Luiz Wambier é que no art. 267 foi mantida a referência à “extinção”, eliminando assim o fato que é possível o processo prosseguir a fim de que se execute, na fase de “cumprimento”. Como o referido autor sugere (2008, p. 498), “melhor seria a lei referir-se não à extinção sem resolução do mérito, mas, sim, ao reconhecimento da impossibilidade de julgamento do mérito”. Em resumo, após a Lei 11.232/2005, passou a entender que “sentenças de mérito não extinguem o processo” (ARENHART, MARINONI, 2011, p. 406).

Assim, sabendo que sentença ou extingue o processo ou encerra a fase cognitiva, todos os demais atos do juiz que tratam do mérito na marcha processual cognitiva, como, por exemplo, na fase probatória, não podem ser vistos como uma como sentença e sim uma mera decisão interlocutória. Desse modo, conclui Dinamarco (2009, p. 197-198), a sentença é justamente o ato processual que tem o específico fim de, mediante julgamento de pretensões, produzir a tutela jurisdicional do conflito levado a juízo. Decorre daí que, julgar é optar por uma das soluções postuladas e o mérito a ser julgado são as pretensões das partes a serem satisfeitas, o produto do processo cognitivo, portanto, é o preceito concreto, que conduz a relação entre os litigantes, ou, entre eles e o bem da vida sobre o qual discutem.

 

2.2 Classificação

Doutrinariamente, classifica-se a sentença em duas categorias: sentenças definitivas e terminativas. Como afirma Câmara (2013, p. 471), as chamadas sentenças terminativas são as sentenças nas quais não resolvem o objeto do processo, sendo proferidas com base em qualquer hipótese no art. 267 do CPC; já as sentenças definitivas são as sentenças nas quais há resolução do mérito, sendo proferidas por alguma das razões previstas no art. 269 do CPC. Em outros termos, a diferença entre ambas as sentenças é que a sentença terminativa, ou processual, é quando o conteúdo da sentença atestar a inexistência dos pressupostos de admissibilidade, do exame e de julgamento do mérito (WAMBIER, 2008, p. 499); enquanto que a sentença definitiva, ou de mérito, são “aquelas cujos conteúdos forem encartáveis nos incisos do art. 269 do CPC” (WAMBIER, 2008, p. 505), isto é, só podem existir se presentes os pressupostos de admissibilidade de exame de mérito (condições da ação e pressupostos processuais).

As sentenças processuais podem ser típicas ou atípicas. A sentença processual, ou terminativa, é típica quando o juiz constata a inexistência de pressuposto processual positivo, de existência ou de validade, ou ainda a existência de pressupostos processuais negativos (WAMBIER, 2008, p. 499). Já a sentença processual, ou terminativa, atípica é quando o juiz extingue o processo sem resolução de mérito, mas não pela falta de pressupostos processuais ou condição da ação, ou pela existência de pressupostos processuais negativos (WAMBIER, 2008, p. 502), mas pela paralisação do processo por mais de um ano (art. 267, II), abandono da causa por mais de 30 dias (art. 267, III), perempção (art. 267, V), convenção arbitral (art. 267, VII), desistência da ação (art. 267, VIII), ação intransmissível (art. 267, IX) e confusão entre autor e réu (art. 267, X).

Já as sentenças definitivas, também chamadas de sentenças de mérito, no dizer de Wambier (2008, p. 506), se percebem quando “o juiz acolhe ou rejeita o pedido formulado pelo autor”, ou seja, “é o ato culminante do processo que ‘aglutina’ toda a atividade jurisdicional que àquela se dirige”. Classifica-se a sentença definitiva em sentença meramente declaratória, constitutiva e condenatória, achando ainda alguns doutrinadores, como Marinoni (2011, p. 414), as sentenças mandamental e executiva. Sentenças essas que serão mais aprofundadas nos próximos tópicos. 

2.3 Elementos essenciais 

O art. 458 do CPC explicita os três elementos essenciais da sentença que se deve ao relatório, fundamentação e dispositivo. De forma geral, relatório é a síntese do processo, o resumo; a fundamentação é parte que o magistrado explicita os motivos que levaram a decisão tomada; e o dispositivo, é a parte da sentença em que o juiz apresenta sua conclusão, é a decisão stricto sensu (CÂMARA, 2013, p. 473-475).

Por relatório, se entende a parte da sentença que o magistrado relata os fatos da causa, é como diz Didier (2011, p. 290), “o histórico do que de relevante aconteceu no processo”. Em outros termos, é a parte da sentença que o juiz expõe de forma resumida todo o processo, desde a propositura da ação até que a sentença venha ser proferida (CÂMARA, 2013, p. 473).

Vale dizer que, à luz do art. 165 do CPC, dispensa o relatório nos casos que não se trata de sentença ou acórdão. Além do art. 165, o art. 458 em seu inciso I do CPC diz que é fundamental que haja no relatório a indicação dos nomes das partes, a súmula do pedido, da causa de pedir e da resposta apresentada pela parte demandada. Como observa Fredie Didier (2011, p. 290), o relatório vem a cada dia sendo dispensado. Prova disso é o art. 38 da Lei 9.099/95 que dispensa o elemento em pauta nas sentenças proferidas nos juizados especiais cíveis.

Fundamentação é a parte na qual o juiz demonstra a razão de sua decisão (ARENHART, MARINONI, 2011, p. 407), e por esse motivo também é chamada de motivação (CÂMARA, 2013, p. 473). Essa parte da sentença é fundamental uma vez que permite ao vencido entender os motivos de seu insucesso e, além disso, possibilita ao órgão de segundo grau de jurisdição entender os motivos que levaram o julgador dar, ou não, razão ao autor (ARENHART, MARINONI, 2011, p. 409).

Diz ainda Câmara (2013, p. 474): 

É de se dizer ainda que é na motivação que o juiz irá apreciar as questões prévias, tanto as preliminares como as prejudiciais. Quanto a estas últimas, porém, sua apreciação e resolução levarão a que se profira uma decisão, no dispositivo da sentença, quando tiver havido pedido de declaração incidental.

 

Dispositivo, por sua vez, é “a parte da sentença que tem conteúdo decisório” (CÂMARA, 2013, p. 475). É no dispositivo que o juiz apresenta sua conclusão, o seu comando, a força da decisão judicial no caso concreto, ou seja, a manifestação do poder de império estatal, nas palavras de Freitas Câmara. Marinoni (2011, p. 409) diz que dispositivo também é chamada de conclusão da sentença e é nessa parte que fica revestida pela autoridade da coisa julgada material.

Por fim, sabendo que os três elementos são essenciais, devem os três estarem presentes na sentença, sob pena de ficar viciada a decisão. Nesse caso, “a falta de relatório ou de motivação importa nulidade absoluta da sentença, já a falta de dispositivo implica inexistência jurídica da sentença” (CÂMARA, 2013, p. 475). 

3 DOS TIPOS DE PROVIMENTO JURISDICIONAL 

Sabe-se que existem as sentenças meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias; no entanto, parte da doutrina ainda adiciona mais dois tipos de sentença, que é a executiva latu sensu e mandamental. As sentenças executivas lato sensu “se caracterizam por apreciar e decidir ‘sobre a relação existente entre o demandado e os bens que serão objeto da futura atividade executória, de modo a cortar a base de legitimidade entre o réu e objeto material da demanda’” (CÂMARA, 2013, p. 489). Para quem defende a existência da sentença executiva, este tipo de sentença permite sua execução no mesmo processo que foi proferido.

Tangente a essa categoria de sentença, há ainda a categoria das sentenças mandamentais, que diferente das executivas latu sensu que condena o réu a fazer ou não fazer algoo juiz emite uma ordem a ser observada pelo réu. Nesse caso, haveria um exercício de atividade jurisdicional posterior à sentença, na mesma relação processual, sem que se fizesse um novo processo (CÂMARA, 2013).

Percebe-se que a diferença entre as duas espécies de sentença supracitadas é que as sentenças executivas a execução ser do juiz enquanto que o mandato contém ato que só a parte pode praticar. 

3.1 Sentenças declaratórias e constitutivas 

Antes de qualquer análise, é bom que se saiba que toda a sentença possui o viés declaratório. Logo, pode-se afirmar que este tópico tratar-se-á de sentenças meramente declaratórias e então constitutivas. A sentença meramente declaratória visa tirar a crise de incerteza, pondo fim à dúvida quanto à existência ou inexistência de determinada relação jurídica. Já a sentença constitutiva é aquela que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica, isto é, há um direito novo constituído nessa sentença.

 

3.2 O conceito de sentença condenatória e seu esgotamento 

3.2.1 Sentenças Condenatórias 

No que tange à sentença condenatória, o seu efeito principal é a permissão da instauração da execução forçada de um crédito (CÂMARA, 2013), é aquela sentença que impõe ao vencido o cumprimento de um fazer, de um não-fazer ou de dar. No entanto, essa questão não finaliza no que Câmara entende por sentença condenatória, uma vez que outros doutrinadores dão opiniões particulares a respeito do tema.

Chiovenda já diz que não seria uma ordem judicial, mas a formulação judicial de uma ordem contida na lei: 

A sentença condenatória supõe a existência de uma vontade da lei que garanta um bem a alguém, impondo ao réu a obrigação de uma prestação e a convicção do juiz de que se possa proceder por meio dos órgãos do Estado aos atos ulteriores necessários para a efetiva obtenção do bem garantido pela lei. (CÂMARA apud CHIOVENDA, 2013, p. 481) 

Carnelutti diz que a condenação seria a declaração de certeza da relação relativa à sanção (CÂMARA apud CARNLUTTI, 2013, p. 482), isto é, a condenação seria a declaração da existência da responsabilidade patrimonial.

Liebman, por sua vez, tem por sentença condenatória “aquela que, além da função de declarar a vontade da lei no caso concreto, produz também uma declaração ‘capaz de conduzir ao estádio ulterior da execução’” (CÂMARA apud LIEBMAN, 2013, p. 482). Isso quer dizer que a sentença condenatória, para Liebman, contém não só a declaração da vontade concreta da lei, mas a obrigatoriedade da mesma ser cumprida pelos órgãos do Estado, isto é, haveria uma sanção.

Calamandrei já diz que “a condenação consiste na transformação da obrigação em sujeição” (CÂMARA apud CALAMANDREI, 2013, p. 483). Ou seja, antes da condenação, antes da sentença, existia apenas uma obrigação de uma das partes para com a outra; e, com a condenação, essa obrigação que estava sob inércia transformou-se em sujeição, devendo haver o cumprimento da obrigação independente da vontade do obrigado.

Mandrioli diz que a sentença “é condenatória quando se desenvolve em função e em prestação da execução forçada” (CÂMARA apud MANDRIOLI, 2013, p. 483). Fazzalari diz que “é um comando dirigido pelo juiz a uma das partes, para que esta dê ou faça algo em favor da outra” (CÂMARA apud FAZZALARI, 2013, p. 483). Eduardo Couture já diz que “sentenças condenatórias são todas as que impõem o cumprimento de uma prestação, seja em sentido positivo (dar e fazer), seja em sentido negativo (não fazer)” (CÂMARA apud COUTURE, 2013, p. 483). Já o brasileiro Rogério Lauria Tucci diz que “sentenças condenatórias contêm uma declaração de certeza sobre a existência da relação jurídica afirmada pelo autor e, outrossim, um quid, a atribuição ao vencedor da faculdade de promover a execução em seu benefício, contra o vencido” (CÂMARA apud TUCCI, 2013, p. 484). 

3.2.2 Sentenças Mandamentais e Executivas latu sensu

 Sentenças mandamentais, conforme Cândido Dinamarco (2009, p. 248): 

As sentenças condenatórias mandamentais são dotadas da mesma estrutura lógico-substancial das condenatórias clássicas, compondo-se portanto de um momento declaratório, onde o direito do autor é reconhecido, e de um momento sancionador, que abre caminho para a execução forçada. A sentença mandamental é título para a execução forçada, tanto quanto uma condenação ordinária – e portanto é uma condenação. A diferença está no conteúdo da sanção imposta em seu segundo momento, na qual se exacerba o fator comando, ou mandamento. Na ordem positiva brasileira têm esse teor as sentenças concessivas de mandado de segurança e as que condenam por obrigação de fazer, de não-fazer ou entregar coisa certa, seja no Código de Processo Civil (arts. 461 e 461-A), seja no Código de Defesa do Consumidor (art. 84).

O comando contido em tais sentenças é de tal intensidade, que autoriza o juiz a impor medidas particularmente enérgicas, com vista a proporcionar ao vencedor a efetiva satisfação do seu direito.

 

São exemplos de sentenças mandamentais a imposição de astreintes ou quaisquer outras medidas necessárias e proporcionais aptas a ensejar a coerção necessária ao efetivo adimplemento. Nesse sentido, é perceptível na ordem processual civil brasileira uma maior discricionariedade, e, por conseguinte, poder, ao magistrado para observância dos ditames do princípio da efetividade processual e da justiça.

As sentenças executivas latu sensu, no dizer de Dinamarco (2009), são aquelas sentenças suscetíveis de execução no próprio processo, sem que seja necessária iniciativa da parte, ou seja, tem a eficácia peculiar de autorizar execução de ofício, no entanto, só existem nos casos previstos pelo ordenamento jurídico especificamente, por exemplo, nas ações de despejo e nas ações possessórias. Dessa forma haveria uma maior celeridade processual, visto que não seria necessária a formulação de uma nova demanda objetivando à execução do processo, pois na executiva latu sensu permite-se que a execução seja no mesmo processo em que foi proferida a sentença. Em outros termos, estas sentenças contêm, além de estar autorizada a execução no mesmo processo, possui aptidão intrínseca de levar à efetiva satisfação do credor, independentemente de nova demanda de execução (WAMBIER, 2007).

As sentenças mandamentais possuem como elemento principal a ordem atrelada a uma coerção da vontade do réu. A sentença mandamental se caracteriza por dirigir uma ordem para coagir o réu (ARENHART, MARINONI, 2011). Em outros termos, sentença mandamental é a sentença em que o juiz emite uma ordem para ser cumprida pelo sucumbente e a desobediência será tida como afronta à autoridade estatal (WAMBIER, 2007). Em resumo, percebe-se que as sentenças mandamentais se diferenciam das sentenças executivas pelo fato de a execução ser um ato do juiz, uma vez que o ato deveria ser da parte e o juiz então fez ser executado o que era pra ser executado pelo vencido; enquanto que o mandado contém ato que só a parte poderia praticar (CÂMARA, 2013). 

4 NOVOS PODERES DO JUIZ E MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRÊNCIA 

Os novos poderes concedidos ao magistrado se devem ao fato do papel dado ao juiz, na figura do Estado, de resolver litígios. Para isso, foi dado margens de liberdade ao juiz para que o mesmo não viesse agir com formalismo e limitado à letra e não ao caso concreto com suas particularidades. Como, por exemplo, se extrai do art. 460 do CPC que “é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. Dessa forma, percebe um conflito entre o princípio da congruência, que “foi estabelecida a partir da premissa de que era preciso conter o poder do juiz para evitar o risco de violação da liberdade do litigante” (MARINONI, p. 17). O fato, como diz Luiz Marinoni, é que a necessidade de dar maior poder ao juiz para a efetiva tutela dos direitos trouxe a superação da ideia de absoluta congruência entre o pedido e a sentença. 

4.1 O princípio da congruência 

Sabe-se que a finalidade do princípio da congruência é evitar que a jurisdição atue com viés discricionário e imparcial. No entanto, ao falar de novos poderes dado ao juiz não quer dizer necessariamente que é sinônimo de discricionariedade e imparcialidade, uma vez que deve haver em qualquer julgamento o princípio da proporcionalidade, das regras processuais da sentença e entre outros pontos relevantes que serão destacados no desenvolver deste tópico.

A decisão deve sempre ter como parâmetro a demanda e seus elementos, isso é conhecimento propedêutico no estudo do processo. Assim, os arts. 128 e 460 do CPC determinam que a sentença deva conter a análise e a decisão de todos os pedidos deduzidos no processo, não podendo o juiz conceder além do que foi pleiteado.

O princípio da congruência é também uma consequência do contraditório: “a parte tem o direito de manifestar-se sobre tudo o que possa interferir no conteúdo da decisão; assim, o magistrado deve ater-se ao que foi demandado exatamente porque, em relação a isso, as partes puderam manifestar-se” (DIDIER JUNIOR, 2012, p. 313).

Falar em congruência deduz que a decisão deve analisar os pedidos deduzidos e mais os implícitos da parte demandante, no entanto, tal dedução limita a congruência apenas à demanda, devendo haver congruência, portanto, em relação aos sujeitos a quem atinge adecisão. É nesse ponto que Fredie Didier fala em congruência interna e congruência externa (2012, p. 311): 

Congruência externa da decisão diz respeito à necessidade de que ela seja correlacionada, em regra, com os sujeitos envolvidos no processo (congruência subjetiva) e com os elementos objetivos da demanda que lhe deu ensejo e da resposta do demandado (congruência objetiva). A congruência interna diz respeito aos requisitos para a sua inteligência como ato processual. Nesse sentido, a decisão precisa revestir-se dos atributos de clareza, certeza e liquidez. 

A decisão que vai além dos limites da demanda proposta ou fora da demanda proposta. Fala-se nesse caso, respectivamente, da decisão ultra petita e extra petita. Entretanto, as necessidades modernas de provimento jurisdicional efetivo rompem com essa ideia de que congruência entre pedido e sentença se daria de forma absoluta, outrossim, também há uma quebra da ideia de tipicidade dos meios executivos (MARINONI, 2014).

4.2 A efetividade processual e os julgamentos ultra e extra petita 

Como os próprios nomes aduzem, o julgamento ultra petita é quando o juiz dá além do que foi pedido pelo autor e julgamento extra petita é quando o juiz decide e dá tutela diversa do que foi pedido pelas partes. Efetividade processual, por sua vez, é aquela a qualidade do processo que resolve a lide de forma célere, isto é, vence a crise de incerteza em tempo razoável e satisfatório.

O julgamento ultra petita, ao ir além dos limites da demanda proposta, atinge os princípios do contraditório e do devido processo legal, uma vez que a decisão abarca fatos ou pedidos não discutidos na marcha processual ou ainda estende seus efeitos a sujeito(s) que não pôde (puderam) participar em contraditório da causa (DIDIER JUNIOR, 2012). Percebe-se que nesse tipo de decisão, o juiz ainda zelou pelo princípio da congruência, mas de forma parcial.

Logo, a decisão é ultra petita quando concede ao autor mais do que ele pediu, analisa não apenas os fatos essenciais postos pelas partes como também outros fatos essenciais ou quando resolve a demanda não só em relação aos sujeitos que participaram do processo, mas também em relação a outros sujeitos (DIDIER JUNIOR, 2012).

A sentença ultra petita poderá ser corrigida pelo tribunal para os limites do pedido, visando à celeridade e economia processual (ARENHART, MARINONI, 2011, p.413). Dessa forma, há uma invalidação da sentença ultra petita, e não sua nulidade. No entanto, “a invalidação deve cingir-se à parte em que supera os limites do pedido” (DIDIER JUNIOR, 2012, p. 315).

O julgamento extra petita, por sua vez, é nulo, devendo o juiz de primeiro grau de jurisdição proferir outra sentença. Além disso, a decisão extra petita fere os princípios do contraditório, do devido processo legal e da inafastabilidade do controle jurisdicional (DIDIER JUNIOR, 2012), uma vez que o juiz nesse caso deixa de ser analisado algo que deveria ser analisado para examinar outra coisa no processo. Assim, o juiz sequer usa parcialmente o princípio da congruência. Numa questão proporcional e fática, percebe-se o motivo do julgamento ultra petita possuir a possibilidade de ser corrigida pelo tribunal e o julgamento extra petita ser passível de nulidade, devendo haver, portanto, uma nova sentença, e não sua correção.

Dessa forma, resume-se que a decisão é extra petita quando tem natureza diversa ou concede ao autor coisa distinta do que foi pedido, quando leva em consideração fundamento de fato não suscitado por qualquer das partes em lugar daqueles que foram suscitados ou quando atinge sujeito que não faz parte da relação jurídica processual (DIDIER JUNIOR, 2012).

Não obstante, a doutrina moderna tem ressaltado estudos acerca dos novos poderes do juiz, e a partir daí verificar a teoria da mitigação do princípio da congruência entre o pedido e a sentença. Segundo essa teoria, a partir da a inserção do § 5º, ao art. 461, do CPC, haveria uma habilitação do juiz de, na efetiva tutela do resultado prático do processo ultrapassar aquilo que foi pedido pelas partes. Tanto o pedido imediato que é espécie de sentença, quanto o pedido mediato que representa o bem da vida requerido (MARINONI, 2014). Assim está definido o dispositivo normativo em questão: 

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de ,obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

  • 5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002). 

Conforme o magistério de Dinamarco (2009), em certos casos, como, por exemplo, na tutela específica das obrigações de fazer ou não-fazer, à uma limitação da ação jurisdicional na medida em que dependem de uma ação, ou abstenção, que deve ser feita pela parte contrária. Assim, o juiz tem o poder-dever de assegurar resultados práticos que assegurem o equivalente ao adimplemento, de tal modo que pode utilizar-se de medidas que não estavam no pedido do autor, entretanto, é legitimo por que a lei assim o que e pela indispensabilidade de tal severidade demonstrou-se indispensável à efetividade processual.

Ressalte-se que, dentro dessa perspectiva de novos poderes do juiz, não se está legitimando os julgamentos ultra e extra petita, o que há é a concessão ao magistrado do poder de ultrapassar tão somente o pedido mediato, ou seja, o tipo de provimento jurisdicional a ser tomado pelo juiz. Desse modo, a lição de Marinoni (2014, p. 20): 

Não é porque a aplicação da regra da congruência pode impedir a efetividade da  tutela do direito, e que o juiz não pode mais ser visto como ‘inimigo’, que o poder de execução que lhe foi deferido pode restar sem controle. A diferença está na forma de controle. Se antigamente ele era feito pela  lei –  daí  se  pensar  no  princípio  da  tipicidade  dos  meios executivos, na separação entre conhecimento e execução e na congruência entre o pedido e a sentença -, atualmente  esse  controle  deve  ser  realizado  pela  regra  da  proporcionalidade.  Ou seja, o aumento de poder do juiz, relacionado com a transformação do Estado, implicou na eliminação da submissão do judiciário ao legislativo ou da idéia de que a lei seria como uma vela a iluminar todas as situações de direito substancial, e na necessidade de um real envolvimento do juiz com o caso concreto. Ora, a proporcionalidade é a regra hermenêutica adequada para o controle do poder do juiz diante do caso concreto.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Dado ao exposto nota-se que, evoluindo junto com a sociedade que dele necessita, o processo civil brasileiro esta passando por renovações essenciais à garantia da obediência dos postulados da eficácia e celeridade processuais. O avanço frenético do ritmo de vida das pessoas gerado pela globalização gerou um aumento absurdo de demandas levadas ao judiciário e, até pelo legislativo não ser capaz de acompanhar o desenvolvimento do mundo líquido pós-moderno, no dizer de Baumam, e, assim regular todas as novas formas de relações sociais, muitas das demandas levadas a juízo não possuem precedentes normativos, exigindo verdadeiramente do magistrado uma atividade de criação do direito.

Para tanto, foram cridas novos tipos de sentença que dão ao magistrado a possibilidade de, ou executar de logo o sucumbente (executivas latu sensu), ou de tomar medidas mais enérgicas aptas a coagir o derrotado a adimplir (mandamentais). Somente partindo desta perspectiva é que pode o judiciário, não só dar resposta aos que o procuram, mas, também desafogar-se do exacerbado número de procedimentos inertes em suas dependências, até porque, não é exagero dizer que hoje em dia o número de ações cresce em progressão geométrica e o número de provimentos resolutivos de mérito (e, portanto, da lide) cresce em progressão aritmética.

Outrossim, o aparecimento de controvérsias extremamente novas exige que uma certa discricionariedade do magistrado que se estivesse ainda amarrado à lei não seria capaz de prolatar sentença que garanta a tutela jurisdicional efetiva e justa. Nesse sentido, para realização desse esforço hermenêutico, o juiz deve libertar-se, ao menos de forma relativa, do chamado princípio da congruência, para que possa escolher os meios que garantam da melhor forma possível a satisfação da demanda da parte vencedora.

Isso não significa dizer que as decisões estariam jogadas ao livre arbítrio dos juízes. Marinoni (2014), propõe o princípio da proporcionalidade. Tal princípio, para alguns, regra, é um instrumento hermenêutico que fraciona a decisão em etapas progressivas para que, ao final, se chegue a uma decisão legitima, pois, racional e proporcional.

REFERÊNCIAS

ARENHART, Sérgio Cruz MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. v.2 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 

BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JÚNIOR, Fredie OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito processual civil. v. 2. 9. ed. Salvador: Jus Podivm, 2012. 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 

DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito processual civil. v.III. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 

MARINONI, Luiz Guilherme. As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestação da tutela jurisdicional efetiva. Disponível em . Acesso em 28 de agosto de 2014. 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.