AS MINORIAS SEXUAIS EM ANGOLA: UMA REFLEXÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Por Benilson Soares | 08/01/2021 | Direito

 

AS MINORIAS SEXUAIS EM ANGOLA: UMA REFLEXÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

 

 

Resumo

 

Pretendemos com este artigo, abordar a questão relacionada com os direitos humanos referentes às minorias sexuais, isto é, as pessoas L.G.B.T.I.Q (lésbicas, gays, bissexuais, trangeneros, intersexo e queer) em Angola. Na primeira parte, reflecte-se à volta do conceito de orientação sexual, bem como as diferentes formas de expressão de género. Na segunda, apresenta-se a teoria dos direitos fundamentais e analisa-se de forma crítica a actual constituição da Republica de Angola, tendo em linha de conta que em Angola, nem todos os direitos fundamentais estão ainda consolidados, por diversas razões, tais como: culturais, políticas entre outras. Na terceira e última parte, depois de uma análise à actual posição do ordenamento jurídico Angolano, no concernente à protecção jurídica das minorias sexuais, que parece ser ainda muito ténue, conclui-se deixando uma proposta legislativa, que consiste numa revisão constitucional, inserindo no capítulo dos direitos e liberdades fundamentais um artigo que consagre a liberdade de expressão de género e como consequência lógica, que em função do previsto no novo Código Penal, no seu artigo 214º, se efective de facto a responsabilização criminal em casos de descriminação em função da orientação sexual. Pois, uma sociedade livre e justa deve olhar para as diversas manifestações dos direitos fundamentais, que são direitos que integram o estatuto jurídico-material básico do homem e do cidadão. Sendo que estes, são direitos do homem enquanto pessoa. Portanto, não se tratam por isso, de direitos concedidos ou outorgados pelo Estado (de meras tolerâncias deste), mas sim, de direitos que limitam a sua soberania. Definem deste modo, um estatuto indisponível, que o Estado e cada indivíduo deve respeitar.

Palavra-Chave: Orientação sexual. Expressão de género. Liberdade. Homossexualidade. Direito. Constituição.

 

SEXUAL MINORITIES IN ANGOLA: A REFLECTION ON HUMAN RIGHTS 

 

Abstract

 

With this article we intend to address the issue related to the human rights of sexual minorities, that is, the L.G.B.T.I.Q (lesbian, gay, bisexual, transgender, intersex and queer) people in Angola. The first part reflects on the concept of sexual orientation as well as the different forms of gender expression. The second part presents the theory of Fundamental Rights and critically analyzes the current constitution of the Republic of Angola, bearing in mind that not all fundamental rights are still consolidated in Angola for various reasons, such as: cultural, political and others. Lastly in the third part, after an analysis of the current position of the Angolan legal system regarding the legal protection of sexual minorities, which still seems to be very tenuous, we conclude by making a legislative proposal, consisting of a constitutional revision, inserting in the chapter of fundamental rights and freedoms an article that enshrines freedom of expression of gender and as a logical consequence, that under the provisions of the new Penal Code, in its Article 214, criminal accountability in cases of discrimination based on sexual orientation. A free and fair society must look at the various manifestations of fundamental rights, which are rights that are part of the basic legal-material status of any citizen. Since these are the rights of man as a person. Therefore, they are not  rights granted by the state (mere tolerances of the state), but rights that limit its sovereignty. They thus define an unavailable statute, which the state and each individual must respect. 

Keywords: Sexual orientation. Gender expression. Freedom. Homosexuality. Rights. Constitution.

 

 

Introdução

 

Com este tema pretendemos analisar a situação jurídica das minorias sexuais existentes em Angola, ou seja, reflectir a luz dos parâmetros universais, desprovidos de dogmas religiosos e tabus sociais, sobre a necessidade de se dar dignidade constitucional à esta manifestação de direito. Cientes do grande feito da nova versão do Código Penal Angolano, que no artigo 214.º criminaliza a discriminação em função da orientação sexual. A expressão de género, traduz-se numa liberdade fundamental e por conseguinte num direito, exercendo em relação ao Estado, uma função negativa, na medida em que este, deve respeitar por estar intimamente ligado à pessoa.

As pessoas LGBTIQ enfrentam várias situações e dificuldades diárias, em função da intolerância social e a homofobia que cada vez mais se acentua, seja no acesso à saúde, emprego, no seio familiar, o que resulta em expulsão em muitos casos, seja no acesso à educação, frequentemente associado ao estigma e a discriminação que os acompanha em quase todos os locais (SEBASTIÃO, 2019, pp. 81-82).

Começaremos por explicar em que consiste a orientação sexual, bem como as diversas formas de expressão de género, apresentando em seguida a teoria dos direitos fundamentais, fazendo uma análise critica à actual Constituição da Republica de Angola, tendo em linha de conta que em Angola, nem todos os direitos fundamentais estão ainda consolidados, por diversas razões, tais como: culturais, políticas, ideológicas entre outras.

 

1.      Conceito de orientação sexual

 

Antes de qualquer incursão neste território científico, gostaríamos de apresentar alguns conceitos básicos, tais como; orientação sexual, género, identidade de género, homossexualidade, Heterossexualidade e transsexualidade, para melhor compreensão da reflexão que nos propusemos efectuar.

Por orientação sexual, entende-se essencialmente a atracção sexual e amorosa por pessoas. Segundo os apologistas das teorias a favor da homossexualidade enquanto um fenômeno independente da escolha humana, não se trata sobre um prisma rigoroso de uma opção, mas sim, é um resultado de várias partículas complexas, como pessoais, biológicas e culturais. Embora no entender de alguns especialistas, a orientação sexual é algo que pode mudar com o tempo (SEBASTIÃO, 2019, p. 8).

Quanto ao género, este, é intendido como “[…] o significado social associado a ser homem e mulher, [ou seja], diz respeito ao que a sociedade espera de homens e mulheres em termos de comportamentos e deveres.” (SEBASTIÃO, 2019, p. 7). Actualmente, tal ideia, digladia-se com o entendimento que se tem de identidade de género, que se traduz na percepção ou definição que uma pessoa tem de si mesma de ser homem ou mulher, independentemente do órgão sexual biológico (SEBASTIÃO, 2019, p. 7). Portanto, Cada pessoa possui uma identidade de género.

Existem pessoas que têm uma identidade de género diferente daquela esperada para o seu sexo biológico, isto é, há pessoas que nascem com o sexo masculino, mas se identificam como mulheres (mulheres trans) e o contrário também se aplica, pois há pessoas que nascem com o sexo feminino, mas que se identificam ou se sentem homens (homens trans). Estas pessoas são conhecidas como transgéneros. Em algumas regiões, estas pessoas são conhecidas como travestis e algumas vezes são confundidas como gays, o que não é correcto (SEBASTIÃO, 2019, pp. 7-8).

Portanto, um homossexual é o contrário de um heterossexual, que é uma pessoa que sente atraçao sexual e amorosa por pessoas do sexo oposto e por sua vez, o homossexual é alguém que sente atração sexual e amorosa por pessoas do mesmo sexo. Por tanto, é comum chamar uma mulher homossexual de lésbica e um homem homossexual de gay. É importante realçarmos que o conceito de homossexual engloba também os transgéneros. Existem também aqueles que sentem atração quer por pessoas do mesmo sexo, quer por pessoas do sexo oposto, estes são conhecidos como bissexuais[1] (SEBASTIÃO, 2019, p. 8).

Em sentido oposto ao que acontece em alguns países Africanos, como nos Camarões, Gabão e em alguns Estados Islâmicos, em Angola, não constitui ilícito penal as pessoas terem relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, ou seja, não é crime ser homossexual. Inclusive, a nova versão do Código Penal excluiu do artigo 71.º a referencia à praticas contra a natureza. Pois, este era o fundamento para as pessoas homossexuais serem objecto de medidas de segurança, no sentido em que esta norma era interpretada como criminalização da prática homossexual, embora não tivesse repercussões matérias. Todavia, a exclusão desta referência, constitui um importante passo para a afirmação dos direitos das minorias sexuais, uma vez que, a possibilidade de decidir com quem ter relações sexuais e amorosas, excluindo a pedofilia, necrofilia entre outras proibidas por lei, decorre do direito à autodeterminação sexual consagrado na alínea b do nº 3 do artigo 36.º da CRA.

No entanto, as minorias sexuais, sofrem ainda muita discriminação no seio da sociedade, nas comunidades e inclusive nas famílias que muitas vezes se manifestam por não dizeres e olhares mais do que expressamente por palavras (SEBASTIÃO, 2019, pp. 81-82), sem se ter em conta que os gays, lésbicas, bissexuais e transgeneros… gozam dos mesmos direitos que as demais pessoas. Sem esquecer a situação dos HSH[2], bem como o facto de que a expressão de género é objectivamente um direito fundamental como veremos a seguir.

 

2.      Teoria Dos Direitos Fundamentais

 

Para uma melhor compreensão acerca da teoria dos Direitos Fundamentais, é necessário que se faça uma breve narração filosófica e histórica demonstrando a evolução dos direitos fundamentais através dos tempos. 

Desde os tempos mais remotos sempre defendeu-se e reconheceu-se a existência de direitos naturais, isto é, direitos que são de acordo à natureza humana, pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente do Estado, por conseguinte, estes, são imutáveis, absolutamente justos e universalmente válidos. Esta concepção foi evoluindo ao longo do tempo e culminou com as primeiras Declarações dos Direitos Humanos, não mais enunciadas por filósofos, mas por detentores do poder de governo, segundo estas, o homem natural tem um único direito, o direito de liberdade, entendida a liberdade como independência em face de todo constrangimento imposto pela vontade de outro, já que todos os demais direitos, incluindo o direito à igualdade, estão compreendidos nele.

A partir destas configurações de direitos, surgem os direitos de primeira geração[3], representando os direitos civis e políticos, que postulavam uma actividade negativa por parte do Estado, no sentido de que não deve violar o cunho individual destes direitos. Segundo Bonavides, os direitos fundamentais de primeira geração são: os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional (BONAVIDES, 2000, p. 516).

Este paradigma dos direitos fundamentais perdurou até o início do século XX (SILVA, 1999, p. 161), posto que, a partir destes, foram surgindo novos direitos fundamentais, pois, aparecem então novos modelos de constituições, que primavam não só pela protecção individual dos indivíduos, mas também por direitos sujeitos à prestações, denominados de direitos de Segunda geração, ou seja, “os direitos sociais, culturais e económicos concernentes às relações de produção, ao trabalho, à educação, à cultura e à previdência.” (MALISKA, 2001, p. 39).

Nas suas Constituições, as sociedades consideradas modernas, começaram a prestigiar o surgimento de novos direitos, denominados de terceira geração (direitos ao desenvolvimento, à paz, à propriedade sobre o património comum, à comunicação e ao meio ambiente).[4]

Com a evolução científica e descoberta de factores biológicos, há que se falar em direitos de quarta geração, que prescrevem a globalização política, correspondendo uma verdadeira institucionalização do Estado social, deste modo, constituem direitos fundamentais de quarta geração, os direitos ligados ao património genético, tal como a liberdade de expressão de género e os vinculados aos avanços de engenharia genética. (BONAVIDES, 2000, p. 516)

Portanto, para se ter um conceito e idealizar uma Constituição, é mister que se entenda que os textos constitucionais são ou devem ser permeados pelos direitos fundamentais, adquirindo estes, lugar privilegiado nos ditames das Cartas Magnas. Os direitos fundamentais inicialmente, “assumem o carácter de direitos negativos, que importam uma restrição à acção do Estado para, posteriormente, assumirem uma postura activa, exigindo acções positivas do Estado.” (HUMENHUK, 2002).

 

3.      Um Olhar à Constituição Angolana

 

A actual Constituição da República de Angola, aprovada a 5 de Fevereiro de 2010, expressa formalmente a vontade de todos os cidadãos Angolanos, pese embora, materialmente nem todos se revejam nela. Uns consideram-na centralizada demais na figura do Presidente da Republica, outros defendem que a mesma, não abrange as diversas manifestações dos direitos e das liberdades fundamentais, sendo mesmo indiferente no que diz respeito a algumas questões essenciais para o exercício e efectivação do Estado democrático de Direito, como por exemplo, a situação jurídica das minorias sexuais.

                     No entanto, devemos reconhecer que a nossa Constituição tem um grande mérito no capítulo da defesa dos direitos humanos e no estabelecimento de limites a actuação dos órgãos responsáveis pela defesa, ordem pública e segurança do Estado. Um outro mérito do actual diploma constitucional é a afirmação do direito à liberdade de expressão e de informação, pois, todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações, conforme dispõe o nº 1 do artigo 40.º da CRA. No entanto, tal liberdade de expressão e de informação devem obedecer a limites próprios, como o direito de todos a um bom nome, a honra, a reputação, a imagem e a reserva da intimidade da vida privada e familiar, nos termos regulados pela legislação em vigor no nº 3 do artigo 40.º da CRA (DAMIÃO2010, p. 57).

Não obstante estes aspectos, a nosso ver, a CRA necessita urgentemente de uma revisão parcial, pois, alguns artigos pecam por insuficiência, outros por excesso e outros que deviam constar, mas não estão no texto, uma vez que têm também dignidade constitucional bastante para constar.

Tendo em conta que o artigo número 1.º da CRA, consagra que Angola é uma republica soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social. Este artigo, expressa perfeitamente o sentido e alcance da actual CRA, aprovada a 5 de Fevereiro de 2010.      

Devemos necessariamente recorrer a um princípio básico da filosofia, que é o da coerência ou da não contradição, segundo este, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Logo, se a sociedade pauta pela liberdade, então, pode um homem ou uma mulher revelar uma identidade de género diferente da comumente aceite?

A primeira questão que se coloca é saber se de facto, existe esta escolha ou trata-se apenas de orientação sexual. A realidade é que, as minorias sexuais existem e se escolhem ou não, devemos respeitar apenas.

Poderão dizer os conservadores que tal conduta ou escolha, ofende os bons costumes, valores sociais e culturais, mas surgirá indubitavelmente uma outra questão, a de se saber se o costume sobrepõe-se aos Direitos fundamentais, ou seja, pode ou deve um Direito Fundamental ser renegado em função do costume?

A este propósito, o artigo 7.º da CRA é bastante claro, quando reconhece a validade e a força jurídica do costume, contando que este não seja contrário à Constituição, nem atente contra a dignidade da pessoa humana. Mas, o que é atentar contra a dignidade da pessoa humana?

Para se entender o que é atentar contra a dignidade da pessoa humana, é fundamental compreendermos quem é a pessoa. Sobre a mesma, muito reflectiu-se ao longo da história do pensamento humano, tanto a nível da Psicologia, da Sociologia, do Direito, mas sobretudo, a nível da filosofia.

Uma das mais célebres definições de pessoa foi-nos apresentada por Severino Boécio, segundo este (apud MONDIM, 2003, p. 292), “a pessoa é uma substância individual de natureza racional.”

Este individuo racional da espécie humana (pessoa), segundo o personalista francês, Emmanuel Mounier, é um ser integralmente corpo e integralmente espírito, é um ser de comunicação, que aprende a ser e cresce na relação com os outros, um ser subjectivo, singular, um ser livre (MOUNIER, [s.d.], pp. 39-123). Como ele mesmo alega, “a liberdade é a afirmação da pessoa [...]”(MOUNIER, [s.d.], p.11).

Portanto, o atentado contra a dignidade da pessoa humana, consiste no desrespeito, na desvalorização do corpo, do espírito, da singularidade, da liberdade e de todos elementos inerentes à pessoa humana. Assim, a intolerância para com as pessoas que revelam uma expressão de género diferente daquela esperada pela sociedade em função do seu sexo biológico, configura um atentado contra a dignidade da pessoa humana.

Volvendo a nossa atenção ao art. 35.º da CRA, que estabelece que as famílias são apenas constituídas entre homem e mulher. Encontramos, não obstante a nossa realidade cultural, uma situação que clama por pronunciamento do legislador, pois, nos parece haver aqui uma exclusão e negação das famílias homoafetivas, o que é uma negação do direito fundamental à família e consequente violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 23.º da CRA, pois, estas famílias existem, são pessoas com dignidade imanente, sendo que no conteúdo dessa dignidade como na de todos as pessoas encontramos: liberdade, igualdade, autodeterminação… Pelo que pensamos haver uma evidente violação dos princípios da igualdade e liberdade.

Destarte, podemos constatar que um Estado é o reflexo de uma comunidade humana, imbuída de convicções, princípios, valores, dogmas, tabus e costumes regionais… Nesta linha de entendimento, podemos constatar que, fruto do que o povo acredita, valoriza e respeita, dá origem a uma codificação de normas, que por dizerem respeito a organização interna de uma sociedade, liberdades e garantias fundamentais, encontram respaldo em uma carta magna (constituição).         

É imprescindível que se compreenda que o poder constituinte, ao criar uma constituição, esta pode ser: derivada ou originária (Ex nova). Considera-se derivada, uma constituição que teve origem numa outra, ao passo que, por constituição originária, entende-se aquela que surge de uma manifestação do poder constituinte absolutamente nova, pois não tem nenhuma outra que lhe sirva de princípio ou fundamento, como é o caso da nossa actual da Constituição.

Sendo derivada ou originaria, o certo é que por inúmeras razões, as constituições, nunca conseguem abarcar a totalidade dos Direitos e liberdades fundamentais, bem como questões que merecem uma certa protecção ou referencia constitucional, dando lugar ao conceito de clausula aberta, por se tratar de questões que têm dignidade constitucional, pese embora não venham consagradas na constituição. Dentre os motivos, enunciaremos os seguintes: o primeiro, é de carácter antropológico, pois, o legislador que representa a vontade do povo, é um ser humano e como tal, susceptível a erros como referiu o Ex. Presidente da República de Angola, Eng.º José Eduardo dos Santos: Não existe, naturalmente, qualquer actividade humana isenta de erros e assumo que também os cometi, pois só deste modo os pudemos ultrapassar. O erro é parte integrante do nosso processo de aperfeiçoamento. Por isso se diz que aprendemos com os erros”[5]

Outro motivo, é a globalização e interacção inevitável com outras sociedades, que originam novos fenómenos que o legislador não podia contar aquando da feitura da constituição. Sendo que, as descobertas biológicas e a crescente interacção com outras sociedades tidas como mais abertas, vão fazendo com que, mesmo nos países considerados subdesenvolvidos, surjam situações que abram espaço a um novo paradigma dos direitos fundamentais, ou seja, vão nascendo ou sendo apenas descobertos direitos que estavam até então submersos em dogmas e preconceitos da ditadura da maioria.

Não obstante a estes factores, é imperioso procurar actualizar o actual diploma constitucional, de modos a que este possa dar resposta aos novos desafios.

 

Conclusão

 

As minorias sexuais são pessoas normais, não obstante, terem uma orientação sexual diferente da que a sociedade julga como normal, por isso, possuem igualmente direitos e deveres como todos os outros cidadãos. Portanto, não devem ser discriminados nem sequer sofrer qualquer outro tipo de violação dos seu direito em função da não aceitação da sua orientação sexual por parte de outrem. Pois, O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, ou seja, um direito individual básico que se fundamenta na dignidade da pessoa humana, e foi juridicamente consagrado pela primeira vez, no Virgínia Bill of Rights, a 12 de Junho de 1776 (art. 1.º), aperfeiçoado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (art.1.º), admitidos pela Convenção Nacional em 1793 (arts. 1.º e 2.º), dedicado na Declaração Universal dos Direitos do Homem pelas Nações Unidas em 1948 (arts. 2.º e 7.º), e também constitucionalmente consagrado no art. 18.º da Lei Constitucional da República Popular de Angola, (Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975). E ainda hoje, faz parte do texto constitucional no artigo 23.º. Aqui é manifestada a influência de uma visão jusnaturalista: Os direitos naturais têm valor universal e permanente, “todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.”

Destarte, pensamos que o Estado Angolano deve necessariamente realizar uma revisão constitucional, inserindo no capítulo dos direitos e liberdades fundamentais um artigo que consagre a liberdade de expressão de género e como consequência lógica, que em função do previsto no novo Código Penal, no seu artigo 214.º, se efective a responsabilização criminal em casos de descriminação em função da orientação sexual. Pois, uma sociedade livre e justa, deve olhar para as diversas manifestações dos direitos fundamentais, que são direitos que integram o estatuto jurídico-material básico do homem e do cidadão. Sendo que estes, são direitos do homem enquanto pessoa. Pois, não se tratam por isso, de direitos concedidos ou outorgados pelo Estado (de meras tolerâncias deste), mas sim, de direitos que limitam a sua soberania. Definem deste modo, um estatuto indisponível, que o Estado e cada indivíduo deve respeitar.

 

Bibliografia Consultada

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CORREIA, Adérito; SOUSA, Bornito. História Constitucional de Angola, Coimbra: Almedina, 1996. 

Damião, João. Conheça a constituição da Republica de Angola: contributos para a sua compreensão. Luanda: Casa das ideias, 2010.

Discurso de abertura do VIº Congresso Extraordinário do MPLA, proferido por José Eduardo dos Santos, na qualidade de Presidente do MPLA. Disponível em: www.mpla.ao. Acesso em: 11 de Set. 2018.

MALISKA, M. A. O Direito à Educação e a constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001

MEDINA, Maria do Carmo. Direito de Família. Luanda: Faculdade de Direito, 2001. 

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4ª ed. Tomo I e II, Coimbra editora, 1997       

MONDIN, Battista. O homem que é ele? elementos de antropologia filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. 11. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

 

MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. Tradução de João Benard da Costa. Brasil: Martins Fontes, [s.d.].

VAN-DÚNEM, Nicolau Sampaio. O Principio Constitucional da Igualdade em Angola. (Dissertação de Mestrado em Direito-Ciências Jurídico-políticas), 2016.

RAMPAZZO, Lino. Metodologia científica: para alunos dos cursos de graduação e pós-graduação. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015.

 

Rawls, Jonh. A Lei dos Povos. Tradução de Luís Castro Gomes. Edição Quarteto

REPÚBLICA DE ANGOLA. Constituição. Luanda: Imprensa Nacional, 2010.

 

SEBASTIÃO, Paula (Ed.).Guia prático de direitos à luz da legislaçao Angolana. [S.l.]: Arquivo de identidade Angolano (AIA), 2019.

SEBASTIAO, Paula. Onde Andam As Mulheres LBTIQ?. In: CUTAIA, Sizaltina, QUITOMBE, Cecília; GAVIÃO, Isabel; et al. (Ed.).  TUBA: Políticas Públicas: do discurso à acção. 3. ed. [S.l.]: Onjango Feminista, 2019.

SILVA, J. A. Curso de Direito Constitucional positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

 

 

 

 

[1] Por razões metodológicas e delimitação investigava, este trabalho não aborda os conceitos de intersexo e queer, deixados para os próximos trabalhos, após obtenção de mais informações de cariz científico

[2]A sigla HSH refere-se aos homens que fazem sexo com outros homem, sem necessariamente se identificarem como gays ou bissexuais.

 

 

[3] Escreve o Prof. Bonavides, que é preciso “dirimir um eventual inequívoco de linguagem: o vocábulo ‘dimensão’ substitui com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e a fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo o ápice é o direito à democracia; coroamento daquela.

 

[4] A figura dos direitos de terceira geração foi introduzida na literatura cada vez mais ampla sobre os “novos direitos”. No artigo “Sobre La evolución contemporânea de la teoria de los derechos del hombre”, Jean Rivera inclui entre esses direitos os direitos de solidariedade, o direito ao desenvolvimento, à paz.

[5] Extraído do discurso de abertura do VIº congresso extraordinário do MPLA, proferido por José Eduardo dos Santos, na qualidade de Presidente do MPLA.

 

 

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