AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS SUCESSÓRIAS DE UM NASCIMENTO POST MORTEM MEDIANTE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA

Por Larissa de Jesus Lima Araújo | 22/06/2018 | Direito

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS SUCESSÓRIAS DE UM NASCIMENTO POST MORTEM MEDIANTE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA

 

Larissa de Jesus Lima Araújo[1]

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Considerações acerca dos direitos sucessórios; 2.1 Conceito de Direito das Sucessões; 2.2 Espécie de Sucessão; 2.3Tipos de Sucessores; 3 Reprodução Assistida; 3.1 Inseminação Artificial Homóloga; 3.2 Direito de Família através da inseminação artificial; 4 Da inseminação artificial homóloga post mortem e o direito sucessório; 4.1 Embriões excedentes; 4.2 Conseqüências jurídicas da utilização de embriões excedentes; 5 Considerações Finais; Referências

 

RESUMO

O projeto explicitado tem como objetivo analisar a possibilidade de o concebido gerado através de inseminação artificial homóloga post mortem ter direitos sucessórios. Pretende-se demonstrar que atualmente há uma divergência doutrinaria acerca da possibilidade do concebido ser sucessor ou não, inclusive, caso for possível, o mesmo poderá ser somente sucessor testamentário, não podendo ser sucessor legitimo. Irá abordar o direito sucessório no ordenamento jurídico vigente, desde seus conceitos, espécies de sucessões e os tipos de sucessores. Analisa-se também o conceito e as espécies de reprodução assistida, juntamente com a inseminação artificial homóloga post mortem. A metodologia abordada na pesquisa é de cunho bibliográfico e jurisprudencial. Ao final do presente trabalho, constatou-se que deve haver dispositivos que regulamentem a matéria sob a face de acompanhar as inovações da Medicina, caso contrario não haver uma pacificação doutrinaria e jurisprudencial, uma vez que na falta de legislação, cada caso será decidido como determinar o julgador.

PALAVRAS-CHAVE: Nascimento post mortem. Inseminação. Genitor. Sucessão.

  1. INTRODUÇÃO

      A evolução da ciência ao longo dos anos possibilitou diversos instrumentos inovadores para a sociedade, em especial o da reprodução assistida. Analisar a inseminação artificial homóloga post mortem e suas implicações jurídicas sucessórias, principalmente, ou seja, enfatizando a possibilidade de quem for concebido pela inseminação artificial homóloga, após a morte de o genitor ser considerado sucessor deste.

Existem várias técnicas de reprodução artificial, dentre elas a inseminação artificial homóloga. Tal técnica é necessária para casais que apresentem algum problema de infertilidade, causado pela incapacidade de engravidar, seja pela infertilidade ou esterilidade. 

            Entretanto, no que tange a filiação não há que se falar em atrito, uma vez que existe uma coincidência entre os pais registrais e os biológicos. No entanto, quanto o aspecto sucessório surge à controvérsia na doutrina e na jurisprudência perante a falta de legislação que abarque determinado aspecto, pois de um lado entendem que o concebido post mortem é sucessor testamentário, em contrapartida, uns entendem que deve ser sucessor legitimo, e por conseguinte, a quem entenda que o concebido post mortem não deverá sequer suceder.

     Deste modo, a legislação brasileira, infelizmente, não acompanhou a evolução da medicina, provocando discussões e divergências, implicando controvérsias no campo dos direitos sucessórios com a inseminação artificial homóloga post mortem.

  1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO

 

  1. Conceito de Direito das Sucessões

 

Direito das sucessões é um conjunto de princípios que disciplinam transmissão de patrimônio de uma pessoa que morreu a seus sucessores, através da lei ou testamento. Isso significa que, o Código Civil estabelece uma parte especial que regula a destinação do patrimônio de uma pessoa depois de sua morte.

De acordo com Rodrigues (2002, p.3):

O direito das sucessões se apresenta como um conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu ao seus sucessores. Usa-se a palavra patrimônio, uma vez de referir-se à transmissão de bens e valores, porque a sucessão hereditária envolve a passagem, para o sucessor, tanto do ativo como do passivo do defunto.

 

Diante do conceito posto, entende-se que o direito das sucessões é aquele que se preocupa em regular as transmissões de bens resultante da morte.

Conforme Leite (2004, p. 24) “quando se fala em direito das sucessões, está se priorizando a transmissão em decorrência da morte”. a sucessão pressupõe a morte real ou presumida da pessoa natural. Assim, constata-se que tem que ocorrer a morte real ou presumida para que seja possível a abertura da sucessão. Além desse requisito, tem que ser observada a existência de outros dois pressupostos extremamente relevantes: a existência de herdeiro e patrimônio, pois sem eles a sucessão não se concretizará.

Esta regulamentado no artigo 1.784 do Código Civil, logo de imediato, após a abertura da sucessão, a herança é transmitida aos herdeiros. Consoante Dias (2008, p. 97), o termo ‘aberta a sucessão’ representa “o momento da morte de alguém e o nascimento do direito de seus herdeiros a seus bens.” Por ocasião da morte o patrimônio é transferido aos herdeiros, sem necessidade de qualquer tipo de formalidade. Isso decorre em razão do princípio da saisine, que nas palavras de Dias é “palavra de origem francesa que significa agarrar, prender, apoderar-se.” (2008, p. 101).

Assim, não são necessárias formalidades para que ocorra a transmissão da herança aos herdeiros, pois segundo o princípio da saisine a transmissão ocorre automaticamente como advento da morte.

 

  1. Espécies de Sucessão

 

A sucessão pressupõe a continuação da relação jurídica. Os herdeiros não têm a obrigação de arcar as dívidas do falecido com o seu próprio patrimônio. Por isso que primeiramente, quitam-se as dívidas do falecido para somente depois fazer a partilha se restarem ainda bens para isso. Existem três tipos de sucessão: legítima testamentária ou mista.

Conforme Dias (2008, p.112), “a legitimidade para suceder é regida pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão.” Os herdeiros legítimos são aqueles que compõem a ordem de vocação hereditária. A ordem de vocação hereditária está estabelecida no artigo 1. 829 do CC e respeita o seguinte critério: descendentes; ascendentes; cônjuge sobrevivente; colaterais. Isso significa que, a sucessão legítima, portanto, é decorrente de uma determinação legal.

No que tange a sucessão testamentária, ocorre quando a transmissão dos bens do falecido se opera por um ato de ultima vontade, sob formalidades a ser seguidas, ou seja, é u ato solene exigido por lei e que seja materializado através do testamento ou codicilo.

Quando se tratar de sucessão legítima deve-se tratar sobre o testamento, que segundo o CC é um ato personalíssimo e revogável de disposição da totalidade ou parte dos bens para depois da morte. Já o codicilo refere-se a ultima vontade do testador que recai sobre bens de pequeno valor ou recomendações para serem atendidas ou cumpridas após o falecimento. Como observa Maria Helena Diniz (2009, p. 1309):

“(...) é o ato personalíssimo unilateral, gratuito, solene e revogável, pelo qual alguém, segundo a norma jurídica, dispõe, no todo ou em parte, de seu patrimônio para depois da morte, ou determinadas providências de caráter pessoal ou familiar”.

 

Assim, o testamento é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens, no todo ou em parte, ou faz determinações não patrimoniais, para depois de sua morte. Os efeitos obrigacionais e reais das disposições testamentárias não se produzem antes do falecimento do seu autor, uma vez que o testamento só terá validade após o falecimento do de cujos

Sendo ato de última vontade, o testamento só tem validade após o falecimento do de cujus, que já fora mencionado anteriormente, fazendo-se necessário, porém, ser feito por pessoa capaz de dispor dos seus bens para depois da morte e para pessoa capaz de receber os bens, deverá ser feita a declaração de vontade na forma exigida em lei e observando os limites ao poder de dispor. Frisando-se, que a sucessão testamentária só pode acontecer a título universal, instituindo um herdeiro, ou a titulo singular, quando for estabelecido um legatário. (RODRIGUES, 2002, p. 145)

Por fim, tem-se a sucessão mista, que ocorre quando abarca, simultaneamente, a sucessão legitima e a testamentária. Esta se encontra regulamentada no art. 1.788 e na segunda parte do art. 1966 do CC, que acontece quando o testamento não abarca a totalidade dos bens do falecido ou parte do patrimônio não mencionado no ato de ultima vontade ao herdeiro legítimo na ordem de vocação hereditária.

 

  1. Capacidade Testamentária

O patrimônio deixado por um indivíduo por ocasião de seu falecimento é transferido a seus herdeiros pela sucessão legítima ou pela sucessão testamentária. Para que haja a legitimação sucessória tem que ser preenchidos alguns requisitos: tem de haver uma herança, o herdeiro tem que ter capacidade para herdar e ocorrer à morte do parente.

Como se infere do artigo 1.798 do Código Civil: “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, isto é, no momento da abertura da sucessão o herdeiro deve possuir capacidade para suceder. Que nas palavras de Venosa (2001, p. 60) é “aptidão para se tornar herdeiro ou legatário numa determinada herança.” Já na opinião de Dias (2008, p. 112), “não só à pessoa nascida e ao nascituro é assegurado direito sucessório. A pessoa ainda não concebida tem legitimidade para ser herdeiro testamentário.” Essas pessoas ainda não concebidas, mas que têm legitimidade para herdar são chamadas de ‘prole eventual’ ou ‘filiação eventual. A própria autora continua acerca do assunto afirmando que:

O nascituro tem legitimidade para suceder, tanto como herdeiro legítimo quanto herdeiro testamentário [...]. Porém, os filhos não concebidos só podem ser beneficiados via testamento. Para isso o herdeiro deve provir de pessoa determinada. (2008, p. 323).

 

Para suceder é necessário o preenchimento de alguns requisitos: capacidade para herdar, existência de herança e a morte do parente. Para alguns doutrinadores, não só aos nascidos ou aos nascituros é garantido o direito sucessório, tendo em vista a possibilidade de nascimento de prole eventual, entretanto estes apenas poderão ser contemplados através de testamento. Diante do exposto, compreende-se que a legitimação sucessória ocorre quando o herdeiro preenche todos esses requisitos determinados pelo direito sucessório vigente na época do óbito do parente.

 

  1. REPRODUÇÃO ASSISTIDA

 

  1. Inseminação Artificial Homóloga

 

O Direito de Família vive em constante adaptação às mudanças dos costumes da sociedade em um determinado período. Entre esses avanços da biotecnologia surge à implementação das técnicas de reprodução medicamente assistidas. Essas técnicas estão auxiliando casais com dificuldades ou impossibilidade de procriação a terem filhos que antes parecia impossível. Assim, os avanços tecnológicos atuais possibilitaram a reprodução desvinculada do ato sexual.

A inseminação artificial homóloga, que é assunto em questão, é aquela que é proveniente do material genético dos próprios cônjuges interessados em ter filhos. Ela é realizada com o sêmen do próprio marido ou companheiro da mulher que fica grávida. Scaparo (1991, p.10), lecionando sobre o tema, assim define:

A técnica de inseminação artificial homóloga consiste em ser a mulher inseminada com o esperma do marido ou companheiro previamente colhido através da masturbação. O líquido seminal é injetado pelo médico, na cavidade uterina ou no canal cervical da mulher, na época em que o óvulo se encontra apto a ser utilizado. Entre as indicações para a inseminação artificial homóloga, destacam-se: a incompatibilidade ou a hostilidade do muco cervical; a oligospermia, quando é baixo o número ou reduzida a motilidade dos espermatozóides; e a retroejaculação, quando embora a taxa de espermatozóides seja normal, eles ficam retidos na bexiga, ao contrário do que ocorre na ejaculação normal.

 

Quando a esposa ou companheira é inseminada após a morte do marido, a inseminação artificial homóloga é chamada de post mortem. No que tange a esse tipo de inseminação, é importante ressaltar o principio da dignidade da pessoa humana dentre outros a fim de justificar a possibilidade da utilização desse método dentro do ordenamento jurídico, ante a ausência de legislação específica.

 

  1. Direito de Família através da inseminação

 

Com o avanço da medicina e as técnicas de reprodução assistida, mudanças consideráveis surgiram no seio da estrutura familiar. Por seu turno, o ordenamento jurídico deve que se adequar aos novos modelos da sociedade contemporânea.

Diante desses avanços é de suma importância abordar o direito a filiação, que atualmente não há distinção entre os filhos, seja qual for a natureza de relacionamento dos pais. O direito de reconhecimento do estado de filiação, segundo o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é imprescritível. É personalíssimo, pois somente o filho, mesmo que representado ou assistido, pode exercer; é indisponível, pois é direito que não pode ser renunciado e é imprescritível, pois pode ser exercido a qualquer momento.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Direito de Família passou por grandes mudanças, pois antes os filhos eram divididos em legítimos, quando os pais eram casados, ou adulterinos, quando provenientes de relacionamentos extraconjugais, hoje tais diferenças não podem mais existir (DIAS, 2008). Com isso, com o surgimento das técnicas de reprodução medicamente assistida, a disciplina de filiação sofreu nova alteração. E como efeito disso, surgiu o art. 1597 do CC que assim estabelece: ”Art. 1.597- Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III - Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.”

No caso, entretanto, da inseminação artificial homóloga, o material genético provém do marido ou do companheiro da mulher fecundada. Assim, a paternidade além de jurídica, também é biológica. O dispositivo acima referido faz ressalva, deixando claro que se presume concebido na constância do casamento o filho havido por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. Trata-se da inseminação artificial post mortem que trás dúvidas relativas ao direito sucessório que será tratado posteriormente.

No que dizem respeito aos alimentos, os filhos concebidos pelas técnicas de reprodução medicamente assistidas devem ser considerados de maneira igual aos provenientes da concepção natural, visto que atualmente a Constituição proíbe expressamente qualquer tipo de discriminação existente entre os filhos, como visto anteriormente.

Deste modo, esses filhos terão direito aos alimentos necessários para atender às suas necessidades fundamentais, havendo a possibilidade, inclusive, pelo art. 1700 do CC de essa obrigação ser transmitida aos herdeiros do devedor. Logo, por serem todos os filhos iguais perante a lei, todos devem ter o direito a receber alimentos dos pais, parentes ou dos herdeiros quando for o caso.

Varela (2006, online), ao lecionar sobre o tema, assim comenta:

Assim, sendo, constata-se que uma vez estabelecido o parentesco dos filhos gerados através das técnicas de Reprodução Humana Assistida, estes terão todos os direitos inerentes ao estado de filho, inclusive a adoção do patronímico materno e paterno, tendo-se em vista que a paternidade nos casos dos filhos gerados com as técnicas heteróloga, por exemplo, será presumida, o que em nada interferirá na posse deste estado, já que os pais devem ter consentido na utilização da técnica.

 

Logo, no tocante ao Direito de Família, a inseminação artificial homóloga post mortem não traz problema algum, pois como o material genético que decorre do próprio casal que se submeteu a inseminação, pais serão aqueles que geraram a criança.

 

4 Da inseminação artificial homóloga post mortem e o direito sucessório

4.1Embriões excedentes

            Com análise da possibilidade de reprodução assistida como já explicado, devido a infertilidade, vem uma dúvida que recai sobre o direito: o que fazer com os embriões excepcionários e sua conseqüência jurídica de utilização post mortem.

            Nos casos de fertilização in vitro, há grande incerteza sobre a viabilidade de cada embrião concebido, vários óvulos são fecundados para ser analisado qual dentre estes deverão ser implantados no útero. Assim, faz-se necessário explicar que no ato da coleta de material genético, este será retirado em uma proporção bem maior a sua utilização, ou seja, existirá material que não será utilizado e, por tanto, sobrará. Estes embriões são chamados de “embriões excedentes”, ou como Tânia Salem (2007, p.76) cita como “embriões órfãos”, assim “o que está em pauta é o embrião fertilizado e ‘criado’ em laboratório, capaz de sobreviver em estado suspenso de animação (isto é congelado) por tempo indefinido fora do corpo da mulher”.

            Questão ao crescimento da economia de clinicas especializada para realizar a manutenção do congelamento desse material genético é preocupante para alguns autores, pois há a informação de quanto maior quantidade desse material ser guardado, maior será a probabilidade de a mulher ter sucesso na gestação.  Alguns autores, como William Pussi (2005, p.287) afirma que “não se pode olvidar que os bancos de embrião, verdadeiros orfanatos de nascituros, surgem em decorrência da fertilização in vitro, sendo em verdade um problema, não uma solução” (PUSSI, 2005, p. 287). Em tese, situações não programadas no relacionamento como morte, separação, desistência de engravidar e etc, geram falta de interesse do casal em utilizar aquele material genético que fora congelado. Estes são exemplos de motivos para o conceito de “embriões excedentes”. O que fazer com estes embriões que não foram até então utilizados?

            No Brasil há milhares de embriões congelados em laboratórios, aguardando alguma destinação.

            O Conselho Federal de Medicina editou uma resolução em 1992 de nº 1.358. Esta resolução prevê a proibição ao descarte do material genético, disciplinando que "o número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído." [grifo nosso]. Contudo, a resolução do CFM não possui força de Lei.

             Já a Lei Federal de nº 11.105/05, intitulada como Lei de Biossegurança, em seu art. 5º apresenta que é “permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições”: inviáveis ou embriões que estejam congelados há 3 anos ou mais. Assim, não há qualquer permissão ou vedação para o descarte dos embriões, diga-se então, neste caso, dos embriões excedentes.

            Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn 3510 julgou constitucional a Lei de Biossegurança, permitindo a possibilidade de utilização de células troncos para fins altruísticos, como por exemplo o de pesquisa.

            Dessa forma, entende-se que não há proibição legal para o descarte do material genético, embriões. Também, por meio lógico, entende-se que os embriões possam ficar congelados por tempo indeterminado em laboratórios especializados em reprodução assistida.  Assim, o material genético poderá ser utilizado a qualquer tempo pelo casal que decidiu utilizar o método de reprodução assistida. Mas quais seriam as conseqüências de utilizar esse material genético do cônjuge já falecido? Veremos no próximo tópico.

 

4.2 Conseqüências jurídicas da utilização de embriões excedentes

            Como já abordado em tópicos anteriores, não há de se falar em discussão acerca de ser legítima a filiação do filho concebido por inseminação artificial, possuindo respaldo jurídico e biológico, mesmo depois de falecido o cônjuge, como diz o Código Civil: “Art. 1.597- Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III - Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”.

            Moreira Filho (2002) esclarece que “se com a morte do de cujus o embrião, em cuja fertilização consentiu, já estiver implantado no útero feminino, não há dúvidas de que a filiação lhe será assegurada, bem como o direito à herança”.

            Na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, fora aprovado os enunciados nsº 105, 106 e 107:

105 – Art. 1.597: As expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597 deverão ser interpretadas como “técnica de reprodução assistida”.

106 – Art. 1.597, inc. III: Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.

107 – Art. 1.597, IV: Finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.

 

            Assim, conforme os enunciados supracitados, a inseminação artificial que consta no art. 1.597 do CC deverão ser interpretada como técnica de reprodução assistida. Além disso, o CC garante a presunção de paternidade em casos de inseminação artificial homóloga post mortem, contudo há uma ressalva: há necessidade de autorização expressa, escrita, do marido para que se possa utilizar o material genético – ato de expressa vontade. Essa autorização escrita deverá ser contemplada também para a utilização dos embriões excedentes. Tal atitude visa garantir a segurança jurídica, haja vista que sua implicação resvala em todo o direito sucessório, interferindo diretamente no patrimônio que fora deixado pelo cônjuge falecido. Assim, tão somente por isto, somente poderá ser utilizado estes embriões excedentes por cônjuges ou companheiros, haja vista interferir no direito sucessório.

            Por isso, não haveria lógica haver uma Lei que pudesse limitar demais a utilização do material genético do cônjuge falecido, depois de expressa vontade e consentimento?

            Segundo Maria Berenice Dias (2008, p.123), explica que:

Na concepção homóloga [grifo da autora], não se pode simplesmente reconhecer que a morte opere a revogação do consentimento e impõe a destruição do material genético que se encontra armazenado. O projeto parental iniciou-se durante a vida, o que legaliza e legitima a inseminação post mortem. A norma constitucional que consagra a igualdade de filiação não traz qualquer exceção. Assim, presume-se a paternidade do filho biológico concebido depois do falecimento de um dos genitores. Ao nascer, ocupa a primeira classe dos herdeiros necessários. [grifo nosso].

            Passando-se por esta explicação, pularemos para outro nível da discussão: os efeitos sucessórios para filhos post mortem. No que tange a herança, a princípio, estaremos numa situação atípica pela falta de regulamentação. O Código Civil de 2002 , em seu art. 1.799 disciplina que serão chamados para suceder: os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador, que segundo leitura do CC precisam estar vivas ao abrir-se a sucessão; as pessoas jurídicas que sejam instituídas pelo testador na forma de fundação. Assim, percebe-se que há possibilidade do filho nascido post mortem herdar, desde que haja forma expressa, como por exemplo, em testamento, contendo a indicação de quem será a sua progenitora.  

           

            A Constituição de 1988 instituiu igualdade entre os filhos, jurídica e biológica. Não poderá haver discriminação com uma criança concebida de inseminação artificial. Assim, o direito de herdar é o mesmo daqueles outros filhos, independente de sua forma de concepção. Por isso, a criança proveniente deste procedimento não poderá ser tolida aos direito inerentes a sua especialidade como filho, mesmo que não haja previsão de lei especifica acerca do assunto. Usar-se-á a Carta Magna como preceito para efetivação destes direitos, como a igualdade entre os filhos, além de englobar o direito constitucional a herança (art. 5º, XXX, CF).

            É necessário que a interpretação do art. 1.798 deva ser interpretada de forma extensiva, na finalidade de abranger os sujeitos ainda não concebidos, pois o legislador do Código Civil de 2002 apenas operou em repetir o que determinava o Código de 1916 – muito recorrente nos textos do atual CC –, havendo impossibilidade à época de alguém conceber um filho de um sujeito já morto. Já entendendo a possibilidade de herdar em casos co morte do de cujus  e a concepção já implanta no útero, é assegurada a filiação. Segundo Giselda Hironaka (2007) não existem dúvidas quanto ao direito sucessório do embrião excedente, entendendo que a doutrina ampliou o entendimento do conceito de nascituro para além dos limites da concepção in vivo, abrangendo também a concepção in vitro. Afirma a autora que:

Tal ampliação se deu exatamente por causa das inovações biotecnológicas que possibilitam a fertilização fora do corpo humano, de modo que nascituro, agora, permanece sendo o ser concebido embora ainda não nascido, mas sem que faça qualquer diferença o locus da concepção.

 

            Sobre o direito constitucional a herança (art. 5º, XXX, CF), Douglas Freitas (2008) afirma o garantismo constitucional, não excluindo do direito de sucessão legítima em casos de filhos concebidos post mortem, salvaguardando direito da prole. Assim entende que:

Independente de ter havido ou não testamento, sendo detectada no inventário a possibilidade de ser utilizado material genético do autor da herança (já que sua vontade ficara registrada no banco de sêmen), no intuito de evitar futuro litígio ou prejuízo ao direito constitucional de herança, há de ser reservados os bens desta prole eventual sob pena de ao ser realizado o procedimento, vier o herdeiro nascido depois, pleitear, por petição de herança, seu quinhão hereditário, como se fosse um filho reconhecido por posterior ação de investigação de paternidade. [grifo nosso]

 

                Dessa forma, entende o autor que mesmo não havendo testamento, havendo probabilidade de ser utilizado material genético do autor da herança, deverá ser reservados bens para esta eventual prole, sob o fundamento de evitar prejuízos ao direito constitucional de herança. Tal procedimento evita a lide posterior do nascido depois, pleiteando sua parte na herança, como o caso de um reconhecimento posterior de paternidade.

                Gabriella Rigo (2009) compartilha, também, do direito daquele não concebido ao momento do testamento, relatando que:

Se não houvesse o sonho da paternidade, qual seria o motivo para um homem deixar seu sêmen congelado em um centro de reprodução humana medicamente assistida? O depósito do material é o autêntico consentimento do falecido para tal procriação. Caso tenha o anseio de ser pai um dia, mas está casado com uma mulher que não é a pessoa que deseja para ser mãe de seus filhos, o homem que deixar seu esperma em um banco de sêmen deve ter o cuidado de deixar expressa proibição de utilização de seu material após a ocasião de sua morte. Assim, não havendo nenhuma proibição expressa por parte do homem que depositou o sêmen no centro de reprodução humana, não há porque negar qualquer direito a criança concebida post mortem mediante inseminação artificial homóloga.

 

               

            Albuquerque Filho (2007, p. 6-7), apud Camila Leitão (2011, p.51) discorre sobre o tema alegando que:

Não se pode excluir da participação nas repercussões jurídicas, no âmbito do direito de família e no direito das sucessões, aquele que foi engendrado com intervenção médica ocorrida após o falecimento do autor da sucessão, ao argumento de que tal solução prejudicaria ou excluiria o direito dos outros herdeiros já existentes ou pelo menos concebidos no momento da abertura da sucessão. Além disso, não devem prevalecer as assertivas que privilegiam a suposta segurança no processo sucessório.

           

Complementando com o exemplo (2007, p.6-7),:

Se o falecido não tinha filhos, deixando somente cônjuge sobrevivente e ascendentes do primeiro grau, pai e mãe vivos, a herança seria partida em três quotas iguais, nos termos dos artigos 1836 e 1837, ambos do Código Civil. No entanto, havendo ação de investigação de paternidade post mortem julgada procedente, restariam excluídos da sucessão os ascendentes, enquanto o cônjuge, a depender do regime de bens (art. 1829 inciso I do CC), poderia ou não concorrer com o descendente reconhecido judicialmente. Verifica-se que tal fato, existência de filho não reconhecido, modificaria substancialmente a vocação hereditária, donde se conclui que a segurança no procedimento sucessório é sempre relativa. Nessa hipótese não se vai discutir se o autor da herança desejou ter o filho, manifestou inequivocadamente a sua vontade; o simples fato da criança existir e uma  vez comprovada a relação de parentesco, já seria suficiente para fazer inserir, na ordem de vocação hereditária, um herdeiro legítimo, da classe dos descendentes, de primeiro grau, na condição de filho, com direito à sucessão. Ainda que se trate de uma relação instável, passageira, não desejada, o filho assim gerado terá direito de ser reconhecido, voluntária ou judicialmente, não se discutindo juridicamente acerca de possíveis distúrbios psicológicos graves em relação à criança; ao contrário, a impossibilidade do seu reconhecimento certamente lhe causaria maiores perturbações e prejuízos.

 

            Dessarte, entende-se as lacunas da lei podem ser supridas até pela Declaração Universal dos Direitos do homem, que pelo Pacto de São José da Costa Rica (Brasil é signatário) compreende a pactuar pela não discriminação do filho quanto a sua filiação. Assim, estaríamos entre dois direitos fundamentais: 1 – o direito a dignidade da pessoa humana e filiação (da viúva e do filho nascido de inseminação artificial após morte do pai),  2 – direito a segurança jurídica (dos demais herdeiros que foram concebidos antes da morte do pai). 

 

 

5 Considerações Finais

 

     A hipótese cabível ao caso e, conseqüentemente a solução para tal, seria recorrer à Carta Magna juntamente com os princípios basilares para resolver possíveis questões aos direitos individuais e coletivos, salvaguardando direito do sujeito de direito poderá nascer e herdar bens e patrimônios de seu genitor.

Realizar a ponderação dos direitos fundamentais em questão também é uma solução, possuindo objetivo de efetivar o resultado mais justo às partes. A LINDB, no seu artigo 4º retrata que quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com analogias, costumes e princípios gerais do direito.

     Portanto, a jurisprudência deve continuar como vem sendo feito no Brasil: aplicar direitos de herdeiros legítimos aos futuros filhos concebidos de inseminação artificial homóloga post mortem, que obedeceram aos requisitos legais para sua realização, ou seja, aqueles casos que não foram esvaídos de vícios.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti. Fecundação Artificial post mortem e o Direito Sucessório.

 

BRASIL, Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.358/1992. Adota normas éticas para utilização das técnicas de reprodução assistida. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 nov.1992, Seção I, p.16053.

 

______. Estatuto da criança e do adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002.

______. Lei de Biossegurança. Lei 11.105, de 24 de março de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 mar. 2005.

_______. Código Civil. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Casa Civil: Brasília, 2002.

 

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[1] Aluna do 6º período noturno, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;

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