AS ESPECIFICIDADES DA EXECUÇÃO DE PEQUENO VALOR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
Por ANA MARINA SOEIRO PEREIRA - FRANCYANE SOUZA FERNANDES DOS SANTOS | 20/01/2016 | DireitoAUTORAS:
ANA MARINA SOEIRO PEREIRA
FRANCYANE SOUZA FERNANDES DOS SANTOS
AS ESPECIFICIDADES DA EXECUÇÃO DE PEQUENO VALOR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
INTRODUÇÃO
A execução em face da Fazenda Pública e a requisição de pequeno valor constituem um estudo bastante provocador e complexo. Trata-se de um tema formado historicamente no processo civil brasileiro, e que encontra normatização em texto constitucional e infraconstitucional. O termo Fazenda Pública sempre foi empregado para designar situações que dizem respeito ao poder público. Atualmente, a nomenclatura continua sendo amplamente empregada, sendo que a Fazenda Pública possui especificações quanto aos ditames processuais, que acabam sendo distintos dos outros regimes jurídicos processuais por gozar de prerrogativas, prazos, procedimentos específicos, sendo que uma destas especificidades diz respeito à execução por quantia certa (SANTOS, 2010).
Este tipo de execução objetiva satisfazer o credor, quase sempre pela expropriação de bens. Entretanto, quando se trata de Fazenda Pública, essa execução possui regras próprias distintas da expropriação, já que os bens envolvidos no processo executório são inalienáveis e impenhoráveis, sendo adaptadas ao sistema de precatório. Neste contexto de débitos relacionados à Fazenda Pública, as dívidas de grande valor dar-se-ão por procedimento executivo comum, por requisição de pagamento e formação de título executivo judicial e extrajudicial (ASSIS, 2012). Por outro lado, todos os tipos de dívidas de pequeno valor serão tomados por procedimento especial instituído em lei infraconstitucional e com formação de título executivo judicial, sendo para isso dispensado o precatório, devendo o pagamento ser feito por requisição e em determinados casos até mesmo com o sequestro.
Observando a complexidade do assunto e sua importância não só jurídica, como também social, especialmente pelo aumento gradativo das demandas em face do poder público, vê-se a necessidade de um estudo adequado que relacione todas as questões abordadas pelo tema proposto, nessa perspectiva serão analisados de forma genérica os conceitos a cerca da Fazenda Pública, suas características, prerrogativas e composição, em seguida será realizado um estudo quanto a execução por quantia certa em face da Fazenda Pública levantando as características essenciais do processo de execução em si e as individualidades que este tipo apresenta. Serão ainda destacadas as concepções doutrinárias que permeiam o entendimento da requisição de pequeno valor e seu disciplinamento legal.E por fim, serão apontadas as similaridades e distinções no que tange à utilização do precatório, assim como a sua dispensa no caso da execução de pequeno valor.
1 NOÇÕES, ABRANGÊNCIA E PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA
De forma costumeira, o termo ‘Fazenda’ é empregado em relação a temas que envolvem o direito financeiro, a economia e até mesmo a administração, enfatizando situações de finanças, arrecadação, receitas e despesas. O uso da expressão Fazenda Pública para este fim é antigo e, historicamente, passou a significar a presença do ente público em juízo. O próprio Código de Processo Civil (CPC) de 1939 já utilizava este conjunto de palavras se referindo à inserção do poder público em questões processuais, restando a expressão mantida também no CPC de 1973 (BARROS, 2014).
É possível encontrar vários conceitos para Fazenda Pública, sendo todos estes significados pautados na mesma essência, pois consideram a Fazenda Pública pessoa jurídica, com personalidade pública, dotada de leis cogentes e encargos tributários ou previdenciários. DALLEFI e FUNES (2010, p. 01) enfatizam o conceito proposto pelo Dicionário Aurélio Século XXI, onde a Fazenda Pública é exposta como “o conjunto de bens patrimoniais, públicos ou privados, da União, Estado ou Município e dos seus órgãos arrecadadores, fiscalizadores, administrativos e distribuidores, erário do tesouro público”.
Barros (2014, p. 24) coloca que
Fazenda Pública é a expressão utilizada pela legislação para designar a presença em juízo de pessoa jurídica de direito público interno. Seu tratamento processual é distinto, pois goza de prerrogativas processuais, bem como há institutos processuais e procedimentos afetos apenas a si. Enfim, seu regime jurídico processual é próprio – este é o objeto de estudo do direito processual público.
Quanto à abrangência, tem-se que estarão abarcados pela expressão Fazenda Pública, como regra geral, as entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público, sendo assim a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias. Como o regime jurídico das fundações públicas ou instituídas pelo poder público é de direito público, são estas pessoas jurídicas de direito público e, como tal, também entram neste rol. Em síntese, a Fazenda Pública abrange entes políticos e entidades da Administração Indireta com personalidade jurídica de direito público, as autarquias e as fundações de direito público (BARROS, 2014; SILVA, 2010).
Em discussão sobre as fundações públicas, Barros (2014) complementa que sendo estas criadas pelo poder público, em regime de direito público e para prestação de atividade pública, estarão incluídas à definição de Fazenda Pública. Quando analisadas pelo direito administrativo, a personalidade jurídica das fundações de direito público é assemelhada à das autarquias e isso se dá ainda com as agências reguladoras e executivas que têm natureza jurídica de autarquia e, assim, são pessoas jurídicas de direito público.
Neste contexto, são excluídas deste rol a cerca da abrangência da Fazenda Pública as sociedades de economia mista e as empresas públicas. É sabido que ambas integram a Administração Pública Indireta. Entretanto, elas não apresentam natureza de pessoa jurídica direito público, mas sim de direito privado, como dispõe Cunha (2011). Assim sendo, estando submetidas ao regime jurídico das pessoas jurídicas de direito privado, as sociedades de economia mista e as empresas públicas não fazem parte da Fazenda Pública.
O regime de personalidade jurídica de direito privado destes entes está expressamente definido na própria Constituição Federal, em seu artigo 173, inciso II. Logo, restam-se excluídas apesar de serem criadas por lei e com recursos públicos. Desta forma, estas entidades estão afastadas das características e prerrogativas comumente atribuídas à Fazenda Pública, como, por exemplo, no que diz respeito à sujeição passiva em modalidade de execução específica, estando submetidas ao processo de execução comum (SILVA, 2010).
Cunha (2011) reitera que o conceito de Fazenda Pública abrange a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas, e acrescenta que integram este rol também as agências executivas ou reguladoras, consideradas autarquias especiais, e ainda as associações públicas constituídas na forma da Lei nº 11. 107/05, em razão da formação de consórcio público, pois possuem natureza de pessoa jurídica de direito público.
Cabe mencionar que têm natureza autárquica de um Conselho de Fiscalização, pois organizam e executam a inspeção do trabalho, com personalidade jurídica de direito público e autonomia administrativa, patrimonial e financeira (DALLEFI; FUNES, 2010).
A existência de prerrogativas processuais em face da Fazenda Pública é um tema discutido com certa veemência pelos doutrinadores processualistas. Para Parahyba e Viana (2008), a concessão de respaldos à Fazenda Pública pode promover um processo mais lento e prejudicial à efetividade da tutela judicial nos litígios envolvendo o poder público e, consequentemente, à garantia da efetividade processual. Por isso, faz-se necessário ponderar a necessidade deste tratamento processual diferenciado equilibrando o princípio da razoabilidade e os valores constitucionais, especialmente quando o que está em jogo são direitos fundamentais, a fim de que os conflitos sejam solucionados da melhor forma.
Em contrapartida, Lima (2009) afirma que os privilégios concedidos à Fazenda Pública quando em juízo objetivam não o protelamento, mas essencialmente a consecução do bem comum em defesa de direitos dos cidadãos como um todo, já que todos contribuem igualmente para o regular funcionamento estatal através do exercício de sua capacidade tributária. Estes apanágios se dão prioritariamente por conta dos princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público, pois, como frisado anteriormente, a Fazenda Pública se propõe a defender interesse da própria sociedade, pois de sua atividade depende o incremento das políticas públicas que alcançam a coletividade.
O princípio da isonomia entra neste contexto, estando previsto no processo civil no art. 125, I, do CPC. A isonomia atribui ao juiz o dever de tratar as partes igualmente no andamento do processo. Aqui, destaca-se que tal princípio se perfaz ainda pela igualdade proporcional, devendo-se tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Então, não existe inconstitucionalidade quando se dispõe prerrogativas à Fazenda Pública, pois esta, sendo promotora do interesse público, se diferencia completamente do particular.
Dallefi e Funes (2010, p. 05) resumem que
As prerrogativas concedidas para a Fazenda Pública advêm do princípio da Supremacia do Interesse Público e seus administrados são desenvolvidos pelo Estado em benefício da coletividade. Se agir em vista de algum interesse estatal imediato, seu fim último é voltado para o interesse público. Das prerrogativas da Fazenda podemos elencar: a) prazo diferenciado – artigo 188 do CPC; b) dispensa de pagamento de despesas de pagamente, e verba honorária – artigo 20 do CPC; c) em relação ao depósito Ação Rescisória – artigo 488 do CPC e; d) impenhorabilidade de seus bens – artigo 67 CC/02.
Um desses tratamentos diferenciados à Fazenda Pública em face do particular diz respeito ao processo de execução, pois como autora de cobranças ou como executada, a Fazenda Pública irá dispor de ritos diferenciados. A seguir, serão analisadas as questões envolvendo a Fazenda Pública como sujeito passivo nas execuções.
2 FUNDAMENTAÇÃO DAS EXECUÇÕES EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
A execução por quantia contra a Fazenda Pública realizada por regime especial não seria um mero privilégio, mas uma necessidade real encontrada pelo legislador para que os pagamentos pudessem ser efetivados de forma devida e sem gerar prejuízos ao exequente. Os bens públicos possuem características específicas, sendo este um dos principais motivos que justificam a adoção de medidas diferenciadas para a execução em face da Fazenda Pública (SILVA, 2010).
Em geral, as execuções ocorrerão no intuito de satisfazer o interesse do exequente que, por penhora, adquire o direito de preferência sobre os bens penhorados, conforme o art. 612 do CPC. Nos casos de execução por quantia certa contra devedor solvente a expropriação dos bens do devedor para garantir o pagamento ao credor é também o objetivo central. Tratando-se de expropriação, descrita no art. 647 do CPC, dar-se-á esta por adjudicação, alienação ou usufruto de móvel ou imóvel, como explicitado nos incisos I a IV do referido dispositivo (CUNHA, 2011).
Figurando a Fazenda Pública como sujeito passivo em uma execução, Didier Jr. et al. (2012) afirmam que estas regras da expropriação não irão se aplicar, porquanto os bens públicos são impenhoráveis e inalienáveis. Assis (2012) complementa que o procedimento especial nestes caos ocorrerá exatamente pelo regime distinto dos bens que estejam em domínio nacional ou que façam parte do patrimônio da Administração. Sendo inalienáveis, é inadmissível a sua constrição e, sendo inalienáveis, consequentemente serão impenhoráveis.
Em relação aos dispositivos legais que sustentam a garantia de regimento especial no tocante à execução contra a Fazenda Pública, Didier Jr. et al. (2012, p. 724) dispõem que
A execução contra a Fazenda Pública rege-se por regras próprias, que estão contidas no art. 100 da Constituição Federal e em regras do ADCT da própria Constituição e, bem ainda, nos arts. 730, 731 e 741, todos do CPC. Há, portanto, um regime próprio para a execução intentada em face da Fazenda Publica que está disciplinado em regras específicas.
A execução contra a Fazenda Pública é considerada, por parte da doutrina, como uma execução imprópria, que se dá por simples requisição de pagamento realizada entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo, procedimentos estes descriminados no CPC, arts. 730 e 731. Deve-se lembrar, aqui, que o processo de execução nestes procedimentos será aplicado tão somente às entidades abarcadas pelo conceito de Fazenda Pública. Assim, as sociedades de economia mista e empresas públicas, excluídas deste rol como visto no Capítulo 1 deste trabalho, quando figurarem como pólo passivo em ação de execução, devem ter os seus débitos pleiteados em juízo no regime comum (THEODORO JÚNIOR, 2011).
Tratando das execuções contra a Fazenda Pública, discussão importante se deu por algum tempo em relação aos títulos capazes de fundar estas execuções. Segundo Dallefi e Funes (2010), os títulos judiciais advêm de um processo de conhecimento de caráter jurisdicional, enquanto os títulos extrajudiciais realizam-se por atos consequentes das atividades de particular e da atividade administrativa do Estado, no intuito de possibilitar a realização de negócios entre os particulares e a Administração. Por essas considerações, é possível entender majoritariamente que a execução contra a Fazenda Pública poderá ser fundada tanto em título judicial como em título extrajudicial, em consonância com as regras dispostas para o processo de execução.
Em síntese, tem-se que as pessoas jurídicas de direito público possuem tratamento específico nas execuções contra elas opostas, sendo os pagamentos realizados pela Fazenda Pública despendidos pelo próprio erário. Não existindo expropriação contra a Fazenda, tal pagamento ocorrerá pela sistemática jurídica do precatório ou através da requisição de pequeno valor (RPV), neste último caso se o valor pleiteado se encaixar nas possibilidades legais da requisição (DIDIER JR. et al., 2012).
3 REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA: FUNDAMENTAÇÕES E DISCIPLINAMENTO LEGAL
A execução atinente à Fazenda Pública será realizada através de precatório, conforme previsão do art. 100 da Constituição Federal e ainda o estabelecido nos artigos 730 e 731 do CPC. Contudo a EC 30/2000 veio a estabelecer uma exceção a esta regra, trazendo a dispensa quanto à obrigatoriedade de pagamento através de precatório, isso se dá em função da execução de pequeno valor, que encontra guarida no art. 100, §3º, da Carta Magna, tendo-se este como um procedimento especial sendo mesurado por lei infraconstitucional. O Manual de Procedimentos da Justiça Federal (2005, p. 16) afirma ser a execução de pequeno valor uma “requisição de pagamento de quantia certa a que for condenada a Fazenda Pública, que não se submete à sistemática de pagamento por precatório”.
Desta forma, a Lei nº 10.259/2001 veio a firmar o entendimento de que cabe ao Juizado Especial Cível a competência para apreciar e julgar as causas de valor igual e inferior a 60 salários mínimos, passando esse valor a ser entendido como o limite ao que se refere o termo “pequeno valor”.Nesse sentido, o art. 17, § 1º da referida lei fixou que após o trânsito em julgado a obrigação de pagar quantia certa será realizada não necessitando para isso de precatório, desde que observe o valor máximo estabelecido no art. 3º da Lei em comento, haja vista ser este o teto pecuniário fixado para ações no Juizado Especial, por se compreender que o sistema de precatórios é um procedimento moroso este enquadramento visa a dar celeridade além de facilitar o acesso à justiça (SILVA, 2010).
Nas hipóteses em que o valor da condenação contra a União ultrapasse os 60 salários mínimo, estabelecido como teto não há que se falar em fracionamento, quebra ou repartição do valor conforme dicção do art. 100,§ 8º da CF. Sobre tal aspecto Didier Jr. et al. (2012) dispõe que não se permite que parte do pagamento seja realizado imediatamente e outra parte se submeta ao regime de precatório. Nesse sentido, caso o pagamento ultrapasse o valor estipulado deve haver a submissão ao precatório ou desistência de parte do crédito excedente.
As causas que se referem à União detêm o valor fixado conforme prescreve a Lei em comento, contudo quanto aos Estados e Municípios e Distrito Federal foi concedido a estes a possibilidade de limitarem os seus valores, contudo isto não foi realizado, assim deve-se observar o estabelecido na ADCT 87, conforme dispõe:
Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
Para Leonardo da Cunha (2011, p. 332) estes valores fixados “não constituem critérios mínimos ou máximos, não ostentando a feição de pisos nem tetos definitivos, de forma que o Estado, Município e Distrito Federal podem fixar limites inferiores ou superiores”, ao normatizado no dispositivo citado entendendo haver liberdade aos entes que tange a estes valores. Porém, ressalta que nos casos de valor superior ao limite o pagamento estará sujeito ao regime de precatórios, porém caso a parte renuncie ao valor excedente será contemplada pela execução por pequeno valor.
Há ainda que atentar-se à EC 62/2009 referente ao art. 100 da CF acrescendo o § 4º que dispõe “para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social”. Portanto, fica claro que não há como se fixar valor superior ou inferior, ao maior benefício da previdência social. As leis estaduais e municipais promulgadas antes desta emenda estão revogadas, haja vista conflitarem com este entendimento, ficando sem fixação de limite para a realização da dispensa do precatório, resistindo deste modo, conforme Cunha (2011), as regras transitórias previstas na CF estabelecendo aos Estados e Distrito Federal o montante de até 40 salários mínimos, aos Municípios o valor de até 30 salários mínimos (CUNHA, 2011).
Quanto à existência de demanda com litisconsórcio caso os valores da condenação somados ultrapassem o máximo permitido, deve ser entendido como cumulação de demandas assim deve ser considerado o valor individual de cada um destes, podendo ainda ser emitido requisição de pequeno de valor e mediante precatório conjuntamente a depende da situação a que se contemple cada litisconsórcio, porém ressalta-se que estes casos não se tratam de fracionamento haja vista ser este vedado, o que há aqui é uma adequação de cada litisconsorte ao seu valor individual, haja vista o valor da condenação não ser igual entre estes.
A situação exposta aplica-se o disposto no art. 257, CC normatizando que na existência de mais de um devedor ou credor no caso de obrigação divisível, esta se encontra dividida em obrigações iguais e distintas entre os sujeitos existentes podendo ser inclusive pleiteada por cada um dos beneficiados ou conjuntamente como litisconsórcio, para Braga caso se estabelecesse o contrario tal comportamento só traria maior morosidade ao Poder Judiciário pois teria que apreciar maior número de execuções (BRAGA, 2010).
4 SIMILARIDADES E DISTINÇÕES ENTRE A SISTEMÁTICA DO PRECATÓRIO E A REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR
A execução de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública orienta-se por procedimento especial, principalmente quanto ao pagamento que se dá através do precatório, este regime veio segundo Braga a moralizar as execuções contra a Fazenda Pública, pois se passou a lançar mão aos princípios da igualdade, impessoalidade, separação dos poderes e moralidade, buscando-se a garantir maior efetividade ao procedimento de execuções nas situações em comento. Afirma ainda essa autora que a sistemática do precatório é um meio garantido constitucionalmente que o Estado detém de equilibrar-se e se organizar, de modo que as decisões judiciais se coadunem com a previsão orçamentária evitando que haja um desequilíbrio nas finanças comprometendo desta forma a atividade da administração pública (BRAGA, 2010).
A Constituição Federal regula este procedimento em seu art. 100, dispondo que:
Os créditos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação de precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Essa prescrição veio a trazer maior isonomia ao procedimento moralizando o sistema de pagamento contra a Fazenda Pública evitando o favorecimento político o que muito ocorria antes da normatização. Quanto à organização por ordem cronológica (prior in tempore, potier in jure) o Min. Celso de Melo na Reclamação 2.143 afirma que esta tem por objetivo: (a) assegurar a igualdade entre os credores e proclamar a inafastabilidade do dever estatal de solver os débitos judicialmente reconhecidos em decisão transitada em julgado (RTJ 108/463), (b) impedir favorecimentos pessoais indevidos e (c) frustrar tratamentos discriminatórios, evitando injustas perseguições ou preterições motivadas por razões destituídas de legitimidade jurídica.
O sistema de precatórios abrange segundo Assis (2012, p. 1098) o pagamento de forma impessoal e segundo a ordem cronológica de apresentação de “todos os credores, por maior quantia”, seguindo ainda a previsão dos arts. 730 e 731 do CPC, não abrangendo a aplicação de multa, porém apesar de não haver incidência desta, a Fazenda Pública quando não pagar a sua dívida e em casos de não obediência à ordem cronológica será submetida ao sequestro, sendo este um mecanismo segundo o autor em comento de “execução indireta” (ASSIS, 2012).
No que tange aos créditos alimentares este também se submete à sistemática do precatório, porém não se encontram submetidos à ordem cronológica comum, possuindo ordem própria, conforme dispõe a Lei, lei 9.469/97, art. 6º, § único. Essa prescrição é reafirmada pela Súmula 655, STF que dispõe: “a exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”. Depreende-se do exposto que foi criada uma segunda fila de precatórios que precedem aos da modalidade comum.
Em razão da impossibilidade de execução contra a Fazenda pela modalidade comum, deve-se seguir o procedimento especial assim esta execução se realizará conforme Theodoro Jr. (2007, p. 404) através de simples requisição feita entre o Poder Judiciário e Poder Executivo, na qual a citação da Fazenda será realizada chamando-se para que oponha embargos, sem haver penhora, sendo estes rejeitados ou não opostos o juiz através do Presidente do Tribunal emitirá o precatório que é a requisição de pagamento para que as autoridades administrativas competentes a incluam no orçamento geral para que seja paga no exercício financeiro subsequente. Ressalta-se que é de caráter obrigatório a inclusão das verbas para pagamento dos precatórios apresentados até o dia 1 de julho na previsão orçamentária para que seja acolhido no orçamento que ainda será aprovado, se inscrito após esta data ficará para o exercício subsequente.
O pagamento será realizado ao credor seguindo a ordem cronológica de apresentação, se este que deveria receber for preterido do seu direito pela Fazenda Pública poderá conforme art. 731, CPC requerer ao Presidente do Tribunal que ordene “o sequestro da quantia necessária para satisfazer o débito” (THEODORO JÚNIOR, 2007).
Nesse sentido, entende-se conforme dispõe Didier Jr. et al. (2012) que os créditos de qualquer natureza devem se submeter à sistemática do precatório, exceto os créditos de pequeno valor. No que tange a este assunto, o legislador prescreveu uma exceção à modalidade de precatório em razão da morosidade existente no procedimento para pagamento destes, desta forma não precisará o credor da Fazenda Pública ficar esperando que seja inclusa no orçamento as verbas para ver seu crédito satisfeito, pois no caso das RPV estas serão pagas pelo ente devedor no prazo de 60 dias a contar de sua requisição.
A RPV ocorrerá de ofício sem necessitar de solicitação por parte do interessado, assim, após o trânsito em julgado da sentença deverá o órgão judiciário efetuar a planilha apurando nela o valor do crédito devido, devendo em seguida o juiz encaminhar a requisição ao legitimado passivo que poderá ser conforme Lei 10.259/2001, art. 6º, II e ainda Lei 12.153/2009 art. 5º, II e art. 13, caput, o representante legal da União, Estado, Município, Distrito Federal, da fundação, da empresa pública ou ainda da autarquia, excluindo-se a sociedade de economia mista. Esta RPV é considerada um ofício requisitório que sendo recebida pelo órgão do Estado competente deverá conforme o prazo determinado em lei realizar o pagamento em parcela única, podendo conforme ocorre também nos precatórios em caso de negativa de pagamento ou desobediência o juiz da execução determinar o sequestro do valor necessário para o cumprimento da execução. Relevante ainda a compreensão de que tanto o precatório quanto a RPV somente serão expedidos após transitados em julgado, não cabendo qualquer discussão.
Leonardo da Cunha (2011), ao tratar sobre o assunto afirma que mesmo nos casos em que se dispensa o pagamento por precatório, a Fazenda Pública continua com a obrigação de atender plenamente a sentença, haja vista esta continuar plenamente efetiva, podendo inclusive servir posteriormente a um processo de execução, entendendo ainda este autor ser possível o oferecimento de embargos e nos casos de não apresentação ou rejeição, ter o juiz a obrigação de expedir uma ordem de pagamento ao invés de um precatório. Observa-se que o legislador ao criar a RPV buscou garantir maior celeridade aos processos cuja obrigação de pagar quantia certa compete ao ente público.
CONCLUSÃO
A execução em face da Fazenda Pública e as especificidades da requisição de pequeno valor neste contexto não são continuamente exploradas. Sendo este tipo de execução por quantia certa em relação à Fazenda Pública uma modalidade prevista e embasada na própria Constituição Federal e também em legislação infraconstitucional. A execução por quantia certa em face da Fazenda Pública visa à obtenção da satisfação do crédito, sendo que este processo executório se realiza a partir da sistemática do precatório, esta forma de execução foi criada no intuito de moralizar as execuções contra a Fazenda Pública, aplicando-se os princípios garantidos constitucionalmente como moralidade, impessoalidade, igualdade.
Contudo, o legislador observando que este processo se dá ainda hoje de modo moroso buscou garantir maior celeridade ao processo trazendo uma exceção ao procedimento de precatório que é a requisição de pequeno valor. Assim, as dívidas de pequeno valor que são cobradas de outra maneira, que não por precatório, apresentando para isso um regime próprio, com peculiaridades a serem seguidas. Diante das concepções exploradas e de tudo o que foi abordado nesse estudo entende-se que este assunto é de relevância não só jurídica, mas também social para uma melhor compreensão das peculiaridades que tangem as execuções em face da Fazenda Pública haja vista esta deter prerrogativas diferenciadas.
REFERÊNCIAS
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