As Duas Missões: Do Filho e do Espírito Santo

Por Joacir Soares d'Abadia | 08/06/2009 | Religião

Francisco Valbério[1] e Joacir Soares d'Abadia[2]

Chegamos a um ponto da história em que encontramos três grandes estudiosos acerca do tratado Trinitário, são eles: Santo Tomás, Santo Agostinho e Ricardo de São Vitor. Os dois últimos até escreveram obras com o mesmo nome trata-se da obra "De Trinitate" de Santo Agostinho e "De Trinitate" de Ricardo de S. Vitor. O fato é que todos eles querem explanar sobre o tema das duas missões do Filho e do Espírito Santo, para isso usam de termos como "processão" e "missão".

É certo que tanto o Filho como o Espírito Santo preexistem a sua missão a este mundo por parte de Deus Pai. São por sua vez divinos, assim sendo são onipresentes. Mas de algum modo são enviados a um lugar determinado na história para realizar a salvação dos homens.

Tratar-se-á de ver como estas duas missões do Filho e do Espírito Santo, de que fala Gl 4, 6, levam o homem ao ser mesmo de Deus. Porque o Pai enviou seu Filho e o Espírito Santo. A partir dessas missões divinas ad extra considera-se a geração eterna do Filho e a processão do Espírito Santo, isto é, as processões divinas, segundo a terminologia teológica ocidental.

Santo Agostinho, portanto, a respeito da onipresença divina, coloca a objeção como pode ser enviado a um lugar quem já está em todas as pastes? Mas missão aqui significa o mesmo que manifestação fazer-se visível. Diante destes fatos, nota-se que as pessoas são distintas, porque são distintas as missões de um e de outro dos dois enviados.

Ladaria diz que "o Pai enviou, mas não é enviado; não pode ser enviado, segundo Agostinho, porque não procede de nenhum outro[1]. O Filho é enviado e envia. O Espírito Santo é enviado e não envia[2]".

As missões dão a conhecer a unidade e as distinções em Deus, essas missões divinas, por conseguinte, nos introduzem na questão da origem em Deus mesmo do Filho e do Espírito Santo, a "geração" do Filho e a "processão" do Espírito. Diz ainda que se trata de um novo tipo de presença, de características distintas das que são próprias da onipresença de Deus[3].

Para explicar o termo "processão" nos valemos de São Tomás. Segundo ele toda "processão" supõe uma ação que não tem um objeto exterior, mas permanece no mesmo agente. Exemplo disso é o intelecto, cuja ação o entender permanece naquele que entende. A processão por via intelectual é segundo a semelhança e pode chamar-se geração enquanto o gerante gera a seu semelhante.

De outro modo, na tradição cristã, o Filho e o Espírito têm em comum não ter em si mesmos a fonte de seu ser, diferentemente do Pai. O termo genérico processão dá razão de algum modo dessa diferença entre o Pai por um lado e o Filho e o Espírito por outro. Algo semelhante acontece também com as "missões" do Filho e do Espírito: usa-se nos dois casos, já no Novo Testamento, o mesmo termo: "enviar". É, pois, em relação ao termo "enviar", no qual nos indagamos se aqui não mostra que Deus Pai seja maior, já que é Ele quem envia, que o Filho e o Espírito Santo? Caso seja a Trindade três pessoas e um só Deus, como Deus Pai pode enviar o Filho e o Espírito Santo, que são também Deus: Deus Filho e Deus Espírito Santo?

Já Agostinho faz uma comparação da vida interna da mente humana, para ele de algum modo aproximar-se do mistério da fecundidade interna da vida divina. Para ele na alma humana encontramos a tríade da mente, do amor, do conhecimento; ou também, a da memória, da inteligência e da vontade. Nessa tríade o Filho, enquanto Logos relaciona-se com o entendimento, ou conhecimento; observa-se que no conhecimento das coisas tem um verbo dentro de nós. Certamente neste ponto Agostinho está mais que consciente de quejamais se poderá comparar o Verbo de Deus com o nosso. A presença da imagem de Deus na alma não elimina essa diferença fundamental.

Santo Agostinho fala ainda dos três da Trindade igualmente em analogia com o amante, o amado, o amor mesmo, embora se referindo primordialmente a mente humana que se conhece e se ama. Essa idéia é seguida por Ricardo de São Vitor que busca esclarecer com a razão o mistério em que cremos. O ponto de partida é que em Deus tudo é uno e tudo é simples, todos os atributos são uma só coisa e o mesmo, não há mais que o Sumo Bem.

A diversidade em Deus funda-se na perfeição da caridade: e nada há melhor nem mais perfeito do que a caridade. Para que haja caridade, deve haver, portanto, pluralidade de pessoas. Para que Deus possa ter esse sumo amor, é necessário que haja quem seja digno dele.

Mas para uma troca de caridade é necessário apenas dois e não três como se apresenta na Trindade. A este problema Ricardo responde que a caridade perfeita pede que o outro seja amado como cada um ama. A consumação da caridade pede a trindade de pessoas. Com a existência da terceira pessoa, logra-se a caridade e a concórdia e o amor solidário. Além disso, não se podem ter mais pessoas, pois do contrário faltaria a peculiaridade, cada uma delas não teria um tipo de amor como característica, própria e exclusiva.

Caso Deus possui a plenitude de tudo que é bom e perfeito, ele possui a plenitude da caridade. Se Deus é a perfeição do amor, o homem, sendo criado conforme a imagem de Deus deve refletir esta perfeição ao máximo possível. Crescer na experiência do amor e da caridade é crescer em direção à imagem de Deus e tornar-se mais unido a Ele. É baseado nesta experiência de amor compartilhado que Ricardo conclui que não pode haver uma só pessoa em Deus, pois o exercício do amor exige mais do que uma pessoa. Onde existe apenas uma pessoa, não existe caridade.

De tudo que foi dito fica concluído, portanto, que para ilustrar o assunto das duas missões do Filho e do Espírito, Santo Tomás de Aquino, Santo Agostinho e Ricardo de São Vitor empenharam suas vidas escrevendo a este respeito. Sendo que, Santo Tomás usa o termo processão e o explica, Santo Agostinho faz uma comparação da vida interna da mente humana, para de algum modo aproximar-se do mistério da fecundidade interna da vida divina. Já Ricardo de São Vitor seguindo Santo Agostinho trata da Trindade como uma relação de caridade e assim pode explicar o porquê das "missões".



[1] Cf. AGOSTINHO, Trin. IV 20, 28 (198-199).

[2] Cf. LADARIA, F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 245.

[3] Cf. AGOSTINHO, Trin. II 5, 9 (91-92).



[1] Estudou Filosofia e cursa Teologia no SMAB.

[2] Estudou Filosofia e cursa Teologia no SMAB. Foi finalista no concurso internacional de filosofia da Revista Antorcha cultural em 2007 e 2008. Em 2007 Com a obra "Riqueza da Humanidade..." e em 2008 com a obra "Opúsculo do conhecer". Tem vários artigos publicados em Jornais tanto de Brasília como de Formosa Goiás; além de manter mensalmente a coluna "Filosofando" do jornal "Alô Vicentinos".