As doenças, a saúde e as práticas de cura (Carazinho-RS- 1930/40)
Por Débora Zimermann | 12/07/2010 | SaúdeAS DOENÇAS, A SAÚDE E AS PRÁTICAS DE CURA
(CARAZINHO-RS- 1930/40)
DISEASE, HEALTH AND PRACTICES OF HEALING
(Carazinho-RS- 1930/40)
Débora Zimermann*
Este artigo tem como objeto de estudo as questões relacionadas à saúde no município de Carazinho-RS, durante as décadas de 1930 e 1940, salientando as condições, os recursos (humanos e materiais) e as práticas utilizadas na cura de enfermidades, disponíveis a carazinhenses, leigos e profissionais da área de saúde. Para tais propósitos foram analisados relatórios enviados ao governo federal e às autoridades responsáveis pelo Departamento de Saúde do Estado, livros de registro do Hospital de Caridade de Carazinho e o periódico Jornal da Serra.
PALAVRAS-CHAVE: Carazinho. Saúde. Práticas em saúde.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao analisar a história da saúde pública no Brasil, percebe-se que somente após a Proclamação da República e, principalmente, após a década de 1930, é que surgiu a preocupação com as políticas de saúde pública, bem como, com as condições de higiene disponíveis a população.
Tendo este contexto como foco, exploramos as influências dessas reformas no município de Carazinho, recém emancipado, e a sua relação com as práticas extramédicas, até então, um dos poucos recursos disponíveis à população para tratar de suas enfermidades. Assim, esse artigo procura sintetizar o estudo realizado acerca das condições e dos meios disponíveis a população carazinhense para sanar seus problemas de saúde.
Para tais propósitos foram utilizados relatórios enviados ao governo federal e às autoridades responsáveis pelo Departamento de Saúde do Estado, que trazem estatísticas a respeito da organização e qualidade do sistema de saúde nos municípios, livros de registro do Hospital de Caridade de Carazinho, o periódico do Jornal da Serra publicado entre 1930 e 1949 e história oral.
Para cumprirmos o proposto em um primeiro momento iniciamos este trabalho com uma breve retrospectiva a respeito das condições e recursos de saúde brasileiros, desde o final do século XIX até a década de 1940. Abrangem-se as principais instituições criadas nesse período, trata-se ainda, a respeito da organização bem como, das mudanças na disposição dos serviços de saúde no Rio Grande do Sul, assim como, sobre o arranjo do serviço de enfermagem no país e, principalmente, no estado. Em um segundo momento, aborda-se a organização do aparelho de saúde pública carazinhense no 1930 e 1940. Nesse sentido, pondera-se acerca da importância das farmácias e do Código de Posturas do município, da construção do Hospital de Caridade e da inauguração e atuação do Posto de Higiene. E para finalizar, explora-se o contexto das práticas extramédicas, a utilização da medicina homeopata, a atuação de benzedeiras e parteiras.
A HISTÓRIA DA SAÚDE NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX
A história da saúde púbica no Brasil foi marcada por décadas de precariedade e atraso. Tem- se registro dos primeiros trabalhos sanitários no país, somente em 1886, no Rio de Janeiro, onde ocorreram os primeiros empreendimentos de saneamento. Os maiores investimentos e as grandes realizações no setor de saúde do país são do século XX, como a criação do Instituto Soroterápico Federal, em 1900, exatamente para combater os grandes problemas de saúde pública e principalmente fabricar soros e vacinas contra a peste. Porém, o Instituto não se limitou apenas a pesquisa e a produção de vacinas, preocupou-se ainda com as condições de vida da população no interior, dando origem a debates que resultaram na criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920, através do decreto 3.987 de 02 de janeiro.
Outro grande responsável pelo progresso no sistema de saúde brasileiro foi Carlos Chagas que, com o apoio da Fundação Rockfeller, criou o Serviço de Enfermagem Sanitária e, com o desdobramento desse serviço, fundou, em 1923, a Escola de Enfermagem Anna Nery, introduzindo o ensino profissionalizante de Enfermagem no Brasil.
Dado este panorama geral dos acontecimentos no setor de saúde pública brasileiro, cabe agora abordar as mudanças promovidas a partir de 1930, quando estimula-se a centralização do aparelho de saúde federal. Entende-se que com a remodelação dos serviços de saúde promovido pelo governo de Getúlio Vargas, pretendia-se, "na verdade, garantir à burocracia federal o controle desses serviços, numa estratégia decorrente do centralismo político-administrativo imposto por Getúlio" . Ele pretendia, na verdade, oferecer à população estrutura mínima de saúde e educação para que os reclamos populares, referentes à chamada questão social, fossem os mínimos, o que maximizaria o apoio e a legitimação de seu governo. Nota-se ainda,neste governo, forte preocupação com a saúde por verem-na como um instrumento de manutenção e reprodução da força de trabalho. Para "melhoramento" dessa força, trabalhou-se a questão da eugenia e utilizou-se também alguns artifícios como formas de proteção, manutenção da qualidade e seleção da raça, como a tentativa de implantar exames pré-nupciais e os concursos de robustez.
Já para assistência em saúde do trabalhador foi parcialmente adotado, o modelo oferecido pela Lei Elói Chaves, de 1923 , onde se estabelecia que:
"Mediante o desconto mensal de 3% do salário dos funcionários e 1% da renda bruta das empresas, ficava assegurado aos ferroviários o direito de aposentadoria por tempo de serviço ou por invalidez, o tratamento médico e os medicamentos, o auxilio para o funeral e ainda o direito de pensão aos herdeiros do segurado falecido."
Este modelo foi adaptado e estendido aos dos demais setores da indústria. Vindo complementar os direitos adquiridos, em 1943, com da Consolidação das Leis de Trabalho, passaram a receber indenização também os acidentados, assim o atendimento aos operários enfermos expandiu-se e o setor previdenciário começou a estruturar-se, através da organização dos caixas de aposentadoria e pensões e os institutos de previdências.
Percebe-se do mesmo modo, o forte investimento em propaganda a fim de promover a (re) educação da população, quanto a hábitos tradicionais anti-higiênicos. Para disseminação de hábitos saudáveis de higiene eram utilizados como recursos o rádio e "cartazes e panfletos elaborados pelo Ministério da Educação e Saúde e pelos serviços estaduais" .
A SAÚDE NO RIO GRANDE DO SUL
O Rio Grande do Sul, durante a República Velha, foi governado por Julio de Castilhos e Antonio Augusto Borges de Medeiros, ambos desenvolveram suas administrações sob forte orientação positivista , defendendo a autonomia de ação e a não-interferência do Estado nas áreas econômica e social. A Constituição Estadual de 1891 defendia, então, a liberdade profissional e de culto, o efeito disso era o livre exercício da profissão sem exigência de formação profissional acadêmica e específica, o que acabou acarretando numa superabundância de meios de tratamentos e curas extramédicas.
Os profissionais da área da saúde (farmácia, drogaria, obstetrícia e arte dentaria) poderiam exercer seu oficio livremente mediante inscrição de registro na Diretoria de Higiene e Saúde do Estado, segundo decreto nº 44 de 2 de abril de 1895, que definia também punições em forma de multa, para àqueles que cometessem abusos no exercício de sua profissão ou aos que não se registrassem. Sentindo-se prejudicados devido aos termos referentes as práticas de cura defendidos na Constituição, médicos formados exerceram forte pressão, sob o governo federal que criou, no Rio Grande do Sul, em 25 de julho de 1898, a Faculdade de Medicina e Farmácia, em Porto Alegre. Com a intensificação do movimento médico, em 20 de maio de 1931, ocorre a criação do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), em Porto Alegre, e a regulamentação do exercício da medicina em 11 de janeiro de 1932, através do decreto 20.931. A regulamentação do exercício da medicina e a criação do sindicato, tardaram a realizar-se no estado, devido às inúmeras divergências entre seus próprios membros.
Segundo o regulamento de higiene do estado, votado em 1907, que defendia a liberdade profissional de médicos e farmacêuticos, ao estado eram atribuídas às medidas de tratamento de esgoto, lixo, entre outros, cabendo aos municípios a fiscalização de estabelecimentos comerciais, inspeção de residências, distribuição de vacinas e demais atividades. Porém, esse cenário é alterado quando do Iº Congresso de Municipalidades realizado em Porto Alegre, em 1928, onde foi proposto e aprovado a reorganização dos serviços de saúde do estado.
A sugestão de reorganização do serviço partiu do médico Fernando Freitas e Castro, o qual recomendava que o estado assumisse os serviços sanitários, proporcionando assim, estruturas organizativas iguais para todos os municípios. Isto acabou sendo implantado durante o governo do interventor Flores da Cunha. Entre os objetivos da proposta estão o combate a doenças como febre amarela, tuberculose, sífilis, lepra, raiva, entre outras e a promoção de assistência a gestantes e recém-nascidos, combatendo assim, a mortalidade infantil, muito marcante na época. Transferia-se aos municípios a responsabilidade pela infra-estrutura das cidades, implantando e distribuindo água potável canalizada, sistema de esgotos, entre outros serviços, e responsabilizava o estado pelas medidas e campanhas sanitárias, assim como, pelo combate a doenças endêmicas, epidêmicas e transmissíveis.
Para a realização das obrigações impostas, esta nova proposta estabelecia a divisão do estado, em um total de seis, inspetorias sanitárias regionais distribuídas em distritos sanitários, além da criação de oitenta delegacias, diferenciadas por classes, num total de nove, onde nas delegacias de 1ª a 3ª classes estavam previstas inspeções de visitadoras sanitárias. Ficava definido também que " cada inspetoria sanitária ficava a cargo de um médico inspetor sanitário cuja função era estabelecer a união da delegacia com a Diretoria de Higiene, orientando e fiscalizando suas atividades" .
A ENFERMAGEM E A CONFIGURAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Durante o século XIX, os atendimentos e tratamentos médicos eram realizados via domicílio, por médicos das famílias, que atendiam todos os integrantes da mesma, tratando todo e qualquer tipo de enfermidade que apresentassem. Os cuidados à saúde também eram prestados por curandeiros, benzedeiras e parteiras, dentre esses serviços prestados, temos as atividades do que, mais tarde, passaria a ser denominado "enfermagem".
A primeira escola de enfermagem de que temos notícias, é a inglesa, estabelecida no Hospital São Tomás, por Florence Nightingale, em 1860, onde são defendidos alguns novos princípios na moderna concepção de educação, sendo eles:
1º) Direção da escola por uma enfermeira, e não por um médico, como se fizera até então nos pequenos e raros cursos dados nos hospitais.
2º) Ensino metódico, em vez de apenas ocasional, através da prática.
3º) Seleção de candidatas sob o ponto de vista físico, moral, intelectual e de aptidão profissional .
No Brasil, o treinamento formal de enfermeiras iniciou em 1890, com a finalidade de substituir a mão-de-obra das irmãs de caridade do Hospital Nacional de Alienados. Em 1916, com a criação da Escola Prática de Enfermeiras da Cruz Vermelha Brasileira iniciou-se a preparação de socorristas voluntárias, que atendiam em situações de emergência e em caso de guerras. A Cruz Vermelha Brasileira preparava além de socorristas, enfermeiras para hospitais .
A enfermagem profissional brasileira iniciou-se em 1921, com a chegada de um grupo de enfermeiras norte-americanas vindas a convite do diretor-geral do Departamento Nacional de Saúde Pública(DNSP) Carlos Chagas e da Fundação Rockefeller, com a qual o DNSP havia estabelecido parceria. Esse grupo de enfermeiras, chefiado por Ethel Parsons, veio para o Brasil com o objetivo de implantar o modelo de enfermagem preconizado por Florence Nightingale e a prática de enfermagem de saúde pública desenvolvido nos Estados Unidos. Tal sistema foi implantado, primeiramente, na Escola Alfredo Pinto, no Rio de Janeiro. E em 1922, é criada no país a Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública, que em 1926, passou a chamar-se Escola de Enfermagem Ana Néri
Já no Rio Grande do Sul, a enfermagem profissional iniciou em 14 de setembro de 1938 com a chegada da enfermeira Izaura Barbosa de Lima enviada pelo Departamento Nacional de Saúde Pública do Rio de Janeiro .
Izaura veio para o Rio Grande do Sul com a finalidade de organizar os centros de saúde e treinar o pessoal da área de enfermagem. Para tal, estruturou o curso de visitadoras sanitárias, que visava suprir a falta de enfermeiras no estado. Apesar de criado em 1938, o curso de visitadoras sanitárias foi regulamentado no Rio Grande do Sul, apenas em 1946, através do decreto nº 1.944 de 31 de maio.
AS PRÁTICAS MÉDICAS: UMA EXPERIÊNCIA LOCAL (1930-40)
As décadas de 1930 e 1940 foram de suma importância para a história da cidade de Carazinho, já que, foi durante esse período que o município conquistou sua emancipação e também passou a organizar-se de forma a suprir as necessidades assistenciais de sua população. O município permaneceu como distrito de Passo Fundo até 24 de janeiro de 1931, quando conquista sua emancipação, através do decreto nº 1.707, baixado pelo então Interventor Federal no Estado, General Flores da Cunha.
Carazinho enfrentou, durante toda a década de 1930 e parte da década de 1940 problemas com sistema de esgoto, distribuição de água encanada e energia elétrica, serviços por muito tempo inexistentes. Tinha-se água potável precariamente distribuída pelos poços Semi Surgentes para uma pequena parcela da população, que reclamava do preço da água. A energia elétrica, um dos grandes problemas das administrações de Carazinho, também não era distribuída a todos .
Logo após a emancipação dessa municipalidade, percebe-se que os serviços de saúde municipais eram muito modestos, giravam em torno de consultas médicas realizadas em farmácias, aplicação de vacinas enviadas pelo governo estadual, vigilância sanitária e atendimento médico em domicílio. As farmácias além de possuírem consultórios médicos, manipulavam medicamentos e faziam análise de urina, sangue, pus, escarro, fezes e a aplicação das vacinas contra tifo e varíola. Para o atendimento da população carazinhense, temos ainda, referência de um ambulatório improvisado na Farmácia Iserhard, com sala de espera, dois consultórios "aparelhados amplamente" .
No que tange a vigilância sanitária a preocupação tornava-se de âmbito estadual, principalmente, no que se referia aos gêneros alimentícios. No município de Carazinho verificamos tal preocupação nas medidas encontradas no primeiro Código de Posturas municipal, criado em 1931. Esse documento previa, por exemplo, aos quitandeiros e vendedores ambulantes que cobrissem os cestos ou vasilhas onde levavam frutas e ervas, com pano branco não enxovalhado de óleo. Aos refeitórios e restaurantes exigia que os guardanapos fossem usados somente uma vez e que os pães fossem servidos acondicionados com papel, do mesmo modo como saiam das padarias. Os hotéis, pensões e restaurantes deveriam manter a máxima higiene e limpeza principalmente ao tratar-se dos banheiros.
OS SERVIÇOS DE SAÚDE EM CARAZINHO NA DÉCADA DE 1940
Conforme divisão realizada em 1929, Carazinho fazia parte do 4º Distrito Sanitário do Estado, com sede da Inspetoria de Saúde em Cruz Alta . E como previa o projeto de saúde pública do governo estadual, em 1940 iniciou-se a implantação do Posto de Higiene n.12 em Carazinho.
No primeiro ano de atividades o Posto de Higiene funcionou em uma casa de madeira alugada pelo Departamento Estadual de Saúde e em 1942, transferiu-se para um prédio, também alugado, onde permaneceu até 1944 .
O Posto teve como quadro de funcionários, inicialmente, o médico e diretor Dr. Derli Kokot, contou ainda, com o trabalho de João Menezes e Edemar M. Barbosa, fiscais de higiene, Armando Barreto, laboratorista, Celeste Coral e Adelaide Gil, agentes sanitárias e com Laire Tomasi, escriturário .
O Posto fazia forte propaganda para conscientização e esclarecimento da população, a fim de diminuir ao máximo os índices de doenças contagiosas, óbitos infantis, entre outros fatores agravantes, e melhorar as condições de vida dos moradores. Observando o relatório anual, referente ao período de 1º de março de 1943 a 31 de dezembro do mesmo ano, constatamos que em propaganda e educação sanitária foram realizadas 5009 publicações distribuídas, 08 palestras, visitados 07 estabelecimentos de ensino para a realização da higiene escolar, assim como, foram examinados 1080 escolares, sendo que 844 foram fichados, bem como, 07 funcionários e professores
Ainda segundo dados fornecidos pelo Posto de Higiene, a partir de sua instalação o índice de mortalidade infantil decresceu, 10% em 1940, 15% em 1941, 13% em 1942 e 9% em 1943 sendo que antes da instalação do Posto este índice era de 27% . A precisão dos dados fica um pouco prejudicada devido à precariedade dos registros de nascimento. Mas sabe-se que estes índices decresceram devido ao incentivo empreendido pelo Posto de Higiene, através do trabalho das visitadoras sanitárias, aos exames pré-natais e as orientações quanto aos cuidados necessários à saúde das crianças.
Por fim, ao tratar da fiscalização do exercício profissional o relatório fornece os seguintes dados: realização de 25 exames médicos para licença, licenciamento de 01 único estabelecimento, fornecimento de 680 receitas e de 01 aposentadoria .
Todo esse controle era desenvolvido principalmente pelas visitadoras sanitárias, através de visitas as residências fazendo cadastramento dos habitantes para garantir a orientação e préstimo de serviço a todos.
2.3- O HOSPITAL DE CARIDADE DE CARAZINHO
A idéia e a campanha para angariar fundos para criação de um hospital na cidade, iniciaram entre 1931 e 1932 pela grande ocorrência de casos de febre tifóide, e principalmente, por casos, de desleixo médico na assistência de pacientes necessitados e desprovidos de recursos financeiros.
em 1932, foi sugerido ao prefeito, pelo Padre Cônego João Batista Sorg, que a prefeitura assumisse as obras do hospital, feito de alvenaria e madeira. O estabelecimento ficaria aos cuidados das Irmãs da Ordem de Notre Dame, que devolveriam, aos poucos, o dinheiro investido pela prefeitura com os rendimentos que o serviço prestado arrecadasse. A prefeitura recusou a proposta do Cônego .
Neste contexto cria-se a Liga Pró-Engrandecimento do Município e uma comissão formada essencialmente por homens, da elite carazinhense, que lidera a campanha. A partir de 1935, ficava estipulado que todas as sextas-feiras a diretoria da campanha pró-hospital deveria se reunir para discutir a situação e acelerar a angariação de fundos para a causa .
Os recursos para a construção do hospital foram arrecadados através da realização de piqueniques, doações de particulares e de empresas (até mesmo o cinema resolveu doar 20% da renda das matinês para a obra) , foram feitas doações não só em dinheiro mas também em mercadorias e outras atividades foram realizadas. O forte apelo ao espírito religioso da população e o apoio lançado pelos jornais locais, tiveram suma importância para a campanha. Em 1938, o governo do estado também apoiou a mobilização concedendo auxílio de dez contos de réis para a obra.
No ano de 1936, a diretoria comprou o terreno da Mitra Diocesana de Santa Maria, cujo procurador foi o padre João Batista Sorg, que doou o valor do terreno para as obras do hospital. Posteriormente, o terreno próximo foi doado por um membro da comunidade .
Em outubro de 1938 foi lançada a pedra fundamental do Hospital de Caridade de Carazinho. A planta aprovada para a construção do hospital, foi elaborada pelo membro da comunidade carazinhense Camilo Bonesio. Em 1939 iniciam-se as obras em si. Em 9 de agosto de 1942 inaugura-se a ala concluída tendo os serviços internos da instituição confiados as Irmãs da Ordem de Notre Dame. O Hospital dispunha de 50 leitos e teve como primeira paciente a senhora M.G.L , com então 19 anos, que veio dar a luz a uma criança do sexo feminino, estando aos cuidados do médico Sá Carneiro.
Mesmo com todos os esforços para a construção do hospital,inferimos que as pessoas preferiam ser atendidas em suas residências, por acreditarem que deveriam ir para este estabelecimento apenas os indigentes e os enfermos em estado muito grave. Essa forma de pensar começou a ser modificada, de forma gradual, através das campanhas sanitárias municipais e estaduais que reforçavam a importância de atendimento médico em estabelecimentos especializados, como hospitais, por apresentarem melhor qualidade e maior quantidade de recursos.
Também de forma gradual, vão sendo fornecidos ao Hospital de Carazinho auxílio financeiro, primeiramente pelo Governo Estadual, e a seguir, pela União. Estes recursos vão sendo utilizados para prosseguir as obras de a ampliação do hospital.
Contudo, mesmo com a ampliação e facilitação de acesso aos recursos ditos especializados e oficiais, como hospitais e postos de higiene, práticas de cura extramédicas, como benzeduras, utilização de chás, atendimentos realizados por parteiras, continuavam a serem práticas freqüentes, e passaram a conviver com os métodos de cura oficiais.
AS PRÁTICAS EXTRAMÉDICAS: CURAS E OUTROS CASOS
Durante o século XIX e mesmo no início do século XX, eram quase inexistentes os médicos diplomados no Rio Grande do Sul . Para suprir a necessidade de assistência à cura de enfermidades, se utilizavam várias práticas alternativas de cura, como a medicina homeopata, benzeduras, chás e a atuação de parteiras nos cuidados as mulheres. Os profissionais que exerciam essas práticas tinham sua atuação assegurada pela Constituição de 1891. Contudo, a partir de 1932, quando o exercício da medicina é regulamentado, as práticas de cura entram em declínio, pois a medicina oficial começa a condenar sua eficiência,
Dentre as práticas utilizadas e asseguradas pela Constituição positivista do Rio Grande do Sul, estava a Homeopatia. Defendida por seus profissionais como uma "área do conhecimento com princípios, com filosofia e com metodologias próprias por isso reconhecida como ciência ."
Embora vigorosamente antagonizada pelas instituições médicas a homeopatia expandiu-se rapidamente a partir do século XIX, tendo mesmo fundado a Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul, em 02/02/1914, por iniciativa do médico homeopata Ignácio Capistrano Cardoso, amparado na Lei Orgânica de Ensino Rivadávia Corrêa, instituída pelo decreto nº 8.659 de 05/11/1911 que concedia autonomia didática e administrativa aos estabelecimentos de ensino .
Com a regulamentação da medicina os médicos alopatas passaram a desqualificar todos os médicos que não tiveram seus diplomas reconhecidos em instituições autorizadas, portanto, mais um motivo para o declínio da homeopatia .
3.2 AS BENZEDURAS
É inquestionável a existência, bastante significativa, de benzedeiros em, praticamente, todas as cidades gaúchas. Essas pessoas, praticavam os ensinamentos que vinham passando de gerações para gerações, ou que muitas vezes lhe eram ensinados, até mesmo, por uma vizinhos. Tais conhecimentos são resultados da miscigenação não só racial, mas também cultural, já que muitos benzedeiros utilizavam-se de ervas, como os índios e de rezas, como os africanos. Os atendimentos por eles prestados ocorriam, geralmente, em suas próprias residências e não cobravam pelos seus serviços.
Existem inúmeros benzimentos, cada qual específico para o que se quer benzer, desde algum tipo de dor, até ao temporal que não deve vir. Benzia-se contra vermes, cobreiro- picada de algum animal que criava feridas, rendedura- dor nas costas, míngua ? anemia, dor
de cabeça, dor de dente, mal olhado, entre outros. Ao mesmo tempo, em que se constata uma grande parcela de crentes nas práticas de benzimento, nota-se também forte propaganda contra esse tipo de prática.
3.3 AS PLANTAS MEDICINAIS
O uso de plantas medicinais, principalmente em forma de chás, também faziam parte do cotidiano da cura, podendo ainda serem usadas para banhos, benzimentos e tratamento de feridas. Segundo Weber, "estudos antropológicos, realizados na periferia de Porto Alegre, por exemplo, mostram a importância dos chás, ainda hoje, na medicina caseira, usados com a finalidade de aliviar dores e outros sintomas ou curar determinadas doenças" .
Na região de Carazinho era comum a utilização de determinados chás como marcela, para curar dores estomacais, maçanilha para cólicas menstruais, baldrana para desconfortos intestinais, losna para baixar a pressão, cidró para insônia, assim como banhar-se com água onde determinadas folhas estiveram imersas, como as de levanto, arruda, entre outros.
Percebe-se, forte tendência ao resgate da utilização de plantas não só para comporem os medicamentos fitoterápicos, até mesmo para o combate ao câncer , cada vez mais procurados, como ainda sua utilização na composição de cosméticos, e mesmo o resgate de seu poder de cura, onde com maior freqüência as pessoas buscam tratar-se, primeiramente, com chás a ingerir algum tipo de medicação.
3.4 AS PARTEIRAS
É visível a existência de espaços e práticas alternativos de cura no que se refere ao atendimento de "moléstias de senhoras", já que essas eram atendidas em suas casas por parteiras, por suas próprias mães ou por suas vizinhas e, só como último recurso, era solicitado atendimento de um médico. No ano de 1938, havia 15 parteiras com registro atuando em Carazinho . Algumas delas atendiam não só em residências, mas também, no hospital, como era o caso das parteiras Ermelinda Siviero, Lúcia Graebin e Ella de Andrade.
Quanto aos serviços prestados pelas parteiras, em geral, algumas cobravam mesmo não sendo chamadas a tempo para realizar o parto, enquanto outras, muitas vezes não cobravam por seus serviços, ou aceitavam como forma de pagamento produtos variados como feijão, ovos, entre outros .
Ao ocorrerem complicações durante o parto, chamava-se o médico, que nem sempre era localizado ou chegava a tempo. Nesses casos as próprias parteiras tinham de continuar o atendimento. Contudo, se isso resultasse na morte da mãe ou da criança, as parteiras eram acusadas por estas mortes, como relata o Jornal da Serra.
No que se refere aos cuidados do pós-parto, as parteiras realizavam a higiene na parturiente, providenciavam sua alimentação, normalmente uma canja de galinha, e passavam as instruções para os cuidados da própria mulher e de seu filho. Geralmente, as mulheres realizavam a "quarentena" que consiste em uma série de normas que devem ser seguidas por quarenta dias após o parto. Entre essas normas estão à proibição de ter relações sexuais, de lavar os cabelos e, até mesmo, de ficar sem meias.
Alguns autores trazem relatos de que as parteiras ainda enterravam no quintal da casa das parturientes a placenta, num ritual de simpatias para o bem estar da mãe e do bebê. Já autores dizem que esses rituais eram realizados pela família, sem a participação das parteiras .
Além dos cuidados prestados pelas parteiras, mães e vizinhas, as mulheres recebiam, ainda, instruções das visitadoras sanitárias referente aos cuidados com o coto umbilical e com o recém-nascido ......
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se, no decorrer deste trabalho, escrever a respeito das condições, dos meios, dos recursos ? humanos e materiais- disponíveis e das práticas utilizadas na cura de enfermidades pela população de Carazinho ? RS.
Dentre as observações possibilitadas por este estudo, cabe destacar a influência do positivismo no Rio Grande do Sul e suas conseqüências para a organização dos serviços de saúde, a criação do Departamento Nacional de Saúde, as idéias desenvolvidas no governo Vargas onde, sobressaem a eugenia, o trabalho com a questão social e a ampliação dos direitos trabalhistas que garantem estruturas e condições mínimas de saúde.
Ao tratarmos especificamente do município de Carazinho, não podemos deixar de citar a execução do plano de organização sanitária onde, os centros de saúde e os postos de higiene, no caso do referido município, faziam o policiamento das habitações, fiscalização dos estabelecimentos comerciais, combatiam moléstias, além de, desenvolverem campanhas de educação sanitária para conscientizar a população. as idéias desenvolvidas no governo Vargas onde, sobressaem a eugenia, o trabalho com a questão social e a ampliação dos direitos trabalhistas que garantem estruturas e condições mínimas de saúde.
Destacamos o trabalho das parteiras, que durante anos foram as únicas especialistas no cuidado das parturientes, mas que mesmo assim, muitas vezes, eram perseguidas quando alguns casos saiam do controle de suas possibilidades. Ressaltamos ainda, as benzedeiras que chegavam mesmo a indicar e preparar medicamentos caseiros com ervas¸ além de, executar rezas a fim de curar quem as procurava.
ABSTRACT
This article has as objective of studying the issues related to health in the city of Carazinho-RS during the 1930s and 1940s, emphasizing the conditions, resources (human and material) and practices used to healing diseases, available to carazinhenses, laics and health professionals. For these purposes reports submitted to the federal government and the authorities responsible for the Department of Health of the State, record books of the Hospital of Charity of Carazinho and the journal Journal Sierra were analyzed.
KEY WORDS: Carazinho. Health. Health practices