As dificuldades do autista frente a escola inclusiva

Por Mirela Carvalho da Silva | 16/12/2019 | Educação

Infelizmente no Brasil, muitas escolas ainda não estão habilitadas para trabalhar com crianças autistas. Fala-se muito na inclusão, mas será mesmo que esta tem sido a realidade das nossas crianças e adolescentes?
Como mãe de autista e estudante de Ciências Sociais, tenho percebido que a realidade brasileira deixa muito a desejar. Conversando com diversos especialistas, neuropediatras, fonoaudiólogos e psicopedagogos e especialistas em educação especial e inclusiva, cheguei a mesma conclusão que eles. A resposta é não! As escolas não estão em sua maioria preparadas para receber os diferentes.
Nem mesmo os médicos pediatras conseguem identificar tais características e peculiaridades do autismo, tratam crianças do (aspectro) com atraso de fala, ou ecolalia, como crianças normais e ainda muitas vezes dizem aos pais que não há razão para preocupação, que trata-se apenas de uma imaturidade da fala e da criança e que com o tempo a criança começará a falar normalmente.
Muitos pediatras não encaminham crianças com atrasos importantes para fonoaudiólogos ou neuropediatras, e acabam por dificultar o tratamento , tornando o mesmo tardio e muitas vezes com resultados não tão eficazes como deveria.
E na escola, muitas vezes a criança não recebe uma atenção especial recebendo o rótulo de dispersa, temperamental, hiperativa ou com hiperfoco em outras atividades que lhe interessam.
Enquanto nos EUA, muitas crinças com 18 meses de idade, já conseguem ser diagnosticadas com o TEA(Transtorno do Aspectro Autista), aqui no Brasil o diagnóstico só pode ser fechado aos 7 anos. O que dificulta muitas vezes o tratamento desde os primeiros anos de vida da criança.
Na educação, ocorre o mesmo, pois a escola não está preparada, com profissionais especializados na área de educação inclusiva, o que torna as dificuldades do autista ainda maiores.
Muitos autistas não conseguem interagir melhor por não ter monitor ou um professor que lhes auxilie em atividades que o estimulem na interação social e nas atividades de aula.
Minha filha desde os 2 anos de idade, faz sessões de fono terapias com a fonoaudióloga e faz avalições com a psicopedagoga e também faz atividades em horários pós aula com a professora especialista em educação especial e inclusiva na sala de recursos da escola. Minha filha, desde os 18 meses não falava quase nada, o que me levou a procurar ajuda médica e especialistas na área multidisciplinar. Como sempre trabalhei com crianças pequenas, percebia claramente o atraso na fala da minha filha, e algumas peculiaridades como excesso de choro e irritabilidade e algumas manias, rituais dela.
Hoje já vejo uma melhora progressiva, ela ainda apresenta ecolalia, que é a repetição da pergunta ao invés da resposta, porém já forma frases, consegue se comunicar mais claramente, interage muito bem com colegas de aula e se sai muito bem em atividades com ritmo, atividades como pintura, quebra cabeças, e atividades de coordenação fina. Possui uma percepção muito boa dos objetos e das situações ao seu redor.
Não faz uso de medicamentos, e hoje consegue controlar um pouco melhor a irritabilidade e a raiva quando damos alguma ordem a ela.
Se relaciona muito bem com colegas e professores, se relaciona bem com a equipe multidiscilplinar e de médicos que lhe atendem e; é uma filha amorosa e colaborativa.
Porém, possui dificuldades sensoriais, não gosta do vento forte,(ela grita e tapa os ouvidos quando exposta ao vento ou ao ventilador), não gosta do sol nos olhos,(procura usar óculos de sombra),detesta pentear os cabelos e não gosta de quando a água do banho cai nos olhos ou na cabeça, prefere usar o chuveirinho para lavar os cabelos.
Toda vez que suja a roupa ou as mãos, corre para limpar, sente-se incomodada e acaba trocando a roupa, não gosta das etiquetas na roupa e tem seletividade alimentar. Prefere alimentos como o leite, macarrão, carne, pão, biscoitos, sucos, porém detesta a batata cortada em quadrados e não come queijo apenas se for queijo ralado no macarrão. Detesta cebola no arroz, e ama feijão. Também não simpatiza muito bem com o ovo cozido.
Ela não gosta de lavar os olhos ao acordar, então preciso lavar com um lenço umedecido, e para escovar os dentes aos poucos ela está se adaptando com a pasta de dente.
Até um tempo atrás ela tinha dificuldades com atividades na terra, com têmperas e amoebas, hoje já perdeu a resistência para se sujar. E brinca normalmente.
E aos poucos estou notando uma grande melhora nela.
A escola da qual ela faz parte está sempre atenta e sempre me dão feedbacks quanto a evolução da Esther, ela está se saindo bem, e tendo melhorias importantes ao longo do tempo. Ainda não tenho o diagnóstico totalmente conclusivo pois, só aos 7 anos, mais provavelmente, terei a conclusão dos especialistas.
O trabalho é árduo, a ecolalia é muito peculiar da criança com autismo. E são poucas escolas e profissionais que realmente estão preparados para cuidar dessas crianças.
Estamos engatinhando no Brasil, já existem centenas de pesquisadores procurando uma alternativa para melhorar a qualidade de vida desses pacientes, porém eu ainda acredito que a parceria entre educação e saúde são fundamentais para essas crianças.
E também não sou favorável ao uso de medicamentos indiscriminados em todos os portadores de autismo. Os efeitos a longo prazo são irreversíveis causando danos ao coração e fígado desses pacientes. Acredito que com o avanço das pesquisas e o engajamento de familiares e ambiente escolar juntamente com a área da saúde, muito em breve colheremos os frutos e quem sabe os custos, que hoje são altos para os pais de crianças com autismo tornem-se mais acessíveis a todos e até mesmo gratuitos pelo SUS.
Pois é muito difícil encontrar psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicopedagogos e neuropediatras pelo SUS, fora que quando há algum médico especialista pelo SUS, não há uma equipe multidiscilplinar gratuita, o que gera custos altos as famílias, tornando as chances da inclusão dessas crianças autistas na escola ainda mais difícil e dolorosa. Conversando com diversas mães de autistas percebo o quão difícil é para essas famílias aceitarem bem a condição de seus filhos, fora os alto custos como dito anteriormente. A escola é o maior norte para as famílias que possuem pessoas autistas, por isso, hoje não me sinto tão perdida, pois minha filha conta com uma equipe enorme para ajudá-la. O que me entristece é que não são todas as escolas da rede pública que possuem profissionais habilitados e dispostos a ajudar. Me lembro do depoimento de uma mãe que compartilhou comigo que na escola particular onde sua filha com autismo estudava, a menina não era estimulada a nada e nem mesmo um projeto político pedagógico a escola tinha, e quando a mãe desejou ter acsso ao material simplesmente a dona da escola imprimiu um papel plagiado para comprovar o PPP, e que a escola estava apta a continuar seu funcionamento normalmente. A menina ia para a escola para ter acesso a inclusão e nem mesmo ao banheiro levavam ela, acabava que chegava cheia de assaduras em casa e estressada. Foi onde a mãe decidiu procurar a dona da escola que disse a mãe, que se ela não estivesse contente que procurasse outra melhor. Ao ouvir o depoimento dessa mãe me coloquei no lugar e senti na pele o que muitos pais de autistas e crianças com necessidades especiais sentem. Ví da pior forma possível, o quão longe estamos de vivenciar a inclusão verdadeira seja no âmbito escolar ou da saúde.

Mas acredito nas pesquisas e nas poucas mas boas escolas de educação inclusiva, embora com poucos recursos muitos profissionais já conseguem fazer com que muitas crianças que poderiam chegar a graus mais severos, fiquem nos graus mais moderados e até leves do autismo.

Se trabalharmos a prevenção do autismo já desde os primeiros sinais do aspectro, conseguiremos ajudar essas crianças a não chegar em graus mais severos. Por isso, a importância de se trabalhar com os pais, escolas e até mesmo na área da saúde com os pediatras.

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