AS DIFICULDADES DA FAMÍLIANO CUIDADO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Por Carla Moura Pires da Fonseca | 22/08/2011 | Sociedade

FACULDADE REDENTOR
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
CARLA MOURA PIRES
AS DIFICULDADES DA FAMÍLIANO CUIDADO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA
Itaperuna
Novembro de 2009
CARLA MOURA PIRES
AS DIFICULDADES DA FAMÍLIA NO CUIDADO DA PESSOACOM
DEFICIÊNCIA
Trabalho de conclusão de curso
apresentado ao Curso de Serviço Social
da Faculdade Redentor, como requisito
parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, sob a
orientação da professora Gutiélle
Carvalhal Botelho Bustilho Faria.
Itaperuna
Novembro de 2009
i
P667d Pires, Carla Moura
As dificuldades da família no cuidado da pessoa com deficiência./
Carla Moura Pires. ? Itaperuna: Faculdade Redentor, 2009.
63 p.
Orientador: Gutiélle Carvalhal Botelho Bustilho Faria
Monografia apresentada à Faculdade Redentor como parte dos
requisitos para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.
Referências Bibliográficas: p. 60-63
1. Serviço Social ? Monografia 2. Deficientes ? relações familiares
I. Título.
CDD 362.4
CARLA MOURA PIRES
AS DIFICULDADES DA FAMÍLIANO CUIDADODA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Trabalho de conclusão de curso
apresentado ao Curso de Serviço Social
da Faculdade Redentor, como requisito
parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, sob a
orientação da professora Gutiélle
Carvalhal Botelho Bustilho Faria.
Aprovada em Novembro de 2009.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Ms. Gutiélle Carvalhal Botelho Bustilho Faria
Faculdade Redentor
Profª. Anádia Maria Coelho Alves Salles
Faculdade Redentor
Fabrízia Pimentel Vargas
Assistente Social
Itaperuna
Novembro de 2009
ii
Dedico este trabalho ao meu Deus que esteve ao
meu lado durante esta caminhada.
"Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo
para todo o propósito debaixo do céu: Há tempo
de nascer e de morrer; Tempo de plantar e de
colher; Tempo de chorar e tempo de rir; Tempo
de procurar e tempo de desistir" (Ec. 3).
"Pois todo o que pede recebe; o que busca,
encontra, e aquele que bate, a porta será aberta"
(Lc. 11.10).
iii
AGRADECIMENTO
Mais uma etapa venci em minha vida. E, ao olhar para trás, lembro-me
daqueles que sempre estiveram ao meu lado e nunca me deixaram desistir.
O meu maior agradecimento é para o Soberano, dono de todo esforço e
trabalho, a que me dediquei durante quatro anos. Este crédito é seu, Senhor!
Agradeço por ter me concedido sabedoria para eu chegar até aqui. Com a certeza
de que os meus desejos sempre estiveram de acordo com os teus propósitos.
Agradeço aos meus pais, por lutas que enfrentaram para que me
concedessem vitória. Quero que saibam que não esconderei a luz que me ilumina,
pois vocês são como campos férteis para o plantio das sementes das Boas Novas.
Certifiquem-se de que o amor, o auxílio e a alegria que vocês me deram, é prova do
amor de Deus em nossas vidas.
A minha irmã Renata que sempre me auxiliou com altas idéias. Obrigada pelo
amor e companheirismo. Você é demais irmã!
As minhas colegas de turma por termos passado momentos de alegria e
também de aflição nesta trajetória.
Aos professores, que estiveram comigo durante esses quatro anos, cuja
amizade e profissionalismo serviram-me de exemplo nesta caminhada, e
principalmente, na minha formação enquanto profissional.
A professora Gutiélle, por quem tenho grande admiração e com a qual
compartilhei toda a orientação deste trabalho. Obrigada pela dedicação,
disponibilidade, pela paciência, pelos ensinamentos e por ter me feito acreditar que
pudesse chegar até aqui.
E, por fim, ao meu namorado Janyanderson, uma pessoa muito especial na
minha vida, que sempre esteve ao meu lado me ouvindo, me ajudando e
compreendendo todas as minhas aflições. Obrigada por ter sido tão companheiro,
dedicado e pela força que sempre me deu.
iv
RESUMO
O presente trabalho realiza uma reflexão sobre a importância da família no cuidado
das pessoas com deficiência. Considera a família como um dos instrumentos
responsáveis pela inclusão da pessoa deficiente na sociedade, apresentando suas
tensões e desafios diante da descoberta, negação e aceitação do membro
deficiente. Registros históricos revelam como a família e a sociedade tratavam as
pessoas com deficiência e destacam que o preconceito, a discriminação e exclusão
social sempre fizeram parte da vida dessas pessoas. Em oposição a esta situação,
foram relatadas algumas leis de amparo social, as quais são consideradas na
atualidade como conquistas para a vida do deficiente e suas famílias. Para
enfrentamento e superação das dificuldades da família no cuidado da pessoa com
deficiência, o referido estudo ressalta a importância da intervenção do Serviço
Social, que, por meio de uma prática teoricamente articulada, contribui para que o
acesso aos direitos das pessoas com deficiência possa ser concretizado. Com isso,
enfatiza a necessidade dos assistentes sociais tanto de conhecer a realidade de
cada família como também os instrumentais técnico-operativos e metodológicos da
profissão, para que, dessa forma, a família do deficiente venha superar os seus
desafios, contribuindo para inclusão de seu membro na sociedade de forma justa e
igualitária.
Palavras?Chave: Pessoas com Deficiência. Família. Serviço Social.
v
ABSTRACT
This paper reflects on the importance of family in the care of persons with
disabilities. The family as an instrument for including the disabled in society, with its
tensions and challenges to discovery, denial and acceptance of the disabled
member. Historical records reveal how the family and society treated people with
disabilities and highlight the prejudice, discrimination and social exclusion have
always been part of their lives. In contrast to this, some laws have been reported to
social support, which are considered today as achievements for the life of the
disabled and their families. To confront and overcome the difficulties of the family in
care for people with disabilities, the study underscores the importance of the
intervention of Social Services, which by means of a theoretically articulated practice
that contributes to access to rights of persons with disabilities can be realized. Thus,
it emphasizes the need for social workers both know the reality of each family as
well as the technical-instrumental and methodological operating the profession, that
in this way, the poor family will overcome the challenges contributing to their
inclusion in its membership society in a fair and equitable.
Keywords: People with Disabilities. Family. Social.
vi
LISTA DE SIGLAS
APAE ? Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
BPC ? Benefício de Prestação Continuada
ECA ? Estatuto da Criança e do Adolescente
LOAS ? Lei Orgânica da Assistência Social
OMS ? Organização Mundial de Saúde
vii
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................ 05
LISTA DE SIGLAS.................................................................................................. 07
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 10
1. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA ...................................................................... 13
1.1 MOVIMENTO HISTÓRICO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA............. 13
1.2 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA.................... 20
2. A RELAÇÃO FAMILIAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.............................
2.1A FAMÍLIA ENQUANTO ESPAÇO DE CUIDADO.............................................
2.2AS DIFICULDADES DA FAMÍLIA NO CUIDADO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA.....................................................................................................
35
35
41
3. A INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO À FAMÍLIA DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA.......................................................................................... 49
4. CONCLUSÃO..................................................................................................... 56
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 60
viii
"Então os olhos dos cegos serão
abertos, e os ouvidos dos surdos se
desimpedirão. Então o coxo saltará
como o cervo, e a língua do mudo
cantará de alegria; porque águas
arrebentarão no deserto e ribeiros no
ermo."
(ISAÍAS 35. 5-6)
ix
INTRODUÇÃO
O convívio com as famílias das pessoas com deficiência na Associação de
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São José de Ubá, ocorrido no período
de estágio curricular de março de 2008 a julho de 2009, impulsionou o desejo de
desenvolver um trabalho que considerasse a importância da família no cuidado da
pessoa com deficiência.
A APAE de São José de Ubá, de cunho filantrópico, oferece aos seus
usuários um tratamento diferenciado, buscando resgatar a auto-estima das pessoas
com deficiência, oferecendo serviços e atendimentos especializados. Visando a
inclusão dos mesmos na sociedade, com possibilidades de uma melhor expectativa
de vida. A instituição também busca conscientizar as famílias de seu papel
preponderante no processo de socialização e inclusão de seus filhos na vida social e
produtiva.
Diante dessa perspectiva vivenciada na APAE de São José de Ubá, o
presente trabalho tem por objetivo refletir sobre a importância da família no cuidado
às pessoas com deficiência, destacando as dificuldades da mesma em lidar com o
seu membro deficiente, como se deu o processo de aceitação, as leis de amparo
que surgiram e o trabalho do assistente social em acompanhar e auxiliá-los nesta
trajetória.
Como metodologia de estudo buscou-se fazer uma revisão bibliográfica em
fontes de dados, livros, revistas e sites brasileiros, para, assim, estar conduzindo a
uma reflexão da atual situação em que se encontram as famílias e as pessoas com
deficiência.
Para elucidar, clarear as questões a serem apresentadas foram utilizadas as
diretrizes dos seguintes autores: Aranha (2001), Bisneto (2007), Corrêa (s/d), Costa
(2005), Figueira (2008), Freire (1996), Giordono (1995), Goffmam (1975), Gugel
(s/d), Iamamoto (2001), Martinelli (2002), Mioto (2000), Platt (1999), Sassaki (1999),
Sposati (2008), entre outros. E o trabalho está dividido em três capítulos para
abordar toda a trajetória percorrida.
No primeiro capítulo, buscou-se apontar a trajetória histórica da pessoa com
deficiência, percorrendo desde a antiguidade até os dias atuais. Trajetória esta,
marcada por grandes lutas, discriminação, preconceito, exclusão social, mas,
também, marcada por conquistas e avanços em diversas áreas, principalmente no
que se refere às leis de amparo social.
Além disso, destacou-se como o deficiente se enquadrou na sociedade atual,
que sofreu várias mudanças e onde algumas leis se efetivaram fazendo valer os
seus direitos. E que a inclusão social se originou por diversas influências, sendo o
princípio fundamental da valorização. O reconhecimento e a busca por uma
sociedade inclusivista vêm com uma longa luta para aceitação e conscientização
das pessoas em prol de suas conquistas. E os movimentos sociais têm buscado
unanimidade para uma política de inclusão de pessoas com deficiência na
sociedade.
No segundo capítulo, será abordado como se dá a relação familiar desses
indivíduos, como é a reação dos mesmos com a chegada de algo inesperado.
Conceituará a família enquanto espaço de cuidado, sua função e a real importância
dela na vida do deficiente, mostrando as dificuldades e as tensões que a mesma
enfrenta.
Com a chegada de uma criança com deficiência, geralmente torna-se algo
bastante traumático e um momento de grandes mudanças, dúvidas e confusão. A
maneira como cada família lida com essa situação, influenciará decisivamente na
construção da identidade do grupo familiar e, conseqüentemente, na identidade
individual de seus membros
O impacto que uma criança com deficiência causa sobre a família fará com
que o grupo familiar seja obrigado a desconstruir seus modelos de pensamento e a
recriar uma nova gama de conceitos que absorva essa realidade. Os familiares
passam pela fase da negação até a aceitação das diferenças de seus membros.
Neste sentido, a superação é um dos primeiros desafios a serem
ultrapassados. Quando a criança com deficiência deixa de ser vista pelo seu déficit e
passa a ser entendida como uma pessoa integral plena de significado, decorrem
desse novo olhar atitudes e posturas que possibilitarão o desenvolvimento da
mesma.
A família que possui um ou mais membros com deficiência é a primeira
integradora de seu filho na sociedade, tendo de aprender a conviver e, também, a
ensinar-lhe as primeiras lições de vida. É principalmente a família que propicia
possibilidades de aprender a amar, de formar sua personalidade e, de desenvolver
11
sua auto-imagem. O sistema de relações familiares é que deve possibilitar o
desenvolvimento de cada um de seus membros para que possam no sentido de
exercer plenamente suas funções enquanto pai, mãe, irmãos.
A participação das famílias das pessoas com deficiência é decisiva no
processo de integração/inclusão e imprescindível para a construção de uma
sociedade inclusiva e participativa.
No capítulo quatro, ressaltou-se a importância da intervenção profissional na
superação das dificuldades da família no cuidado da pessoa com deficiência,
mostrando como a intervenção profissional pode auxiliar e como a ação do
assistente social pode ajudar na efetivação de seus direitos e na apropriação do
conhecimento.
Nesse sentido, o Serviço Social lida com a questão social, sendo o assistente
social um profissional criador e inovador para desenvolver o seu trabalho,
contribuindo, conscientizando, sensibilizando, orientando e proporcionando à família
o acesso a seus direitos. É um profissional propositivo, também mediador, que
busca estratégias e que esteja embasado nos princípios ético-políticos estabelecidos
pelo Código de Ética da profissão. É de extrema importância que haja uma relação
positiva entre o profissional e a família, pois tal é a base para o desenvolvimento do
tratamento dessas pessoas.
12
1 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA
1.1 MOVIMENTO HISTÓRICO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Desde os primórdios da história da humanidade, a pessoa com deficiência é
alvo de preconceito e exclusão. Esses eram considerados indivíduos inválidos,
indivíduos sem valor, socialmente inúteis, um fardo para a família e para a
sociedade, tendo assim, que transpor inúmeros obstáculos sociais até os dias
atuais, em consequência de uma visão totalmente distorcida das necessidades que
as pessoas com deficiência apresentam.
As barreiras impostas pelo preconceito e discriminação social se tornam,
muitas vezes, maiores e mais difíceis de serem vencidas que as barreiras físicas
impostas pela própria deficiência.
Ao longo da história, os deficientes tiveram de enfrentar grandes dificuldades
para serem reconhecidos como cidadãos. Portanto, faz-se necessário focalizar e
buscar na história da deficiência o conjunto de mudanças e idéias deste processo,
desde a Antiguidade, a Idade Média até aos dias atuais.
Observam-se, na história, várias caracterizações relativas às pessoas com
deficiência, tais como:
[...] castigo dos deuses, como experiência trágica da vida, como possessão
por demônios, como poderes sobrenaturais. Era considerada como
experiência diferente de vida, ora apreciada, ora combatida, dependendo da
sociedade em que se expressava, ou de como se manifestava nos
diferentes contextos (BISNETO, 2007, p. 173).
No decorrer da história a pessoa com deficiência sempre foi considerada
como um elemento negativo, um ser inferior dentro da sociedade e, dependendo da
cultura na qual estava inserida, era eliminada ou abandonada através de práticas
cruéis.
Em passagens bíblicas1 observamos que o manco, o aleijados, eram citados
como pedintes ou excluídos da sociedade, pois se pensava que estes eram
amaldiçoados.
Gugel (s/d) afirma que:
Evidências arqueológicas nos fazem concluir que no Egito Antigo, há mais
de cinco mil anos, a pessoa com deficiência integrava-se nas diferentes e
hierarquizadas classes sociais (faraó, nobres, altos funcionários, artesãos,
agricultores, escravos). A arte egípcia, os afrescos, os papiros, os túmulos e
as múmias estão repletos dessas revelações. Os estudos acadêmicos
baseados em restos biológicos, de mais ou menos 4.500 a.C., ressaltam
que as pessoas com nanismo não tinham qualquer impedimento físico para
as suas ocupações e ofícios, principalmente de dançarinos e músicos.
Outra questão relevante era a valorização da beleza do corpo que fazia com
que os deficientes fossem rejeitados e excluídos, pois eram feios e malformados.
Sempre que nascia uma criança com deficiência na Grécia esta era condenada à
morte. A civilização grega detinha-se aos mitos para explicar e segregar aqueles que
não se encaixavam no perfil aceitável. Com base nos deuses descreviam o padrão
saudável de cidadão, rejeitando a fraqueza e aqueles que eram considerados feios.
Tal fato se comprova na descrição dos heróis e heroínas gregas, como por exemplo:
Hércules, Zeus e Afrodite, que possuíam tanto a beleza como a capacidade física
(GOFFMAN, 1975).
Historicamente, as leis romanas não se mostravam propícias às pessoas que
nasciam com alguma deficiência. Quando alguma criança nascia com alguma
deformidade física, aos pais era permitida a prática do afogamento. Os mesmos
abandonavam seus filhos em cestos no Rio Tibre, ou em lugares que eles
consideravam sagrados. Quando sobreviviam, "eram explorados nas cidades por
esmoladores, ou passavam a fazer parte de circos para o entretenimento dos
abastados" (GUGEL, s/d).
1 Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos
perguntaram-lhe: "Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?" Jesus
respondeu-lhes: "Isso não tem nada a ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim
para se manifestarem nele as obras de Deus". [...] Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um
pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: "Vai lavar-te à piscina de Siloé"; Ele foi,
lavou-se e voltou a enxergar [...] (GUGEL, s/d).
14
A esmola na Roma Antiga era um negócio muito favorável e muito rendoso
para algumas pessoas, pois algumas crianças foram raptadas quando eram muito
pequenas para serem "mutiladas" e para servirem de "pedintes" nos templos, nas
ruas e nas praças (CORRÊA, s/d, p.11).
Neste contexto, devido à predominância do pensamento mítico2os homens se
baseavam nos mitos para explicar a realidade e os fatos que fugiam à razão. Assim,
havia a preeminência do sobrenatural e mistérios como elementos constitutivos da
identidade social (FREITAS, MARQUES, 2007).
Na Idade Antiga, as sociedades ocidentais concentravam-se economicamente
na agricultura, pecuária e artesanato. Essas atividades eram executadas pelos
povos que não detinham qualquer poder político, econômico ou social. Assim a
massa era considerada pela nobreza como bens de posse e uso e a estas servia e
obedecia, sendo tratada de forma sub-humana. Nessa visão, a vida humana só era
valorizada pelos nobres em função da utilidade em satisfazer suas necessidades e
desejos. A pessoa com deficiência, nesse contexto, não tinha utilidade, portanto seu
extermínio não representava um problema ético ou moral (ARANHA, 2001).
A ocupação de palhaço ou bobo da corte era reservada aos retardados
daquela época, na qual eles deveriam fazer rir os hóspedes dos nobres para assim
os mesmos poderem se divertir (KANNER3, 1964 apud ARANHA, 2001).
Muitos deficientes foram sacrificados pelo fato de serem diferentes das outras
pessoas na Grécia Antiga, devidamente ao culto ao corpo e à perfeição que alguns
não possuíam. Na República de Platão estava registrado: "Quanto aos filhos de
sujeito sem valor e aos que foram mal constituídos de nascença, as autoridades
esconderão", como convém, num lugar secreto que não deve ser divulgado
(BRASIL/SEESP4, 1997 apud CORRÊA, s/d, p.12).
Em Atenas eram realizadas festas com banquetes para comemorar o
nascimento de uma criança, onde os pais levantavam as mesmas e as mostravam
para as pessoas. Caso essa comemoração não acontecesse era sinal de que esta
criança não sobreviveria, caberia então ao pai realizar o próprio extermínio do filho,
2 Este pensamento mítico concebia ao mundo uma obra divina sendo dominada pelo Criador.
Predominou no Ocidente, durante a Antiguidade. E fez com que o desenvolvimento do espírito
investigativo fosse omitido em favor de uma observação metafísica da natureza. Portanto, as obras
científicas não tinham tanto valor neste período, não significando que as mesmas não fossem
possíveis (COSTA, 2005).
3 KANNER, L. (1964). A History of the care and study of the mentally retarded. Springfield, Illinois:
Charles C. Thomas Publisher.
4 Deficiência Mental. Brasília: MEC/SEESP, 1997. (Série Atualidades Pedagógicas; n.3).
15
porém, aqueles que não passavam por esse processo eram abandonados e
"sujeitos à própria sorte". Em Esparta, as crianças que possuíam alguma deficiência,
seja ela física ou mental, eram consideradas "subumanas" e, também por esse
motivo, eram eliminadas ou abandonadas. No entanto, era costume da época lançar
essas crianças "defeituosas em um precipício" (CORRÊA, s/d, p12).
Ainda em Esparta pelos costumes da época, quando nascia um bebê em
famílias importantes, a criança era examinada por uma comissão oficial formada
pelos anciãos da época, que se reuniam para estar conhecendo essa nova criança.
Eram anotados todos os dados relativos aos bebês. Se nascessem com saúde,
saudável e forte, eram devolvidos aos pais para que cuidassem dos filhos até os
sete anos de idade e depois caberia então ao Estado educá-los e também o dever
de transformá-los em guerreiros. Por outro lado, "[...] quando a criança parecia
franzina e feia, esses mesmos anciãos ficavam com a criança e levavam-na a um
lugar chamado Apothetai, que significa depósito". Tratava-se de um abismo, em uma
cadeia de montanhas próxima a Esparta, e lá a criança era lançada e acabava por
encontrar a morte (SILVA5, 1987 apud CORRÊA, s/d, p.12).
Quando as pessoas com deficiência não eram sacrificadas ou mortas, em
alguns lugares eram consideradas pessoas possuídas pelo demônio, necessitando,
porém, de purificação para a alma (CORRÊA, s/d).
Com o surgimento do cristianismo no Império Romano, a doutrina que se
pregava era o amor entre as pessoas e a caridade. No entanto, pôde-se combater a
eliminação dos filhos nascidos com deficiência. E os cristãos foram perseguidos por
alterarem as concepções romanas a partir do século IV. Com isso, as classes menos
favorecidas sentiram-se acolhidas com essa nova visão (GUGEL, s/d). Neste
período os deficientes passaram a ter alma não podendo, assim, serem
abandonados, eliminados ou maltratados, porque esse costume não era mais
favorável e aceitável à moral cristã.
Um grande exemplo de como era o tratamento dispensado aos deficientes na
mitologia dessa época é o mito de Héfesos, o deus do fogo que foi jogado no mar
por seus pais, por ser de aparência bruta e coxo (FREITAS, MARQUES, 2007).
Quando o deficiente aparecia com marcas no corpo feitas com cortes e fogo,
era ritualmente uma pessoa poluída e considerada um escravo, um criminoso ou um
5 SILVA, O. M. A epopéia ignorada: a pessoas deficiente na história de ontem e de hoje. São Paulo:
CEDAS, 1987.
16
traidor, que de acordo com os costumes deveria ser evitada, principalmente em
lugares públicos. Criaram, pois, este estigma para evidenciar algo de extraordinário
ou mau sobre o status moral de quem os apresentava (GOFFMAN, 1975).
Para Amaral (1994, p. 14), a pessoa com deficiência oscilava entre dois pólos:
Um sinal da presença dos deuses ou da presença dos demônios, ou algo da
esfera do supra-humano ou do âmbito do infra-humano. Do venerável saber
do oráculo cego à ?animalidade? da pessoa a ser extirpada do corpo sadio
da humanidade.
Na Idade Antiga, a pessoa com deficiência não era sequer considerada um
ser humano. Já no período medieval, a concepção de deficiência passou a ser
metafísica, de natureza religiosa, sendo a pessoa com deficiência considerada ora
demoníaca, ora possuída pelo demônio, ora "expiador de culpas alheias, ou um
aplacador da cólera divina a receber, em lugar da aldeia, a vingança celeste, como
um pára-raios" [...] (PESSOTTI6, 1984, p.5-6 apud ARANHA, 2005, p.11).
Na Idade Média, com o desenvolvimento da religião e a questão da
bruxaria/feitiçaria, a interpretação da deficiência passou a se concentrar ora como
manifestação do divino, ora como manifestação do maligno. A igreja possuía poder
tanto para salvar, absolver, como condenar, excomungar (ARANHA, 2005).
O homem, independente da sua situação social e financeira, cria que os
males davam-se de forma misteriosa e que a deficiência física também estava na
mente, desqualificando aquele que a possuía (CARMO7, 1991 apud PLATT, 1999).
O Cristianismo trouxe mudanças no tratamento que até então era dispensado
aos deficientes, como por exemplo, a questão do abandono, que antes era apoiado
socialmente, passou então a ser condenado por sentimentos de caridade e
misericórdia. Ainda que as pessoas com deficiência continuavam segregadas em
conventos e igreja e sendo alvo do preconceito existente (GIODORNO, 1995).
Com a propagação dos ideais cristãos neste período, o deficiente passou a
ser considerado como humano e também como um possuidor de alma, embora
todos os preconceitos ainda existissem. Dessa forma, quando a Igreja entendia que
6 Pessotti, Isaias. Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: T.A. Queiroz, 1984.
7 CARMO, Apolônio A. do. Deficiência Física: a realidade brasileira cria, recupera e discrimina.
BRASIL: MEC/Secretaria do Desporto, 1991.
17
era a encarnação do mal o motivo da deficiência, a pessoa era condenada à
fogueira (ARANHA, 1995).
Mesmo a Igreja zelando pelos deficientes, não houve nenhum esforço em
termos de tratamentos específicos à pessoa com deficiência. O fato é que as
pessoas com deficiências físicas ou mentais eram ignoradas, buscando
sobrevivência na caridade humana. Apesar das transformações no trato com essas
pessoas, as relações ainda eram marcadas pela segregação e pela contradição
castigo/caridade, pois ao mesmo tempo em que o deficiente tinha abrigo, proteção e
alimentação também passavam a receber castigo quando incorria em condutas
imorais. Alguns admitiam que o deficiente era possuído pelo demônio, permitindo,
assim, o exorcismo com flagelação para expulsá-lo (CORRÊA, s/d).
No século XVII, as instituições religiosas começaram a oferecer assistência e
dar subsídios às pessoas com deficiência. Como foi o caso das "Irmãs de Caridade
e São Vicente de Paulo", onde abrigavam crianças pobres, abandonadas, doentes e
deficientes (CORRÊA, s/d, p.19).
Com o desenvolvimento da ciência, a religião passou a ser questionada e
seus dogmas começaram a ser desafiados com os novos estudos e idéias que
foram surgindo na época. Essas novas idéias foram sendo produzidas tanto na área
da medicina, como na filosofia e na educação fortalecendo a visão organicista8. A
relação da sociedade com as pessoas com deficiência a partir desse período passou
a se diversificar, caracterizando-se por iniciativas de institucionalização e tratamento
médico (ARANHA, 2001).
Dessa forma, a deficiência então começou a ser vista como um problema
médico pelo fato da mesma se deslocar do campo espiritual para o campo orgânico
e passou a ser diagnosticada e tratada pelos médicos com métodos utilizados pela
medicina, ainda que esses métodos estivessem em desenvolvimento (PESSOTTI9,
1984 apud ARANHA, 2001). Segundo eles caberia aos médicos a decisão a ser
tomada relativa ao destino e à vida dessas pessoas.
Corrêa (s/d, p.19) afirma que "com a visão naturalista da atividade intelectual,
a mente foi entendida como uma página em branco, sem qualquer letra, sem
qualquer idéia". E segundo Locke "o homem é uma tábula rasa a ser preenchida
8 A visão organicista defende que as deficiências são causadas por fatores naturais e não por fatores
espirituais, transcendentais (ARANHA, 2005).
9 Pessotti, Isaias. Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: T.A. Queiroz, 1984.
18
pela experiência". (ARANHA, 2001, p.7). Portanto caberia ao ensino suprir as
carências existentes da época.
Mesmo com os avanços até então alcançados, a maioria da população em
geral ainda não tinha acesso às informações verídicas relacionadas à deficiência. No
entanto, Mazzotta10 (1999 apud CORRÊA, s/d, p.22), faz uma crítica pessimista
fundamentado na idéia de que a condição de "incapacitado", "invalidado" e
"deficiente" era, portanto, uma condição inflexível. Mas, foi somente a partir do
século XVIII, é que as iniciativas da sociedade começaram desde então a aparecer
para organizarem medidas e propor ações, que visassem o atendimento às pessoas
com deficiência.
A partir do século XIX, se percebia que as pessoas com deficiência não só
precisavam de hospitais e abrigos, mas também de um apoio, e de atenção da
população. É nesse período que se inicia a constituição de organizações para
estudar os problemas de cada deficiência. Difundem-se então os orfanatos, os asilos
e os lares para crianças com deficiência física. Grupos de pessoas organizam-se em
torno da reabilitação dos feridos para o trabalho, principalmente nos Estados Unidos
e Alemanha (GUGEL, s/d).
O século XX trouxe avanços importantes para as pessoas com deficiência,
sobretudo em relação às ajudas técnicas ou elementos tecnológicos assistidos. Os
instrumentos que já vinham sendo utilizados - cadeira de rodas, bengalas, sistema
de ensino para surdos e cegos, dentre outros - foram se aperfeiçoando. A
sociedade, não obstante as sucessivas guerras, organizaram-se coletivamente para
enfrentar os problemas e para melhorar o atendimento da pessoa com deficiência
(GUGEL, s/d).
Assim, ao longo do tempo as pessoas com deficiência passaram por fases de
eliminação, abandono, alienação, segregação, integração e inclusão. Porém, ainda
vivemos momentos de transição, onde a pessoa com deficiência por conta própria
tem de se adequar às exigências da sociedade.
10 MAZZOTTA, M. J. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Paulo: Cortez, 1999.
19
1.2 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA
Historicamente no Brasil, a pessoa com deficiência era tratada também como
um ser a se adequar, em muitos casos segregada e sendo vítima do preconceito.
SILVA11(1987, p.273 apud ARANHA, 2005, p.25-26) afirma que:
[...] também no Brasil a pessoa com deficiência foi considerada por vários
séculos dentro da categoria mais ampla dos "miseráveis", talvez o mais
pobre dos pobres [...] os mais afortunados que haviam nascidos em berço
de ouro ou pelo menos remediado, certamente passaram o resto de seus
dias atrás dos portões e das cercas vivas das suas casas de campo ou nas
fazendas de suas famílias. Essas pessoas deficientes menos pobres
acabaram não significando nada para em termos de vida ou política do
Brasil, permanecendo como um peso para suas respectivas famílias.
Relatos descrevem que entre os índios brasileiros, antes da chegada dos
portugueses, eram aceitáveis sacrifícios de crianças que nasciam com deformidade
de acordo com o padrão normal. Muitas histórias do imaginário popular nasceram do
desconforto de se conviver com deficientes, como por exemplo, o curupira e o sacipererê
(MARTINS12, 1939 apud FIGUEIRA, 2008).
Outra questão relevante na evolução do tratamento ao deficiente na
sociedade brasileira é a chegada dos escravos africanos, que, devido aos castigos
físicos que sofriam, tinham o corpo marcado e muitas vezes mutilado. (FIGUEIRA,
2008).
Silva13 (1987, p. 284 apud ARANHA, 2005, p.26) argumenta que, após anos
de colonização, "tal e qual como entre os demais povos, e no mesmo grau de
incidência, o brasileiro exibiu casos de deformidades congênitas ou adquiridas.
Foram comuns os coxos, cegos, zambros, corcundas".
No Brasil, muitos dos africanos que foram trazidos à força como escravos
sofreram muitos castigos físicos, chegando mesmo a terem o corpo marcado pelos
maus tratos a eles atribuídos. Muitas das vezes estes eram "vítimas de raquitismo,
11 SILVA, O. M. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história de ontem e de hoje. São Paulo:
CEDAS, 1987.
12 MARTINS, C. F. P. von. Natureza, Doenças, Medicina e Remédio dos Índios Brasileiros. São Paulo;
Nacional, 1939.
13 SILVA, O. M. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história de ontem e de hoje. São Paulo:
CEDAS, 1987.
20
de beribéri, de escorbuto, ou seja, das síndromes mais sérias denotadoras de
carências alimentares" (SILVA14, p.281 apud ARANHA, 2005, p.26).
Ainda no século XVII começou a criação de internatos. Esse tirocínio15 a favor
da caridade pôde instituir o caráter assistencialista que permeou a atenção à pessoa
com deficiência, no país, e à educação especial, desde seu início. As instituições
foram assumindo uma natureza de asilos, destinadas ao acolhimento de pessoas
inválidas (ARANHA, 2005, p.27-28).
A partir de 1920, deu-se inicio "a expansão das instituições de educação
especial, caracterizada principalmente pela proliferação de entidades de natureza
privada, de personalidade assistencial" (ARANHA, 2005, p.28).
A propagação de entidades assistenciais privadas na década de 50 continuou
e ampliou o número de atendimentos na rede pública. As entidades assistenciais se
uniram em federações estaduais e nacionais. O sistema público começou a oferecer
Serviços de Educação Especial e a realizar Campanhas Nacionais de Educação do
Deficiente (ARANHA, 2005).
A partir de 1960, o Brasil foi palco do surgimento de "centros de reabilitação
para todos os tipos de deficiência, [...] voltados para os objetivos de integração da
pessoa com deficiência na sociedade e suas diversas instâncias" (ARANHA, 2005,
p.30). Momento este em que a sociedade busca inserir as pessoas com deficiência
no meio social e também em diversas áreas, tais como: educação, lazer, trabalho
entre outras.
No final da década de 1970 foi à grande explosão da criação das instituições.
Os deficientes passaram a ser atendidos em "instituições especializadas ou em
ambientes semelhantes" ao que estavam acostumados. Estes ambientes artificiais
eram criados para mantê-los ainda mais segregados. E aconteceu neste período o
grande movimento no sentido da integração (CORRÊA, s/d, p.96).
A segregação sempre marcou a vida do deficiente. Para Amaral16 (1994, p.40
apud CORRÊA, s/d, p.96), ela se apóia no: [...] "tripé preconceito, estereótipo e
estigma". [...] "o preconceito gera o estereótipo, que cristaliza o preconceito, que
14 SILVA, O. M. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história de ontem e de hoje. São Paulo:
CEDAS, 1987.
15 Prática, aprendizado, experiência, conhecimento e exercício
16 AMARAL, Lígia Assumpção. Pensar a diferença/deficiência. Brasília: CORDE, 1994.
21
fortalece o estereótipo17 que atualiza o preconceito [...] um círculo vicioso [...] e o
estigma18 colabora com essa percepção". Portanto, percebe-se que o preconceito é
um dos maiores obstáculos existente para que haja a aproximação das pessoas.
Heller19 (1989, p.57 apud CORRÊA, s/d, p.97) afirma que:
O homem predisposto ao preconceito rotula o que tem diante de si e
enquadra. [...] Ao fazer isso habitualmente, passa por cima das
propriedades do indivíduo [...] o homem predisposto não se deixa
impressionar sequer pelas qualidades éticas do individuo.
É preciso reconhecer que o preconceito e a diferença existem para começar a
superá-los. Conviver com indivíduos diferentes, como são as pessoas com
deficiência, contribui para o avanço desse processo.
Neste mesmo período, iniciaram-se as primeiras reuniões preparatórias, onde
buscou-se encontrar as raízes históricas do movimento brasileiro das pessoas com
deficiência. Segundo Candido20 (1990 apud FIGUEIRA, 2008, p.126):
Surgia em São Paulo uma grande apreensão por parte dos portadores de
deficiência mais conscientes frente ao agravamento da situação econômica
do país e as conseqüências desta situação sobre o segmento dos
portadores de deficiência. Esta apreensão foi se transformando em ações
mobilizadoras e organizativas, contagiando portadores de deficiência,
profissionais ligados à área e algumas instituições de assistência aos
deficientes e associações de deficientes existentes.
Sassaki21 (1997, p.8 apud FIGUEIRA, 2008, p.137) enfatiza que a história do
movimento de pessoas com deficiência no Brasil contém uma enorme quantidade de
"fatos, realizações, frustrações, sucessos e fracassos, e, sobretudo muitas lutas,
muitas horas de trabalho duro e muitos objetivos atingidos em quase todas as
cidades".
Com a mobilização das pessoas com deficiência cria-se uma nova ética,
pautada de plena participação e da equiparação de oportunidades, que se baseava
17 "Neste caso, significa um padrão formado de idéias preconcebidas e alimentado pela falta de
conhecimento real sobre o assunto em questão. Próximo, portanto, das falsas generalizações e do
processo" (HOUAISS, 2001 apud CORRÊA, s/d, p.96).
18 "É um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo. Um atributo profundamente
depreciativo" (CORRÊA, s/d, p.96).
19 HELLER, Agnes. 3.ed. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
20 CANDIDO, Antônio. Radicalismos. Estudos Avançados, 1990.
21 SASSAKI, Romeu Kazumi. Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
22
no respeito das diferenças individuais como único meio de se atingir a igualdade
social (FIGUEIRA, 2008).
Na década de 1980, a tentativa de "integração" estava, então, baseada no
"princípio predominante da Educação Especial - o MAINSTREAMING22" -, que
levaria os alunos aos "serviços educacionais disponíveis na comunidade". Estariam
divididos em classes regulares ou com aulas de disciplina (CORRÊA, s/d, p.97).
No entanto, foi se levantado uma crítica quanto a esta forma de integrá-los,
pois os alunos não estariam participando de grupo nenhum, era só uma simples
colocação do deficiente nas salas de aula (SASSAKI23, 1997 apud CORRÊA, s/d).
A Lei de Diretrizes e Bases veio explicar o verdadeiro compromisso que o
poder público brasileiro tinha com a educação especial, momento este em que
ocorria um aumento crescente das escolas públicas no País (ARANHA, 2005). Esta
lei veio para reorganizar a educação e contemplar novas medidas de ensino.
Em 1981 foi o ano Internacional da Pessoa Deficiente, ano em que veio
motivar uma sociedade que clamava por transformações significativas, para debater,
organizar-se, e estabelecer metas e objetivos que estariam encaminhando novos
desdobramentos importantes (ARANHA, 2005).
Este período foi de suma importância, pois mudou a experiência das pessoas
com deficiência no mundo, deixando de ficar às margens dos acontecimentos.
Passaram a mudar seu lugar social. As próprias pessoas começaram a ter
consciência de si como cidadãos, passando a se organizarem em grupos,
associações, etc. (FIGUEIRA, 2008).
No Brasil, a Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988, foi
um marco histórico para a sociedade brasileira e contribuiu muito para o avanço e a
legalização dos direitos das pessoas com deficiência. Abriu novas possibilidades
para a construção de uma esfera pública e democrática no país. Rompeu com o
modelo assistencialista até então operante, assegurando a igualdade de
oportunidades. Reconheceu-se que a sociedade é caracterizada pela diversidade,
pois é constituída de indivíduos diferentes entre si.
22 Significa "corrente principal" e seu sentido é semelhante a de um canal educativo geral que traz
todo tipo de aluno com ou sem capacidade ou necessidade específica (MONTOAN, 1997 apud
CORRÊA, s/d).
23 SASSAKI, Romeu Kazumi. Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
23
Na década de 1990, para o deficiente obter sucesso, teria que se esforçar
bastante, pois, surgiram críticas que caberia a eles superar as barreiras existentes.
A sociedade fazia muito pouco em termo de adaptação "física e práticas menos
segregativas" pelas pessoas com deficiência (CORRÊA, s/d, p.97).
O principal marco desse movimento foi a Declaração de Salamanca de 1994,
que passou a comprometer com a construção de um sistema educacional inclusivo,
principalmente no que se refere à população de alunos com necessidades
educacionais especiais. Portanto, a escola seria o meio mais eficaz para combater
as atitudes discriminatórias existentes. Seria um começo de uma sociedade mais
justa, mais solidária, pois a educação é o alicerce fundamental, no qual é resgatado
o respeito pelo outro e também é exercitada a cidadania. (CORRÊA, s/d). E também
dizia respeito ao movimento pela inclusão da família, ou seja, a interação dos pais, e
outras pessoas que indiretamente implicam uma parceria com a família no processo
de integração/inclusão das pessoas com deficiência.
Assim, várias foram as mudanças ocorridas no decorrer dos séculos, tanto no
que diz respeito à estrutura social, á política e á economia da sociedade, como
também nas concepções assumidas na leitura e análise sobre a realidade.
A trajetória histórica revela que a pessoa com deficiência sempre foi
marginalizada, sendo vítima da própria deficiência e da exclusão proporcionada pela
sociedade.
O próprio mundo insere esses indivíduos nas desigualdades, remetendo-os a
uma inferioridade, rotulando-os, enquanto pessoas inválidas, fazendo disso um
déficit e uma anormalidade diante da sociedade. Não se pode esconder a limitação
corpórea e/ou mental que essas pessoas com deficiência possuem, mas não se
pode deixar de enxergar as inúmeras possibilidades de desenvolvimento das
mesmas.
Para Ramos (2008, p.54) as pessoas com deficiência devem ser
reconhecidas como pessoas, o que "implica no reconhecimento de que possuem
capacidade de usufruir e exercer direitos em todos os aspectos da vida".
Provocando com isso, uma "ruptura na clássica separação" que reconhecia a todos
os seres humanos a capacidade de direito, consistente em usufruir de todos os
direitos e liberdades fundamentais, ao passo que limitava a capacidade de exercício
desses direitos em razão da condição de deficiência.
24
Portanto, faz-se necessário focalizar o conjunto de leis que garantem o
acesso e os direitos das pessoas com deficiência na sociedade. No artigo 5º, da
Constituição Federal de 1988, destaca a proibição de qualquer tipo de discriminação
em relação à pessoa com deficiência.
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: XLI ? a lei punirá qualquer discriminação atentatória
dos direitos e liberdade fundamentais [...] (BRASIL, 1988).
Todas as pessoas são iguais perante a lei e possuem os mesmos direitos e
deveres, sendo esses indivíduos, com deficiência ou não. A vida, sendo direito
fundamental, constitucionalmente protegido, é assegurada a todos os cidadãos,
assim, todos os direitos e benefícios que forem imprescindíveis para sua
preservação, seu bem-estar, devem ser concedidos sem limitações, resultando no
cumprimento integral das obrigações peculiares do Governo.
A lei de n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, que instituiu a Política
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, apresenta das
normas gerais, a garantia do exercício dos direitos e da efetiva integração social das
pessoas com deficiência, bem como os valores básicos da igualdade de tratamento
e oportunidades, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana e
outros, em seu artigo 2° refere-se:
Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de
deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos
à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo
à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e
das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
II - na área da saúde:
c) a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e
habilitação;
d) a garantia de acesso das pessoas portadoras de deficiência aos
estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado
tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados;
f) o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas
portadoras de deficiência, desenvolvidos com a participação da sociedade e
que lhes ensejem a integração social;
Na sociedade onde é encontrado o comprometimento das autoridades
públicas, a mesma encontra exemplos que a levam a refletir sobre os vários tipos de
25
deficiências e conseqüentemente ocorrerá mudanças no ponto de vista dos
indivíduos no aspecto da inclusão social. No entanto, não adianta prover igualdade
de oportunidades, se a sociedade não garantir o acesso da pessoa com deficiência
a essas oportunidades.
A mesma lei também garante:
I - na área da educação:
c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento
público de ensino;
III - na área da formação profissional e do trabalho:
d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de
trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da
Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização
de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação,
nelas, das pessoas portadoras de deficiência (LEI nº 7.853).
Portanto, tornar as oportunidades iguais significa criar condições
diversificadas, respeitando- as devidamente de acordo com as necessidades de
cada pessoa. E a principal área onde a igualdade de oportunidades pode gerar
transformações sociais é a da educação. Porém, a mesma não deve ser vista
apenas como um mero serviço, e sim como direito inerente a todo ser humano, para
que, dessa forma, possa construir as bases de uma sociedade inclusiva (PAULA,
2008).
Instituída em nível federal, através do decreto n° 3.298 a Política Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de
proteção, e de outras providências, que assim dispõe em seu artigo 1º:
A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar
o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras
de deficiência.
Portanto, toda pessoa é digna de respeito e todo indivíduo tem direito à vida,
sendo de extrema responsabilidade do poder público garanti-las, podendo o
indivíduo, dessa forma, gozar de seus direitos assim elencados.
Também a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, lei n° 8.742 de 07 de
dezembro de 1993, que regulamenta a Política de Assistência Social; inclui em seu
artigo 2° seus beneficiários específicos, a pessoa com deficiência.
26
A assistência social tem por objetivos:
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a
promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (LOAS,
1993).
A LOAS é especialmente prevista para atender a preservação do bem maior
que é a vida, sendo concedida pura e simplesmente para atender às necessidades
vitais do cidadão brasileiro. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), é um
benefício da assistência social, integrante do Sistema Único da Assistência Social ?
SUAS, cuja operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto Nacional
do Seguro Social ? INSS e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e
pessoas com deficiência às condições mínimas de uma vida digna. Os recursos para
custeio do BPC provêm do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Para
adquirir o benefício a pessoa com deficiência deve comprovar que é deficiente e
está incapacitado para o trabalho e para a vida independente; e o total de sua renda
mensal e dos membros de sua família, quando dividido pelos integrantes, seja
menor que um quarto do salário mínimo vigente (SPOSATI, 2008).
Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela
lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, preconiza os direitos das crianças e dos
adolescentes independentes de serem pessoas com deficiência.
§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão
atendimento especializado.
§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que
necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao
tratamento, habilitação ou reabilitação (ECA, 1990, art.11).
E no capítulo V da mesma lei no que se refere ao direito à profissionalização
e à proteção no trabalho, no art. 66 diz que "ao adolescente portador de deficiência é
assegurado trabalho protegido". E no art.54 diz:
É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
III ? atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
27
É de responsabilidade do poder público fornecer todos os recursos para
aqueles que necessitarem.
O direito à igualdade perante a lei e em virtude dela é tido como regra de
equilíbrio entre as pessoas que têm e as que não têm uma deficiência, uma vez que
determina a todos que todas as pessoas formam a população de um país.
As doutrinas de direito constitucional dizem que verdadeira igualdade consiste
em tratar de maneira desigual os desiguais, isto é, oferecer as possibilidades de
acordo com suas necessidades (MELLO24, 1998 apud RESENDE, 2008). Para a
pessoa com deficiência significa que não pode haver nenhuma restrição ou
impedimento apenas em razão da deficiência, porém, deve-se ir além das restrições
para poder facilitar o acesso às oportunidades e que a igualdade seja estabelecida.
Dar a cada um aquilo que é necessário.
Deve-se enxergar as pessoas com deficiência como pessoas iguais às outras,
respeitando a peculiaridade do direito à igualdade em relação às pessoas
socialmente mais vulnerabilizadas, que não prescindem do tratamento prioritário
como forma de minimizar as diferenças e desigualdades do meio social (RAMOS,
2008).
No entanto, não basta apenas ter suntuosas leis, é preciso que tudo isso seja
efetivamente implementado através da participação ativa da sociedade civil.
Cabe à sociedade e também ao poder público a responsabilidade de
proporcionar as devidas possibilidades e condições de uma vida normal a quem a
vida deu caminhos diferentes.
Ainda existem diversas barreiras que devem ser eliminadas, que perpassam
desde a modificação da estrutura física dos ambientes à transformação da
mentalidade da sociedade em geral (OLIVEIRA, et al. 2004). A pessoa com
deficiência é parte integrante da população e não pode ser tratada de forma
negligenciada.
A sociedade deve buscar combater o preconceito existente e reconhecer a
igualdade essencial entre as pessoas, para que se torne uma atitude a fazer parte
da postura ética a ser adotada como valor e prática cotidiana.
Deve-se promover a igualdade de chances para que todos possam
desenvolver seus potenciais. Garantindo às pessoas com deficiência o direito de
24 MELLO, C. A. B. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
1998.
28
acesso aos bens da sociedade, à remuneração digna, direito ao trabalho, à
educação, à saúde, etc.(Instituto Ethos, 2002). Porém, as mesmas também têm
desejos, vontades e necessidades especiais e, para incluí-las na sociedade, é
necessário romper com este estigma que está enraizado entre as pessoas.
A inclusão parte do mesmo pressuposto da integração, que é o direito da
pessoa com deficiência ter igualdade de acesso ao espaço comum da vida em
sociedade. A diferença reside no fato de que enquanto na integração se "procura
investir no ?aprontamento? do sujeito para a vida na comunidade," na inclusão, além
de investir no processo de desenvolvimento do indivíduo, busca-se a criação
imediata de condições que garantam o acesso e a participação da pessoa na vida
comunitária, através da "provisão de suportes físicos, psicológicos, sociais e
instrumentais" (ARANHA, 2001, p.20).
Para Corrêa (s/d), enquanto na integração a pessoa se ajusta aos modelos,
aos valores e à forma como se encontra para conviver na sociedade, na inclusão, a
sociedade se prepara mudando sua estrutura seja ela social, econômica ou política
e também a sua forma de pensar, para, dessa maneira, estar recebendo as pessoas
com deficiência.
Sassaki (1999, p.33e 34) argumenta:
Pois a integração social, afinal de contas, tem consistido no esforço de
inserir na sociedade pessoas com deficiência que alcançaram um nível de
competência compatível com os padrões sociais vigentes. A integração
tinha e tem o mérito de inserir o portador de deficiência na sociedade, sim,
mas desde que ele esteja de alguma forma capacitado a superar as
barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes. Sob a ótica dos
dias de hoje, a integração constitui um esforço unilateral tão somente da
pessoa com deficiência e seus aliados (a família, a instituição especializada
e algumas pessoas da comunidade que abracem a causa da inserção
social), sendo que estes tentam torná-la mais aceitável no seio da
sociedade.
A sociedade deve eliminar todas as "barreiras físicas, programáticas e
atitudinais" para que as pessoas com deficiência possam ter acesso aos serviços,
aos lugares, às informações e aos bens necessários ao seu desenvolvimento
pessoal, social, educacional e profissional.
Segundo Fonseca25 (1994, p.18-19 apud CORRÊA, s/d, p.91):
25 FONSECA, V. Da integração como filosofia educacional. (Revista Vivência, Florianópolis, n.15,
1994).
29
A integração compreende um valor constitucional que, em si, deve
consubstanciar a aceitação da diferença humana. Mas esse valor terá que
respeitar a diversidade cultural e social e, em paralelo, a unidade das
pessoas humanas [...]. A integração é um movimento de inovação do
sistema de ensino [...] visa o alargamento de oportunidades e uma maior
capacidade de acomodação de crianças com necessidades especiais [...] a
integração constitui uma arte e uma ciência da individualização do ensino.
Apesar de todas as pessoas serem diferentes umas das outras, tem-se que
respeitar a individualidade de cada um. Segundo Forest e Pearpoint26 (1997, p.137
apud CORRÊA, s/d, p.100) "quanto maior a nossa diversidade, mais rica a nossa
capacidade de criar novas formas de ver o mundo".
Aranha (2001, p. 20-21) afirma que:
A inclusão social, portanto, não é processo que diga respeito somente à
pessoa com deficiência, mas sim a todos os cidadãos. Não haverá inclusão
da pessoa com deficiência enquanto a sociedade não for inclusiva, ou seja,
realmente democrática, onde todos possam igualmente se manifestar nas
diferentes instâncias de debate e de tomada de decisões da sociedade,
tendo disponível o suporte que for necessário para viabilizar essa
participação.
A inclusão social é um processo que contribui para a construção de um novo
tipo de sociedade através de transformações nos ambientes físicos ("espaços
internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e meios de
transporte") e também na mentalidade de todas as pessoas, inclusive das pessoas
com deficiência (SASSAKI, 1999, p. 42).
Para Capellini27 (2001, p.38 apud FROES, 2007, p.77), a idéia existente sobre
as restrições entre os indivíduos não estão nos sujeitos, mas sim na forma como a
sociedade concebe e acolhe suas peculiaridades. Para ele "uma sociedade onde há
inclusão é uma sociedade em que exista justiça social, em que cada membro tem
seus direitos garantidos e as diferenças entre as pessoas são aceitas como algo
normal". Neste processo a sociedade se adéqua às necessidades de seus membros,
para que dessa forma eles possam desenvolver e exercer plenamente sua
cidadania.
26 FOREST, M.; PEARPOINT, J. Inclusão: um panorama maior. In: MANTOAN, Maria Teresa Égler. A
integração de pessoas com deficiência. São Paulo: Memnon, 1997.
27 CAPELLINI, Vera Lúcia Messias Fialho Capellini. A inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais em classes comuns: avaliação do rendimento acadêmico. 2001. 222f.
Dissertação (Mestrado em Educação Especial) ? Universidade Federal de São Carlos, São Carlos,
2001.
30
Martins (2008, p.29) relata que:
Uma sociedade, portanto, é menos excludente, e, conseqüentemente, mais
inclusiva, quando reconhece a diversidade humana e as necessidades
específicas dos vários segmentos sociais, incluindo as pessoas com
deficiência, para promover ajustes razoáveis e correções que sejam
imprescindíveis para seu desenvolvimento pessoal e social, "assegurandolhes
as mesmas oportunidades que as demais pessoas para exercer todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais". É dentro deste paradigma
da inclusão social e dos direitos humanos que devemos inserir e tratar a
questão da deficiência.
A igualdade serve para que as diferenças advindas da deficiência não sejam
fatores de exclusão ou de marginalização social, já que garante a participação
destas pessoas como parte da população, pois o preconceito é um dos maiores
dificultadores do movimento de aproximação das pessoas.
Portanto, o homem sempre deve estar pronto para mudanças, não se deve
deixar levar pelas diferenças éticas de cada indivíduo, pois todos são iguais, sem
restrição. O preconceito deve se tornar inexistente e passar a incluir essas pessoas
de forma igualitária para que todos possam viver numa sociedade mais justa.
Para Mader28 (1997, p.17 apud CORRÊA, s/d, p.98):
Inclusão é o termo que se encontrou para definir uma sociedade que
considera todos os seus membros cidadãos legítimos. Uma sociedade em
que há a inclusão é uma sociedade em que existe justiça social, em que
cada membro tem seus direitos garantidos e em que sejam aceitas as
diferenças entre as pessoas como algo normal.
Portanto, uma sociedade para todos, que esteja consciente da diversidade da
raça humana, estaria, então, estruturada para atender às necessidades de cada
cidadão, desde as minorias às maiorias, dos "privilegiados aos marginalizados"
(Werneck29, 1997, p. 21 apud SASSAKI, 1999, p.160).
Assim sendo, uma sociedade inclusiva precisa ser baseada no respeito de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, diversidade cultural e
religiosa, justiça social e as necessidades especiais de grupos vulneráveis e
28 MADER, G. Integração da pessoa portadora de deficiência: a vivência de um novo paradigma. In:
MANTOAN, Maria Teresa Égler (org.). A integração de pessoas com deficiência. São Paulo: Memnon,
1997.
29 WERNECK, Claudia. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA,
1997.
31
marginalizados, participação democrática e a vigência do direito (NAÇÕES
UNIDAS30, 1995, p. 9 apud SASSAKI, 1999, p.165-166).
Uma sociedade inclusiva vai bem além de garantir apenas espaços
adequados para todos. Ela fortalece as atitudes de aceitação das diferenças de cada
indivíduo e também da valorização da diversidade humana e ressalta a acuidade do
concernir, da "convivência, da cooperação e da contribuição que todas as pessoas
podem dar para construírem vidas comunitárias mais justas, mais saudáveis e mais
satisfatórias" (SASSAKI, 1999).
O que se percebe é que a pessoa com deficiência não é excluída totalmente
das relações sociais. Ela é incluída nelas de forma a se perceber como coisa, pois
somente dessa maneira ela é percebida Isso porque é vista ainda hoje como
incapaz de produzir dentro dos padrões estabelecidos pelas instituições sociais.
Mediante a todas as conquistas no que se refere às pessoas com deficiência,
as mesmas ainda enfrentam grandes obstáculos quanto a sua participação e
aceitação na sociedade atual. A falta de informação, o preconceito ainda se faz
presente em todas as camadas populares. O necessário seria que a sociedade
tivesse uma consciência mais ampla, para, assim, estar rompendo com esse
estigma existente nos dias atuais.
Portanto, para que haja a verdadeira inclusão social, a sociedade deve ser
modificada para incluir todas as pessoas. Ela precisa ser capaz de atender às
necessidades de seus membros. E estar nivelando as oportunidades para todos os
indivíduos.
Para que se tenha uma sociedade que seja acessível e que dela todas as
pessoas possam participar, em igualdade de oportunidades, sem restrições, "é
preciso fazer desse ideal uma realidade a cada dia". As ações de cada "indivíduo,
das instituições e dos órgãos públicos, devem ser pensadas e executadas no
sentido de divulgar os direitos, [...] e programar ações que garantam o acesso de
todas as pessoas a todos os seus direitos". Sabe-se que mudar o contexto de uma
hora para outra é impossível (SILVA, 2008, s/d). O que se espera é que a igualdade
de oportunidades sejam para todos, sem distinção, pois a inclusão social no Brasil é
30 NAÇÕES UNIDAS. Normas sobre a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência.
Tradução por: Mansa do Nascimento Paro. São Paulo: CVI-AN/APADE, 1996. 49 p. Tradução de:
The standard rules on the equalization of opportunities for persons with disabilities Relatório da ONU
sobre a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social. Tradução por: Sperber S.C. Ltda. e Nikolaus
Karwinsky São Paulo: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, 1995.
32
um projeto a ser construído pela família, pelos diferentes setores públicos e também
pela população. No entanto, necessita de planejar, realizar experiências com a
comunidade, para, assim, detectar o que cada um necessita para poder estar
garantindo o acesso das pessoas com deficiência. Precisamos de um país mais
humano, justo e compromissado com seu próprio futuro e bem-estar. "A
democratização da sociedade brasileira passa pela construção de efetivo respeito a
essa parcela da população", que a duras custas procura conquistar um espaço ao
qual, por lei, tem direito (ARANHA, 2001, p.23).
Então, é necessário que sejam tomadas medidas imediatas, eficazes e
apropriadas para estar promovendo na sociedade o respeito pelos direitos e pela
dignidade das pessoas com deficiência, com o intuito de gerar, inclusivamente nas
famílias, o conhecimento sobre as suas reais condições, para estar rompendo com
essa "invisibilidade" e poder assumir, desta forma, o controle de suas vidas
(RESENDE, 2008).
As famílias também precisam de apoio, quando colocadas como "núcleo
inicial a favor de uma formação humana inclusiva", que aceita, respeita e valoriza a
diversidade, quase sempre as deficiências e as limitações passam a ser apenas
mais uma das características das pessoas (CNBB31, 2005 apud RESENDE, 2008,
p.43).
Para Resende, Júnior (2008, p. 81-82) a família é o principal grupo, em que
se desenvolvem os primeiros processos de desenvolvimento, sendo a primeira
instituição à qual o indivíduo pertence e onde se forma sua "base moral e
consciência social". É através da família que se recebem os valores sociais que
poderão influenciar em escolhas responsáveis para uma vida plena e o exercício da
cidadania em diferentes contextos. A família auxilia a construção do "autoconceito
da criança, de suas convicções, valores e atitudes a respeito de si mesma;
auxiliando o desenvolvimento do amor próprio e do senso de aceitação social à
medida que ficam mais velhas". Ao longo do desenvolvimento, a família e os amigos
intercalam papéis de importância na vida da pessoa, sempre relacionados à
manutenção do bem estar e da saúde, "à confirmação do existir e da aceitação
social".
31 CNBB ? Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Campanha da Fraternidade 2006: texto-base.
São Paulo: Editora Salesiana, 2005.
33
A importância da família no que diz respeito ao desenvolvimento de
habilidades individuais e sociais está clara e bem definida, pois ela faz parte do
sistema social e seu bom funcionamento permite atingir um equilíbrio na vida social.
34
2 A RELAÇÃO FAMILIAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
2.1 A FAMÍLIA ENQUANTO ESPAÇO DE CUIDADO
A família é a primeira escola significativa da criança no que diz respeito à
construção de relações sociais. É nela que a criança aprende a olhar o outro e a se
relacionar com outras pessoas. É também através da família que a criança aprende
sobre o mundo e vivencia valores e sentimentos. Sem dúvida a família é a base do
indivíduo, é o alicerce sobre o qual ele constrói a sua vida.
Para Ferreira (1999, p.15), "a família pode ser considerada como pessoas
aparentadas que geralmente vivem na mesma residência, podendo ser unidas por
parentesco, laço ou aliança".
Segundo Kaloustian (1988, p.22),
[...] a família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da
proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do
arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É a família que
propicia os aportes afetivos e, sobretudo materiais necessários ao
desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um
papel decisivo na educação formal e informal, e é em seu espaço que são
absorvidos o valor ético e humanitário, em que se aprofundam os laços de
solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre
as gerações e são observados valores culturais.
É indiscutível o papel da família na formação do indivíduo. Sua função vai
além de suprir suas necessidades afetivas, ultrapassa a veiculação de valores éticos
e morais. Ela também imprime marcas culturais profundas e enraizadas no ser
humano. Como sendo o primeiro e principal núcleo ao qual o ser humano pertence,
a família atua no sentido de amparar fisicamente, emocionalmente e socialmente os
seus membros.
Família é a unidade básica de desenvolvimento e experiência, realização e
fracasso, saúde e enfermidade. É o primeiro grupo a que pertence o
indivíduo e onde ele tem a oportunidade de aprender através de
experiências positivas (afeto, estímulo, apoio, respeito, sentir-se útil) e
negativas (frustrações, limites, tristezas, perdas) todas elas fatores de
grande importância para a formação de sua personalidade (ACKERMAN
apud CORTEZ32, 1997, p.28 apud CORRÊA, s/d, p.150).
Além disso, a família oferece ao indivíduo:
[...] um campo de treinamento seguro, onde as crianças possam aprender a
serem humanas, a amar, a formar sua personalidade única, a desenvolver
sua auto-imagem e a relacionar-se com a sociedade mais ampla e mutável
da qual e para qual nascem (BUSCAGLIA33, 1997, p. 84 apud BATISTA,
FRANÇA, 2007, p. 118).
Com isso, entende-se que a família é o primeiro suporte significativo para a
criança. É através dela que a criança descobre a existência de outras pessoas (pai,
mãe, irmão, irmã, avós e outros), cada qual com um papel previamente definido. A
partir daí a criança começa a aprender sobre o mundo e a vida através de cada
membro familiar (ASSUMPÇÃO JUNIOR34, 1993 apudMOURA, VALÉRIO, 2003).
Para Rocha35 (1983 apud OLIVEIRA et al., 2004, p.185):
A família pode ser concebida como uma unidade singular interposta entre a
cultura individual e a coletiva, filtrando as influências culturais mais amplas
em função de suas próprias regras culturais e sociais, seus valores e
crenças. Trata-se, portanto, de um grupo constituído de várias
personalidades que interagem entre si.
Gomes36 (1994 apud OLIVEIRA et al., 2004, p.185) descreve a família como
sendo "agente primário de socialização". Destaca que cada família possui valores,
crenças e costumes, que muitas vezes são transmitidos de geração em geração.
Powell37 (1992 apud OLIVEIRA et al., 2004, p.185) também considerada a
família como sendo um grupo "primário de nossa sociedade, dentro da qual o ser
humano se desenvolve". É através dessa interação familiar que desde cedo vai se
32 CORTEZ, M. L. S. Importância do trabalho com as famílias das pessoas portadoras de deficiência
mental. In: Congresso Brasileiro sobre a Síndrome de Down, 2, Encontro Latino-americano sobre a
Síndrome de Down, 1, 1997, Brasília. Anais...Brasília: SEEP/FNDE, 1997.
33 BUSCAGLIA, Leo. Os deficientes e seus pais. 3. Ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.
34 ASSUMPÇÃO JUNIOR, F. B. Deficiência mental, família, sexualidade. São Paulo: Memnon, 1993.
35 ROCHA, V. L. F. da. Atendimento de enfermagem em saúde mental com enfoque preventivo junto
a famílias em crise, 1983.
36 GOMES, Educação para família: uma proposta de trabalho preventivo. Rev. Bras. Cres. Des. Hum.,
São Paulo, v.4, n.5, 1994
37 POWELL, T. et al. Irmãos espeiciais. Técnicas de orientação e apoio para o relacionamento com o
deficiente. São Paulo: Maltese-Norma, 1992.
36
configurando a personalidade dos indivíduos e também através dessa interação é
que se determinam as características "sociais, éticas e morais da comunidade
adulta".
Tendo em vista que a família é o grupo primário, esta referencia e totaliza a
proteção, a socialização dos indivíduos, constituindo um mecanismo de iniciação e
aprendizado dos afetos e das relações sociais. A família não é apenas algo natural e
biológico. Ela é compreendida como uma rede de relações sociais e interpessoais,
que ultrapassa a consanguinidade, incorporando laços econômicos, jurídicos, sociais
e afetivos. É através da família que se aprende a perceber o mundo e a se situar
nele, sendo ela a responsável pela formação da primeira identidade, representando
dessa forma, a mediação entre o indivíduo e a sociedade.
Uma família saudável apresenta espaços de apoio, compreensão e aceitação.
De acordo com sua organização ela vai garantir a busca da realização de seus
membros e vai garantir a individualidade de cada um. É um local seguro onde serão
realizadas experiências que são de extrema importância para os membros que a
compõem (BATISTA, FRANÇA, 2007).
Ao longo da história brasileira, a família sofreu várias mudanças e
transformações importantes que interferiram diretamente na estrutura familiar. No
entanto, nos dias atuais não se pode falar de família, mas de famílias,
contemplando, assim, a diversidade de relações que envolvem o conjunto familiar
(PEREIRA, 1995).
A família tem exercido um papel imprescindível e continuará exercendo uma
influência fundamental para o desenvolvimento da personalidade e do caráter das
pessoas. Quanto mais amada e aceita é a criança no seio da família, mais produtivo
e seguro será o seu comportamento quando adulto.
A chegada de um novo membro na família é sempre um momento de
expectativas e reestruturação familiar. A família começa a se preparar para a
chegada de um novo indivíduo. Começam a surgir mudanças nos aspectos
emocionais, nos comportamentais, nos físicos, no social e também nos aspectos
econômicos. Inicia-se mesmo antes da chegada do bebê a geração do sentimento
de pertencimento, de sonho dessa nova criança no espaço familiar (BATISTA,
FRANÇA, 2007).
37
Soifer38 (1984, apud BATISTA, FRANÇA, 2007 p.118) enfatiza que os sonhos
são relacionados ao estado emocional no período da gestação do bebê em que se
idealizam os "primeiros meses, início dos movimentos fetais, final de gestação" e
também sendo prosaico o sonho sobre o próprio parto.
Além de todos os desejos manifestados em fantasias, em sonhos positivos na
gestação em desejar um bebê saudável, é comum apregoar receios em relação à
maternidade. Um dos receios mais comuns e unânimes "diz respeito ao medo de dar
à luz um filho com deficiência". Pois cria-se o receio de gerar uma criança com
limitações, que não poderá se adaptar ao "meio social e cultural". Dessa forma, essa
criança dependerá exclusivamente de seus familiares, que, neste momento, não se
encontra preparada para tal acontecimento (BATISTA, FRANÇA, 2007, p.118).
Quando se recebe a notícia de que se tem um filho com deficiência, sente-se
desmoronarem todas as expectativas e todos os sonhos dos pais. Pode acontecer
neste período a desestruturação da dinâmica familiar e até mesmo o rompimento do
vínculo com a criança. Este primeiro momento vivenciado pela família é repleto de
profunda dor e de grande depressão (CORRÊA, s/d).
O papel da família que possui uma criança com deficiência deve ser
destacado, pois é através do cerne familiar que essas pessoas aprendem a conviver
na sociedade e também aprendem a superar as dificuldades postas cotidianamente
e a conviver com o preconceito existente, conhecendo seus limites individuais.
Enfim, aprendem a se tornarem pessoas conscientes que têm potenciais e
limitações. É neste núcleo (família) que a criança passa a se desenvolver e, quanto
melhor for o ambiente, mais promissor será o desenvolvimento desse indivíduo, pois
a família é a base central da sociedade (CORRÊA, s/d).
É de suma importância que os pais sejam conscientizados da importância dos
mesmos para a vida dos filhos com deficiência, principalmente nos seus primeiros
meses de vida. Devem ser informados sobre suas responsabilidades e quais efeitos
podem causar suas ações sobre o desenvolvimento e o crescimento de seu filho.
Cabe aos pais estimular e buscar apoio para os serviços de "habilitação e
reabilitação" dos mesmos (AMARAL39, 1994 apud MOURA, VALÉRIO, 2003, p.49-
50).
38 SOIFER, Raquel. Psicologia da gravidez, parto e puerpério. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.
39 AMARAL, L. A. Pensar a diferença/deficiência. Brasília, DF: CORDE, 1994.
38
Além dos conflitos vividos pelas famílias quando nasce uma criança com
deficiência, a mesma também tem de enfrentar as pressões exercidas pela
sociedade, uma vez que o ser humano tem dificuldade de conviver com o que é
diferente (MOURA, VALÉRIO, 2003).
Como a mãe tem sido historicamente considerada a figura central da família,
cabe a ela, em grande parte, lidar com o fato de aceitação da criança no seio
familiar, pois a partir do momento que a mãe aceita e compreende, a família será
capaz do mesmo (ASSUMPÇÃO JUNIOR40, 1993 apud MOURA, VALÉRIO, 2003).
A atitude da mãe influencia diretamente na aceitação familiar em relação ao membro
que apresenta alguma deficiência. A mãe lidando de maneira segura, os outros
membros da família farão o mesmo. Se sua atitude for negativa, os outros membros
também terão o mesmo comportamento (CORRÊA, s/d, p.157).
O comportamento da criança com deficiência molda-se através das ações
cotidianas daqueles que com ela convivem. As atitudes das outras pessoas e as
adequações da família podem limitar como também podem encorajar e promover a
potencialidade de desenvolvimento da criança. Para Amaral41 (1994 apud MOURA,
VALÉRIO, 2003, p.49) esses ajustamentos geram consternação, e para resolvê-los,
deve-se lidar com a "realidade ou fazer uso de mecanismos de defesa".
É através da família que a criança aprende a conviver com a sociedade.
Aprenderá a descobrir a vida e o mundo. Quando há o fracasso em compreender os
fatores relacionados à deficiência, passa a proporcionar a todos os familiares e a
própria pessoa com deficiência maior dor e sofrimento do que a própria deficiência
em si (MOURA, VALÉRIO, 2003).
De acordo com Glate (1997, p.11):
A influência da família no processo de integração social do deficiente é
uma questão que deve ser analisada levando-se em consideração dois
ângulos: a facilitação ou o impedimento que a família traz para a integração
da pessoa portadora de deficiência na comunidade, e a integração da
pessoa com deficiência na sua própria família.
Portanto, o processo de inclusão do deficiente se processará de maneira mais
harmoniosa quando a família aceita e lida com naturalidade frente a esta situação.
40 ASSUMPÇÃO JUNIOR, F. B. Deficiência mental, família, sexualidade. São Paulo: Memnon, 1993.
41 AMARAL, L. A. Pensar a diferença/deficiência. Brasília, DF: CORDE, 1994.
39
Porém, se a família mantém reservas e tensões no relacionamento, o mesmo vai
encontrar dificuldades no ambiente social, acarretando empecilhos para a sua
adaptação.
A família é a primeira instância que moldará os valores e a percepção de ver
o mundo de cada indivíduo. É através dos membros da família que as pessoas com
deficiência mantêm as relações pessoais mais próximas e mais importantes, sendo
em muitos casos as únicas.
Para Glat (1997, p.113), a família se constitui no "grupo social primário", pois
é por meio da relação com os familiares que desde os primeiros tempos de vida a
criança começa a aprender até que ponto ela é um ser aceitável no mundo,
considerada uma pessoa normal. Incumbe à família auxiliar no desenvolvimento da
"aprendizagem dos papéis sociais", na formação da identidade e também na
construção da imagem que a pessoa tem de si própria.
Oliveira (et al., 2004, p.190) destaca que:
A literatura e a vida real nos dizem que é na família que aprendemos a ver o
mundo exterior e a nós mesmos como parte desse mundo. É ela que
contribui significativamente para a organização da vida emocional de seus
membros, e seu apoio auxilia a criança a desenvolver estímulos para
enfrentar os desafios do presente. [...] A família é, em sua essência, o lugar
em que se forma a estrutura psíquica; nela, a experiência se caracteriza, em
primeiro lugar, por padrões emocionais. É nessa caracterização, pelas
vivências emocionais entre seus membros, que se define no interior da
família o binômio autoridade/amor. Em outras palavras, a família é o "lócus"
de constituição dos primeiros laços afetivos do indivíduo.
É no seio familiar que o ser humano se fundamenta. Também é através dele
que corresponde a rede de obrigações, pois lá estão os membros em quem se pode
confiar. Portanto, a família constitui-se uma referência simbólica fundamental, que
passa a preparar e a preceituar sua percepção do mundo social, dentro e fora do
mundo familiar.
Portanto, não resta dúvida de que atualmente a família deve ser vista como
uma parceira no processo de socialização e inclusão das pessoas com deficiência,
pois só assim as barreiras serão quebradas, propiciando participação e inclusão
social dos deficientes na sociedade.
40
2.2 AS DIFICULDADES DA FAMÍLIA NO CUIDADO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA
O nascimento de uma criança deficiente, seja qual for o tipo de deficiência,
traz à tona uma série de complicações para o convívio, abalando profundamente a
estrutura familiar. Em algumas situações, a família vai necessitar de ajuda
especializada para entender e lidar com a situação frustrante e conflituosa.
Segundo Regen42 (1993, p.18 apud BATISTA, FRANÇA, 2007, p.118):
É muito freqüente a gestante ter expectativas em relação à criança que
está para nascer. Algumas sonham com uma criança idealizada, dentro
dos seus valores, ou seja, bonita como o bebê da propaganda da TV;
esperta como o filho da vizinha, etc. Mas outras têm verdadeiros pesadelos
em relação a esse ser desconhecido, que por vezes, é sentido como
ameaçador.
Entre esses medos, está o de gerar uma criança com deficiência que venha
frustrar as possibilidades de os pais realizarem seus sonhos. Outra questão é o
medo da incapacidade de lidar com a situação que sempre traz a idéia de
sofrimento, de culpa, enfim, de dor.
Mas, o fato é que a incidência da deficiência não é rara, é algo incisivo e
patente diante de nossos olhos.
Hoje, a deficiência pode ser diagnosticada até mesmo antes do parto. Ocorre,
em outras situações, da criança nascer sem apresentar nenhum problema aparente
e, mais tarde, ser acometida por uma deficiência. Mas, independente do momento
em que os pais se defrontam com a deficiência do filho, o fato é que esta situação
traz dor e, principalmente, insegurança.
Desde a gestação da mulher existe todo um sonho, um planejamento e
expectativas com relação ao futuro filho que ainda vai nascer. Dessa maneira, o
peso do nascimento de uma criança com deficiência é sobremaneira significativo.
Quando acontece o nascimento de uma criança com deficiência, instala-se
uma crise familiar, obrigando os membros a ajustarem suas expectativas a esta nova
realidade, que é a presença de um bebê com deficiência. Pois ninguém se prepara
42 REGEN, Mina. Mães e filhos especiais: relato de experiência com grupos de mães de crianças com
deficiência. Brasília: CORDE. 1993.
41
para ter um filho com deficiência. Todos esperam uma criança saudável, perfeita e
que realizará o sonho de seus pais.
Para Buscaglia43 (1993, p.20 apud CORRÊA, s/d, p.140),
Uma deficiência não é uma coisa desejável, e não há razões para se crer no
contrário. Quase sempre causará sofrimento, desconforto, embaraço,
lágrimas, confusão, muito tempo e dinheiro. E, no entanto, a cada minuto
que passa, pessoas nascem deficientes ou adquirem essa condição [...].
Como houve todo um processo para assimilar a chegada de um membro
idealizado, terá de haver um tempo para que estes pais assimilem a vinda de algo
que não estava previsto, diferente de seus sonhos, planos e muitas vezes até
características físicas ou fisionômicas.
Além de todos esses sentimentos de culpa que os pais sentem, essa culpa é
uma fonte anódina de inquietação emocional, pois já suportam uma "sobrecarga
emocional" muito grande. A presença dessa criança com deficiência constitui um
motivo "adicional de tensão" (TELFORD44·, 1976 apud MOURA, VALÉRIO, 2003,
p. 49).
Quando essa situação ocorre, inicia-se uma crise familiar, pois acaba sendo
uma reação normal, já que a família precisa restaurar suas expectativas e planos
para essa nova realidade. Este acontecimento é um "impacto psicológico para
qualquer família". Como lembra Lopes45 (1995, p.29 apud GLAT, 1997, p.114), a
presença de uma criança com deficiência "coloca o sistema de papéis da família, em
estado de tensão". Amaral46 (1995, apud GLAT, 1997, p.114) refere-se a esta
situação de impacto familiar como "o reinado da ambivalência", pois os sentimentos
gerados trazem reações como: "amor e ódio, alegria e sofrimento", "aceitação e
rejeição", "euforia e depressão". Desse modo, a família tem que suportar toda
sobrecarga emocional. Assim, por não saberem lidar com esta situação, a maioria
das famílias acabam desenvolvendo um padrão de rejeição ou de superproteção
com as pessoas com deficiência.
43 BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais: um desafio ao aconselhamento. 2. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1993.
44 TELFORD, C.; SAWREY, J. M. O indivíduo excepcional. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
45 LOPES, A. C. A família e a intervenção precoce. Revista Brasileira de Deficiência Mental, Edição
Extra, p.29, 1995.
46 AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo: Robe Editorial,
1995.
42
Quando se nega a deficiência espera-se que as pessoas com deficiência se
desenvolvam da mesma forma que as outras pessoas, aquelas que se denominam
como sendo normais. "A negação é um mecanismo de defesa que tampona o não
ver a excepcionalidade. Negando a deficiência do outro, é possível não aproximar-se
da sua" (SILVA, DUARTE, s/d, p. 3).
Quando os pais passam a não acreditar no diagnóstico e procuram negar de
diversas formas a deficiência do filho, chama-se este momento de "fase de
negação", período este em que a família não se encontra preparada para tal
situação. Suscitando dúvidas a um futuro imprevisível. Essas pessoas fecham-se
para sua própria dor, negando-se, muitas das vezes, o contato com outras pessoas.
(BATISTA, FRANÇA, 2007, p.120).
A segunda etapa é a fase da "negociação", uma espécie de ressarcimento,
onde os pais buscam formas de acreditar que o filho ficará melhor. Logo em
seguida, aparece a "raiva" como sendo a insatisfação dos pais ao se tornarem
frustrados quanto às expectativas dos filhos. Outra fase que pode ocorrer é a fase
da "depressão" em que a família expressa clareza no que se refere acerca das
limitações da criança e também pode ocorrer uma razoável adaptação diante da
deficiência (OLIVEIRA et al., 2004, p. 188).
Com o passar do tempo, os pais começam a perder o medo de se tornarem
inadequados diante da criança. Momento este, de "fase de adaptação", em que a
família começa a "descobrir maneiras de adequar-se a um novo momento
existencial". Começam a buscar mais informações sobre o diagnóstico do filho, para
poderem entendê-lo melhor. Iniciam também "contatos com outras famílias que
compartilham o mesmo problema". Restabelecem o vínculo social de antes,
diminuindo, dessa forma, seu isolamento (BATISTA, FRANÇA, 2007, p. 120).
Outra etapa vivenciada pela família é a chamada "fase de aceitação", na qual
o maior contato com outras pessoas pode possibilitar para a família uma visão mais
realista de sua deficiência. Os pais passam a conhecê-los melhor e compreendem
que este vínculo não deve ser desfeito, pois já está devidamente estabelecido.
Nesta fase, a evolução da criança já é percebida gradativamente e os pais se
tornam participativos, sempre buscando esclarecimentos, apoio e sugestões a
respeito da deficiência. Passam a perceber que os sentimentos de frustrações e
tristezas devem ser encarados com naturalidade. Expressam satisfação com a
conquista do filho, porém, ainda com uma "postura superprotetora" (BATISTA,
43
FRANÇA, 2007, p. 120). Essa superproteção traz em si o conteúdo da rejeição, com
uma tentativa inconsciente que os pais fazem de não permitirem que as outras
pessoas percebam suas dificuldades na aceitação dos próprios filhos ou até mesmo
pode prejudicar na formação da criança, pois gera dependência nos aspectos de sua
formação.
Corrêa ao estudar as dificuldades da família, utiliza-se de relatos feitos por
Regen (1994), e Buscaglia (1993), os quais descrevem a forma como foi a chegada
da notícia que o filho tinha algum problema ou alguma deficiência:
Quando eu estava com 24 anos, tive Pedro, meu primeiro filho. Ele nasceu
duas semanas antes da data prevista e meu médico estava viajando. Quem
fez o parto foi o médico de plantão. Tudo estava correndo bem e o parto foi
normal. Mas quando ele tirou a criança, ele disse: "Hi! É um mongolóide."
Ele não me mostrou a criança e eu fiquei muito mal, quase desmaiei de
susto. Eu não sabia o que era mongolóide, mas o que me veio à cabeça era
um boneco de neve mal-acabado. Não me trouxeram o bebê para
amamentar e eu não pedi para vê-lo. (...) Tive alta em dois dias, mas Pedro
ficou no berçário porque estava com Icterícia. Não fui visitá-lo, só conseguia
chorar (...) não tive coragem de ir buscá-lo e só com muita calma e
paciência minha sogra conseguiu levar-me para o quarto de Pedro e colocálo
em meus braços. Somente quando o vi e ouvi seu choro, me dei conta
que ele precisava de mim. Aos poucos fui me acostumando (...) (REGEN47,
1994, p. 13 apud CORRÊA, s/d, p. 142).
Receber a informação que o filho nasceu com um problema ou com alguma
deficiência é sempre um grande choque, não tem como a família se preparar para
isso. Todos os sentimentos são pessimistas, tristes e transtornados. Toda rotina
familiar fica desestruturada.
Depois de superado o momento inicial, que é o confronto com o nascimento
do bebê com deficiência, os pais então começam a perceber que o filho vai
necessitar de cuidados especiais. Então começam a entender e a se adaptarem a
esta nova situação.
Aprender e suportar o sofrimento inevitável não é fácil. Posso olhar para
trás agora e ver a lição aprendida, as suas etapas. Mas, quando eu estava
aprendendo, cada passo era muito difícil. Aparentemente insuportável. (...)
Todo o brilho da vida se apaga, todo orgulho de maternidade de esvai. (...)
A morte seria mais fácil de suportar, pois ela é definitiva, tudo deixa de
existir. (...) Se isso choca você, que nunca passou pó essa situação, não
chocará àqueles que já passaram por isso. Eu teria dado boas-vindas á
47 REGEN, M.; ARDORE, Marilena; HOFFMANN, Vera Maria Bohne. Mães e filhos especiais: relato
de experiência com grupos de mães de crianças com deficiência. Brasília: CORDE, 1994.
44
morte de minha filha e até hoje o faria, pois assim ela estaria finalmente a
salvo (BUSCAGLIA48, 1993, p. 104 apud CORRÊA, s/d, p.143).
O momento vivenciado pela família após o nascimento de uma criança com
deficiência é repleto de dor e depressão. Os envolvidos reagem de várias formas a
esse impacto e lidam com esse constrangimento com muita dificuldade. A
sobrevivência "acaba sendo o objetivo de cada dia" (CORRÊA, s/d, p.147).
Outra mãe relata:
No meu caso, acho que fui mais feliz, pois o médico me trouxe o bebê no
colo e perguntou se eu não via algo diferente nele. Achei o formato dos
olhos diferente. Ele foi me mostrando alguns sinais que poderiam indicar
que Carla teria a Síndrome de Down. Mas, ele disse que eu precisaria levála
para fazer exames especiais. Apesar de toda angústia ante a notícia,
fiquei emocionada com o carinho que o médico mostrou em relação à minha
filha, preocupando-se em responder a todas as minhas dúvidas (...). O
tempo todo ele a acariciava e mostrava o quanto ela precisava de mim, o
que me deu mais coragem para enfrentar a situação (REGEN49, 1994, p.15
apud CORRÊA, s/d, p.143).
Várias vezes os pais optam por afastarem-se do contato com o mundo, pois
se sentem incapacitados de atenderem às expectativas que fazem em torno deles.
Mas essas crianças merecem todo carinho, amor e aceitação.
A falta de conhecimento a respeito dos problemas que afetam as famílias que
possuem pessoas com deficiência no lar gera stress e ansiedade, deixando os
familiares inseguros diante de um futuro imprevisível.
O nascimento de uma criança é um milagre, pois cada uma ao nascer tem
probabilidades infinitas. "Cada indivíduo tem o poder de criar, compartilhar, descobrir
novas alternativas e trazer novas esperanças à humanidade". Para algumas famílias
é um momento de muito orgulho e de muita alegria. Já para outras famílias este
momento pode nem ser de tanta alegria, pode representar desespero, lamúrias, e
receio (MOURA, VALÉRIO, 2003, p. 50).
Não se pode negar a importância da família na vida das pessoas com
deficiência, também não se pode deixar de considerar as dificuldades que essas
48 BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais: um desafio ao aconselhamento. 2. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1993.
49 REGEN, M.; ARDORE, Marilena; HOFFMANN, Vera Maria Bohne. Mães e filhos especiais: relato
de experiência com grupos de mães de crianças com deficiência. Brasília: CORDE, 1994.
45
famílias encontram em ajudar na recuperação e no tratamento desses indivíduos. A
família sem condições econômicas se desespera, pois a presença de uma pessoa
com deficiência em casa impõe exigências de cuidado e atenção emocional e
material que muitas das vezes lhe são inexistentes.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os encargos que recaem
sobre a família vão desde as dificuldades financeiras até as reações emocionais, às
doenças, ao estresse em face de um comportamento perturbado e ao
comprometimento das rotinas domésticas e restrição das atividades sociais
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1997).
Essas famílias se encontram fragilizadas, sobrecarregadas, com sentimentos
pessimistas em relação ao tratamento, ao cuidado, à atenção que se deve ter com
as pessoas com deficiência. Esse conceito de sobrecarga familiar foi introduzido por
Melman (2001, p.79), no qual ela vai dizer que "nos últimos anos, o conceito de
sobrecarga familiar foi desenvolvido para definir os encargos econômicos, físicos e
emocionais a que os familiares estão submetidos e quanto à convivência com o
paciente e peso material, subjetivo, organizativo e social".
A responsabilidade que essas famílias possuem gera uma proporção
gigantesca, a partir da existência de complicações que são geradas pela precária
situação econômica, pelo baixo nível sócio-cultural, pela violência doméstica, pelo
alcoolismo, pelo abandono, dentre outros, são fatores expressamente da questão
social. Por isso, espera-se dessa forma, a intervenção do Estado, [...] "não como
substituto, mas um grande aliado e fortalecedor deste grupo, proporcionando apoio
ao desempenho de suas responsabilidades e missão" (KALOUSTIAN, 2004, p. 78).
A família e a sociedade devem estar preparadas para receberem as pessoas
com deficiência. Muitas das vezes, o Estado se descompromete face às demandas
sociais e responsabiliza a sociedade civil. Essas famílias se veem desassistidas,
pois suas condições econômicas e sociais não lhes possibilitam condições
adequadas de cuidado.
O Estado deveria criar condições para as famílias que vivem em estado de
extrema pobreza, sendo através da implantação e ampliação de políticas públicas
voltadas a atender as demandas emergentes da população. É importante, também,
que a sociedade se torne mais consciente acerca das dificuldades que as pessoas
com deficiência enfrentam. Que ela possa reconhecer e compreender e não excluir
esses indivíduos que tanto necessitam de carinho, amor, compreensão e atenção.
46
Percebe-se que as famílias reagem às dificuldades postas de uma maneira
muito diversa. Os limites que são colocados aos familiares é bastante instável e há
também um vasto processo de adaptação para os mesmos. Para atender todas as
exigências de um filho com deficiência, deve-se ter boa vontade, perseverança,
auxílio de todos na família e empenho (CORRÊA, s/d, p. 159). Portanto, cabe à
família adotar medidas que possibilitem um tratamento adequado da criança com
deficiência, propiciando um ambiente seguro e acolhedor.
A participação da família se torna fundamental e pode trazer obstáculos ou
facilidade ao processo de integração, haja vista o papel fundamental que a mesma
executa no desenvolvimento do indivíduo. É a família a responsável por desenvolver
a competência de seus membros em relação ao cuidado emocional (GLATE, 1997).
Não há dúvidas de que quanto mais integrada a pessoa com deficiência
estiver na sua própria família, mais facilidade ele vai encontrar em suas relações na
vida social. Por outro lado, se essa relação familiar for tensa e conflituosa o
processo de integração do deficiente tende a ser mais dificultoso e lento (GLATE,
1997).
Estudar os desafios e tensões, as dificuldades na relação familiar de pessoas
com deficiência, surge pela necessidade de se refletir criticamente sobre este
elemento determinante na vida do deficiente que é a sua relação familiar. Ocorre
que, algumas vezes, muitos aspectos da vida desta pessoa passam despercebidos
pelo profissional da área e tem suas origens na relação familiar, nas dificuldades que
a família enfrenta em lidar com este filho diferente e, muitas vezes, excluído do
processo social e produtivo.
Muita das vezes, por falta de uma ajuda especializada, de um esclarecimento
mais técnico de um profissional, algumas famílias são impedidas de se adequarem
melhor quanto ao trabalho com o filho deficiente.
Segundo Oliveira et al., (2004, p. 184):
Na busca de instrumentalização para cuidar de famílias, ressaltam-se
vários aspectos importantes, como, por exemplo, o fato de suas
necessidades divergirem de acordo com o momento e com o ciclo de vida
que vivenciam; de que a presença de pessoas doentes ou com algum
problema que foge dos padrões de normalidade também gera dúvidas e as
necessidades são diferentes daquelas famílias cujas vidas, seguem um
curso sem doenças ou intempéries.
47
Diversas são as lutas que as famílias terão de enfrentar, tendo de vencer o
próprio preconceito ou discriminação existente. E o seu papel é de extrema
importância para as pessoas com deficiência, pois é através da família que se
encontra sustentação para se estabilizar numa sociedade instituída de diversidades.
Portanto, se faz necessário que essas famílias recebam ajuda especializada
para vencerem os desafios de conviver e educar um filho com deficiência. Caso
contrário, sozinhas, podem não suportar as tensões que envolvem essa relação ou
não atuarem de forma conveniente por não possuírem o conhecimento necessário
ou ainda se cercarem de preconceitos que irão trazer sofrimento e angústia ao
convívio familiar.
Refletir criticamente sobre essa questão traz à tona elementos que
contribuem positivamente para uma prática profissional competente e humanizada,
que contemple a realidade como tal, complexa de rótulos e estigmas que
diferenciam e desqualificam uma parcela da população. É a partir desta análise e
reflexão que podemos propor mudanças e agir no sentido de contribuir para que
essa parcela da população marginalizada e excluída, ainda que indiretamente,
alcance uma melhor qualidade de vida.
48
3 A INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO À FAMÍLIA DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Durante muito tempo os estudos das dificuldades enfrentadas pela família
com pessoas com deficiência ficaram restritos a algumas áreas do saber
profissional. Assim, o profissional que se dedica a trabalhar com famílias, além de
todo instrumental teórico-prático, precisa de uma aproximação efetiva com os
mesmos, para poder conhecer sua realidade e suas necessidades, a fim de prover
um melhor atendimento (OLIVEIRA et al., 2004).
O Serviço Social é uma profissão que atua sobre as refrações da questão
social, é histórico, portanto está intimamente relacionado com as transformações da
sociedade. O assistente social deve decifrar a realidade através da elaboração, da
execução, avaliação de políticas sociais e construir propostas de trabalho que sejam
capazes de preservar e efetivar direitos (IAMAMOTO, 2001).
Para suporte do exercício profissional tem-se o Código de Ética Profissional
de 1993 que preconiza ampliação e consolidação da cidadania, compromisso com a
qualidade dos serviços prestados à população, empenho na eliminação de todas as
formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de
grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças, entre outros.
O assistente social é o profissional qualificado que, privilegiando uma
intervenção investigativa através da pesquisa e análise da realidade social, atua na
formulação, execução e avaliação de serviços, programas e políticas sociais que
visam à preservação, defesa e ampliação dos direitos humanos, bem como à justiça
social.
Para o desenvolvimento das pessoas com deficiência, o Serviço Social busca
na instituição, trabalhar o usuário e a família, destacando a sua intencionalidade,
através dos instrumentos e técnicas da profissão.
De acordo com Iamamoto (1997, p.43) o trabalho do Serviço Social é pautado
no "instrumental técnico-operativo" com o acompanhamento das famílias usuárias, a
orientação familiar, a visita domiciliar, os encaminhamentos, a triagem, as reuniões,
a entrevista, o parecer social, a anamnese social, os relatórios, os ofícios, a
expedição de encaminhamentos, a triagem, a devolução e o estudo de caso utilizado
pelo profissional e também o Serviço Social é baseado no instrumental teóricometodológico
que engloba os conhecimentos, os valores, as crença, as heranças
culturais, as habilidades, entre outras. Constituindo-se pelos "recursos essenciais
que o assistente social aciona para exercer o seu trabalho". Permitindo também
perceber a realidade numa totalidade e passar a construir mediações com a
realidade posta e o comprometimento com o exercício profissional.
Os instrumentais técnico-operativos são de suma importância para o trabalho
do assistente social com família, pois através deles pode-se conhecer a realidade
vivida pelos mesmos. O assistente social utiliza-se desses instrumentos para
analisar casos, sob a ótica de sua competência. O aparato de instrumentos e
técnicas, quando articulado a um referencial teórico, garante a análise e a
interpretação da realidade, bem como uma atuação coerente e comprometida para a
consecução do projeto ético-político da profissão.
No que se refere à visita domiciliar Silva (2002, p. 30) descreve:
Por meio desse contato com as pessoas em seu ambiente familiar, o
assistente social consegue aproximar-se do vivido e do cotidiano do
usuário, observando as interações familiares, a vizinhança, a rede social e
os recursos institucionais mais próximos. Essa prática supera em diversos
aspectos a entrevista feita na instituição, pois quando se vê o movimento e
o cotidiano das pessoas, muitos registros ficam na ?memória fotográfica? do
assistente social.
Ao realizar-se uma visita domiciliar, procura-se observar o seu modo de vida,
expresso no cotidiano de sua vida familiar, na comunidade, no seu trabalho, nas
relações que estabelecem, no significado que atribui a estas relações, na sua
linguagem, nas representações. Visita-se com o objetivo de complementar dados,
observar as relações sociais em sua singularidade, no ambiente de convivência.
Trazendo em si juízos de valor.
Outro instrumental é a entrevista, onde o profissional busca obter dados sobre
a família.
Com relação aos encaminhamentos, estes são efetuados quando a família
e/ou um de seus membros precisa de um atendimento inexistente na estrutura do
serviço na qual está inserida. Tem a sua importância na busca pela resolução de
problemas vivenciados pelos usuários. A este respeito, Sarmento (2000, p.104) tece
importantes reflexões.
50
O encaminhamento, muitas vezes confundido com transferência de
responsabilidade entre setores e organizações, torna-se um serviço sempre
parcial e insuficiente, exigindo novos retornos através de uma recorrência
burocrática e do disciplinamento em percursos infindáveis nos corredores
institucionais, que acabam por reforçar a dependência e, muitas vezes, a
perda de auto-estima. Quando muito, conseguem, através da garantia de
alguns recursos, uma satisfação compensatória em meio às informações
controvertidas e às respostas insuficientes às demandas criadas. O
encaminhamento ainda não é compreendido como a busca de uma solução
para os problemas e situações vivenciadas pela população, como garantia
de seus direitos.
A devolução é o momento da informação dos dados apurados no
diagnóstico e apresentação do plano de intervenção proposto para o usuário,
discussão e esclarecimento de eventuais dúvidas e estabelecimento do plano de
trabalho dos profissionais.
A orientação familiar é um instrumental usado pelos profissionais, que
viabiliza aos pais ou responsáveis crescer no entendimento e percepção das
dificuldades, do potencial, e as implicações existentes no desenvolvimento de seus
filhos. Objetiva-se que os pais identifiquem e lidem melhor com suas próprias
dificuldades, as quais muitas vezes extrapolam as queixas centralizadas nos filhos.
A triagem tem como objetivo realizar a pré-seleção das pessoas que
procuram a instituição, através de observação geral do desempenho do candidato à
vaga, onde se verifica o preenchimento de critérios de elegibilidade adotado pela
entidade. Na sequência ocorre avaliação completa com toda a equipe para
verificação de estágio de desenvolvimento e habilidades para encaminhamento ao
programa cabível.
O estudo de caso segundo Faleiros (1986, p.24) é:
como um conjunto de pessoas em interação, por intermédio dos quais se
busca harmonizar interesses, chegar ao consenso, à compreensão, a
objetivos comuns, dentro do sistema. Esses objetivos são avaliados
segundo princípios eternos e valores imutáveis, como a dignidade do
homem e o bem-estar ideal.
Os instrumentos e técnicas utilizadas quando articulados com o referencial
teórico-metodológico passam a garantir a análise e a interpretação da realidade.
O Serviço Social tem como objeto de sua intervenção a questão social, que
se estabelece como um conjunto de expressões das desigualdades da sociedade
capitalista formada por problemas políticos, econômicos e sociais. A atuação dos
51
assistentes sociais situa-se nas suas mais variadas expressões: trabalho, família,
habitação, assistência social, saúde, etc.
No que se refere à prática do Serviço Social com famílias é benéfico que o
assistente social "analise-as como instituições", pois as mesmas são organizadas
socialmente. Nela se dão os conflitos materiais, os conflitos de poder e de idéias que
atravessam o comportamento dos usuários. Argumenta que para uma boa
reabilitação é necessário que os familiares mantenham entre si práticas não tirânicas
(BISNETO, 2007, p.196).
Esses profissionais que atuam com os familiares devem desfazer os
sentimentos negativos, ajudando-os a transformá-los em sentimentos positivos. E
manter a constante busca de informações para se tornar sempre atualizado sobre os
diversos enfoques que permeiam a realidade.
Na medida em que se conhecem os diversos aspectos que envolvem as
famílias da pessoa com deficiência e as causas dos diferentes comportamentos que
apresentam, fica mais evidente para o assistente social trabalhar. E também há
facilidade para se compreender todos os aspectos que envolvem as mesmas.
Segundo Mioto (2000) após a identificação das dificuldades dos familiares,
começam a serem iniciadas ações de cuidado que visem atingir os objetivos dos
serviços prestados, como a autonomia da família no que se refere à decisão de seus
problemas, também na socialização de informações sobre os seus direitos e, por fim,
o reconhecimento dos recursos existentes na rede de apoio social e na própria
família.
Portanto, o assistente social deve estar atento a sua responsabilidade na luta
pelo deciframento da realidade, na perspectiva do desenvolvimento de um trabalho
pautado no zelo pela qualidade dos serviços prestados, na defesa da universalidade
dos serviços públicos, na atualização dos compromissos ético-políticos com os
interesses coletivos da população usuária (IAMAMOTO, 2001).
Para que o profissional desenvolva um atendimento com a pessoa com
deficiência deve-se dar a "condição de ser", entrever seu desenvolvimento, torná-lo
capaz de construir o seu eu, ser sujeito de si, mesmo que limitadamente. Portanto,
trabalhar com pessoas com deficiência se torna um desafio (SILVA, DUARTE, s/d,
p. 4).
A família se encontra imersa num conjunto de problemas sociais que torna
mais tênue o limite entre a exclusão social e os problemas das pessoas com
52
deficiência. No entanto, o profissional deve buscar meios para estar se relacionando
com os familiares e conhecendo os diversos aspectos que o envolvem.
Para Martinelli (2002, p.6):
A diversidade de demandas que são colocadas aos assistentes sociais
possui uma amplitude grande e pode se dizer que transita pelo público,
privado e pelo íntimo. As questões que são trazidas para enfrentamento
estão relacionadas ao campo da intimidade, dos desejos, dos sentimentos,
dos valores, com profundas implicações macrossociais.
Segundo a autora, o sofrimento que acompanha as famílias é permeado por
um sofrimento que é necessário ser reconhecido a fim de que se estabeleça uma
relação com os sujeitos, para que o profissional possa atuar.
O trabalho do Serviço Social deve colaborar na construção de estratégias de
efetivação dos direitos de cidadania, possibilitando ao usuário ser ouvido e
contemplado com o atendimento de que necessitar. A prática profissional constitui
em ações que visem à integralidade, e à percepção do usuário em sua totalidade.
O profissional deve estar atento para a escuta que é a capacidade e
disponibilidade de ouvir os usuários e suas necessidades. Estando atento também
para a realidade vivida por aqueles que são permeados por desejos, por crenças,
temores, esperanças, e os fatores socioeconômicos que o envolvem.
Escuta, [...] ocupa lugar privilegiado, ou ser algo relacionado às palavras
ditas ou silenciadas. Neste contexto, a escuta não limita seu campo de
entendimento apenas ao que é falado, mas também às lacunas do discurso,
que são fios de significados a serem trabalhados. [...] Para escutar, também
é imprescindível conhecer quem se escuta, quem está falando, como e
sobre o que se fala (SILVA JUNIOR50, MASCARENHAS51, 2004, p.244
apud CASTRO, 2007, p. 114).
Então o profissional deve compreender e escutar para poder atuar de forma
que obtenha resultados positivos no seio familiar, ajudando dessa forma, na
50 SILVA JUNIOR, A. G.; ALVES, C. A.; ALVES, M. G. M. Entre tramas e redes: cuidado e
integralidade. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (orgs.). Construção social da demanda: direito à
saúde, trabalho em equipe, participação e espaços públicos. Rio de Janeiro:
CEPESC/UERJ/ABRASCO, 2005.
51 MASCARENHAS, M.T.M. Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade:
aspectos conceituais e metodológicos. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (orgs.). Cuidado: as
fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Hucitec/ABRASCO, 2004.
53
recuperação, no alívio de tensões que são processos pelos quais os familiares
muitas das vezes passam.
Segundo Martinelli (1991, p.149),
É indispensável que o profissional tenha claro que em toda prática há um
espaço de criatividade a ser explorado, há vias de transformação a serem
acionadas. Nenhuma prática é impenetrável, sempre há caminhos críticos,
vias de inspiração a serem trilhadas, porém, a verdade é que só são
encontrados por quem os procura pacientemente, por quem os constrói
corajosamente.
Os assistentes sociais envolvidos na área devem ser criativos e devem unir
forças através da participação para poderem conquistar algo além daquilo que é
dado às pessoas com deficiência. É através dos esforços que se consegue articular
vontades e tornar as exigências das classes subalternas (excluídas) numa realidade
conquistada.
O deficiente deve ser aceito, compreendido e auxiliado para poder
desenvolver suas potencialidades. Mas, para que isso ocorra, é primordial que a
família da pessoa com deficiência seja apoiada a fim de conseguir aceitá-lo,
entendida e esclarecida de maneira a vencer os próprios conflitos internos que
bloqueiam seu processo de compreensão e auxílio a este filho com deficiência.
As pessoas com deficiência possuem limitações, entretanto, têm
potencialidades que, sendo devidamente trabalhadas, podem culminar em
benefícios para si mesma e para a sociedade na qual está inserida. É preciso que
esta mesma sociedade se conscientize de que essas pessoas possuem dentro de si
um potencial criativo e inovador pronto para se desabrochar, porém muitas das
vezes a sociedade acaba por reprimi-lo ou neutralizá-lo.
E o grande aliado do assistente social nesta luta é a linguagem, instrumento
básico da profissão, pois vai incidir nas questões imediatas (atendimento daquele
usuário que procura a instituição buscando uma solução imediata para o seu
problema) e da mesma forma nas questões mais amplas que exigem reflexão.
Para tanto, o assistente social deve estar atento e ter uma leitura renovada e
atualizada do momento conjuntural, pois em alguns momentos tem-se de avançar e
em outros recuar, mas nunca ficar estático, vendo a vida passar ao longe sem tomar
conhecimento da sua existência.
54
É fato e o assistente social reconhece a existência de conflitos e tensões,
mas, por outro lado, vê a impossibilidade de enfrentá-los com os próprios meios
oferecidos pelo desenvolvimento histórico. Mas é a partir do saber fundamental que
Freire (1996, p. 79) diz que: "mudar é difícil, mas é possível". Então o profissional
deve ter em mente que a mudança depende de cada um, da forma como vai agir,
pois, por maior que seja a dificuldade, nada se torna impossível quando se tem
anseio e comprometimento com a sociedade, tornando-a mais justa e igualitária, não
deixando brecha para o preconceito e a exclusão, fazendo com que todos os seus
direitos possam ser conquistados e todas as barreiras enfrentadas pela família
possam ser vencidas.
55
4 CONCLUSÃO
Ao resgatar a trajetória histórica da pessoa com deficiência, pôde-se perceber
o vasto período de exclusão que os mesmos enfrentaram. Várias foram as
designações utilizadas para representá-los e com o passar do tempo. Através das
lutas e reivindicações o cenário foi se modificando para melhor.
O deficiente era tratado como ser inferior. As diferenças existentes estavam
relacionadas à falta de conhecimento científico da sociedade. A deficiência também
era tida como castigo dos deuses. Em alguns casos, as pessoas eram mortas ou
sua deficiência era considerada pecaminosa ou possessão demoníaca, sendo
favorável a punição, ao aprisionamento e açoitamento como forma de reparar os
pecados e expulsá-los.
Com os avanços e conquistas que surgiram, o tratamento dispensado em
relação às pessoas com deficiência se daria no sentido de integrá-los com base em
seus direitos enquanto seres humanos.
Mais adiante as pessoas com deficiência puderam gozar com o surgimento de
leis de amparo garantidos constitucionalmente. Mas observa-se que as mesmas nos
dias atuais, ainda não são suficientes. É preciso que haja modificação nas estruturas
físicas e maior efetivação das leis, para que dessa maneira essas pessoas possam
realmente ter o acesso adequado, possam gozar daquilo que lhes é assegurado e
serem incluídas de forma digna no meio social.
Para tal efetivação a sociedade deve ser modificada e, em especial, a família,
que é onde se aprende a desenvolver a individualidade, a tornar-se uma pessoa
criativa e por ser também considerada o primeiro campo de treinamento específico
da criança.
Num primeiro momento quando se recebe a notícia que a família receberá um
filho com deficiência, para esta a notícia pode ser encarada como uma experiência
extremamente penosa e desgastante. Ao tomar conhecimento da deficiência do
filho, a família se desorganiza emocionalmente. A decepção, o sentimento de culpa
e o desespero impossibilitam a aceitação da deficiência.
Muita das vezes, a falta de conhecimento a respeito da extensão do problema
gera estress e ansiedade, deixando os pais inseguros diante de um futuro
imprevisível. E os pais passam por períodos e fases difíceis quanto à aceitação do
filho, gerando uma série de complicações, tais como: a negação, a negociação, a
raiva, a depressão, depois a adaptação, a aceitação e mais adiante expressam
satisfação com a conquista do filho, porém, ainda com uma postura superprotetora.
A partir do momento em que os pais começam a aceitar, eles passam a
buscar a força interior que os impulsionará na luta pela conquista da inclusão do seu
filho no meio social, por isso eles necessitam de motivação, de orientação e de
acompanhamento de uma equipe técnica, para que dessa forma possam se tornar
capazes de enfrentar e encontrar soluções para os desafios do cotidiano. Este é o
momento de ter o apoio de um profissional da área que tenha compreensão e
entendimento para analisar os fatores históricos, políticos, econômicos e que saiba o
que ocorre em seu cotidiano e nas suas relações sociais.
À medida que a família e a sociedade necessitam construir um novo
conhecimento sobre a pessoa com deficiência, desenvolvem padrões de interação,
mostrando que os mesmos não devem ser rejeitados e que possuem os mesmos
direitos, influenciando desta forma na busca pela socialização no meio social,
juntamente com os profissionais da área e com ações favoráveis aos seus membros,
sejam eles deficientes ou não.
Além de toda sobrecarga que a família enfrenta em lidar com a pessoa com
deficiência, ainda se têm complicações expressivas para a família que são geradas
pela precária situação econômica, pelo baixo nível sócio-cultural, pela violência
doméstica, pelo alcoolismo, pelo abandono, dentre outros, são fatores
expressamente da questão social. E aí estabelece o trabalho do Serviço Social, nas
questões sociais, em que o profissional com capacitação teórico-metodológica e
técnico-operacional deve estar comprometido com o Código de Ética profissional do
assistente social, sempre preparado para poder amenizar os conflitos existentes no
meio familiar.
As sociedades devem se modificar de modo a atender às necessidades de
todos os seus membros. Uma sociedade inclusiva não admite preconceitos,
discriminações, barreiras sociais, culturais ou pessoais.
Incluir socialmente as pessoas com deficiência significa respeitar as
necessidades próprias da sua condição e possibilitar acesso aos serviços públicos,
aos bens culturais e artísticos e aos produtos decorrentes do avanço social, político,
econômico, científico e tecnológico da sociedade contemporânea.
57
Entende-se que os desafios e os enfrentamentos encontrados pela família
estão ancorados na história da humanidade, revelando que a sociedade bem
sucedida é aquela que favorece, em todas as áreas, a convivência humana e o
respeito à diversidade que a constitui.
Portanto, os assistentes sociais devem se aprofundar no que se configura a
relação familiar da pessoa com deficiência. É preciso que haja um envolvimento no
resgate e no aprofundamento dessa discussão, naquilo que está por detrás destas
relações, numa perspectiva de totalidade que em movimento nos levará a
compreender as nuances desta problemática.
Deve-se empenhar para a eliminação de todas as formas de preconceito,
como explicita o código de ética, mesmo que esteja dentro do próprio lar. Não
podendo constituir-se de posturas precipitadas, é necessário que sejam profissionais
conscientes, responsáveis e ativos no enfrentamento da realidade social. Assim, se
torna necessário ressaltar e compreender a importância da responsabilidade da
família neste processo de viabilização de direitos e inclusão social, lembrando o
papel fundamental que a mesma exerce neste processo.
Todos devem ter a mesma oportunidade de participar plenamente na
sociedade, em igualdade de condições com as demais. Para que essa igualdade
não se torne prejudicada, não se deve demandar discriminações injustas a uma
pessoa ou a um determinado grupo, pois a injustiça da discriminação ocorre quando
se coloca a pessoa em situação de inferioridade que seja lesiva à sua dignidade. E é
lamentável perceber que muitos vivem de forma indigna, diminuindo os outros.
Observa-se que muitas das vezes é através da visão deformadora da
sociedade que passa a impedir que as pessoas com deficiência sejam vistas
enquanto sujeitos de direitos.
Pôde-se constatar como é importante o acompanhamento da família no
cuidado da pessoa com deficiência e que realmente a família passa por grandes
dificuldades desde o nascimento da criança, principalmente em lidar com a
diferença, pois é um desafio que precisa ser superado.
Este trabalho buscou mostrar as dificuldades de como a família tem se
apresentado ao lidar com a pessoa com deficiência. Portanto, para que haja um
melhor entrosamento entre os familiares e os deficientes, necessário seria que os
assistentes sociais trabalhassem com os familiares através de reunião de grupo, a
fim de desfazer todos os sentimentos negativos, transformando-os em sentimentos
58
positivos e para o assistente social fazer de sua prática uma verdadeira viabilização
de direitos, com uma prática crítica, propositiva e inovadora, com uma intervenção
que possa fazer com que alcancem a tão promulgada sociedade para todos, de
direitos iguais, respeitando a diferença e a individualidade de cada um e fazendo
com que a realidade vivida possa ser transformada. Reconhecendo entre os
familiares a compreensão e o desenvolvimento das pessoas com deficiência e
possibilitando-lhes maior entendimento dos indivíduos enquanto sujeitos de direitos.
59
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