As Decisões Políticas E As Agências Reguladoras
Por Victor dos Anjos Cordeiro | 19/08/2008 | DireitoRegular significa organizar determinado setor ligado à agência, bem como controlar as entidades que atuam nesse setor. O direito americano foi quem primeiro se utilizou desse modelo de regulação setorial, mais precisamente, desde 1887. No Brasil, as agências foram criadas sob a forma de autarquias especiais, com caráter típico de órgão controlador. Não existe lei específica disciplinando o funcionamento dessas agências reguladoras, cada uma delas poderá seguir regras próprias, conforme estipulado na respectiva lei instituidora. São consideradas especiais, pois desfrutam de uma maior independência, para que sejam capazes de cumprir seus objetivos.
Essa independência outorgada às agências reguladoras, tais como a independência política dos gestores, independência técnica-decisional, independência normativa e orçamentária, são alguns aspectos que refletem a sua natureza jurídica, porém observa-se que há certa influência política nesses órgãos contrariando a tão desejada despolitização de suas decisões. Dessa maneira, urge analisar: quais as conseqüências das decisões políticas em relação às agências reguladoras?
São poucos os doutrinadores que discutem acerca das influências políticas no âmbito das agências reguladoras. Alguns discorrem sobre os princípios de sustentação desse modelo, outros discutem sobre o poder normativo dessas agências, e há, ainda, aqueles que se restringem a comentar sobre o controle judicial dos atos de regulação.
No Brasil, a administração pública é exercida pela União, pelos Estados e Municípios, é a chamada administração direta, realizada por meio de ministérios e secretarias de governo. Mas, há também, a chamada administração indireta, que é exercida por pessoas jurídicas criadas por esses entes federados, tais como as autarquias, empresas públicas e fundações. É nesse contexto de administração indireta que se encaixam as agências reguladoras, dada que são autarquias.
As autarquias surgiram no ordenamento jurídico pátrio em 22 de novembro de 1943, através da edição do Decreto-lei nº. 6.016, como sendo serviço estatal com personalidade de direito público reconhecido por lei. De acordo com Marçal Justen Filho (2002), determinar que uma agência tem natureza autárquica não acarreta a incidem regime jurídico único e uniforme. A dimensão da autonomia efetivamente assegurada para cada autarquia depende da disciplina legislativa adotada pela lei instituidora.
Quem primeiro se utilizou do termo autarquia foi Santi Romano, em 1897, na Itália, fazendo referência aos entes públicos existentes nos Estados. O decreto lei nº. 200/67 define autarquia como sendo o serviço autônomo criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita própria, para executar atividades típicas da Administração Pública que requeiram, para o seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
As agências são criadas por ato do Chefe do Poder Executivo, e possuem privilégios específicos visando aumentar a sua autonomia. Por exemplo, os seus gestores são escolhidos por capacidade técnica e possuem mandatos a termos fixos não-coincidentes com os períodos dos mandatos políticos, visando conferir um grau de independência gerencial.
Há uma explícita discordância dos autores quanto ao poder normativo das agências reguladoras. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004), as agências reguladoras exercem função normativa por delegação legislativa. Outra ponderação feita pela autora é no sentido de que as agências reguladoras baixam regulamentos autônomos e exercem poder regulamentar delegado pela lei. Para a autora quaisquer atos emanados pelas agências reguladoras são contrários ao dispositivo constitucional.
Porém, Di Pietro ressalvou que não há óbice de ordem jurídica aos atos normativos de efeitos concretos, isto é, aqueles que se apresentam como atos normativos, mas são, em verdade, atos administrativos.
Já o ilustre Eros Roberto Grau (2002, p. 27) admite a função normativa das agências reguladoras ao dizer que as agências reguladoras são entidades ubicadas no cerne do Poder Executivo, desempenhando funções administrativas e normativas, estas ultimas no exercício de capacidade regulamentar.
Para que não tomemos por base apenas a doutrina, vale ressaltar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que em cognição liminar na Adin nº. 1668, em que diversos partidos políticos questionaram dispositivos da Lei Federal nº. 9.472/97, que criou a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações. Dentre os vários dispositivos atacados, destacam-se o que trata da competência da Anatel, para expedir normas, e com relação a esse dispositivo foi deferido o pedido cautelar requerido, no sentido de dar-lhe interpretação conforme a Constituição Federal. Essa decisão é de relevante destaque, pois é um aceno da mais alta Corte sobre o seu posicionamento quanto à competência das agências reguladoras.
Tratando sobre as decisões políticas, Marçal Justen Filho (2002) aduz que a captura política se configura quando a agência perde sua condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo, e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos seguimentos regulados. E complementa: "A captura da agência se configura, então, como mais uma faceta do fenômeno de distorção de finalidades dos setores burocráticos estatais".
O controle político nas agências reguladoras inicia-se com a lei de criação da respectiva agência. È a lei que limita a competência, fixa a hierarquia e a vinculação à administração pública direta. Mas é aí que começam as inquietações que provocaram a pesquisa, pois há umaincompatibilidade quando se fala quea lei criaráuma agência reguladora determinando seu grau de vinculação à Administração Direta, quando seus princípios visam garantir uma independência.
Segundo Paulo Todescan Lessa Matos (2002, apud ARAGÃO), no exercício das funções executivas as agências reguladoras têm, do ponto de vista legal, garantias de independência decisória e podem, ao formularem políticas públicas, contrariar interesses políticos do presidente eleito democraticamente. Dessa forma, entende o autor que muitas das decisões das agências envolvem escolhas políticas, traduzidas em normas editadas que têm que ser legitimadas.
Já Alexandre Aragão (2002) sustenta que as agências reguladoras têm uma autonomia limitada, pois segundo o autor, os limites além de não serem incompatíveis com a autonomia, integram o seu próprio conceito. Não seria de imaginar que um órgão, por mais autônomo que fosse , ficasse alheio ao conjunto da Administração Pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª edição. São Paulo: Atlas, 2004.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 16ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
GUERRA, Sérgio. Controle Judicial dos Atos Regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do Direito Administrativo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.