As concepções, práticas e perspectivas do aprendizado em matemática nas séries iniciais do ensino fundamental

Por PRICILA DOS SANTOS | 08/03/2017 | Educação

As concepções, práticas e perspectivas do aprendizado em matemática nas séries iniciais do ensino fundamental

 

RESUMO

O presente artigo, visa demonstrar algumas reflexões sobre o Ensino da Matemática nas Séries Iniciais e tem como foco a concepção e a ação docente na organização das situações de ensino e de aprendizagem da matemática nos Anos Iniciais, assim como a análise da percepção dos sujeitos envolvidos na prática educativa. Em linguagem bastante simples, o educador poderá extrair deste artigo, algumas ferramentas contemporâneas que, com certeza, contribuirá com a sua prática de ensino no cotidiano escolar. Os dados têm como base a análise de conteúdo proposta por Engers (1987), surgindo três categorias principais que foram transformadas em dois eixos denominados: a aprendizagem embasada no lúdico: a importância dos jogos e materiais para o ensino da Matemática nos Anos Iniciais; o professor mediador: organizando as situações de ensino e de aprendizagem em Matemática. Os resultados obtidos na análise indicam que os pais percebem os filhos motivados para aprender quando as aulas promovem um espaço lúdico revelado nos jogos e nos materiais concretos, os quais são relevantes para a aprendizagem significativa. Os alunos, por sua vez, interagem cooperativamente neste espaço organizado pelo professor –mediador, comprovando, portanto, a importância da intervenção pedagógica para a construção de relações cognitivas que se traduzem em aprendizagem. Outro aspecto evidenciado na pesquisa é a valorização dos conhecimentos prévios e dos fatos que acontecem no cotidiano de cada aluno como elementos centrais na ação docente.

PALAVRAS- CHAVE: Ensino da Matemática, Pratica Educativa , Perspectivas, Cotidiano Escolar, Jogos , Espaço Lúdico .

INTRODUÇÃO

Em sala de aula, o que vemos acontecer é o ensino que provoca nas crianças uma atitude de rejeição, bastante negativa em relação à aprendizagem da Matemática, cujos reflexos são desastrosos e comparecem na sociedade como um todo. A base do ensino ainda é mnemônica, exigem-se da criança repetição e memorização de conceitos que não foram ainda devidamente compreendidos.

Para tanto, o professor utiliza-se de formas exteriores de manutenção de disciplina baseadas no sistema de recompensas e castigos, que produzem uma situação compulsória de aprendizagem que inibe a liberdade do indivíduo. São vários os questionamentos que surgem ao planejarmos o ensino da matemática nas séries iniciais, dentre eles, a maneira correta de se abordar as operações básicas, em que nível e, principalmente, como tornar esses conceitos utilizáveis na vida diária. A disciplina matemática, conhecida por sustentar-se num campo abstrato que exige um desenvolvimento maior das teias psíquicas, deve, aqui, tornar-se mais plausível e humana para que sua abstração seja possível por aqueles que começam a desenvolver os esquemas de saberes.

Para que a criança compreenda o que está estudando é necessário que tenha liberdade de trabalhar com os conceitos matemáticos e de apreender a estrutura do conceito. Desta forma fica garantida a autodisciplina, princípio básico de um ensino democrático. Quando se aprende através das próprias experiências, cria-se no indivíduo algo que ele não possuía e esta elaboração passa a fazer parte de seu ser.

 

DESENVOLVIMENTO:

Acredito que, nos Anos Iniciais, tem-se um momento rico para desenvolver a educação Matemática de forma prazerosa, de modo que a pessoa construa conceitos através de vivências lúdicas. Diante de tantas questões complexas relacionadas à aprendizagem Matemática, destaco o “pensar” reflexivo e crítico como qualidade essencial ao aluno de qualquer nível escolar.

 Penso que a educação Matemática significativa implica na aprendizagem do pensar com lógica, seqüência, objetividade, enfim, pensar articulando diversos níveis de pensamento, levantando hipóteses e deduções. Este é o pensar matemático, que transforma o real, o conhecimento construído em interações com as necessidades surgidas no aqui e no agora. Acredito ser importante trazer alguns dados objetivos de como está o desempenho dos estudantes, segundo o Ministério da Educação e Cultura. Criado em 1988, o SAEB ( Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) é uma ação do Governo Brasileiro, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep. O SAEB é aplicado a cada dois anos, desde 1990, e avalia o desempenho dos alunos brasileiros da 4ª e da 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, nas disciplinas de Língua Portuguesa (Foco: Leitura) e Matemática (Foco: resolução de problemas). Em 2003, participaram do SAEB cerca de 300 mil alunos, 17 mil professores e 6 mil diretores de 6.270 escolas das 27 unidades das Federação.

No documento divulgado pelo Ministério da Educação ( 2004) com os resultados do SAEB 2003, consta:

Já em Matemática, na 4ª série (...). Nesse patamar de rendimento os alunos demonstram habilidades ainda bem elementares para quem está concluindo a primeira etapa do ensino fundamental, como a leitura de horas minutos apenas em relógio digital e multiplicação com número de um algarismo. (p. 8) grifo meu ( em 3.09.2006)

O mesmo documento explicita que a escala em Matemática é mensurada de 0 a 425 pontos e que uma média satisfatória para a 4ª série deveria ser de, no mínimo, 200 pontos. Como se pode verificar na tabela SAEB/ 2003, o Rio Grande do Sul não se encontra neste patamar almejado, com um total de 188,8 pontos. Em pior situação estão os alunos nordestinos, com desempenho situado entre 155,5 e 161,2 pontos. O Ministério aponta, como habilidade importante para o aluno dos Anos Iniciais, saber efetuar as quatro operações aritméticas pois,assim, conseguirá resolver problemas de média e alta complexidade, inclusive os que se apresentarem no seu cotidiano, como pagar uma conta ou calcular os juros de uma prestação.

O que acontece com esta área do conhecimento, área tão rica de possibilidades, que pode exercer o fascínio em alguns e a ojeriza em outros ? Por que a simples idéia de ter que pensar matematicamente se torna motivo de ansiedade para tantas pessoas ?

 

Quando falo em pensar matematicamente, refiro-me ao pensar reflexivo, muitas vezes necessário nas disciplinas escolares e na própria vida. Para Alarcão (2001), a complexidade dos problemas que hoje se colocam à escola exigem

(...) uma capacidade de leitura atempada dos acontecimentos e sua interpretação como meio de encontrar a solução estratégica mais adequada (...) Esse processo, pela sua complexidade, exige cooperação, olhares multidimensionais e uma atitude de investigação na ação e pela ação (p.24).

A mesma autora diz da necessidade permanente de uma relação dialógica, onde as pessoas se envolvem com reciprocidade no processo de reflexão e ação, mantendo a unicidade própria de cada ser humano, sem a perda de identidade. Os professores podem e devem propor situações em que as crianças aprendam a pensar de forma articulada, coordenada e coerente.

Segundo Kamii (1991), a criança precisa apoiar-se em objetos, devido à sua fase de desenvolvimento cognitivo. Nesse sentido é que os materiais concretos e os jogos mostram-se instrumento de ajuda para a criança construir procedimentos e desenvolver a capacidade de pensar matematicamente, com lógica. É fundamental que a educação Matemática seja trabalhada de forma articulada com os conhecimentos prévios, a realidade e as necessidades dos alunos; aliada a uma práxis docente competente, que esteja embasada em um constante movimento de ação-reflexão. Observo que é imprescindível associarmos a brincadeira, o lúdico, à educação Matemática de nossas crianças.

Desta forma, estabeleceram-se os objetivos desta pesquisa:

  • Investigar as concepções e crenças da professora sobre a educação Matemática, identificando eixos norteadores de suas ações;
  • Conhecer como os alunos, seus pais e os gestores da escola percebem a prática pedagógica da professora, identificando os diversos olhares sobre o trabalho desenvolvido;
  • Analisar a importância da utilização de materiais e jogos para o desenvolvimento do pensamento matemático do aluno;
  • Contribuir com os resultados da pesquisa para fomentar reflexões referentes à atuação dos professores dos Anos Iniciais no ensino da Matemática.

 

Nessa perspectiva, este estudo busca responder ao seguinte problema: Qual a concepção que a professora tem de sua ação e da organização das situações de ensino e de aprendizagem da Matemática nos Anos Iniciais e como os envolvidos nos processos percebem a sua prática?

Esta pesquisa faz uma abordagem das concepções e práticas docentes no ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e de como os envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem percebem estas práticas. È importante, então, iniciar com a apresentação dos estágios do desenvolvimento do pensamento. Franco (1991), analisando a Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget, reforça a idéia de que nesta teoria o cientista suíço explica a evolução da construção do pensamento humano.

Piaget construiu um modelo explicativo para os processos de conhecimento. Ele partiu da biologia, passou pela psicologia e chegou à epistemologia e à compreensão dos processos de criação do conhecimento humano. Concluiu que os processos biológicos básicos eram encontrados, também, nos processos cognitivos, já que estes seriam um prolongamento daqueles. Ocorre a abstração reflexiva quando se retira o conhecimento da coordenação das ações sobre os objetos e não dos objetos.

A abstração “pseudoempírica” é um tipo especial de abstração reflexiva. Esta existe quando a pessoa utiliza objetos, mas ainda assim retira suas informações da coordenação de suas ações. Acredita-se numa educação transformadora, que considere o conhecimento prévio do aluno e lhe possibilite fazer relações, levantar hipóteses, questionar, comparar. Ausubel (1980) já defendia que o aluno aprendia, realmente, se realizava associações entre informações novas e outras as quais já estava familiarizado, de forma não arbitrária e não literal. O educador é o eixo mediador neste processo e, assim como pode caminhar com seus alunos pela estrada do novo, do instigante, da descoberta, pode corromper a criatividade e as possibilidades cognitivas mais profundas das crianças.

Cabe lembrar que a reflexão sobre a prática deve fazer parte da prática docente. Da mesma forma, o professor deve considerar os saberes de seus alunos, os seus contextos de vida, pois eles são uma valiosa forma de integração para o ensino dos conteúdos. É evidente o equívoco de muitos professores quanto a associar o pensamento matemático somente à disciplina “Matemática”. As relações lógicas do pensamento matemático aparecem não só na escola, mas o tempo todo na vida do aluno. Se pode pensar matematicamente ao planejar uma festa, fazer uma viagem, ir ao supermercado – e não está se falando somente em fazer cálculos de gastos !!! O educador precisa conhecer a lógica do pensamento do educando, nas diversas faixas etárias, pois, assim, poderá oferecer um quadro indispensável sobre “o quando” e “como aprender”, sabendo o que é possível ensinar em cada momento.

 O brinquedo, no entanto: (...) é outro termo indispensável para compreender esse campo. Diferindo do jogo, o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua utilização. ( Kishimoto, 2000,p.18)

“O jogo da criança não é apenas divertimento, ou descontração; é também uma forma de ser e de apreender o mundo” (Brougère 1998 p.165). Quando questionados a cerca do jogo como recurso didático, os alunos expressaram claramente sua opinião, pois eles revelam que gostam muito desta atividade.

 

Considerando o desenvolvimento infantil, o jogo é muito vantajoso. A criança quando joga, além de estar interagindo socialmente, experimenta competências cognitivas, psicomotoras, afetivas...Da mesma forma quanto aos materiais concretos. A criança manipula, classifica, compara, realiza diversas operações mentais, também construindo competências. Impossível imaginar o ensino das operações de adição e subtração para crianças dos Anos Iniciais sem o uso do Material Dourado. É importante que os diversos setores da escola estejam em sintonia, saibam o que está acontecendo uns com os outros, como um corpo onde cada parte depende da outra para funcionar com harmonia. Os professores não trabalham sozinhos, assim como a supervisão escolar não existe por si mesma. A direção da escola não tem sentido de existir se não existissem os alunos, os professores, a supervisão, os pais. Os funcionários da tesouraria, da limpeza, da disciplina, são a equipe de apoio que fazem parte deste “corpo”. É preferível ver uma escola como um corpo, não como uma “engrenagem”, como muitas vezes já se escutou falar. Uma escola é um sistema vivo, pulsante, não é uma máquina.

 

Agora, a escola precisa “dotar o aluno de uma visão holística da realidade e, ao mesmo tempo, oferecer-lhe os meios cognoscitivos, emocionais e comportamentais que lhe permitam atender à complexidade dessa visão”( Zabala, 2002, p. 81). Como o professor assumirá o seu papel diante deste compromisso tão relevante na realidade do século XXI ?

Na escola se valorizava o professor do conhecimento enciclopédico, que repetia incansavelmente seu saber ( ou não-saber); o professor da reprodução literal; dos questionários intermináveis, o de Ciências que não ia nunca a campo ou para o laboratório (suas aulas limitavam-se aos livros); o de Matemática que ensinava as “continhas” só com giz e quadro ( mas por que é mesmo que eu não entendi ?)... Verdade essa que continua presente em boa parte das escolas.

O professor deve planejar suas aulas assegurando-se de que está proporcionando a seus alunos situações motivadoras, desafiantes, verdadeiros problemas, que os incentive a pensar, a agir de forma cooperativa. A busca de soluções exigirá a ativação de conhecimentos e novas aprendizagens. Mais uma vez, o professor surge como um agente em um processo de construção mediada, ele é o mediador, o motivador. Para os autores, o ensino da Matemática do ensino fundamental assume como uma de suas finalidades fundamentais: (...) dotar os alunos de uma competência matemática adequada que lhes permita enfrentar as demandas de seus ambientes social e cultural em suas diferentes esferas: educacional trabalhista, privada, social e comunitária. Essa finalidade global implica que a educação matemática pode e deve contribuir tanto para desenvolvimento como para a socialização dos alunos e, em particular, que deve contribuir para a aquisição por parte dos alunos de um amplo conjunto de capacidades necessárias para atuar como cidadãos competentes, ativos, comprometidos e críticos: capacidade de pensamento autônomo e independente, de exploração e de indagação (Onrubia, Rochera e Barberà In: Coll, 2004, p.333).

                                              

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de muita importância o trabalho de mediação do professor de Matemática, que deve instigar, desafiar, saber o que seu aluno está pensando para ajudá-lo a desenvolver suas estruturas cognitivas. O ambiente que nos cerca precisa ser trabalhado, inclusive o próprio corpo. Através da análise de conteúdo e triangulação de dados, pudemos observar que apesar dos professores insistirem em dizer que priorizam a oralidade, o registro desta atividade não comparece nos cadernos. Geralmente o aluno registra o assunto tratado,  os problemas, os exercícios feitos pelos professores no quadro-negro e os exercícios por ele resolvidos em seu caderno durante a aula. São poucas as atividades que envolvem manipulação de materiais concretos ou discussões de situações do cotidiano, embora conste no planejamento didático. A disposição das mesas é sempre a mesma e não pode ser mudada por ordem do diretor da escola. Os professores vistoriam constantemente os cadernos e registram opiniões, como parabéns, muito bom, excelente, jóia, em tarefas incompletas e incorretas. Esta conceituação pode desenvolver uma falsa idéia sobre o próprio aprendizado do aluno..

A triangulação de todos os dados coloca em evidencia, que é a concepção tradicional que ainda prevalece na sala de aula. No entanto, ao discutirmos as dificuldades de aprendizagem dos alunos com os professores eles reconhecem importância da reflexão sobre a prática pedagógica, a percebem como uma forma de superação dos problemas e apontam a discussão coletiva como o espaço para construção de propostas teórico-metodológicas mais condizentes com a realidade do educando. Isto quer dizer que a educação é um processo de formação integral, que envolve cognição, sentimentos, impregnados por uma cultura. Estas dimensões re-significadas em ambientes de aprendizagem significativos realizados em meio ao jogo, ao lúdico, propiciam uma aprendizagem prazerosa.  Considera-se que é muito importante que os professores tenham consciência de seu papel e procurem desenvolver competências para atuar como mediadores eficazes. Se este trabalho despertar, de alguma forma, ao menos em um educador a inquietação, provocando a mudança em suas concepções e práticas, já terá alcançado os seus objetivos.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZABALA, Antoni.Enfoque globalizador e pensamento complexo-uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.,