As comemorações à figura feminina massificada pela televisão e a incorporação de valores inculcados nas festividades do dia internacional das mulheres e dia das mães
Por Joyce Bezerra de Souza | 14/07/2017 | EducaçãoAtualmente duas datas festivas rememoram, celebram a imagem da mulher - o dia das mães e o dia internacional da mulher, e a representação social dessas datas são bastante fortes, muito comemoradas. Existe um reforço continuado pela mídia e pelo comércio para o sucesso dessas datas, para que presentes sejam comprados e para que as famílias se reúnam e se confraternizem. E tudo isso é impulsionado também pelo poder persuasivo da televisão. Nas propagandas de lojas de móveis e eletrodomésticos fica bastante clara a intenção de aproveitar a oportunidade do dia das mães para vender produtos do lar, porque na propaganda quem está mandando comprar são personalidades da televisão, que muitas vezes revestem as propagandas de sensualidade e afetividade. E toda mãe deve querer ter o seu lar com utensílios domésticos indicados por personalidades reconhecidas pela mídia.
Nas propagandas de calçados, o artifício é semelhante, porque a boa mãe não pode ficar sem ganhar um presente, um presente exclusivo e que toda mãe deseja adquirir, como afirma a propaganda da Esposende[2] (2015); ou simplesmente pode ser uma propaganda de cunho afetivo como o da Renner[3] (2015) quando um menino leva uma flor para a mãe, depois de ter andando um longo trajeto a pé, e tendo que enfrentar muitas dificuldades como vento forte e chuva, ele teve que proteger a flor para não amassar. O pai da criança leva um ramalhete de flores para a mãe, mas quando vê o filho como uma simples flor ele esconde o ramalhete para priorizar a ação do filho. Logo, a ideia de sensibilidade, cuidado e delicadeza são introjetados como tipicamente femininos, já que as flores são presentes comuns para as mulheres, principalmente no dia mães e no dia internacional das mulheres.
As mulheres-mães também são apaixonadas por beleza e glamour e atendendo aos desejos reforçados pela mídia, o Boticário – marca de perfumes e cosméticos, sempre traz os perfumes Linda e Glamour em suas propagandas de dia das mães, porque acreditar na beleza é fundamental, com anuncia a marca.
Na realidade ser mãe está revestido de uma atitude divinal, pois se apresenta como um presente de Deus, um exercício de entrega, uma arte de cuidar com zelo e determinação. Características típicas que elevam o status de mãe ao sagrado, a uma natureza inquestionável. Toda mulher, portanto, deve ser mãe.
A propaganda de dia das mães da OMO[4] (2015) direciona-se à mãe cuidadosa e paciente, pois sabe que as crianças sujam suas roupas porque estão em fase de descobertas, e que são mães de futuros profissionais bem-remunerados e reconhecidos, mas enquanto pequenos têm desafios comuns, como comer sem se sujar. E crianças sujam muito quando estão comendo sozinhas, mas as mamães podem contar com o apoio do sabão em pó que se apresenta como de boa qualidade no mercado do consumo de limpeza. Diante do exposto podemos chamar a associação da mídia e do comercio de dupla aliança, pois movimentam e instruem a população sobre a importância de comemorar tais eventos.
É sabido do grande poder persuasivo da televisão e da sua capacidade educativa, do quanto as programações podem ensinar um povo para não refletir sobre o verdadeiro significado de acontecimentos históricos a ponto de encará-los como meros festejos e oportunidades de presentear pessoas. Nessa linha de pensamento, a Comissão Carnegie de Televisão Educativa relata que:
... a grande força da televisão, tanto comercial quanto não comercial, é que continua a educar-nos muito tempo depois de havermos deixado a escola. Reabastece o nosso arsenal de informações, estimula as nossas percepções, desafia os nossos padrões e influi sobre nosso julgamento (COMISSÃO CARNEGIE DE TELEVISÃO EDUCATIVA, 1967).
Estas datas mais se aproximam de uma estratégia de cultura do comércio do dia das mães e das mulheres que da lembrança das lutas por igualdade político-social. As comemorações mais parecem reclames de televisão que de desmistificação, questionamento de dogmas que inferem cárcere emocional ligado à autoestima. Pouco se diz sobre a necessidade urgente de mudança e levante social para enxergar a mulher como além da virtuosa mãe consoladora que consome muitos bens de consumo próprios para o embelezamento e funcionamento satisfatório do lar, como aparelhos eletrodomésticos. Logo, as datas que recordam a mulher no Brasil não convidam a pensar sobre a atual imagem que vem sendo demandada da mulher na sociedade, resumem-se a uma representatividade de lógica mercadológica e de manutenção dos estigmas sociais postulados pela televisão, assim também como pelo imaginário social que impregna as relações cotidianas de comportamentos que promovem consumo e não reflexão do simbolismo empregado.
Cerqueira (2008) em seus estudos afirma que questões ligadas à violência de gênero são mais frequentes no dia internacional das mulheres, o que gera certo reducionismo do gênero sobre acontecimento histórico de que a data trata, não gerando uma visibilidade de gênero satisfatória.
Compreender a lógica em que a representação do dia das mães e dia internacional das mulheres permeia requer mais que um olhar gentil, modesto, despretensioso. Requer um desnudamento das verdadeiras intenções que estão arraigadas nas repercussões do ideário comemorativo.
Desvincular-se da simplória boa-fé, imaculada imagem sagrada da mulher-mãe, protetora e honrosa; significa buscar conhecer profundamente que fatores estão intimamente ligados a essa comemoração de grande prestígio social que são completamente diferentes das mulheres contemporâneas que renegam essa imagem imaculada por uma imagem “descolada”, moderna, que vai de encontro com a representação de mulher-mãe do lar, típicas das propagandas de produtos de limpeza. É notória a comercialização da imagem da mulher quando em datas festivas associam produtos de consumo à mulher:
Ao subverter este ideal, muitas mulheres não são e não se sentem contempladas pela invasão de comerciais que oferecem diariamente, mas, sobretudo no “dia das mães”, os mais diversos aparatos vinculados à beleza, ao espaço da casa, especialmente ao espaço da cozinha. Além disto, a mídia cria um ideal de mulher digno de ser louvado e santificado, uma mulher que ocupa um lugar de cuidadora e mantenedora do bem-estar da família e do lar (SANTOS, s.d,).
A mídia e o comércio, então, despindo-se do inocente e esmero cuidado com a imagem feminina, vestem-se de um envolvente manancial de oportunidades de criação, solidificação, manutenção e difusão de ideais sobre o ser humano feminino, mãe, brasileira, que professa devoção, que consome produtos visando acolher a família e tornar o mundo masculino mais bonito e tênue. Sobre a necessidade de submissão a certos comportamentos para se identificar a determinados grupos, como o de mulher, metade de população (mulheres) são levadas a submeter-se a rituais diários de busca de beleza, como se a identidade de gênero feminina fosse definida apenas pelas características estéticas que a sociedade tentar impor a todo instante.
Vivemos em uma sociedade cada vez mais midiatizada e que lança exigências estéticas sobre os corpos e juventude à figura da mulher nos meios de comunicação de massa cotidianamente. O dia das mães e o dia internacional das mulheres trata-se de mais que uma simples comemoração, que um tenro reconhecimento da importância do outro enquanto pessoa, ser social. É a manifestação de uma produção cultural cada vez mais midiatizada. Uma verdadeira supervalorização do eu-feminino heroico, que consegue ao mesmo tempo ser mãe e cuidadora independente das novas atribuições laborais, que vão além do lar.
São fortes as representações sociais que os festejos em volta do dia das mães e do dia das mulheres compreendem. Embora a repercussão social das lutas por igualdade salarial, reconhecimento de competência para atuar em cargos antes ocupados e reconhecidos como de e para homens como postos de liderança, de emprego de força física, de melhores remunerações sejam escassas, como as colocações que pressupunham respeito ao gênero, ou mesmo das reformas na formação da família brasileira com a representação real e atual respeitando-se conhecimentos como o número de filhos que hoje as mulheres têm; grande número de casas chefiadas e sustentadas por mulheres; colocação no mundo do trabalho e nível de escolaridade; aumento da procura por cursos de aperfeiçoamentos ou mesmo interrupção das atividades escolares para cuidar dos filhos; violência doméstica vigente pela intolerância por certos grupos de homens que relutam pela aceitação da mulher como ser capaz e independente financeiramente e intelectualmente.
Toda essa representação quantitativa comprovada em números pelos censos promovidos pelo Censo do IBGE, Brasil (2010), precisa ser amplamente divulgada como o retrato da realidade moderna da mulher brasileira e não apenas o endeusamento à figura clássica de mulher destituída de consciência política e força social. Até porque não se pode negar às novas representações femininas que estão sendo postas pela televisão e sua vasta programação de acesso facilitado, barato e massivo, como da mulher que usa seu corpo mais livremente ou meramente reproduzindo valores propagados pela mídia. Fischer (2001) declara que a televisão é um dispositivo pedagógico, que produz subjetivação da mulher, e nas comemorações à mulher não é diferente.
As comemorações pouco, ou quase nada falam sobre essas coisas. Sobre as coisas que as mulheres realmente querem que sejam divulgadas, solidificadas. Coisas que de fato contribuam para aumentar a dignidade do gênero feminino diante de uma sociedade que ainda transpira machismo, opressão à mulher. Dando-se a opressão de formas variadas: silenciando, ignorando a revisão e questionamentos sobre a importância de tais festejos, colaborando para a continuação da opressão da classe feminina.
Seja de forma velada, com o silêncio ou negligenciando a realidade, ou declarada, com a consolidação da glorificação da honra feminina como ser acima de anseios carnais e desejos de consumo, procriação, afeto e satisfação intelectual singular, acaba por constituir-se uma violência que não está estampada cotidianamente nas manchetes dos telejornais de todo o Brasil, nem deixa cicatrizes visíveis a olho nu, não escarnece, nem tampouco promove a ira da sociedade.
Trata-se então, de uma violência singela, quieta, que não transparece a agressão aos valores e desejos das mulheres em relação ao seu próprio corpo, a sua identidade como mulher, desvinculando-se dos pré-conceitos trazidos pela mídia televisiva, aliados a interesses mercadológicos, das políticas sociais e econômicas brasileira. Os meios de comunicação de massa, muito bem representada pela televisão, educam para uma sociedade cada vez mais pautada na lógica do consumo desenfreado de pouca racionalização. Educadoras e educadores, sociedade em geral, precisamos ver o que está além das propagandas. Sejamos tão exímios educadores quanto são os meios de comunicação de massa!
Referências
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Acesso:http://www.ibge.gov.br em 01/02/2016.
CERQUEIRA, Carla Braga. A imprensa e a perspectiva de género: Quando elas são notícia no Dia internacional da Mulher. Observatório Journal, 5, 2008, p. 139 – 164.
COMISSÃO CARNEGIE DE TELEVISÃO EDUCATIVA. Televisão educativa: um programa de ação. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1967.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia e educação da mulher: Uma discussão teórica sobre modos de enunciar o feminino na TV. Estudos feministas, p. 586 – 599. Ano 9, 586. 2º semestre, 2001.
SANTOS, Teresa Cristina Bruel dos. A construção da mulher na mídia. Acesso: 50aconstruçãodamulhernamidia12166.pdf em 15/02/2016.
Sites de nota de rodapé:
https://www.youtube.com/watch?v=M2Sv4B1DsUA
https://www.youtube.com/watch?v=n5c6GvSLD7w
https://www.youtube.com/watch?v=fd1r8Qv7w4U
[1]Professora, Graduada em Pedagogia pela UFPE, Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação, Culturas e Identidades da Universidade Federal Rural de Pernambuco e Fundação Joaquim Nabuco.
[2] Confira: https://www.youtube.com/watch?v=M2Sv4B1DsUA
[3] Confira: https://www.youtube.com/watch?v=n5c6GvSLD7w
[4] Confira: https://www.youtube.com/watch?v=fd1r8Qv7w4U