As Capitanias Heraditárias Acabaram?
Por Denis Farias | 01/08/2009 | CrônicasAs Capitanias Hereditárias Acabaram?
Maria Beatriz Sarney:
-Pai, meu irmão saiu do Senado, dá para o Henrique (namorado dela) entrar no lugar dele?
Fernando Sarney (pai de Beatriz):
-Podemos trabalhar isso sim.
-Vou falar com o Agaciel.
José Sarney:
- Ta bom. Eu vou falar com ele (Agaciel).
Fernando Sarney:
- É só isso aí, é isso que eu queria. Que tu desse uma palavrinha com o ele (Agaciel). Se tu der resolve.
Nas primeiras décadas do século XVI, Portugal restringiu ao extrativismo suas ações de exploração do território colonial brasileiro. Realizava poucas expedições, somente para explorar as toras de pau-brasil, que eram trazidas forçadamente pelos índios ao litoral. Entretanto, a ameaça de invasão dos corsários estrangeiros, principalmente franceses, obrigou a coroa portuguesa a rever sua política de ocupação na colônia.
Em 1534, dando continuidade ao projeto de tomada de posse, o rei dom João III, dividiu a nova colônia em quinze faixas de terra. Cada um desses imensos lotes integraria o sistema de capitanias hereditárias, que transferiu a responsabilidade de ocupar e colonizar o território colonial para terceiros. Nesse sistema, o rei entregava uma capitania a algum membro da corte de sua confiança que, a partir de então, se transformava em capitão donatário.
Aquele que recebia o título de capitão donatário não poderia realizar a venda das terras oferecidas, mas tinha o direito de repassá-las aos seus descendentes. No momento da posse, o capitão donatário recebia duas importantes documentações da coroa: a Carta de Doação e o Foral. O primeiro documento estabelecia que o governo de Portugal cedia o uso de uma determinada capitania a um donatário e que este não poderia negociá-la sob nenhuma hipótese. Já o Foral determinava o conjunto específico de direitos e obrigações que o capitão donatário teria em suas mãos. Ele poderia fundar vilas, doar sesmarias (lotes de terra não cultivados), exercer funções judiciárias e militares, cobrar tributos e praticar a escravização de um número fixo de indígenas. Com relação às atividades econômicas, ele poderia ter uma parte dos lucros, desde que isso não ferisse os direitos de arrecadação da Coroa Portuguesa.
Apesar de tantas especificidades e regras de funcionamento, o sistema de capitanias hereditárias acabou não alcançando os resultados esperados. A falta de apoio econômico do governo, a inexperiência de alguns donatários, as dificuldades de comunicação e locomoção, e a resistência dos indígenas dificultaram bastante a execução deste projeto. Somente duas capitanias conseguiram prosperar e superar as dificuldades da época. O sucesso se deveu aos lucros obtidos com a instalação da indústria açucareira nestas regiões. Posteriormente, os portugueses decidiram centralizar o modelo político-administrativo do território com a implantação do Governo-geral. Em 1759, nos moldes coloniais, as capitanias hereditárias oficialmente “desapareceram” com a ação do ministro Marquês de Pombal.
Contudo, o diálogo obtido pelo jornal “Estado de São Paulo” que abre esse artigo, nos mostra que as capitanias hereditárias ganharam um novo perfil. Modernizaram-se.
Mostra-nos, também, a autoria e a materialidade do crime de tráfico em influencias, um crime contra a administração pública, tipificado pelo artigo 332 do Código Penal Brasileiro, com a seguinte redação: “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagens ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função”. A pena prevista para esse crime é a de reclusão que vai de 2 a 5 anos e multa.
Mas será que nosso sistema penal consegue alcançar um capitão hereditário do porte de Sarney e seu clã?
Perceba o leitor, que a certeza de impunidade da família Sarney é tão evidente, que o não há a mínima preocupação com o crime de tráfico de influência praticado. O presidente do Senado só se preocupa com a demora do pedido, pois não poderia ficar vago, tinha que ser logo preenchido por algum membro do clã. O loteamento de cargos e espaço físico da máquina publica é tal e qual ao das capitanias hereditárias de outrora.
O presidente do Senado não se preocupa nem em respeitar o princípio da moralidade pública que ajudou a imprimir a quando da Assembléia Constituinte de 1988, a qual elaborou a Constituição Federal. A família Sarney não é rica, é riquíssima. Inclusive, o capitão donatário de nossos tempos, sempre vai esfriar a cabeça em uma ilha particular. Logo, se fosse um homem probo e com espírito público poderia pendurar quem quisesse, nos muitos negócios da família. Por que teve que usar justamente a coisa pública para obter vantagem para outrem? Qualquer outro brasileiro desbastado teria que se submeter a concurso público, e conquistá-lo por méritos. Será que na concepção dos Sarney, ou seja, do avô à neta, o Senado Federal faz parte da sua capitania hereditária?
Denis Farias é Advogado.
Email: denisadvogado@hotmail.com