Árvore da discórdia

Por Gilson Sousa | 27/10/2009 | Crônicas

Gilson Sousa

 

 

Remoer a dor dos outros nunca foi bom negócio para ninguém. Na história, somente os mesquinhos e masoquistas teimam em colocar em prática tal situação vexatória. A dor, seja ela nossa ou dos outros, precisa ser respeitada ao extremo. Até acalentada. Mas jamais reverenciada ou até mesmo utilizada como pano de fundo para disfarçar um sentimento repugnante. E sendo assim, a Energisa – empresa privada que fornece energia elétrica aos sergipanos – jamais deveria pensar em montar novamente a famigerada árvore de Natal que em novembro do ano passado caiu e matou quatro trabalhadores.

Sim, essa árvore com ares de assassina deixou de ser um símbolo de alegria, de paz, de fraternidade, de natalidade, do nascimento de um novo homem que viria para salvar o mundo dos pecados, conforme a Bíblia. Essa árvore passou a ser símbolo de um martírio. Uma espécie de casa de mortos, já que por ali, naquele pequeno banco de areia entre os rios Poxim e Sergipe, vagam as almas dos operários Anselmo de Almeida, Fábio dos Santos Melo, Cleidivan Alves e Fred dos Santos.

Digam-me, senhores e senhoras, quem deixará de lado a lembrança daquela tragédia ao ver novamente a imponente árvore brilhando nos arreadores da Coroa do Meio? Quem, entre nós, não ficará indignado quando souber que sequer as indenizações às famílias dos mortos foi resolvida judicialmente? Quem baterá palmas diante dos cento e tantos metros de altura que enterram vítimas de uma ganância por uma citação no Livro dos Recordes? Quem será capaz de acalentar tanta insensibilidade? Quem?

Aliás, li num blog local que a notícia da montagem da árvore da Energisa novamente não agradou em nada a dona de casa Luciana Teles de Oliveira, viúva do eletricista Anselmo de Oliveira, vítima da tragédia. “Eles deveriam esperar passar esse ano para pensar em montar de novo a árvore. Tudo está muito recente, ainda dói muito, e ver a árvore lá, vai doer mais ainda”, disse a senhora, coberta de razão em tudo.

Ademais, como bem expressou o poeta Amaral Cavalcanti, aquela coisa lá longe, em meio às bostas das quatro bocas, não empolga. “Se estivesse cá, com nós bem perto, seria maravilhoso curtir o seu tamanho. Então, o local está errado”, defende. De fato, montada naquele ponto, distante de todo mundo, a árvore não nos dá a exata dimensão de sua grandeza. Bom seria, já que querem montar mesmo, que fosse em local aonde pudéssemos passar por baixo, olhar para o alto e admirar a imensidão das luzes. Mas isso sem que nos ofereça o risco de cair. Até porque já basta, né.

Assim como basta essa história de que o passado é simplesmente passado. Não. Quando se trata de vidas perdidas, o passado precisará sempre ser respeitado. A Energisa, que parece não ligar para dor alguma, até poderia buscar outro local para montar sua árvore natalina. Dentro do Parque da Sementeira, sei lá. No alto do Morro do Urubu, na Atalaia. Só não vai ficar legal ali no mesmo local aonde quatro vidas foram cruelmente ceifadas. É assim que penso.

E não como diretores da empresa, que mesmo diante de adversidades alegam não poder deixar de lado uma tradição de 21 anos. “Temos que mostrar que somos grandes, no sentido de que não podemos esmorecer diante das dificuldades. Nossa vida é feita de obstáculos”, afirmou um diretor, em entrevista coletiva à imprensa. “Algumas pessoas vão criticar a montagem da árvore, mas sabemos que será a minoria. Fizemos uma pesquisa e constatamos que a grande maioria está a favor da montagem. E é com o aval do aracajuano que vamos manter essa tradição acesa”, disse o moço, sem noção do mal que está fazendo, ao menos, às famílias enlutadas.