Artigo: CAMA SEPARADA NA TERCEIRA IDADE

Por MARIA DAS DORES TOKASHIKI | 24/04/2017 | Família

INTRODUÇÃO:

Diante de muitos conflitos é que tivemos a pretensão de oportunizar uma  reflexão com a proposta terapêutica da psicanálise. Segunda a perspectiva aberta por J.Lacan, repercorremos o caminho freudiano no que diz respeito à construção de seu método de tratamento. E nas considerações estará deixando o entendimento da castração, apontado por Freud como obstáculo derradeiro ao processo clínico, em relação à estrutura de linguagem do aparelho psíquico, noção que implica na existência de um limite à ação terapêutica da palavra pelo fato de nem tudo no psiquismo ser passível de simbolização.

E a limitação e especificação de um trabalho, que partindo da inclusão da categoria do real, acopla, ao alívio dos sintomas, a revelação de uma verdade singular sobre o sujeito do inconsciente e o desejo que o anima. Visto que nesta época contemporânea,, no qual assistimos a uma crescente oferta de formas variadas e atrativas de psicoterapias, nos parece particularmente propício à reflexão sobre a proposta terapêutica do trabalho psicanalítico. Enquanto a   rigor esta questão não é nova e acompanha a psicanálise desde sua constituição por Freud aos nossos dias atuais.

Sabedores de que, por um lado este fato demonstra a importância da questão e, por outro, nos indica que seus limites e definições ainda se encontram em processo de construção e produção. E em resumo existe uma interrogação poderia ser colocada da seguinte forma: a partir de seu referencial teórico, o que um analista pode oferecer às pessoas que o procuram em busca de um alívio para seus sofrimentos? Em outras palavras, qual o conceito de cura que a psicanálise propõe?De imediato sabemos que esse conceito não se confunde com a concepção de cura médica. E ainda que psicanálise e medicina tenham se entrelaçado em seu tempo inaugural, uma ruptura entre ambas logo se processou.

  1. OS TIPOS DE TRATAMENTOS NA PSICANÁLISE DEVEM SEREM OBSERVADOS E PROCURAREM O TRATAMENTO PRECISO

Através da clínica psicanalítica trata de dores paras as quais não há medicalizações, drogas milagrosas, aparelhos tecnológicos ou qualquer outra ordem de recursos que possam garantir um suporte externo ao tratamento que está sendo realizado. Neste, conta-se apenas com simples e corriqueiras palavras. E uma vez circunscrita pela ação da palavra, a cura na psicanálise se estenderá entre o alcance e o limite de seu poder terapêutico. É com esta questão que cada um que se envolve com o trabalho psicanalítico, tem, necessariamente, que se deparar. Quer seja enquanto paciente, ao sentir na pele a intensidade desmesurada e irracional dos movimentos transferenciais os quais o lançam entre o amor e o ódio pelo analista, suscitando paixões soterradas e sentimentos, há muito, supostamente esquecidos. Ou quer seja no lugar do analista, ao ter que suportar com sua presença todas as nuances da transferência e possibilitar, a partir daí, a ocorrência do trabalho clínico. Posições que são, cada qual a seu modo, bastante desconfortáveis.

Entendedores de que,isso, no entanto, não nos exime da tarefa de termos que prestar contas do nosso ofício. Por essa razão nossa intenção aqui será a de tecermos algumas considerações as quais nos permitam refletir sobre a especificidade do trabalho clínico psicanalítico. Para tal nos utilizaremos da perspectiva aberta por Lacan, o qual enfatizou, entre outros aspectos, o caráter linguístico das concepções freudianas acerca dos processos psíquicos.Tal perspectiva servirá de fundamento à nossa proposta de refazermos o caminho freudiano para nele compreendermos como o entendimento da psiquê pelo viés da linguagem, inaugurado por Freud, o levou a um afastamento do limite terapêutico imposto pelo real da fisiologia proferido pelo discurso médico cientificista do século XIX.

Com isto lhe foi possibilitado a formulação de um novo projeto terapêutico, otimista, voltado para a dissolução dos sintomas histéricos através da interpretação de seu sentido. Ao final de sua obra, entretanto, Freud foi conduzido ao reencontro de um obstáculo imposto pelo real circunscrito pela própria linguagem, na medida em que esta, enquanto metáfora, implica na existência de um limite à palavra e, consequentemente, à proposta terapêutica sobre ela edificada. Se nesse momento de sua obra Freud tenha se deparado com um impasse quanto às possibilidades terapêuticas da psicanálise, nesse ponto, acreditamos, a contribuição lacaniana propõe uma saída. Na medida em que nos faz perceber que embora as palavras não sejam capazes de transformar aquilo o que, no psiquismo, não é passível de simbolização, elas podem, contudo, promover uma mudança na posição do sujeito frente aos desígnios de seu desejo.

Aqui fazemos um convite aos nossos leitores: que nos acompanhem no mesmo caminho que nos foi necessário percorrer para chegarmos a essas conclusões. Nesse percurso acompanharemos, sobretudo, os passos freudianos. Os erros, acertos, dúvidas, impasses e superações com os quais ele póprio se deparou na construção de seu método singular de tratamento. Um método que desde o início aprendeu a conviver e a ultrapassar obstáculos, e que, sobretudo, nos destituiu de toda e qualquer ilusão em uma cura ideal, já que, como nos advertiu Freud, muito já estaremos fazendo se "conseguirmos transformar o sofrimento neurótico em infelicidade comum.

2.A PALAVRA TERAPÊUTICA E SUAS PRIMÁRIAS DEMARCAÇÕES

 Entendedores de que, podemos destacar que a questão da linguagem está presente desde os primórdios da obra freudiana. A rigor, muito antes da publicação do livro dos sonhos, Freud iniciou seu trabalho clínico com suas pacientes histéricas pelo viés da linguagem. Seguindo a trilha aberta por Charcot e pela Escola de Nancy, o autor, em seus primeiros estudos, propôs uma novidade teórica a qual pode ser formulada da seguinte maneira: há, nos fenómenos histérico, uma total desvinculação em relação à anatomia, porém - e isso é de importância fundamental - não há uma desvinculação entre histeria e corpo. Sendo este último entendido enquanto representado psiquicamente, ou seja, enquanto investido de um valor psicológico. Desta forma, indo além da anatomia, o texto freudiano propôs, de início, uma outra forma de articulação entre os registros físico e mental. Uma articulação que o permitiu indicar, também, um mais além da sugestão hipnótica a qual permeia a mediação entre a palavra do médico e o sintoma histérico: a linguagem.

Visto que,nos parece importante destacarmos que este momento de elaboração teórica, demarcou uma ruptura epistemológica crucial entre psicanálise e outros saberes de então, principalmente em relação à psiquiatria, à neurologia e à psicologia. Essa ruptura se revelou fundamental porque a partir dela o entendimento sobre os fenômenos histéricos pôde ser efetuado pela lógica do sentido e não mais pela lógica da anatomia que os tornava, especialmente, incompreensíveis. Em relação à constituição do campo clínico, pelo viés da linguagem, os fenômenos neuróticos puderam ser concebidos como o produto final de um processo de simbolização, acarretando com isto que seus sintomas passassem a ser concebidos como posssuindo um sentido oculto que ao ser desvelado no curso do tratamento se dissolviam.

Uma vez que a linguagem estrutura a formação dos sintomas, ela deve ser tomada como pilar estruturador do método terapêutico e instrumento clínico que possibilita a cura das neuroses. Concepção esta inerente ao objetivo do método catártico ao propor a eliminação dos sintomas a partir da ocorrência de uma ab-reação do afeto patogênico ao fornecê-lo uma expressão verbal. Aqui, se inserida de forma radical, a eficácia terapêutica da palavra, na media em que ela permite a ponte entre os registros físico e mental, ou seja, entre o componente psíquico ( a representação patogênica) e o componente somático ( o quantum afetivo) das manifestações sintomáticas. Por esta razão, o método catártico propunha que a rememoração da cena patogênica deveria vir acompanhada de seu afeto correspondente para que surtisse um efeito terapêutico. A cura se fazia, portanto, sobre a possibilidade de se descarregar uma carga afetiva que ficara 'estrangulada' à época da ocorrência da experiência traumática (Breuer e Freud, 1893).

E com essa proposta clínica, implicava na suposição de que a energia psíquica é passível de receber um processo de simbolização, garantindo, desta forma, a eficácia terapêutica da palavra. Porém, podemos notar que já nessa primeira fase de elaboração teórica freudiana, embora as relações psíquico/somático tenham sido estabelecidas sobre o pilar da linguagem, os processos clínicos desenvolvidos indicavam que algo escapava à essa relação, demonstrando que não há uma mediação ponto a ponto entre esses dois registros. Assim, se ao nível da teoria, os estudos empreendidos apontavam para a possibilidade de simbolização da energia psíquica, a clínica, por seu turno, demonstrava o encontro de um êxito parcial nesse processo.

2.1OS DESENVOLVIMENTOS NOS ATENDIMENTOS CLÍNICOS

A rigor, o desenvolvimento dos atendimentos clínicos indicavam a existência de alguns elementos resistentes à simbolização e, por conseguinte, à eficácia terapêutica da palavra. O encontro desses obstáculos clinicamente palpáveis levou o autor à tematização sobre suas bases etiológicas, preferencialmente recorrendo a explicações biológicas. Este é o caso, por exemplo, da concepção freudiana sobre as 'neuroses atuais' as quais foram concebidas como sendo edificadas a partir de uma etiologia puramente fisiológica na medida em que seus sintomas eram constituídos a partir de problemas orgânicos em se obter a satisfação sexual, sem a participação de qualquer mecanismo psíquico (Freud 1895[94]). Esta é a razão pela qual as neuroses atuais não seriam compatíveis com uma terapia cuja proposta era a de elucidar o sentido oculto dos sintomas, dissolvendo-os pela decifração de sua significação simbólica, tornando-as contra-indicadas para a cura pelo método terapêutico ora proposto.

Entendedores de que, podemos destacar essas concepções freudianas como um exemplo da forma através da qual o autor procurou abordar a questão, indicada pela clínica, sobre os limites do alcance terapêutico da palavra. Recorrendo, inicialmente, à fisiologia para nomear o que se apresentava fora do registro simbólico, para além das palavras. Gostaríamos de indicar que, foi somente após a introdução do conceito de pulsão de morte que essa região de não-inscrição, ou de silêncio que ela recobre, pôde ser tematizada (porém não solucionada). Posto que, ao final da obra freudiana, esses elementos psíquicos não redutíveis ao registro simbólico se apresentaram como o obstáculo derradeiro ao processo clínico sob a forma do 'complexo de castração' (Freud,1937). O que, contudo, não se tornou indicativo de uma impotência terapêutica, enfim, assumida. Mas apenas o encontro do ponto crucial para a mudança psíquica a qual a clínica lacaniana poderá indicar. À frente, retornaremos a esse assunto.

2.1.2 AS CONCEPÇÕES METAPSICOLÓGICAS DEVEM SEREM OBSERVADAS

Podemos observar que a questão relativa à proposta terapêutica do processo psicanalítico sofreu uma reformulação radical durante a construção da metapsicologia freudiana. Neste período extremamente fértil de elaboração teórica e de aplicação clínica, a crença no êxito terapêutico da psicanálise permaneceu incontestável, porém, se viu, dialeticamente, modificada. Ultrapassando a produção do alívio do sofrimento obtido através da dissolução dos sintomas para se referir ao que, se expressando através destes, diz respeito à revelação de uma verdade singular sobre o desejo inconsciente de cada paciente. Essa mudança teve início a partir do momento no qual o fenômeno transferencial se deslocou da periferia do processo clínico para a centralidade do mesmo, tornando-se, como afirma Lacan (1977), o veículo através do qual a cura opera.

Com a perspectiva que foi aberta a partir da compreensão, por parte de Freud, de que reside na transferência a possibilidade de se encenar, no processo analítico, o caráter metapsicológico das atividades mentais. Ou seja, em seus aspectos econômico (na medida em que se apresenta como um investimento libidinal na figura do analista), tópico (uma vez que ela reedita o funcionamento dos movimentos inconscientes) e dinâmico (enquanto se presentifica como resistência ao processo clínico).Podemos observar que não levou muito tempo para que Freud passasse a identificar a transferência, concomitantemente à resistência, a um momento de movimento de emergência do material recalcado (Freud,1905[1901]). No processo terapêutico, o convite feito pelo analista ao paciente, em dizer, sem restrições, tudo que lhe vier à mente, empreende, neste, o início de uma ação psíquica.

À essa ação se contrapõe uma força psíquica oposta e de igual intensidade. Fato este que implica na ocorrência de uma resistência ao avanço das associações e da emergência do material inconsciente que aquelas possam permitir emergir. Neste momento, a clínica demonstra que a instauração da transferência se apresenta como uma tentativa de resolução para esse conflito entre forças opostas : o material inconsciente que procura vir à tona e a resistência à essa possibilidade (Freud, 1912). Com isto fica determinado a dupla face da transferência, já que ao mesmo tempo em que sua instauração assinala a emergência de um material proveniente do inconsciente, aponta para um momento de fechamento do mesmo (Lacan,1964).

Por outro lado, a emergência do desejo inconsciente do paciente se presentifica, clinicamente, através da repetição de formas arcaicas de investimento libidinal.Segundo Freud (1912a), as bases para a instauração da transferência situam-se na própria estrutura neurótica. Nesta, o modo específico de encontrar a satisfação pulsional forma um "clichê esteriotipado" o qual é disparado e repetido cada vez que um processo de investimento libidinal se inicia. No transcorrer de um processo analítico, ocorre, também, a reinstalação deste dispositivo, agora endereçado à figura do analista. Este último, passa a ser incluído nessa série esteriotipada de encontrar a satisfação pulsional, a qual vem sendo repetida inconscientemente, ao longo da vida do paciente. Nesse processo, a transferência, além de demarcar a interrupção do fluxo associativo e de permitir a emergência do material patogênico, pela repetição que lhe é fundamental, passa a ser concebida como uma forma de produção da própria neurose no interior do espaço clínico.

Segundo (Freud,1913), por ser a reprodução ou a substituição do processo neurótico primevo e, portanto, representar a instauração de uma neurose artificial, uma 'neurose de transferência', ela permite que o analista possa atuar sobre sua produção, permitindo que ela receba uma nova significação, e claro está que a tentativa de alcançar uma re-significação para a neurose transferencial, encontra vários obstáculos. E ainda que possamos apontar, como diz Freud (1913), o sofrimento neurótico como a força motivadora, de acordo com o início do tratamento, a vontade consciente do paciente, não é suficiente para mantê-lo engajado na análise. Não podemos esquecer que a construção da neurose foi, na verdade, a melhor forma encontrada para lidar com o conflito psíquico e evitar o sofrimento que este trazia. Desta forma, o paciente não estará disposto a abrir mão tão facilmente dos "lucros secundários" que a doença lhe proporciona. Conforme Freud,1913, razão pela qual, à essa força motivadora inicial, o analista deve contar com uma outra: o poder da sugestão compreendido no vínculo transferência.

Nesse ponto, há que ser feita uma consideração no sentido de promovermos uma distinção entre psicanálise e métodos terapêuticos sugestivos. Para tal, tomemos a analogia utilizada por Freud, os métodos que se utilizam da sugestão, poderiam ser comparados à técnica da pintura, enquanto a psicanálise poderia ser comparada à técnica da escultura. A pintura se caracteriza por colocar, sobre uma tela vasia e incolor, partículas coloridas até então inexistentes. A sugestão agiria de forma equivalente, posto que sua utilização não se vincula a uma preocupação em elucidar a origem, a força ou o sentido dos sintomas. Ela apenas supõe que a sua utilização deposite algo suficientemente forte que seja capaz de impedir a emergência da ideia patogênica.

Em contrapartida, a psicanálise, trabalhando como a escultura, "retira da pedra tudo o que encobre a superfície da estátua nela contida" (Freud, 1905 [ 1904] pg 244). Agindo desta forma, a proposta de seu método procura antes de tudo entender o jogo das forças psíquicas subjacentes aos sintomas. Assim, nada é colocado de fora, mas a trama psíquica que liga as ideias patogênicas é submetida a um processo de desvelamento objetivando a dissolução do conflito. Pode-se observar que, de forma diversa, ou até mesmo inversa, a um método sugestivo, a análise permite a identificação da dialética da transferência/resistência, a qual, por um lado se aferra à doença se opondo à recuperação, e que , ao mesmo tempo, se constitui como aquilo que permite o entendimento da forma pela qual o paciente vem se comportando em sua vida (Freud, 1905[1904]). Sem o submetimento da transferência à análise, seu método não se distinguiria dos outros métodos psicoterápicos. Desta forma, o momento de resolução dos vínculos transferenciais assinala o término de seu processo de cura, o qual se coloca, assim, para além da dissolução dos sintomas .

O importante destacar um aspecto crítico para o transcorrer desse processo de análise. A instauração da transferência tem o poder de produzir a cessação da produção dos sintomas, uma vez que os investimentos libidinais se transferem destes para a figura do analista. Na medida em que a instauração da transferência produz esse efeito grandioso, ela pode atuar, no analista, como puro poder de sedução. O perigo recai na possibilidade do analista se deixar paralizar por este fascínio de poder. Razão pela qual, sua atua-ção deve ir além do efeito terapêutico obtido pelo alívio sintomático. A análise requer, para sua consecução, que se penetre na estrutura mesma da neurose. Paralizá-la representaria a vitória da resistência sobre a proposta terapêutica da psicanálise. Desta forma, o nascimento da especifidade da proposta clínica psicanalítica, naquilo que a diferencia dos outros métodos psicoterápicos, residiu na edificação de um trabalho o qual, embora englobando o alívio dos sintomas, comporta uma dimensão de construção de uma verdade sobre o sujeito em análise.

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