Arthur Schopenhauer - Da relação semântica entre a música e os indivíduos
Por David Guarniery | 07/03/2012 | FilosofiaARTHUR SCHOPENHAUER – DA RELAÇÃO SEMÂNTICA ENTRE A MÚSICA E OS INDIVÍDUOS
(ARTHUR SCHOPENHAUER – MUSIC AND)
DAVID GUARNIERY GALVÃO[1]
RESUMO: A presente pesquisa tem por objetivo explicitar a relação existente entre a música e o mundo. Para tanto, far-se-á breve menção dos processos diversos de objetivação da Vontade que terminam por constituir tanto a totalidade do mundo observado quanto da música significativa contemplada. Deste modo, suponho determinar o ponto comum entre os dois elementos de nossa relação semântica – a supracitada Vontade como Em-si do mundo. Disto resultarão duas vias, quais sejam: 1- a via existencial (Ontológica); 2- a via semântica (Epistemológica).
À primeira cabe a elaboração gradativa dos seres que compõem a totalidade qualitativa do mundo fenomênico – as Idéias – bem como da música. Desta resultará minha primeira abordagem, isto é: o Paralelismo Existencial, momento em que intento determinar não apenas a ordem de surgimento dos seres, bem como a relação ontológica deste surgimento. Consiste, portanto, em dizer que elemento do mundo corresponde a que elemento da música. Dizer que cena e música apresentam a mesma estrutura (análise puramente estética).
Com a segunda via, abordo o significado dos supracitados, ou seja: o grau de divergência da Vontade consigo. Desta inquirição resultará a Identidade Semântica dos seres entre si. O intento compreendido nesta etapa é explicitar a convergência das partes constitutivas do mundo e da música, tornado-os sinônimos; apresentando a razão pela qual determinada paisagem e música expressam certa conformidade entre si. Razão esta não outra coisa senão a identidade do significado declarado por ambas – a aludida divergência do Em-si (análise metafísica).
Palavras-Chave: Schopenhauer, Arte, Mundo, Vontade; Idéia.
ABSTRACT: This work aims to present, in general the thought of Schopenhauer and, with this, justify the art and the philosophy as a means of communication of knowledge itself. For this, I proposed myself to elucidate cases such as the duplicity semantics of words "will" and "representation", where: If will, then want; If Will, then Itself; If representation, then things, or even the whole of the phenomena individuals; and if Representation then Ideas, also understood as general phenomena.
In the ratio of distinction between the terms referred to above, we have two other that without then the body philosophical of the author of “The world as willingness and as a representation” simply makes it incomprehensible, which are: Subject and Individual know (Cognoscente) – The latter at the expense of the concept of individual known (Cognoscível) . By subject Schopenhauer means not anything other than that agent aware to which the world is as a Representation; Individual is, therefore, an agent also aware, however, that for which the world comes as a representation.
The limit of this is the art and philosophy as science, that is, as a synthesis of dialectic ratio between the correspondent subjective of the Idea (subject) and correspondent objective of the subject (Idea), having the purpose expression of this latest. Relationship which does not requires the principles of reason and individuation – by which the knowledge is, indeed, a mere opinion (doxology) –, before, is based-solely on the intuition aesthetics, the only means by which the immutable and truth full makes-is humanly possible.
Keywords: Schopenhauer, Art, World, Will, Idea.
INTRODUÇÃO: Em O mundo como vontade e como representação, o autor apresenta-nos, no então terceiro livro da referida obra – ou ainda, Do mundo como representação – o mundo como Vontade em seu primeiro momento de discordância consigo mesma, que aqui nada mais deve-se entender do que a objetivação adequada da Coisa-em-si, isto é: Idéia. É neste momento de seu pensamento que temos a perfeita fusão entre estética[2] e epistemologia, ou ainda, a união entre as reflexões acerca da adequada materialização, origem e natureza da arte mesma – bem como da filosofia – com a metafísica de um mundo que, por ser Representação, é também possibilidade de conhecimento ao sujeito puro do conhecer destituído dos princípios de razão e individuação
MATERIAL E MÉTODOS
Tendo como materiais à realização desta pesquisa as obras O mundo como vontade e como representação e Metafísica do Belo, de autoria do filósofo Arthur Schopenhauer; bem como Escritos Sobre Schopenhauer, de Clément Rosset; O Nascimento do Trágico – De Schiller a Nietzsche, por sua vez, expressão do entendimento de Roberto Machado, realizou-se leitura analítica e cotejamento de tais, de onde os resultados e a discussão abaixo aludidos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Arthur Schopenhauer é um dos poucos filósofos a elaborar uma filosofia acerca da arte onde esta última termina por ocupar lugar privilegiado, qual seja: A arte é não só uma atividade peculiar do espírito humano; é também uma atividade própria daquele que se eleva para além dos sentidos[3], do modo analítico, ou ainda, abstrato[4] de compreensão[5] do mundo de tal modo que termine por apresentar como obra humana já não mais a aparência desfigurada da realidade, mas a própria essência[6] do mundo mesmo. A arte é assim a expressão da percepção de um sujeito que, por ser sujeito e já não mais indivíduo cognoscente, apresenta-se em condições de uma intuição estética, acontecimento revelador da Idéia[7].
Todavia, na filosofia de Schopenhauer, explícito é que a música está para as demais artes do mesmo modo que a água está para as rochas: à primeira temos a transparência, insipidez e plena ausência de odor, bem como a maleabilidade típica de tudo o que é líquido; às outras, cores, sabores, odores e a bruta resistência que pelo corpo humano se pode sentir e nunca se pode superar. A música é a expressão da Vontade[8]; às outras artes resta apenas o fenômeno geral, a Idéia. Disto se segue que música e Idéia são expressões da Vontade a mesmo nível.
Eis aí o ponto semântico que une a música à arquitetura, à pintura de paisagem; mas também ao homem só, sentado à mesa; bem como ao corpo lívido do último defunto à vaidade humana em agonia por sobre a lápide. Sim. Isto são cenas; ainda mais: são temas que se prestam ao nascimento da arte e torna comum, razão do exposto, o significado da música e do poema na sábia obscuridade dos versos, pois o conceito aqui nada vale; e como alma sem fôlego, é agora mudo. Também a filosofia encontra sua identidade com[9] a música, sendo que a função do conceito na magnífica arte do filosofar é não outra senão a expressão da Idéia, grau adequado de objetivação da Vontade, esta última como causa imediata da música a partir do espírito humano.
- 1. Do Paralelismo Música-Mundo
Na obra intitulada Metafísica Do Belo, Schopenhauer, ao tratar da música em capítulo com mesmo nome, realiza uma breve síntese de sua concepção acerca das demais artes para somente após discorrer sobre aquela manifestação artística que é tema principal deste artigo, qual seja: a música. Observa o filósofo que esta é, dentre todas as formas de manifestação artística por ele conhecidas e investigadas, aquela que não apenas é o modo mais elevado de expressão da Vontade[10], em razão disto, também “é capaz de fazer efeito mais poderoso que qualquer outra no mais íntimo do homem” (Schopenhauer, 2003). Ainda citando-o:
Seu efeito é no todo semelhante ao das outras artes, apenas mais vigoroso, mais rápido, mais necessário e infalível. Também sua relação de cópia com o mundo tem de ser bastante íntima, infinitamente verdadeira e precisa, visto que é compreendida de imediato por qualquer um e dá a conhecer certa infalibilidade no fato de que sua forma se deixa remeter às regras expressas em números, das quais não pode desviar-se sem deixar de ser música. (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. Página 228).
Na passagem supracitada, Schopenhauer identifica uma relação entre a música e a número, o cálculo, sem o qual jamais poderíamos ter a música. É mais do que evidente que quando o faz, o faz pensando em seu sentido ou dimensão estética[11], isto é: investiga aqui o modo adequado de disposição das estruturas objetivas - neste caso, os diversos tipos de sons[12] – de tal modo a conduzir o indivíduo, por via de outro modo de percepção que já não mais corresponde à individualidade deste mesmo, a uma experiência estética superior[13]. A parte metafísica desta experiência, ou ainda “o ponto de comparação da música com o mundo, a maneira pela qual a primeira está para este como cópia ou repetição, encontra-se profundamente oculto”[14] (SCHOPENHAUER, Arthur. 2003. página 228). Não é o caso de ser proferido via linguagem; também não o de ser demonstrada matematicamente esta mesma relação na qual a música apresenta-se como perfeito correlato do mundo; bem como a essência de ambos.
Em decorrência do exposto, o autor apresenta-nos razões pelas quais os argumentos em favor da superioridade da música, bem como a relação que esta possui com a Vontade e mesmo o mundo, poderão ser considerados pelo leitor como carentes de maior veracidade ou confirmação, cabendo a cada qual uma busca pela melhor compreensão da música tanto enquanto normas quanto possa ser enquanto efeito. Dito ainda de outro modo: É da insuficiência subjetiva a aparente debilidade da argumentação apresentada, coisa a que se pode, senão facilmente, ao menos humanamente superar, via esforço contínuo pelo entendimento e maior aproximação do indivíduo à música, de modo tal a não apenas entendê-la, o que da conta apenas de sua dimensão estética baixa, mas também senti-la, evento este que marca o alcance de algo que, por não exprimível, é resultado do inequívoco alcance de uma experiência estética superior.
Tal explanação é do tipo que nunca pode ser comprovado, pois leva em conta, e estabelece, um relação da música – que reside ainda no domínio da representação[15] – com algo que, essencialmente, nunca se pode tornar representação, a coisa-em-si, a Vontade. (...). Assim, por mais que semelhante explanação seja convincente, só posso apresentá-la como uma hipótese, ficando a cargo de cada um concordar ou rejeitar, o que depende, em última instância, de quão profundamente cada um compreende a essência propriamente dita da música e também de quão profundamente está compenetrado em seu pensamento acerca da essência do mundo e dele se convenceu[16]. (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. Página 229).
Que as Idéias sejam o tema das demais artes; que para a música não haja Idéia alguma como tema, senão apenas a Vontade mesma; e que pela própria natureza da arquitetura, da pintura, da poesia, da hidráulica e jardinagem o tema nunca é um todo suficiente, de modo tal que a Vontade jamais é percebida plena e pura tal como esta se apresenta aos homens na forma de música[17]; tudo isto são conseqüências bastante razoáveis a qualquer conhecedor da metafísica do belo apresentada por Schopenhauer. Que a Vontade apareça nas muitas formas de arte somente de modo mediato é também efeito da mesma causa: um pensamento filosófico que parte do resultado lógico de que tudo é, no fim das contas, o extravagante excesso de uma só Vontade. Mas algo parece-me muito confuso em tudo isto e diz respeito à seguinte proposição:
Como nosso mundo nada mais é do que o fenômeno das Idéias na pluralidade, mediante sua entrada no principium individuationis (forma de conhecimento do indivíduo), a música, visto que vai além das idéias, é também por inteiro independente do mundo fenomênico, ignora-o absolutamente e poderia, por assim dizer, existir mesmo que ele não existisse[18]. (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. Página 229).
De que modo poderia a música prescindir do mundo fenomênico – este último entendido como particular, portanto, a partir dos princípios de razão e individuação[19] em relação com a Matéria[20] e as Idéias –, é um problema para o qual, de imediato, resposta alguma ocorre-me, pois: não há outro modo de produção sonora que não esteja para a percepção deste indivíduo. Não há Idéia de música onde possamos, a partir de então, assentar ali a responsabilidade de uma audição para além dos próprios ouvidos, aparelho de percepção que, ao menos do que diz respeito ao homem, jamais esteve apartado daqueles tão proibitivos[21] princípios. Gostaria de aqui memorar que todas as formas de manifestação artísticas apresentam sempre duas dimensões, a saber: a dimensão estética, que diz respeito ao modo de disposição dos elementos da experiência aos indivíduos cognoscentes; e a dimensão metafísica, que, por sua vez, trata do tema sobre o qual cada arte se forma e que orienta a disposição estética dos elementos constitutivos próprios de cada arte. Com a música isto não difere, pois temos sua dimensão estética (o som conforme normas) e sua dimensão metafísica (a Vontade como tema). O “ignora-o absolutamente” é, com efeito e a meu ver, uma muito infeliz expressão de nosso filósofo, somente justificada pela ocorrência deste último termo, que o qualifica.
Quando o que se quer é compreender a relação que há entre o significado da música com aqueles expressos pelos indivíduos, demais artes e mesmo aquele que nos é comunicado por via de uma Idéia qualquer, deve-se ter como orientação a esta inquirição o seguinte raciocínio: A música e as Idéias são modos diferentes de objetivação da mesma Vontade[22] – bem como os indivíduos, enquanto derivados das Idéias; estas últimas, por sua vez, derivadas da Vontade –. Por conseguinte, este ponto de fusão, que resulta assim no paralelismo[23]existencial entre uma e outra, é também a condição ou pressuposto sem o qual jamais poderíamos realizar uma análise acerca da identidade semântica de ambas as formas de objetivação, isto é: em virtude de tanto música quanto Idéia se nos apresentarem como resultantes, em última e mais fundamental instância, de um ponto comum é que a investigação acerca do significado da música encontra, com efeito, também o significado das Idéias, de modo tal que nada há no mundo que não encontre alguma relação de identidade com a música significativa. (Veremos melhor o caso da Identidade quando retomarmos este assunto no último tópico deste artigo. Por hora, fiquemos apenas com o Paralelismo).
(...) como é a mesma Vontade que se objetiva tanto nas Idéias quanto na música, embora de maneiras completamente diferentes, então, em verdade, não se deve pressupor entre essas duas maneiras de objetivação uma semelhança, mas sim de haver (e isso é algo possível de demonstrar) um paralelismo, uma analogia entre a música e as Idéias, cujos fenômenos na pluralidade e na imperfeição são o mundo visível[24]. (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. Página 229).
No que diz respeito ao ponto fundamental deste capítulo, Em O Mundo Como Vontade E Como Representação, Schopenhauer propõe-nos que para cada elemento empírico que compõe a música há seu devido correlato mundano. Dito ainda de outro modo: Dados os seres[25] no mundo, para cada um destes temos uma dimensão sonora paralela e que atua na música do mesmo modo que estes Indivíduos atuam no mundo. Para alcançar aquilo que, segundo o filósofo, é plenamente passível de demonstração – o paralelismo entre a música e o mundo visível, ambos em sentido pleno –, Schopenhauer valer-se-á não de uma teoria musical qualquer; e o motivo é a própria composição da música conforme teoria. Antes, é a partir de uma relevante teoria musical de sua época que se pôde pensar tal paralelismo, qual seja: a Teoria do Baixo Contínuo[26]. Para nosso autor, nenhuma outra forma teórica relativa à música é superior a esta; e de mesmo modo, jamais está para o mundo como a Teoria do Baixo Contínuo assim está.
Dada a conhecer a aludida teoria, entende o filósofo que, da harmonia musical, o tom dito grave – também entendido como sendo o tom fundamental ou o próprio baixo contínuo[27] – é na música aquilo que no mundo é o grau inferior daquela tão mencionada objetivação da Vontade: a Natureza Inorgânica, a massa[28] bruta, instância onde a Vontade é de si discordante em grau menor[29]. Do tom grave derivam notas agudas; sendo que jamais podem estas estar em dissonância com aquele. Por isto são denominadas “sons harmônicos” (sons harmoniques), isto é: Para um determinado tom grave existe um conjunto de notas agudas dele derivadas e que por isto mesmo são, por natureza, capazes de se relacionarem com o tom fundamental em perfeita harmonia. O paralelo mundano do exposto é não outro senão que para o tom fundamental estão as Idéias de Gravidade e Rigidez, pois somente estas constituem a Natureza Inorgânica. Destas Idéias deriva um conjunto de Indivíduos que lhe são conformes assim como ocorre com as demais notas a partir do tom mais grave. Nos ditos de Schopenhauer:
Reconheço nos tons mais graves da harmonia, no baixo contínuo, os graus mais baixos de objetivação da Vontade, a natureza inorgânica, a massa do planeta. De fato, todos os tons agudos, de fácil movimento e fugidios, são reconhecidamente para se verem como originados por vibrações simultâneas do tom fundamental, cuja emissão sempre acompanham suavemente, e é lei da harmonia que só podem acompanhar uma nota grave aqueles tons agudos que efetivamente ressoam automática e simultaneamente com ela (...) mediante vibrações concomitantes. Algo análogo ao fato de que todos os corpos e organizações da natureza têm de ser vistos como originados pelo desenvolvimento gradual a partir da massa planetária, que é tanto seu sustentáculo quanto sua fonte: e a mesma relação possuem os tons mais agudos com o baixo contínuo[30]. (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-305, itálicos do pesquisador).
Disto de segue que fica a cargo das Vozes Intermediárias serem o correlato musical das demais Idéias, graus adequados de objetivação da Vontade. Contudo, devemos, com efeito, prosseguir acompanhado sempre de certa prudência, pois coisa que não fica suficientemente justificada é o porquê de Schopenhauer considerar o baixo contínuo como sendo o correlato musical das Idéias de Gravidade e Rigidez; e, das vozes intermediárias, as vozes graves - aquelas que se colocam mais próximas do já aludido tom fundamental – virem a representar não o Reino, mas a Espécie e mesmo o Indivíduo, fato que entra em contradição, ao menos aparente, com o que o filósofo mesmo termina por entender, de modo geral, como sendo o correlato das Vozes Intermediárias. Temos, portanto, que estas últimas dividem-se em dois grandes seguimentos, quais sejam: 1) aquele cujas vozes manifestam não uma Idéia, antes, é já o prolongamento divergente desta, o que se tem como correlato mundano. Este é o caso das Vozes Intermediárias tônicas; 2) aquele próprio das vozes que manifestam não menos do que a própria Idéia, isto é: as Vozes Intermediárias semi-tônicas, ou ainda, semi-agudas.
“As vozes mais próximas do baixo correspondem aos graus mais baixos, ou seja, os corpos ainda inorgânicos, porém já se exteriorizando de diversas formas. Já as vozes mais elevadas representam os reinos Vegetal e Animal”[31]. (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-305, itálicos do pesquisador).
Schopenhauer compreende ainda uma analogia entre o movimento característico do tom fundamental – bem como das vozes intermediárias tônicas com aquele realizado pela massa do planeta, isto é, a Natureza Inorgânica; enquanto que as vozes intermediárias mais elevadas (semi-agudas ou semi-tônicas) teriam movimento mais célere que do baixo contínuo, o que permite um paralelo entre o movimento que lhe é próprio e aquele outro, típico de todo o Reino Animal. E é por tratar-se ainda deste reino que, segundo nosso filósofo, não é o caso de, nesta instância da composição tanto da música quanto do mundo, pensar haver ali algum “esforço e clareza de consciência”, eventos cuja natureza em momento algum e em nenhum dos modelos apresenta-se como parte. Por isto introduzir uma reflexão sobre a Melodia[32] em especial. Melodia esta que não é outra coisa senão, além de uma das qualidades objetivas da música em sentido pleno, o referido esforço e clareza mesma de consciência. Tais características são possíveis apenas ao homem. Por fim, trata-se a melodia de uma narração de todo o percurso da Vontade proferida pela Voz Aguda, correlato musical da Idéia de Homem bem como a melodia o é quando aquele é proposto em sentido pleno.
Temos assim que a Melodia é canto, bem como é a parte da música relacionada com a Voz Aguda; Ambas são, por sua vez, o correlato musical da Idéia de Homem. Logo, a melodia, por não ser o Homem em sua consumada acepção[33], é correlato musical do supracitado esforço e clareza de consciência – elementos estes próprios do homem tão exclusivamente – acerca de todos os movimentos gradativos de objetivação e discordância do Em-si consigo. Saliento aqui que nada há na música que possamos tomar como a própria Vontade em seu sentido mais puro e originário, pois, em tais condições, esta jamais é posta como fenômeno entre fenômenos, ou ainda: não é o caso de nos depararmos com o mundo visível e ali mesmo encontrarmos a Vontade sem que esta já se tenha dado previamente como o deturpado fenômeno do mundo[34]. Por isto considerar a melodia não o Em-si, mas aquilo que delata ao sujeito os movimentos deste último. Narrar todo o percurso da Vontade feito até ali não é motivo para tão impetuosamente considerarmos a Melodia, e não a música em sentido pleno, como sendo o correlato da essência do mundo[35].
“[A] MELODIA tem conexão intencional e plenamente significativa do começo ao fim. Ela narra, por conseqüência, a história da Vontade iluminada pela clareza de consciência, cuja impressão na efetividade é a série de seus atos. (...) narra a história mais secreta da Vontade, pinta cada agitação, cada esforço, cada momento seu (...).” (SCHOPENHAER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-306 para I-307).
Agora em suma, do exposto paralelismo, vimos até aqui a seguinte correspondência: 1) O Baixo Contínuo ou Tom Fundamental ou Tons Graves correspondem ao Reino Inorgânico ou Natureza Inorgânica. 2) Das Vozes Intermediárias (por sua vez, responsáveis pela Harmonia), aquelas situadas mais próximas do tom fundamental correspondem aos Indivíduos (corpos) em seu processo de exteriorização. 3) As vozes intermediárias situadas agora mais próximas da Voz Aguda correspondem aos Reinos (e não aos indivíduos destes, como no caso anterior das vozes intermediárias) Vegetal e Animal. 4) Por fim, e pelas razões já mencionadas, ao Homem corresponde a Melodia e a Voz Aguda. 5) A somatória de tudo isto – ou seja, a Música – corresponde à totalidade do mundo visível; e por este motivo, também a todos os movimentos de objetivação e discordância da Vontade consigo mesma.
- 2. Do Paralelismo Existencial Voz Aguda – Idéia de Homem
Segundo a inquirição exercida até o presente instante, podemos asseverar que por massa planetária Schopenhauer compreende não outra coisa senão a Natureza Inorgânica. O correlato musical de ambas as expressões são os tons graves[36], ou ainda, o Tom Fundamental ou Baixo Contínuo. Do tom fundamental derivam as notas agudas[37], que nada mais seriam no mundo senão “todos os corpos e organizações da natureza”. Assim sendo, podemos dizer que todos os corpos e organizações da natureza derivam da Massa Planetária, ou ainda, Natureza Inorgânica, que é não outra coisa do que a expressão geral[38] das Idéias de Gravidade, Rigidez, Coesão, Fluidez entre outros. O que resulta desta reflexão é que mesmo o homem – que é corpo no mundo[39] (inorgânico), ser vivo (orgânico), ser de consciência (racional e emotivo) –, depende tanto da Idéia de Homem[40] quanto de todas as intermediárias e Idéias de Gravidade e Rigidez; e que por isto mesmo aquela é última a estas em ocorrência.
Saibamos ter por suficientemente clara a distinção. 1) Uma coisa é necessitar de outro e tê-lo como condição, isto é, como causa, ou ainda: aquilo do qual não se pode o prescindir; 2) outra coisa é pensar que por isto mesmo seja a Idéia de Homem epistemologicamente inferior[41] à Idéia de Gravidade e Rigidez. O que percebo é que, dada a relação suposta, e que penso como necessária ao acontecimento do homem em sentido pleno, no tocante à Hierarquia das Artes, o que temos não se trata de um acaso mero, antes: Trata-se exclusivamente da Hierarquia das Idéias, de tal modo que a necessidade que a Idéia de Homem tem de tudo o que lhe é anterior[42] é o que lhe configura como mais complexa e, com efeito, também mais completa naquilo que diz respeito ao transparecer de toda a discordância (desde sempre acumulada) da Vontade consigo mesma. Por isto pensar a Idéia de Homem como superior a todas as demais (por contê-las[43]), bem como ver aí a origem da afirmação de que a arte cujo tema seja a aludida Idéia também se nos apresente como superior; superioridade esta herdada da forma arquetípica que lhe reveste e através de si ganha expressão no baixo mundo fenomênico. Também por isto pensar a necessidade de o homem, enquanto Indivíduo, negar-se ao máximo (porquanto negar a si é negar a quase tudo); bem como compreender a tragédia como arte superior, por expor a contraditoriedade em que se nos apresenta o próprio Homem. Parte da música é melodia; e melodia é, por definição schopenhaueriana:
[A] revelação nela [melodia] de todos os mistérios mais profundos do querer e sentir humanos” (...). [A música] “é a linguagem do sentimento e da paixão” (Mundo, I-307). [Ela] “nunca expressa o fenômeno, mas unicamente a essência íntima, o Em-si de todos eles, a Vontade mesma. A música exprime, portanto, // não esta ou aquela alegria singular e determinada, esta ou aquela aflição, ou dor, ou espanto, ou júbilo, ou regozijo, ou tranqüilidade de ânimo, mas eles MESMOS, isto é, a Alegria, a Aflição, a Dor, o Espanto, o Júbilo, o Regozijo, a Tranqüilidade de Ânimo[44]. (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-305).
O que aqui se quer entender é que se tem assim a noção de que a Idéia de Homem não apenas é hierarquicamente[45] posterior à Idéia de Gravidade e Rigidez – fato já declarado momento acima –, como também parte, se origina, deriva-se aquela destas últimas. Assim sendo, temos de concluir que a Idéia de Homem, que – ouso dizer – de algum modo se pode contemplar também na música[46], guarda em si o acúmulo contínuo de todas as formas possíveis de discórdia da Vontade consigo. Deste modo, pensar a Idéia de Homem como separada e mesmo independente de todas as demais – que, por necessidade, lhe são prévias e estão para aquela nunca como fundamento[47], mas como imprescindível condicional de sua possibilidade – é análogo a pensar, em uma música, a Voz Aguda apartada de toda a influência sobe ela exercida pelos demais elementos objetivos que perfazem este fenômeno artístico em sentido pleno; elementos estes sem o quais a voz aguda jamais exprime aquilo que lhe é próprio à expressão.
Destaco outro enunciado, para o termo deste raciocínio que visa defender a seguinte proposta: de que a Idéia de Homem não apenas depende de todas as formas Ideais que lhe são anteriores, como também é esta mais complexa em razão de sua relacional posterioridade, que, em última instância, soma em si mesma a divergência da Vontade que, enquanto objetivação, é sempre discordante de si. No enunciado abaixo citado, o termo “pressupunha”, bem como “acompanhamento”, assume a mesma função reflexiva da expressão, mais abaixo, “união completa”. A Idéia de Homem sempre “pressupõe” as demais porquanto somente pela “união completa” de todas elas a Vontade desvela-nos sua essência. Sendo a música não outra coisa senão também expressão deste “ímpeto cego e irracional”[48]; tendo, razão de sua origem, uma considerável analogia com o mundo observável, esta também depende da contínua somatória, ou ainda, “acompanhamento” de suas partes para adquirir não apenas sua autenticidade comunicativa, quando mais além, toma para si sua legítima natureza – por via da revelação da Vontade, eis aí sua condicional – pelo cumprimento de um ato sem o qual tal jamais vem a ser música.
Vimos no livro precedente como o grau mais elevado de objetivação da Vontade, o homem, não podia aparecer sozinho e destacado[,] mas pressupunha os graus situados abaixo dele (...). Da mesma forma, a música, que, como o mundo, objetiva imediatamente a Vontade, só adquire sua perfeição na harmonia completa. A voz aguda condutora da melodia precisa, para provocar toda a sua impressão, do acompanhamento de todas as outras vozes, até o baixo mais grave, que deve ser visto como a origem comum de todas. (...) [A]ssim como apenas no conjunto das vozes a música expressa o que intenta expressar, assim também a Vontade una e exterior ao tempo encontra sua objetivação perfeita apenas na união completa de todos os graus que manifestam, em estádio cada vez mais distintos, a sua essência. (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-313 a I-314, itálicos do pesquisador).
Podemos, por conseguinte, e sem receio de incidirmos em algum erro, declarar que: A ausência do homem no mundo é análoga à ausência da melodia e da voz aguda na música; O homem é a expressão mais nítida da Vontade, por ser o momento onde, no mundo, esta desvela-se em sua mais clara divergência[49]; Disto se segue que também na música a melodia e a voz aguda são a mais explícita expressão do Em-si do mundo; Logo: Na ausência do homem, o mundo pouco diz; na ausência da melodia e da voz aguda, a música pouco fala. E não há algo mais obscuro, e por isto mesmo pouco evidente, que a Vontade quando muda.
- 3. Da Identidade Semântica Música-Mundo
Nos tópicos anteriores tratamos do paralelismo existencial música-mundo, isto é: quais as estruturas do mundo estão para quais estruturas da música. Em tópico exclusivo tratamos ainda do paralelismo Voz Aguda – Idéia de Homem, em razão de sua relevância à teoria epistêmico-ontológica e estética de Schopenhauer, pois são tomados como as condições pelas quais a descoberta do Em-si do mundo, ou ainda, a Vontade nos é possível, quando a partir das formas mais evidentes de sua objetivação e, com efeito, contradição, a saber: O homem e seu correlato musical; o ser consciente e emotivo bem como a voz aguda e melodia. Tratemos agora de discutir já não mais o paralelismo, que até aqui fora um percurso cuja finalidade tem sido não outra coisa senão o de justificar este instante onde se investiga a Identidade dos mesmos. Porquanto parte desta identidade mais clarividente torna-se mediante o paralelismo; contudo, é do significado do mundo e da música a evidência maior da relacional identidade de ambas as partes em juízo.
O significado de tudo o que há no mundo é não outra coisa senão a expressão divergente da Vontade consigo mesma. Portanto, remete-nos a alguma Idéia, arquétipo do baixo mundo fenomênico, ou ainda, dos indivíduos. Tais indivíduos são distinguidos por Schopenhauer como indivíduos cognoscentes e cognoscíveis; cabendo ainda a asseveração de que um indivíduo cognoscente é para outro individuo cognoscente um indivíduo cognoscível naquilo que diz respeito à sua disposição estética. Quero com isto afirmar apenas que, para o indivíduo cognoscente, tudo o que há são coisas, objetos de sua percepção[50]. A música, por sua vez, também é expressão da Vontade no mesmo grau em que o são as Idéias. É-nos proferido pelo autor que a estas, muito embora sejam o modo adequado de objetivação da Vontade, só são objetividade por se tratarem de uma divergência, ainda que menor e por isto pouco notável, do Em-si do mundo consigo. Também a música, na condição de cópia da Vontade e nunca de uma Idéia, é imperfeita[51]; e apresenta em suas partes a contraditoriedade que lhe é própria. Portanto, posiciona-se a música ante a Vontade no mesmo plano onde dispostas estão todas as Idéias.
Sendo os indivíduos expressões das Idéias; As Idéias, por sua vez, expressões da Vontade; A música é não outra coisa senão a objetividade da Vontade do mesmo modo que as Idéias o são; segue-se que o significado de tudo o que há no mundo é idêntico ao significado de cada uma das partes constituintes da música, motivo pelo qual esta, em razão de sua identidade semântica (a Vontade) com os indivíduos, pode vir a ser a mais perfeita expressão de algum fenômeno particular no mundo. A música é aquela arte que, quando comparada com o mundo em sua individualidade, declara sobre eles aquilo que eles mesmos intentam comunicar: “Eis aí o que querias dizer”, nos declara Schopenhauer. Por isto uma cena qualquer, e mesmo algum objeto, ganham muito na presença da música quando esta última está semanticamente conforme a primeira, ou ainda, “combinam-se”. Em O Mundo Como Vontade E Como Representação, Schopenhauer nos assevera:
Essa íntima referência da música à essência verdadeira de todas as coisas explica o fato de, quando soa uma música que combina[52] com uma cena, ação, acontecimento, cercania, como que nos revela o sentido mais misterioso dos mesmos, entrando em cena como o comentário mais correto e distinto deles. (...) Em conseqüência, poder-se-ia denominar o mundo tanto música corporificada quanto Vontade corporificada[53]. (SCHOPENHAER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-310, itálicos do pesquisador).
A passagem a seguir é retirada da obra Metafísica Do Belo, onde o autor acrescenta-nos termos relevantes à compreensão da relação semântica, ou ainda, da identidade significativa entre o mundo visível naquilo que este propõe-se comunicar e a música, arte suprema em sua peculiar forma de expressão e acepção.
Daí se compreende o fato de a música realçar em cada pintura, sim, em cada cena da vida efetiva e do mundo, o aparecimento de uma significação mais elevada; e tanto mais quanto mais análoga é sua melodia ao espírito íntimo do fenômeno dado. A música combina com tudo, em todas as exposições. Nada lhe pode ser estranho, pois exprime a essência de todas as coisas. Caso soe uma música que combine com alguma cena da vida humana ou da natureza destituída de conhecimento, ou com alguma ação, acontecimento, ambiente, ou alguma imagem – então ela revela o sentido secreto dessa cena e é seu comentário mais correto e claro. (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. Página 235, itálicos do pesquisador).
Reconheçamos que em ambos os enunciados a preocupação de Schopenhauer não é mais o puro e simples paralelismo que há entre as estruturas constitutivas da música e aquelas próprias do mudo fenomênico, antes, agora é pelo sentido (significado) que se busca, ou seja: enquanto o Paralelismo assenta-se por sobre os resultados dos graus diversos de objetivação da Vontade; a Identidade, na media em que enseja o significado do mundo e da música, assenta-se por sobre a própria divergência da Vontade consigo. Dito ainda de outro modo, há aí uma sutil distinção no modo como ocorre a compreensão dos mesmos objetos, pois enquanto o paralelismo afirma: esta é a voz aguda e esta é a Idéia de Homem; a identidade afirma: estes são os graus mais evidentes da discórdia da Vontade consigo mesma. Vale dizer ainda que a condição da identidade semântica é também a condição do paralelismo existencial, ou seja: A Vontade, motivo pelo qual a música torna-se o melhor comentário acerca do significado de qualquer fenômeno.
Todavia, temos aqui que a compreensão do paralelismo existencial depende da compreensão da identidade semântica, pois um objeto somente é paralelo a outro na medida em que ambos são semanticamente idênticos, isto é, apresentam o mesmo grau de discordância[54] como causa de sua objetividade. Por isto “podemos ver o mundo fenomênico, ou natureza, e a música, como duas expressões distintas da mesma coisa, a qual é a única intermediadora da analogia de ambos”. (SCHOPENHAUER, Arthur. 2005. I-309 fim). O que aqui ensejo concluir é que acaso não possuíssem a mesma identidade significativa, também o paralelismo existencial ali não se haveria[55], pois somente a partir da compreensão da identidade semântica dos objetos é possível compreender e afirmar sobre as coisas o paralelismo existencial que agora se nos apresenta em maior evidência. Por isto, bem como por tudo o que aqui fora exposto, é mais do que válido e seguro declarar que: “a música em seu todo é a melodia da qual o mundo é o texto” (SCHOPENHAUER, Arthur. 2003. Página 235, fim, itálicos do pesquisador).
- 4. Conclusão
AGRADECIMENTO: À Universidade Estadual de Londrina – UEL; bem como à Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná e, por fim, presto minha perpétua gratidão à então muito estimada pessoa do Prof. Dr. José Fernandes Weber.
BIBLIOGRAFIA:
BÁSICA
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barbosa. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
_________________________. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas de Jair Barbosa. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
COMPLEMENTAR
BERGSON, Henri. Introdução à Metafísica. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1974.
BOWMAN, Wayne D. Philosophical Perspectives On Music. New York: Oxford University Press, 1998.
MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico, de Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
PLATÃO. A República. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa/Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007 – 10° edição.
ROSSET, Clément. Escritos Sobre Schopenhauer. Versão Castelhana de Rafael Del Hierro Oliva. Valencia/Espanha: Editora Pre-Textos, 2005.
[1] Estudante do curso superior de Filosofia (licenciatura), CLCH: Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Londrina/Paraná/Brasil –; Partícipe do Projeto: Bildung (Formação, Cultivo) e modernidade: entre filosofia, educação e artes - Linha de Pesquisa: Racionalidade, Subjetividade e Contemporaneidade, sob a orientação do Prof. Dr. José Fernandes Weber; e bolsista IC/UEL.
[2] Este termo deve ser entendido em sentido amplo, isto é, apenas como disciplina filosófica, e não como ciência. Tal disciplina se subdividiria em: Estética e Metafísica do Belo.
[3] Os cinco sentidos próprios do corpo humano.
[4] Em oposição ao modo intuitivo estético de percepção do mundo.
[5] Os termos “compreensão” e “percepção” são semanticamente distintos, mas na filosofia de Schopenhauer, assumem uma equivalência existencial.
[6] Esta essência apresentada como tema de todas as artes que não a música é também uma aparência, isto é: Idéia que se apresenta para o sujeito como fenômeno em seu sentido mais geral e fundamental, ou ainda, o ser-objeto-para-um-sujeito (objekt-für-ein-subjekt-sein), condição do qual fenômeno algum pode prescindir sem deixar de ser fenômeno.
[7] A Idéia é, em Schopenhauer, a primeira e por isto mesmo mais adequada objetivação da Vontade. Disto se segue que, sendo a Idéia o arquétipo do mundo, somente é possível falarmos de conhecimento (episteme) se referindo a este modo peculiar de percepção, modo este não menos que condição para o acontecimento da arte, pois esta é não outra coisa senão a expressão de uma Idéia presente no espírito do artista.
[8] A Vontade é compreendida como o Em-si do mundo; único elemento não pensável, não percebido, tampouco intuído, antes, é apenas sentido. Vontade esta que não é vontade (querer), é ímpeto cego e irracional; é real e único por ele mesmo; livre de relações, é condição imprescindível a estas bem como ao acontecimento de seus mais diversos graus de objetivação, culminado assim no homem, onde a expressão da Vontade dá início ao espírito desejante, ao querer incessante e, por isto mesmo, é agora contraditória em uma luta constante da própria Vontade consigo.
[9] A música não é condição da filosofia, antes, parte da mesma condição: A Vontade.
[10] A Idéia e a Música o são. Muito embora a música, para se haver como fenômeno artístico, careça do concurso do espírito humano em articular na objetividade a disposição sonora conforme normas estéticas de exposição, esta é ainda superior ao próprio espírito, pois este é, enquanto tal, apenas uma individuação da Idéia de Homem; a música, por sua vez, é a expressão da vontade enquanto arquétipo de todas as idéias possíveis, ou seja: Vontade.
Temos assim a origem de dois problemas, quais sejam:
- Sendo a Idéia um fenômeno em seu sentido mais geral, ou ainda: o ser-objeto-para-um-sujeito, como pode a Idéia mesma – que, quando relacionada com o modo comum de percepção, é causa do homem – depender da ocorrência humana para existir naqueles mesmos termos? A resposta a este, penso ser: Temos, em geral, dois modos de apreensão – este termo, quando na filosofia de Schopenhauer, invoca necessariamente a noção de compreensão. Portanto, não se trata da mesma coisa, mas uma já pressupõe necessariamente a outra. Vide nota 3 – pelos quais pode o homem conhecer: o modo Analítico (princípios de razão e individuação) e o modo Intuitivo Estético (ausente dos princípios de razão e individuação). O problema apontado, que é não outro senão um problema lógico de causalidade, só existe para o modo analítico de compreensão do mundo, já desprezado pelo Filósofo. Disto se seque que sempre se supõe livre desta contradição aquele que puder o intuir estético.
- Não há uma Idéia de música, do contrário, o tema da música seria sua Idéia – esta última e não a música seria, com efeito, a expressão da Vontade –; A música é, enquanto som, por inteiro uma estrutura para o indivíduo, ou ainda: objeto-para-um-indivíduo, como toda arte o é enquanto disposição de elementos à sensibilidade; O tema da música – outra dimensão desta –, por ser a própria Vontade e nunca uma Idéia, é o que se perde para além da simples condição de indivíduo cognoscente; Por isto, a música, em sentido pleno, é uma obra produto do homem enquanto indivíduo e da mortificação do homem por via do absoluto quietivo da vontade – somente a relação Santo-Indivíduo poderia produzir tal música –, por fim destinada, enquanto tema, àquele mesmo “modelo de homem” dito Santo; enquanto articulação sonora, ao indivíduo. Assim sendo, temos que a música é efeito de duas formas de relação, onde (1) uma é licita: a mente (consciência) do indivíduo cognoscente em relação com o indivíduo cognoscível; (2) outra, ilícita: a mente (consciência) morta do Santo em relação (que nunca poderia existir) com a Vontade. Logo: É absurda a consideração da música como expressão da Vontade mesma; cabendo, com efeito, somente ao som, na simples qualidade de estrutura objetiva, a exclamação indireta daquela última.
A solução a este problema a mim parece-me única; e já fora apresentada como resposta ao problema anterior.
[11] Com este termo deve-se aqui compreender não mais do que a disposição ordenada de elementos empíricos ao aparato sensorial humano. Esta definição, em alguns casos, entrará em contraposição à significação posta pelo filósofo, admitindo-a hora no sentido aqui expresso; hora em sentido metafísico.
[12] Uma vez que nada há no mundo sensível que não derive de uma Idéia, o som, enquanto elemento empírico próprio ao indivíduo, de que Idéia seria derivado? Isto faz supor a existência de uma Idéia que sirva, em última instância, como arquétipo à música; e que por ela deveria ser expresso, uma vez observado que, nestes termos, fica a música a ser compreendida como uma melhor articulação da objetividade sonora de tal modo a causar, ou ainda, despertar no ouvinte a Idéia de Som. Mas tal Idéia, na filosofia de Schopenhauer, se nunca existiu, ao menos nunca fora mencionada.
[13] Temos aqui o uso em sentido estrito, ou seja: o valor agora metafísico da experiência por parte daquele homem que, por não mais dispor-se como indivíduo, já não mais experiencia o mundo de modo outro senão o metafísico, que constitui experiência tanto quanto a forma anterior de percepção, contudo, é tomada como superior pelo filósofo porquanto mais próxima da verdade: a Vontade.
[14] É relevante aqui salientar que o termo “cópia” não é de todo o mais preciso e compatível com todo o sistema filosófico de Schopenhauer, pois a música não é cópia ou repetição do mundo, mas daquilo do qual o mundo deriva e daquilo do qual não se espera forma alguma de anterioridade além de si mesma, qual seja: a Vontade. Cópia do mundo seria o som, e nunca a música, se para o som houvesse alguma Idéia como seu arquétipo (vide nota 7). Podendo sugerir outro a que considero mais adequado, declaro: Correlato.
[15] Peço ao leitor que nunca venha a omitir esta informação, dada sua relevância ao decorrer deste artigo. A música divide-se em duas partes fundamentais: 1ª) Sua dimensão estética, enquanto objetividade (ou representação): som; 2ª) Sua dimensão metafísica, enquanto tema: Vontade. A música é, por conseguinte, objetividade-tema; som-Vontade.
[16] A utilidade do termo “hipótese” aqui, sob minha óptica, atende a duas necessidades: 1ª) dar conta da possível ignorância de seus leitores; 2ª) livrar-se do problema do discurso acerca da Vontade proferido por alguém ainda na qualidade de apenas filósofo (alguém para quem a Vontade surge mediante articulação lógica de conceitos) e não de Santo (alguém para quem a Vontade é puramente desvelada mediante a mortificação absoluta de toda forma possível de relação).
[17] Tal asseveração apresenta o seguinte raciocínio: (1)Toda Idéia é um modo de objetivação da Vontade; Existem muitas qualidade de Idéias. Então, existem muitos modos de objetivação da Vontade. (2) [Com efeito,] Cada Idéia é um modo de expressão da Vontade; [e por isto mesmo] cada Idéia é parte da Vontade e nunca é Todo. (3) Todas as Idéias são temas artísticos; A apreciação de um modelo artístico revela-nos a Idéia que lhe serve de tema; Então: A apreciação de um só modelo artístico apresenta-nos uma parte da Vontade, enquanto que a apreciação de todos os modelos artísticos revela-nos a Vontade plena. (4) A música é expressão da Vontade e nunca de uma Idéia; [portanto] a Vontade ali não é parte e sim Todo. Logo: A apreciação de uma só música revela-nos a Vontade Plena; e por isto corresponde à necessária apreciação de todos os modelos artísticos em todas as suas formas de manifestação possíveis.
[18] Em O Mundo Como Vontade E Como Representação, temos o seguinte enunciado: “(...) a música, visto que ultrapassa as Idéias e também é completamente independente do mundo fenomênico, ignorando-o por inteiro, poderia em certa medida existir ainda que não houvesse mundo – algo que não pode ser dito acerca das demais artes. De fato, a música é uma tão IMEDIATA objetivação e cópia de toda a VONTADE, como o mundo mesmo o é, sim, como as Idéias o são (...)”. (I-304). (Itálicos do pesquisador) – Vejamos que aqui nos é posto que a música apresenta-nos sua relação de cópia com a Vontade e não com o mundo, como aferido, por Schopenhauer, na segunda citação deste artigo. Lembremo-nos, então, da natureza bidimensional típica de todas as formas de arte, incluso a música. Contudo, vide nota 9.
[19] Formas de percepção do Indivíduo Cognoscente.
[20] Segundo o filósofo, em Metafísica do Belo: “(...) a matéria é o substrato comum de todos os fenômenos isolados das Idéias; conseqüentemente, ela apresenta-se como o elo (...) entre a Idéia e o fenômeno (ou coisa isolada). (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003, página 127). Quando em O Mundo Como Vontade E Como Representação, Schopenhauer assevera-nos a matéria como sendo o elo hora entre a Idéia e o Fenômeno; hora entre a Idéia e o Princípium Individuationis (ver § 43 do terceiro livro da obra). O conceito de matéria invoca a noção de causalidade, que é um dos princípios de razão. Portanto, à matéria não cabe Idéia alguma, isto é: nenhuma Idéia atua como arquétipo à matéria. Por conseguinte, penso que o fenômeno particular é produto da relação entre a matéria, as Idéias e os princípios de razão e individuação, sem que a matéria seja elo, mas apenas parte de um Todo como toda parte assim o é.
[21] Proíbem a ocorrência das Idéias e da Vontade à consciência dos indivíduos cognoscentes por lançar por sobre o objeto de sua experiência elementos de estruturação do observado que não apenas não lhe corresponde como ainda o contamina, se por este termo entender-se a possibilidade da ocorrência da experiência impura.
[22] Porquanto esta Vontade é sempre única.
[23] Deve-se ter aqui a precisa noção da distinção entre identidade e paralelismo. Quando aquilo de que se trata é não outra coisa senão o Significado, então temos a Identidade, porquanto o significado de todas as coisas é sempre a Vontade por ela mesma. No entanto, quando já não mais este e sim a Objetividade é o que nos interessa a discorrer, então temos o Paralelismo, isto porquanto somente para a objetividade cabe a pergunta pelos modos, maneiras e formas; e faz sentido a pergunta pelo tipo, caso este que para a Vontade é plenamente desprovido de razão de ser; e se faz tola a pergunta.
[24] Entendo que neste específico enunciado o termo “analogia” não possui função alguma, sendo, por prudência, necessário desprezá-lo, a fim de evitar a contradição; pois, e segundo Abbagnano: analogia consiste em uma “extensão provável do conhecimento mediante o uso de semelhanças genéricas que se podem aduzir entre situações diversas” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003). À lacuna sugiro introduzir o termo “anagogia”, cuja acepção é: “o que consiste em proceder das coisas visíveis às invisíveis e, em geral, das criaturas à sua Causa primeira”, também da aludida obra de Abbagnano.
[25] Com o termo Schopenhauer compreende qualquer fenômeno particular, ou ainda, qualquer objeto que, dado aos sentidos e não à intuição estética, é produto da relação dialética entre as Idéias, a matéria e os princípios de razão e individuação. Portanto, expressando o que sejam em outro único termo perfeitamente equivalente: Indivíduos (sejam eles cognoscíveis ou cognoscentes).
[26]A Teoria do Baixo Contínuo consiste em: Tons Graves; Vozes Intermediárias (Semi-Tônicas; Medianas; e Semi-Agudas), responsáveis pela Harmonia; e Voz Aguda, incumbida, por sua própria natureza, de executar a Melodia. É relevante salientar aqui a concepção do filósofo acerca desta teoria quando o que se discuti é não outra coisa senão a dimensão estética da música, ou ainda, aquela que nos é dada pela sensibilidade. Schopenhauer em momento algum de sua magna obra, (O Mundo Como Vontade E Como Representação) tampouco em Metafísica do Belo, preocupa-se em declarar que o tom grave deve partir de um violoncelo ou contra-baixo. Bem como não declara a origem instrumental dos outros sons componentes da boa música (quando o termo contrabaixo e voz aguda surgem em sua obra, não se nos apresentam como afirmação da origem, antes, é tão somente a qualidade dos sons o que se quer com tais termos declarar). Causa disto penso ser a preocupação do filósofo no que diz respeito à articulação sonora na composição da música dita bela e nunca a origem instrumental do som executado; isto porquanto tal origem em nada contribui nem acrescenta algo à sua teoria metafísica da arte e da música. Antes, penso Schopenhauer orientar-se apenas pela necessidade da presença de todas aquelas formas sonoras na elaboração desta peculiar manifestação artística. Portanto, proponho que para este filósofo a Teoria do Baixo Contínuo é compreendida não nos termos de uma afirmação da música a partir da origem dos sons, mas da presença de todas as diversas qualidades sonoras, dispostas conforme normas, em uma só produção musical.
[27] “O baixo contínuo é, portanto, na harmonia, o que no mundo é a natureza inorgânica, a massa mais bruta, sobre a qual tudo se assenta e da qual tudo se eleva e desenvolve”. (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-305). (Itálicos do pesquisador).
[28] Por “massa” compreender não menos que o resultado da soma das Idéias de Gravidade e Rigidez (primeira forma de objetivação da Vontade, visto que aqui esta não se contradiz tal como na Idéia de Homem – Por isto fala-se da Hierarquia das Artes, que é, com efeito e a meu entender, uma conseqüência da Hierarquia das Idéias em sentido absolutamente estrito) com a matéria e os princípios de razão e individuação. Como aqui versamos acerca de uma das muitas formas irracionais de objetivação, do uso posterior do termo “bruto” jamais deve-se extrair o sentido de pura, ou ainda, não fenomênica, a Vontade mesma, razão de sua evidente antífase.
[29] O termo em itálico se justificará mais à frente, no capítulo seguinte. Portanto, peço ao leitor que não venha a olvidar deste ponto de nossa investigação.
[30] Este específico enunciado é a causa do próximo tópico. O conteúdo pleno deste, por não ser oportuna sua exploração imediata, é assunto daquele a que intitulo: Do Paralelismo Voz Aguda – Idéia de Homem.
[31] Observemos neste enunciado que estão para as vozes tônicas os copos; enquanto que para as vozes semi-tônicas estão os Reinos.
[32] “Na MELODIA, na voz principal que canta e conduz o todo em progresso livre e irrestrito, em conexão significativa e ininterrupta de UM pensamento do começo ao fim, expondo um todo, reconheço o grau mais elevado de objetivação da Vontade, a vida do homem com esforço e clareza de consciência”. (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-306).
[33] O homem nos termos presentes teria como correlato musical não apenas a melodia ou a voz aguda. Tal disjunção não faz aqui o menor sentido ou razão de ser, antes, é a equivalência (não semântica, mas existencial) o que se busca. Na música, a melodia equivale à voz aguda do mesmo modo que, no mundo, o ser Homem equivale (nunca semântica, mas apenas existencialmente, isto é: em ocorrência de) a ter o devido esforço e clareza de consciência, virtudes estas negadas às rochas, plantas e mesmo aos animais.
[34] Quando a Vontade é, por fim, percebida, tal inequivocamente desvirtuou-se.
[35] Do exposto segue-se que, quando na mais intima aproximação da Vontade, o que desaparece no homem não é a voz, mas a melodia. Que muitos animais emitem ao mundo alguma forma de som (eis aí tua voz), mas nem por isto se deve pensar que haja para tal exposição sonora alguma forma de melodia em sentido estrito. Se se perde a consciência, com efeito, necessariamente se perde aquela mencionada clareza. E a voz que continua, por isto mesmo, já não mais profere-nos algo; e por tal razão agora é não mais que som. (vide nota do tradutor 78, página 519 de O Mundo Como Vontade E Como Representação, Editora UNESP, 2005).
[36] Vejamos que os termos estão no plural, indicando que não se trata do caso de que cada tom grave represente algo diferente, antes, porém: Todos e absolutamente todos os tons graves representam apenas a Natureza Inorgânica, ou ainda: Reino Inorgânico.
[37] Que lhe são sempre conformes e possíveis.
[38] Em uma escala que parte do geral para o particular, então assumida pelos termos Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero, Espécie e Indivíduo, o presente caso trata-se de um fenômeno de Reino. Teríamos, em uma análise panorâmica e completa a seguinte configuração: Vontade – Idéia – Reino – Filo – Classe – Ordem – Família – Gênero – Espécie – Indivíduo. Vemos assim como o filósofo tenta, em sua filosofia, dar conta de todas as possibilidades de existência, desde a existência autêntica (termos em itálico) àquelas compreendidas como ilegítimas por não serem-em-si-mesmas (demais termos).
[39] Schopenhauer admite que, na qualidade de indivíduos, os homens são objetos de sua experiência – inclusos a si próprios – tanto quanto nos é objeto uma árvore ou rocha.
[40] Pois não seria homem caso esta não se expressasse naquele.
[41] Tal inferioridade diz respeito não à abordagem epistemológica da Idéia de Homem, pois é nesta que a Vontade torna-se mais expressiva. Antes, diz respeito à abordagem ontológica desta mesma Idéia, isto é: platonicamente, se dirá que a Idéia de Homem é, dentre todas, a mais distante da verdade, ou ainda, Vontade. Disto se segue que a Hierarquia Epistemológica da Idéias é o inverso perfeito da Hierarquia Ontológica das Idéias.
[42] “(...) a Idéia de homem pressupõe os graus mais baixos de objetivação”. (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. Página 239).
[43] Tê-las como parte de si.
[44] Itálicos do pesquisador.
[45] Vide nota 41.
[46] Isto profiro porquanto a música, por ser cópia imediata da Vontade e não de uma ou outra Idéia, é expressão, por conseguinte, de tudo o que se manifesta no homem (caso de seus sentimentos, como já exposto), bem como de tudo o que deste é objeto.
[47] Pois diremos sempre que o fundamento de qualquer coisa é o Em-si do mundo, ou seja: A Vontade.
[48] Deve-se ter certa cautela com o uso desta expressão. Lembremo-nos de que Schopenhauer adverte-nos do uso de outro termo que não Vontade. Ainda que a sentença tenha sido proferida pelo filósofo, dada sua admoestação, cabe-nos aqui a diligência.
[49] Para este ponto, apresento-lhes meu problema lógico (Epistêmico-Ontológico):
x = x; y → ¬x ˫ (y → x)H. Dito de outro modo: a única suposta evidência de “x” é ele próprio; se “y”, então “¬x”, para todo e qualquer “x” como hipótese a partir de “y”.
[50] Disto se conclui meu seguinte esboço teórico: Schopenhauer, na qualidade de filósofo (e ainda que na qualidade de Santo ou qualquer outra passível ao homem), jamais poderia afirmar a existência de indivíduos cognoscentes sem com isto incidir em uma assertiva epistemologicamente ilegítima ao seu próprio espírito. Pois: sendo que todos os seres de minha percepção são reduzidos a objetos (também Eu mesmo), ou ainda, indivíduos cognoscíveis, aquilo que corresponde ao indivíduo cognoscente me é no outro plenamente oculto (e, em certa medida, também o é em mim, dado que tudo se reduz a objetos alcançáveis mediante relações), pois a consciência e a emoção (ditos prospectos dos seres cognoscentes) não me são elementos de uma investigação empírica, também não intuitiva ou congênere então mencionada pelo filósofo em suas obras. Interpretar (pensar que significa); Hipotetizar (pensar que pode ser); Inferir (pensar que deve ser) e Deduzir (pensar que é) são estados mentais que não podemos fazer coincidir com o ser, essência ou natureza de qualquer coisa, a qualidade real de um objeto qualquer. Por isto, bem como por outras razões, a descoberta do mundo como Vontade se dá por uma investigação lógica introspectiva. Logo: Não posso afirmar a existência de seres cognoscentes, antes, porém, posso apenas propor que haja um ser cognoscente (EU) enquanto não me tomo como objeto de minha própria inquirição. A suspensão da certeza do Eu sobre si não é de todo contrária à filosofia de Schopenhauer, filósofo para o qual a Vontade existe e tudo o que dela deriva é, em última análise, não mais do que a magnífica miragem de um falso espírito.
[51] “[U]ma música perfeitamente correta jamais pode ser concebida, muito menos executada. Por isso toda música possível desvia-se da pureza perfeita. Ela pode apenas oculta sua dissonância essencial pela distribuição da mesma em todos os tons, isto é, por [temperatura]”. (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. I-314, itálicos do pesquisador).
[52] Este condicional torna problemática a relação significativa entre a música e o mundo, pois: Sendo a música (em sentido pleno) a expressão absoluta da Vontade do modo que o é o mundo, quando este também é posto em sentido pleno, como poderia haver alguma cena, acontecimento, objeto ou “x” que não combine com qualquer que seja a música tocada? Com a necessidade de uma imediata combinação posso concordar facilmente, contudo, isto só torna ainda mais árdua a precisa compreensão de sua teoria.
- Resposta possível a esta indagação: Schopenhauer, neste momento de sua afirmação, poderia estar pensando a música desde sua origem empírica, em todas as suas etapas de formação até o alcance de sua completude (alcance de sua natureza superior); do mesmo modo como pressupõe-se o acontecimento cósmico do mundo à formação do Homem (com a introdução deste, eis que nos é dado o mundo em sentido pleno, tal como a música quando lhe é introduzida a voz aguda e melodia).
[53] Esta declaração de Schopenhauer não procede, a menos que se coloque a música não mais no lugar onde por hora pensamos encontrar as Idéias; antes, é no próprio lugar da Vontade o que o enunciado assim sugere. Todavia, a Vontade, que é o Em-si do mundo, causa da música e seu devido tema, jamais cederá lugar a seu produto sem com isto ferir a lógica de nosso entendimento. Por fim, proponho: Dado o sistema schopenhaueriano de interpretação do acontecimento cósmico, é definitivamente inconcebível o mundo como música corporificada.
[54] Para cada grau de discordância da Vontade consigo temos um grau de objetivação qualitativamente distinto.
[55] Seu inverso é verídico.