Art. 28 da Lei nº 11.343/2006 e a reincidência

Por Clara Oliveira Almeida Castro | 14/05/2015 | Direito

Art. 28 da Lei nº 11.343/2006 e a reincidência[1]

 

Clara Oliveira Almeida Castro e Maria Eduarda Costa Carneiro[2]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de drogas e usuário sob um aspecto jurídico; 2 Bem jurídico protegido e análise da sua inconstitucionalidade; 3 Natureza jurídica do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006; 3.1 Descriminalização da conduta prevista no art. 28; 3.2 Não descriminalização da conduta prevista no art. 28; 4 Condenação anterior por infração ao art. 28 da Lei 11.343/2006 gera reincidência?; Conclusão; Referências

RESUMO

A doutrina a respeito da natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11.343/06 é divergente. Parte da doutrina defende a descriminalização do tipo penal, enquanto outra corrente acredita não existir a tal descriminalização. Diante dessa divergência surgiu um questionamento sobre a possibilidade de condenação anterior por infração ao artigo 28 da Lei de Drogas gerar reincidência.  Neste momento, portanto, busca-se explicitar suas principais discussões.

Palavras-Chave: drogas, criminalização, descriminalização, reincidência

INTRODUÇÃO

A Lei 11.343/06 surgiu com o objetivo de estabelecer um novo sistema para tratar de forma distinta o usuário, o dependente e o traficante de drogas. O artigo 28 da Lei supramencionada versa sobre o porte de substâncias ilícitas para uso próprio. É notório que o uso indevido de tóxicos sempre foi motivo de preocupação do legislador pátrio. Diante disso se justifica a tipificação das condutas arroladas no artigo em referências.

No entanto, a interpretação doutrinária acerca da natureza do artigo 28 da Lei de Drogas não é pacifica. Parte da doutrina acredita tratar-se de crime. Outra corrente defende ser contravenção penal. Restam aqueles que discordam  de ambas as teses, ou seja, não tratar-se de crime tampouco contravenção penal.

É a partir dessa polêmica que surgiu uma outra: a possibilidade de que eventual condenação por infringência ao artigo 28 da Lei 11.343/06 venha a configurar reincidência na hipótese de cometimento posterior de infração penal. Para se chegar a uma resposta de tal problemática faz-se necessário uma análise da natureza jurídica do tipo penal em questão para posterior estudo da possibilidade de reincidência ou não.

  1. 1.    Conceito de drogas e usuário sob um aspecto jurídico

 

A Lei de Drogas nº 11343/06 instituiu o sistema nacional de políticas públicas sobre drogas e estabeleceu dois modelos distintos: por um lado prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; por outro criou normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, conforme o artigo 1º desta lei. No que diz respeito à produção venda de droga, a lei alega, explicitamente, que deve predominar o modelo repressivo com o objetivo de assegurar o bem estar social e a garantia da estabilidade.

Nesse sentido, antes de qualquer incursão sobre o tema em análise faz-se necessário conceituar o termo droga. No entendimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme artigo publicado no site Observatório Brasileiro de informações sobre drogas do Ministério da Justiça, droga é qualquer entidade química ou mistura de entidades que alteram a função biológica e possivelmente a sua estrutura. Para a doutrina, há outro entendimento sobre o conceito droga, a saber: qualquer substância capaz de modificar a função de organismos vivos resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento. (Liliane Castelões, 2002).

Pode-se ainda apresentar outro conceito de droga que está presente na Lei 11.343/2006 artigo 1º parágrafo único segundo o qual consideram como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência. Trata-se, no entanto, de uma norma penal em branco, pois para que se tenha ciência de quais são as drogas é necessário analisar a Portaria SVS/MS 344/98.

Denomina-se usuário conforme o artigo 28, caput, da Lei de Drogas aquele que: adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo para uso pessoal drogas em autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

Analisando os elementos objetivos do dispositivo em referência adquirir significa comprar, passar a ser proprietário. Já a conduta guardar é ocultar, não publicar a posse. Por outro lado a conduta de ter em depósito é manter a disposição. Transportar traz a ideia de deslocamento e por fim o comportamento de trazer consigo é o mesmo de portar a droga tendo total disponibilidade de acesso ao uso. Para determinar a distinção entre usuário e traficante de drogas é importante considerar o parágrafo 2º do artigo 28:

Para determinar se a droga determinava a consumo pessoal o juiz atenderá a natureza e a quantidade da substância apreendida, ao local e as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e aos antecedentes do agente.

Por fim, importante destacar que as condutas descritas no artigo 28 da Lei de Drogas contemplam apenas a forma dolosa, ou seja, saber e querer ter a posse da droga. Assim, o dispositivo legal vigente ignora as categorias da imprudência, da imperícia e negligência afastando, portanto, a forma culposa.    

  1. 2.    Bem jurídico protegido e análise da sua inconstitucionalidade

 

Há uma discussão acerca da legitimidade do bem jurídico tutelado pelo art. 28 da Lei de Drogas, que é a saúde privada, pois uma corrente entende que é uma afronta à princípios que norteiam a Constituição Federal. O certo é que para haver a tutela de um bem jurídico na esfera do Direito Penal, segundo os princípios da intervenção mínima do Estado e o princípio da subsidiariedade, tal direito precisa ser juridicamente relevante e capaz de intervir na seara de terceiros de modo a influenciar a sociedade como um ambiente harmônico de convivência, a fim de que não sejam cometidas ações arbitrárias por parte do Estado por puro paternalismo.

Assim, devem ser respeitados os princípios da dignidade e da proporcionalidade inerentes ao cidadão, e tal corrente sustenta que o bem jurídico do art. 28, qual seja, a saúde privada, contraria tais limitações ao interferir diretamente na esfera individual. Pois o art. 5°, inciso X preconiza que:

Art. 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrentes da sua violação.

Ao analisar o art. 28 observa-se que será submetido às penas descritas nos incisos aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, não há nesta conduta, nenhum indício de violação à direito de terceiro mas tão somente a saúde do individuo. Corrobora deste pensamento Maria Lúcia Karan:

A simples posse para uso pessoal das drogas qualificadas de ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que não afetam nenhum bem jurídico alheio, dizendo respeito unicamente ao indivíduo, à sua intimidade e às suas opções pessoais. Não estando autorizado a penetrar no âmbito da vida privada, não pode o Estado intervir sobre condutas de tal natureza, ainda mais através da imposição de uma sanção, qualquer que seja sua natureza ou sua dimensão. Enquanto não afetar concretamente direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem quiser. (KARAM, 2006, p. 23).

Houve, portanto uma preocupação do legislador em proteger primariamente a vida privada e a intimidade do ser humano, pois nenhuma lei ordinária poderá afrontar a Carta Magna, sob pena de ser considera inconstitucional. Posto isso, sob esta ótica seria de caráter ilegítimo criminalizar o porte de drogas para uso pessoal, ao passo que a autolesão e o suicídio por exemplo não são abrangidos pelo Direito Penal, visto que não excedem a esfera individual. o que demonstra uma clara afronta ao princípio da lesividade e da transcendência, pois o bem jurídico deve sempre guardar relação com a defesa de interesses relevantes.

  1. 3.    Natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11343/2006

No que tange à natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas, há uma polêmica acerca do tema, pois o art. 28 dá ensejo à diferentes interpretações doutrinárias, visto que as penas descritas neste dispositivo legal, pois não encaixa-se no conceito de crime nem de contravenção penal descritos no art. 1° da Lei de Introdução ao Código Penal:

Art. 1° Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Desta forma, para explicar a natureza do ilícito previsto no art. 28, surgiram duas correntes doutrinárias. A posição doutrinária minoritária sustenta que houve a descriminalização do uso de drogas para consumo pessoal, tendo em vista que o art. 28 não prevê a pena de detenção nem prisão, que define conceitos de crime e contravenção penal, esta corrente é defendida por Luiz Flávio Gomes (2006), e classifica tal conduta como infração sui generis.

Por outro lado, a corrente majoritária defende que o rol do art. 1° da LICP não é taxativo, e restringir-se aos conceitos por eles explanados para entender a criminalização ou não de uma conduta e sua natureza torna-se arriscado. Esta corrente entende que o fato de não está prevista a privação de liberdade no art. 28 não implica em uma descriminalização do tipo penal descrito, dentre os adeptos desta corrente encontra-se o Min. Sepúlveda Pertence ((BRASÍLIA, STF. RE 430105 QO/RJ), ao decidir que tal conduta continua sendo crime.

3.1              Descriminalização da conduta prevista no art. 28

Conforme mencionado anteriormente, a doutrina minoritária defendida por Luiz Flávio Gomes considera que houve a descriminalização da conduta prevista no art. 28 da Lei de Drogas ao dispor que:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,

para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação

legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia,

cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de

substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Para esta corrente a conduta prevista no art. 28 não mais seria crime, pois ao analisar o art. 28 supracitado, observa-se que o legislador optou por não prever pena de prisão, detenção ou multa, o que contraria os conceitos de crime e contravenção penal descritos pelo art. 1° da LICP já mencionado.

Se as penas cominadas para a posse de droga para consumo pessoal são exclusivamente alternativas, não há que se falar em “crime” ou em “contravenção penal” (por força do art. 1° da Lei de Introdução ao Código Penal, que vimos nos comentários do art. 27).  O art. 28, consequentemente, contempla uma infração sui generis (uma terceira categoria, que não se confunde nem com um crime nem com a contravenção penal. (GOMES, luiz flávio. BIANCHINI, alice. SANCHES, rogério. p. 118/119)

Apesar de perder as características de crime, e haver por consequência a sua despenalização, a posse de drogas para uso pessoal não perdeu sua essência de ilicitude, isto é, não houve a sua legalização, e portanto, continua sendo punível. Dessa forma a conduta de posse de drogas para consumo próprio permanece tutelada pelo Direito Penal, Luiz Flávio Gomes nomeia tal acontecimento como descriminalização formal:

Descriminalizar significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas. O fato descrito na lei penal deixa de ser crime. Há três espécies de descriminalização: (a) a que retira o caráter criminoso do fato mas não o retira do âmbito do Direito penal (essa é a descriminalização puramente formal); (b) a que elimina o caráter criminoso no fato e o proscreve do Direito penal, transferindo-o para outros ramos do Direito (essa é a descriminalização penal, que transforma um crime em infração administrativa, v.g.) e (c) a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente (nisso consiste a chamada descriminalização substancial ou total). (GOMES, 2006)

Para esta corrente, a conduta cometida pelo autor de tal ilícito classifica-se como infração penal “sui generis”, isto porque não se enquadra aos conceitos de crime e contravenção penal conforme já dito, visto que as penas prevista no art. 28 são penas alternativas, subsiste, entretanto, seu caráter ilícito, pois o que houve foi a despenalização e não a sua legalização. O ilícito sui generes, está na seara do Direito Penal, e classifica-se de modo peculiar por não prevê a pena de prisão para o usuário de drogas que não mais pode ser chamado de criminoso, e observa-se claramente a imputação de penas alternativas para o autor deste ilícito.

Há ainda, a posição de Alice Bianchini, a sustentar que houve o abolitio criminis, mas que tal art. 28 não compete à esfera do Direito Penal, sendo portanto uma norma do Direito judicial sancionador, quer  seja quando a sanção alternativa é fixada em transação penal, ou quando imposta em sentença final (no procedimento sumaríssimo da lei dos juizados). Para esta autora, houve portanto a descriminalização substancial, e não formal como defende Luiz Flávio Gomes. (BITTENCOURT, ano, p.)

3.2    Não descriminalização da conduta prevista no art. 28

 

A doutrina majoritária o fato de o art. 28 da Lei de Drogas não prevê pena de reclusão, detenção e multa não implica em dizer que houve a descriminalização do tipo penal descrito, pois a própria Constituição Federal enumerou no inciso XLVI diversas espécies de pena, tais como privação ou restrição de liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa, dentre outras, e o inciso XLVII, estipula limitações para a criação de penas, de onde se deduz que tal rol não é taxativo. Dessa forma, restringir-se ao rol do art. 1° da LICP e aos conceitos por ele explanados de crime e contravenção penal para entender a criminalização ou não de uma conduta e sua natureza torna-se arriscado. Além disso, Bittencourt rebate a classificação de Luiz Flávio Gomes no sentido de que tal ilícito seria uma infração sui generis ao afirmar que:

Temos grande dificuldade de entender o surpreendente entendimento de Luiz Flávio Gomes, e especialmente descobrir qual seria o conteúdo, natureza e função dessa nova espécie de infração penal sui generis, desconhecida do ordenamento jurídico brasileiro, procuremos fazer algumas especulações a respeito, partindo do óbvio: o nosso sistema brasileiro adota o critério dualista, ao admitir somente duas espécies de infrações penais: crime e contravenção penal. (BITTENCOURT, p. 768)

A intenção do legislador ao retirar do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 foi tão somente adequá-lo à realidade social brasileira, que conta com um sistema carcerário defasado e desestruturado, reservando condutas mais severas à aplicação da prisão, isto porque a lei mencionada é ulterior à ultrapassada Lei de Introdução ao Código Penal de 1940, e portanto possui maior função social, por está mais próximo da realidade e das políticas criminais que dela insurgiram.

Se o objetivo do legislador fosse no sentido de descriminalizar tal conduta, o mesmo não teria tratado da reincidência em seu parágrafo 4° do art. 28, pois a reincidência nos termos do CP e da LICP é a nova condenação àquele que já praticou um crime, nem tampouco regulamentaria acerca da prescrição quanto ao uso de drogas para consumo pessoal, visto que somente os crimes e contravenções penais teriam o condão de prescrever.

Além disso, A 1° Turma do Supremo Tribunal Federal analisou este tema por meio do RE 430105/QO/RJ apreciado em 2007, que teve como relator o Ministro Sepúlveda Pertence e decidiu-se no mesmo sentido desta maior corrente doutrinária, ao afirmar que não houve o abolitio criminis:

6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado. (BRASÍLIA, STF. RE 430105 QO/RJ,Rel. Ministro Sepúlveda Pertence).

É importante observar que o Capítulo III, da Lei de Drogas, na qual está inserido o art. 28 como Dos crimes e das Penas, daí se pode extrair mais uma vez a intenção do legislador em manter a criminalização de tal conduta ainda que o porte de drogas seja para consumo próprio.

Seria presumir o excepcional se a interpretação da L. 11.343/06 partisse de um

pressuposto desapreço do legislador pelo ‘rigor técnico’, que o teria levado –

inadvertidamente – a incluir as infrações relativas ao usuário em um capítulo

denominado ‘Dos Crimes e Das Penas’.(BRASÍLIA, STF. RE 430105 QO/RJ,Rel. Ministro Sepúlveda Pertence).

  1. 4.    Condenação anterior por infração ao artigo 28 da Lei 11343/06 gera reincidência?

De acordo com o Código Penal em seu artigo 63 “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.” Diante disso, a resposta ao questionamento ora formulado no tópico dependerá de um posicionamento quanto à natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11343/06.

Na interpretação do dispositivo supramencionado, o entendimento majoritário é que não importa a espécie de crime, tampouco a pena aplicada, pois a lei fala em crime anterior, independente da pena imposta. Os únicos casos excepcionais são as condenações cuja pena já tenha sido cumprida ou extinta há mais de cinco anos e os crimes militares próprios e políticos (art. 64, I e II, CP). (Capez, 2005, p. 458/461).

 A Lei de Drogas modificou as penas previstas para as condutas do caput do artigo 28: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Em vista disso, conforme Fernando Capez no artigo “Notas breves sobre a nova lei de Drogas”, não há qualquer possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade para aquele que adquire, guarda, traz consigo, transporta ou tem em depósito droga para consumo pessoal ou para aquele que pratica a conduta equiparada. Apesar disso, o autor nesse mesmo artigo entende no sentido de que:

Não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e às penas (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por Juiz criminal, e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal. (CAPEZ, 2007, p. 01)

No que tange o procedimento criminal dos crimes de droga, o artigo 28 da Lei n. 11/343/2006 detém um procedimento diferenciado. De acordo com Fernando Capez (699, 2013), na hipótese de o agente praticar uma das condutas previstas no artigo em referência (posse de droga para consumo pessoal) será processado e julgado nos termos da Lei dos Juizados Especiais Criminais, de forma que não se imporá prisão em flagrante (vide art. 48, parágrafos 1 e 2).

Considerando o exposto acima, para essa corrente, a eventual condenação por infração ao artigo da Lei de Drogas gerará reincidência, uma vez que o próprio § 4º do artigo 28 menciona as consequências da "reincidência" para a determinação do "quantum" das penas previstas nos incisos II e III do "caput". Senão, vejamos: “Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses”. Importante frisar que no entendimento de Capez no artigo já mencionado considera-se:

A lei não estabeleceu a exigência de reincidência específica, apenas mencionando genericamente os reincidentes. Desse modo, qualquer forma a reincidência torna incidente o parágrafo 4º do dispositivo em referência. Do contrário, a legislação estaria punindo com mais rigor o reincidente em detenção de droga para fins de uso do que o infrator que tivesse condenação anterior por crimes mais graves, o que violaria o princípio da proporcionalidade. (CAPEZ, 2007, p. 01)

Por outro lado, Luiz Flavio Gomes e outra parte da doutrina entendem que o artigo 28 não constitui crime ou contravenção, mas sim uma “infração sui generis”. Assim, as consequências com relação à reincidência tomam uma direção oposta. Por esse entendimento, o artigo 28 por não se tratar crime ou contravenção não pode gerar reincidência. (Bitencourt, 2012, p. 767). Visto que conforme art. 1º do Decreto 3914/41:

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente”.

Desse modo, realizando uma interpretação literal do dispositivo transcrito não há que se enquadrar a conduta do artigo 28 na premissa de crime ou contravenção penal, uma vez que a conduta prevista nesse dispositivo não dispõe de nenhuma das penas mencionadas acima. Logo não há que se falar em reincidência.

Um dos principais efeitos da reincidência é agravar a pena privativa de liberdade (art. 61, I, CP) e sua finalidade é intensificar o direito de punir do Estado. De fato, considerar o condenado ao artigo 28 reincidente significa ampliar sua manutenção no cárcere. Tal possibilidade afrontaria o princípio da razoabilidade, uma vez que não se pode considerar de alta periculosidade um condenado por crime que sequer enseja pena de prisão.

Ademais, a possibilidade de induzir a reincidência o condenado ao delito em questão conduz à equiparação dessa conduta a crimes graves, tais como os crimes hediondos e equiparados. Esta procedência além de violar o princípio da proporcionalidade atinge, ainda, o princípio da igualdade, pois confere idêntico tratamento jurídico a situações fáticas tão distintas, conforme “O artigo 28 da Lei de Drogas é incapaz de gerar reincidência na forma do artigo 63 do Código Penal” da Defensoria Pública de São Paulo.

Por fim, importante destacar que a possibilidade de o magistrado neutralizar os efeitos de reincidência, mesmo sem previsão em lei, não representa contrapor o ordenamento jurídico posto. Isso porque o espírito de justiça apoia-se nos direitos fundamentais da pessoa humana e a razoabilidade é a medida preferível para mensurar o acerto ou desacerto de uma solução jurídica. Vale destacar que o sistema nacional de políticas públicas sobre drogas preconiza, dentre os seus princípios elencados nos Arts. 4º e 5º, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto a sua autonomia e liberdade reconhecendo-os como fatores de proteção para uso indevido de drogas, o que reforça a tese segunda a qual não cabe considerar a reincidência o delito em questão.

CONCLUSÃO

                        Com todo o exposto entende-se que embora haja quatro orientações acerca da natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11.343/06 – infração sui generis; infração penal inominada; contravenção penal; crime – a mais aceita de acordo com o tratamento das penas na Constituição Federal e com atual estágio do Direito Penal brasileiro quanto às espécies de infrações penais, é a de que o artigo 28 em destaque descreve um crime.

                        Sendo assim, a caracterização da reincidência depende da definição quanto à natureza jurídica do referido dispositivo de modo que na corrente predominante segundo a qual o artigo 28 é crime ensejará reincidência. Enquanto nas demais teses não se observa a reincidência.

                        No entanto, a partir do estudo das correntes de pensamento aqui apresentadas consideramos acompanhar a linha doutrinária que entende ser o artigo 28 uma descriminalização formal, o que não quer dizer que ocorreu, ao mesmo tempo, a legalização da posse de drogas para consumo pessoal embora o dispositivo mencionado esteja inserido no capítulo dos crimes de drogas, logo não se observa a pena de prisão para conduta tipificado, percebendo-se a não periculosidade desse agente.

                        Assim, em nosso ponto de vista, não há que se falar em reincidência devido aos princípios da proporcionalidade e igualdade, acreditando, contudo, existir uma reincidência específica na hipótese de cometimento do mesmo artigo.

REFERÊNCIAS

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Súmula: o artigo 28 da Lei de Drogas é incapaz de gerar reincidência na forma do artigo 63 do Código Penal. Disponível em: www.defensoria.sp.gov.br/ Acesso em: 03/10/2010



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Penal Especial III, Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 6º período do curso de graduação em Direito da UNDB.

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