Aprendizagem de línguas estrangeiras no contexto multilingue em Moçambique

Por Pita Rui Dola | 20/08/2018 | Educação

Existem vários idiomas falados no Mundo, cada um deles com as suas especificidades. No mundo todo, são faladas mais de 6000 línguas e algumas delas faladas por dezenas de pessoas e outras faladas por milhões. Mas essas línguas não são faladas de maneira igual. O inglês, por exemplo, ocupa um lugar privilegiado com muitos falantes nativos e não nativos. A expansão fenomenal da língua inglesa deve-se aos factores politico-económicos assim como o Francês. Por seu turno, o mandarim tem o maior número de falantes como língua materna. Lolo, Sena, Gitonga[1], baixo-alemão[2] e Catalão[3] são línguas que não só são faladas pela minoria da população como também se circunscreve num espaço fechado duma determinada região. Embora tenha um monte de línguas num universo planetário, irrefutavelmente, existe uma verdade clara: cada indivíduo no mundo usa a sua língua materna para mostrar sua cultura e, efectivamente, para falar o que ele quer, pensa ou gosta de fazer. Não há língua de baixo status como alguns apregoam, mas sim uma língua local ou materna da população alvo[4].

Moçambique é um país multilingue. Estima-se que Moçambique tenha mais de 40 línguas para além de dialectos destas mesmas línguas de origem bantu[5]. Segundo Gregório Firmino, professor da Universidade Eduardo Mondlane, em seu artigo “a situação do português no contexto multilingue de Moçambique”, “Moçambique é um caso típico de um país africano linguisticamente heterogéneo, onde coexistem diversas línguas, nomeadamente, línguas autóctones, de raíz bantu, faladas pela maioria da população, português, diversas línguas estrangeiras e ainda outras línguas de emigrantes oriundos do continente asiático e/ou seus descendentes”. Assim, podemos afirmar que existem três grupos de línguas existentes em Moçambique: o primeiro, a língua europeia, o português que é tida como a língua oficial ou de unidade nacional; o segundo, as línguas moçambicanas de origem bantu falada pela maioria que ainda não tem o estatuto bem definido devido a falta de política linguística bem clara em Moçambique e o terceiro grupo é constituído pelas línguas de origem asiáticas tais como urdo e outras com o valor percentual muito baixo. 

O nosso objectivo neste pequeno artigo não é analisar e aprofundar cada língua moçambicana, mas analisar como as diferenças na fonética, na construção ao nível das frases de uma língua moçambicana podem influenciar directa e indirectamente a aprendizagem e o ensino da língua estrangeira, no caso concreto o Francês e também demonstrar as especificidades desta língua para muitos estudantes que aprendem-na fora do contexto cultural onde o francês não é a língua de comunicação em Moçambique e os estudantes só entram em contacto com ela na sala de aula.

Segundo HAMERS & BLANC apud MARTINS (2007), para um estado psicológico de um indivíduo que tem acesso a mais de um código linguístico, o grau de acesso varia ao longo de várias dimensões psicológicas, sociológicas, sociolinguísticas, socioculturais e linguísticas. Assim, nota-se que um estudante que, ao ser submetido a mais de uma língua estrangeira, o grau de domínio é diferenciado. É certo que um indivíduo que tem um bom domínio da sua língua materna tem a capacidade de dominar a segunda língua se, nos casos apropriados, as línguas são da mesma família - o caso do português, espanhol, italiano (línguas romanas) e/ou Changana, Sena, Macua (línguas bantu). Esta análise pode ser comparada ao caso de Moçambique, onde os alunos estão em contacto até então apenas com duas línguas estrangeiras: o caso do Inglês que começa a partir da 6ª classe e do francês que começa na 9ª classe do Sistema Nacional de Educação. No entanto, esse contacto de línguas influencia o comportamento psicológico do indivíduo porque ele domina duma maneira diferenciada uma língua da outra. Na óptica de Martins (2007), Joshua Fish Man critica o conceito de que línguas diferentes pertencem a comunidades diferentes quando existe a diglossia que manifesta uma distribuição funcional de usos entre duas línguas ou duas formas da mesma língua. Por sua vez, SECHAS apud MARTINS (2007) mostra que existem situações em que um indivíduo fala fluentemente duas línguas e cuja língua materna continua a influenciar na aprendizagem da língua estrangeira. No contexto moçambicano, eles falam Português fluentemente e quando eles estão em contacto com o francês, deixam marcas do Português por um lado e existem influências tão profundas na pronúncia ou na formação de frases em francês a partir da sua língua materna.

Notemos, a partir de alguns exemplos específicos, a situação que vivenciamos quando passamos por três províncias como professor de Francês Língua Estrangeira (FLE) nas três escolas localizadas nestas províncias de Moçambique:

  • Escola Secundária Ngungunhana (Sul de Moçambique, Maputo): Uma das características desta parte dominada por Tsonga (changana) é a dificuldade de pronunciar "-en" e contínuo "-r". Exemplo de algumas palavras que muitos alunos destas áreas tem dificuldades: cinquenta lêem /sikweta/ e areia lêem /arrreia/ em português. Esta dificuldade deve-se à influência da língua materna. Os alunos desta parte de Moçambique ao aprenderem o Francês, também costumavam ter as mesmas dificuldades nas palavras como relation, cinquante.
  • Escola Secundária Josina Machel, em Gondola (Centro de Moçambique, Manica) dominada pela Ciuté, uma das línguas faladas nesta região, os estudantes também apresentaram dificuldades na pronúncia de algumas palavras do Francês. Nesta parte geográfica, os estudantes tiveram dificuldades em pronunciar o som "-r" e "-l", muitas vezes causando confusão entre os dois. A palavra "orange" (laranja) em francês, eles, as vezes, pronunciavam /olãge/ e palavra "laitue"(alface) em francês, eles podiam pronunciar  /rety/.
  • Escola Secundária do Ile, (na Província da Zambézia) - onde a língua lomwe é dominante, caracterizada pela ausência dos sons vozeados como z, d, b, muitas vezes confundem entre /t/ - /d/, /b/ - /p/, /z/ - /s/. Exemplo: je suis étudiant – /sezuisetudiã/ - uma pronúncia um pouco difícil de compreender que está longe da fonética francesa.

Os elementos que acabamos de tratar são baseados na sociolinguística na medida em que o ideolecto e o sociolecto infuenciam o indivíduo na aprendizagem da língua estrangeira visto que « un des objets d’étude de la sociolinguistique c’est le fait qu’on est dans un monde plurilingue et que les langues sont constamment en contact» (Calvet, apud MARTINS, 2007 :10)[6].

Para SAUSSURE apud Martins (2007),  ao analisar a questão dos fenómenos linguísticos, parece necessário enfatizar que o mais importante para o estudo das línguas é sua diversidade. Ele quer mostrar que existem diferenças linguísticas que podem aparecer quando, por exemplo, um indivíduo sai de um país para outro, ou mesmo de uma província ou cidade para outra. Se as discrepâncias, relativas ao tempo, podem escapar aos olhos do observador, as divergências no espaço são mais visíveis. Isso também argumenta que a linguagem é, acima de tudo, uma parte determinante e essencial da linguagem. Ou seja, é ao mesmo tempo um produto social da linguagem, mas também individual (fala). Assim, a linguagem é um sistema que torna possível interpretar uma palavra em uma determinada comunidade. Não é observável directamente. Essa abordagem nos faz acreditar que há algo em comum entre esses autores, ou todos eles defendem que o contacto de línguas traz para os alunos impactos positivos ou negativos.

Veja o seguinte cenário: um moçambicano foi à França para visitar sua irmã que mora lá há muito tempo: Ele está sentado no metro de Paris e, apenas para praticar a língua francesa, escuta e está interessado na conversa dos dois adolescentes sentados à sua frente. Ele não entende nada e de repente ele começa a se desesperar amaldiçoando os métodos franceses de seu professor.

Perante este cenário, muitos podem ficar desanimados na verdade, eles falam a língua dos jovens ou calão/gíria diferente daquela que somos ensinados na escola/ francês padrão. Vamos começar tomando algumas palavras de gírias. Era a linguagem do crime organizado da Idade Média que perpetua até o século XX na França.  

  1. Gíria deixou muitas palavras na língua comum:

Exemplo : le mec – o homem      la nana – a mulher          le flic – o polícia    le pif – o nariz

  1. A mistura com algumas palavras de origem estrangeira, inglês ou árabe.

Exemplo: speed – estar nervoso         le toubib – o médico            kiffer – amar

  1. Transformação ou o verlan. Colocamos as palavras começando da esquerda para direita transformando-as um pouco, se necessário:

Exemplo: une femme – une meuf          un mec – un keum      bizarre – zarbi       fou – ouf.

  1. Além disso, os jovens ficam felizes em usar superlativos

Exemplo: un super pote – un bon copain.     C’est trop bien – ça me plait beaucoup          une méga teuf – une grande fête                c’est hypertop – c’est vraiment très bien.

  1. Eles também encurtam palavras, inventam abreviaturas: un ordi – un ordinateur.      A plus – à plus tard             une télé - une télévision.
  2. Os jovens gostam de utilizar algumas palavras qualificativas como: « vachement », « carrément », « super », « cool ». Exemplo : J’ai lu un livre vachement intéressant. Il a été écrit par un auteur super connu qui écrit toujours de trucs carrément longs mais vachement drôles.  Essas palavras são utilizadas para substituir « très » ou « vraiment ».

Referências bibliográficas

FIRMINO, Gregório, (s/d)  a situação do português no contexto multilingue de MoçambiqueMaputo. 

MARTINS, Maria R. A. (2007).  Les  Phénomènes D’interférence Linguistique dans  L’enseignement/ Apprentissage du français à Praia.  Lisboa, Institute  Supérieur D’éducation.

NGUNGA, Armindo, (2003) Introdução a linguística bantu, Imprensa universitária, Maputo. 

SAVILLE-TROIKE, Muriel. (2006). Introducing Second Language Acquisition. Cambridge University Press.

http://www.languefrancaise.net/docs/uploads/Argot/Stock/2012_younes_taal_argot_influence_fr.pdf (consulté le 30 novembre 2014 19:38)

[1]Sena ou Cisena, como nativos preferem chamá-la, é uma das línguas mais faladas em Moçambique que compreende as províncias de Zambézia, Sofala, Tete e Manica. Além disso, Gitonga é uma língua falada no sul de Moçambique por um número muito pequeno da população da Província de Inhambane. Lolo é uma língua exclusivamente falada em uma parte do distrito de Morrumbala, na Zambézia.

[2] Uma língua local falada no Paraguai.

[3] Uma língua falada na Espanha.

[4] Se considerarmos que a língua e a cultura estão intrinsecamente ligadas e, de acordo com os antropólogos, todos têm língua e cultura.

[5] Evidentemente, todas as línguas moçambicanas são de origem bantu porque todas elas usam a terminologia wanthu para designar uma "pessoa": Wathu - Nyungue, Munyu - Changana, Munthu - sena e assim por diante.

[6] Um dos objectos de estudo da sociolinguística é o fato de que estamos em um mundo multilingue e que as línguas estão constantemente em contacto – tradução livre.