Após A 'Batalha' Da CPMF: A Necessidade De Um Entendimento Nacional Acerca Da Questão Tributária No Brasil
Por JEFFERSON CONCEIÇÃO | 01/08/2008 | PolíticaJefferson
José da Conceição
Fausto
Augusto Junior
Patrícia
Toledo Pelatieri
O debate no Congresso Nacional, no segundo semestre de 2007, em torno da Proposta de Emenda Constitucional enviada pelo governo federal, que prorrogava até 2011 a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), foi de extrema relevância tendo em conta o peso que esta contribuição representava para o Orçamento da União, para as receitas da Seguridade Social e para os rendimentos dos trabalhadores brasileiros.
Em realidade, a "batalha" continua. Isto porque o Congresso discute neste momento a aprovação de uma nova contribuição para financiar a saúde: a Contribuição Social da Saúde (CSS). Esta contribuição foi incluída pela base governista no texto da emenda 29, que constitui e amplia novos recursos para a saúde. Trata-se de novo palco de disputa e acirramento dos conflitos.
Há lições a extrair de todo o processo que representou a disputa da CPMF e que deveriam nortear as próximas ações em relação ao tema. Uma delas é que o tema dos tributos adquiriu grande importância para a sociedade brasileira e qualquer alteração significativa na estrutura tributária deveria ser objeto de negociação. Neste sentido, a controvérsia em torno da prorrogação da CPMF foi bastante emblemática. Logo, se quisermos debater um modelo de desenvolvimento econômico e social justo e eficaz, não há como não enfrentar, por meio da negociação, a questão tributária. Antes de avançarmos algumas breves reflexões a este respeito, vale a pena realizar um resgate histórico da CPMF no Brasil, pois isto nos ajudará a entender o quão vital é modificar a cultura da tributação em nosso País.
Assim, cumpre considerar que, desde 1993, a sociedade brasileira já convivia com o Imposto Provisório Sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e Direitos de Natureza Financeira (IPMF), que tinha alíquota de 0,25% e a data de 31/12/1994, para o seu término. De fato, este imposto não foi cobrado no ano de 1995. Entretanto, esta cobrança logo voltaria, não mais como imposto, e sim como Contribuição, permitindo sua apropriação exclusivamente pela União, sem necessidade de divisão com Estados e Municípios.
Neste contexto, o governo FHC, por meio da Lei Nº 9.311, de outubro de 1996, instituiu a CPMF. A justificativa apresentada para convencer a sociedade era de que a arrecadação desta contribuição seria destinada "integralmente" ao Fundo Nacional de Saúde, com o objetivo de ajudar a financiar as ações e programas na área da saúde pública. Mantinha-se, todavia, seu caráter provisório. Dizia-se que a CPMF vigoraria por apenas 13 meses. Antes mesmo, porém, do fim deste prazo, a Lei Nº 9.539, de dezembro de 1997, estendeu a cobrança por mais 36 meses. Em março de 1999, a Emenda Constitucional (EC) Nº 21 dilatou novamente a existência da CPMF até junho de 2002. Já a EC Nº 37, de junho de 2002, estabeleceu que a CPMF seria cobrada até dezembro de 2004. Por fim, a EC Nº 42, de 2003, prorrogou a CPMF até 31/12/2007.
Ao longo desse período, as alíquotas da CPMF variaram bastante, iniciando-se em 0,2% em 1997 até chegar a 0,38% em 2001, mantendo-se neste patamar até o presente momento.
Ressalte-se igualmente que, em junho de 2000, o governo FHC utilizou nova justificativa "social" para aumentar a alíquota da CPMF de 0,30% para 0,38%: a criação do Fundo Nacional de Combate e Erradicação da Pobreza, com base no adicional de 8 centésimos por cento da CMPF. Atualmente, a alíquota de 0,38% distribui-se da seguinte forma: 0,20% para a saúde, 0,1% para a previdência social e 0,08% para o Fundo Nacional de Combate e Erradicação da Pobreza.
Desde sua criação, foram muitas as controvérsias em torno da CPMF. Do nosso ponto de vista, havia argumentos lógicos e consistentes tanto entre os defensores quanto entre os críticos dessa contribuição. Para muitos, trata-se de um tributo que, por não ser declaratório, inibe a sonegação; sua arrecadação é simples e de baixo custo; e pode ajudar no rastreamento e fiscalização de inúmeras fraudes. Entre os críticos, é comum apontar-se para seu efeito cascata, com impactos significativos nos custos das empresas e rendimentos das pessoas físicas.
A despeito dessas controvérsias, não resta dúvida de que a CPMF, apesar do termo "provisório" que carregou, fez parte durante mais de uma década do cotidiano da sociedade brasileira e teve um volume cada vez mais significativo destinado aos cofres da União. A arrecadação de CPMF subiu de R$ 6,9 bilhões em 1997, para R$ 32 bilhões em 2006, atingindo cerca de R$ 36,0 bilhões em 2007. Sua participação no PIB aumentou de 0,74% para 1,38%.
O grave, porém, é que, desde a sua criação, o expressivo volume de recursos obtidos com a CPMF não foi repassado na íntegra para a área da saúde pública. Dos R$ 36,0 bilhões, cerca de R$ 13,25 em 2007 foram canalizados diretamente para o Tesouro e apenas R$ 22,7 bilhões, destinados à Seguridade. Acrescente-se ainda que os recursos antes destinados à Saúde foram reduzidos, com a "justificativa" de que a CPMF já atenderia o setor. Em suma, o que era para ser um fundo adicional inteiramente destinado à saúde, deixou de sê-lo ao longo da existência da referida contribuição.
O mais
importante a destacar é que a "batalha" em torno da
prorrogação da CPMF esteve claramente associada com a questão da carga
tributária. Neste sentido, é evidente o crescimento da carga de 1994 para cá:
de 28% do PIB em 1994, esta passou para cerca de 35,8% em 2002 e 38,8% em 2006.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o
contribuinte brasileiro, que tinha que trabalhar 3 meses e 14 dias para pagar
os seus impostos, taxas e contribuições em 1994, passou a ter que trabalhar 4
meses e 13 dias em 2002 e 4 meses e 26 dias em 2007.
O Brasil já apresenta carga tributária semelhante a de países como a Alemanha, Canadá, Suíça, EUA e Japão. Com a notória diferença da maior magnitude e qualidade dos serviços públicos naqueles países.
Ilustra a preocupação com o crescimento da carga tributária o fato de que uma das importantes lutas sindicais travadas pelo sindicalismo brasileiros nos últimos anos tem sido a atualização da Tabela do Imposto de Renda.
O crescimento da carga tributária no Brasil, nos últimos treze anos, deve-se ao fato de que parcela expressiva dos impostos e contribuições pagos pelos brasileiros tem sido destinada a rolagem financeira da dívida pública. Em 2005, nada menos que 6,5% do PIB (ou cerca de R$ 125,9 bilhões) foram gastos apenas a título de pagamento dos juros da dívida pública. Além disso, vale mencionar que o setor financeiro também vem se beneficiando da isenção da CPMF nas aplicações financeiras.
É pertinente lembrar que, como indica a famosa "curva de
Lafer" - que reproduzimos abaixo - a partir de um determinado ponto a
arrecadação tende a reduzir (absoluta ou relativamente), em função do aumento
da carga tributária. Isto se deve ao fato de que uma carga tributária
excessivamente alta tende a gerar evasão fiscal e desestímulo aos negócios em
geral.
Além disso, a elevada carga tributária atual associada à complexa estrutura de impostos no Brasil não se traduz na expansão dos investimentos públicos, mas na existência de milhões de empresas e trabalhadores informais no País.
Por outro lado, o crescimento da arrecadação federal, estadual e municipal, que pulou de R$ 482,4 bilhões em 2001 para R$ 815,1 bilhões em 2006, guardou forte relação com o crescimento econômico verificado nestes anos. Isto, junto com o combate à sonegação que tem sido fortalecido neste governo.
Posto este sucinto retrospecto histórico da CPMF e da evolução da carga tributária, cabe, pois, realçar nossa posição de que o País requer um amplo entendimento nacional em torno da questão da carga tributária, de modo que se combine, sempre que possível, a redução da carga tributária por meio de diminuição de alíquotas, com o crescimento das vendas e da produção. Esta combinação permitirá a e manutenção e expansão da arrecadação.
Este mesmo processo de entendimento nacional exigirá o debate de medidas que apontem um real enfrentamento do problema da dívida pública, de modo a viabilizar tanto a continuidade da redução das taxas de juros ora verificada, quanto à diminuição da necessidade de arrecadação para pagamento desta dívida.
Associado ainda ao tema, será essencial aprofundar o que deseja a sociedade brasileira em relação ao tamanho e papel do Estado em áreas como Saúde, Educação, Previdência, Investimentos em Infra-estrutura econômica e social, entre outros. Será a partir das conclusões que se permitirá a real dimensão da carga tributária ideal a ser aplicada no país.
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Jefferson José da Conceição é economista. Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e do Centro Universitário SENAC. É técnico do DIEESE.
Fausto Augusto Junior é sociólogo. Mestrando em Educação da USP. É técnico do DIEESE.
Patrícia Toledo Pelatieri é técnica do DIEESE.
De acordo com o Novo Dicionário de Economia (1994), de Paulo Sandroni: "Curva de Lafer: Teoria desenvolvida (...) pelo economista norte-americano Arthur Lafer, segundo a qual existe uma relação peculiar entre a arrecadação tributária e a taxa de impostos na economia. Quando essa última é baixa, a relação é diretamente proporcional, mas depois de ultrapassar um ponto de maximização da arrecadação, a relação passa a ser inversamente proporcional. Assim, a partir de determinado nível de tributação, qualquer elevação da taxa, ao invés de provocar aumento da arrecadação, resultaria numa redução. Ao contrário, uma redução da taxa de impostos proporcionaria um aumento da arrecadação. Para Lafer, a economia norte-americana se encontraria na secção descendente da curva, onde a arrecadação é inversamente proporcional à variação da taxa fiscal. As causas principais desse fenômeno são a evasão fiscal (quando os impostos são muito elevados) e o desestímulo provocado sobre os negócios em geral. No entanto, a intenção da Curva de Lafer não era determinar a taxa de impostos que maximizaria a receita, mas chamar a atenção dos formuladores de política econômica para os efeitos dinâmicos de uma política tributária".