APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO EGITO ANTIGO - RIO NILO

Por RUAN DAVID SANTOS ALMEIDA | 21/11/2019 | História

APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇAO EGITO ANTIGO - RIO NILO

Ruan David Santos Almeida

Raimundo Nonato Santos de Sousa

 

 

Considerações iniciais

 

Indubitavelmente, o Egito se trata de uma das civilizações mais antigas, complexas e enigmáticas da história da humanidade. Essa civilização, situada geograficamente entre o continente africano e o oriente médio, nos legou, dentre muitas outras contribuições, os conhecimentos relacionados à matemática, astronomia, medicina, farmacologia e arquitetura. Além de ser uma das mais longevas, complexas e importantes sociedades, o Egito é também, por certo, uma das que mais instigam o nosso interesse e curiosidade. A razão disso está, por certo, ancorada nas incríveis pirâmides que podem ser encontradas na região de Necrópole de Gizé, e nos achados arqueológicos que servem de indicativos autoevidentes de um passado glorioso do povo egípcio.

Além dessas características, dois outros elementos também nos chamam a atenção sobre o Egito: sua gênese e seu desenvolvimento. Quando se pensa nesta civilização não seria estranho perguntar: como uma sociedade conseguiu se desenvolver em um território inóspito, ao ponto de se tornar uma das mais importantes civilizações da humanidade? Preliminarmente, cumpre adiantar que a presença do vale do rio Nilo foi um fator determinante para isso.

É sobre isso que tratará esse texto, o qual não possui como intuito apresentar informações novas ou reformular as que já são do conhecimento público acerca do tema. Na realidade, o objetivo desse texto é o de fomentar discussões sobre esse assunto e consequentemente lançar luz sobre a fascinante história de uma das civilizações mais destacadas da humanidade, a egípcia.

O Egito Antigo e suas particularidades

Cumpre salientar que, o que estamos chamando de Egito se refere ao Antigo Egito, o qual consistia em uma “estreita faixa de terra cultivada que se estendia por ambos os lados do Rio Nilo, desde o seu delta até as Cataratas de Assuã, no nordeste da África, onde começava a Núbia” (CÁCERES, 1996, p. 35).

Feito esse esclarecimento, pode-se dizer que o Egito Antigo, realmente, instiga muita curiosidade. Afinal, ele se trata do primeiro reino unificado conhecido até hoje e do único que possui uma grande riqueza documental sobre sua existência, relacionada aos aspectos políticos e culturais do seu povo. Além disso, outra característica confere particular distinção à civilização egípcia: a sua cultura. Apesar da sua longevidade, das invasões e domínios de povos estrangeiros, o povo egípcio conseguiu conservar a sua cultura, como nos diz CARDOSO (1986), preservando, desse modo, sua escrita hieroglífica, religião e estruturas socioeconômicas.  Em linha de complementaridade, CÁCERES (1996) aponta a localização geográfica do Egito como um elemento contribuinte nisso. O autor nos diz que:

Dai sua longevidade, sem que ocorressem grandes rupturas na forma de governo, na sua estrutura social, na religião e na economia. Foram quase cinco milênios de história em que, apesar das invasões estrangeiras e das crises internas, a unidade do país manteve-se (CÁCERES, 1996, p.35).

 

Mostra-se razoável reconhecer que o povoamento do Egito somente se tornou possível, por causa da existência do vale do rio Nilo. É bem verdade que essa explicação divide opiniões de estudiosos que se debruçam sobre a história desse povo. Muitos, por exemplo, não aceitam esse discurso, alegando, em sua defesa, que não seria razoável atribuir a um componente da natureza os créditos pela formação de uma das maiores civilizações da humanidade de todos os tempos. Já outros defendem que a gênese da civilização egípcia foi possibilitada pela existência do Nilo. É nessa última linha de pensamento que, esse texto se insere.

Importância do rio Nilo para o Egito Antigo

Uma frase que costuma a ser atribuída a Heródoto, historiador e viajante grego da antiguidade, diz que o Egito foi um presente do Nilo. Conforme OLIVEIRA (2002), na realidade esta frase foi proferida pela primeira vez por Hecateu de Mileto, também historiador e viajante grego, e só depois que ela foi reproduzida por Heródoto. De qualquer modo, o que nos interessa o cerne da frase e não necessariamente o seu autor. Ela, inegavelmente, destaca a importância do Nilo para o nascimento e o consequente desenvolvimento da nação egípcia. E isso, como já fora destacado, nos parece crível, sobretudo quando atentamos para o fato de que o Egito nasceu às margens do rio.

Tratar desse tema também nos imputa a necessidade de destacar o papel que outros povos tiveram no processo de constituição do Egito. Os principais foram os mesopotâmicos. Por apropriação e adaptação, os egípcios se valeram e se beneficiaram de muitas contribuições desses povos. Por exemplo, os sumérios, dentre outras contribuições, ajudaram na criação da escrita egípcia, e lhes transmitiram as técnicas de fabricação de barcos e de construção a partir do uso de tijolos.

Concernente a isso, Oliveira (2002) nos diz que “na altura do equador, encontramos a razão do país descrito por Heródoto e que divide com os vizinhos da mesopotâmia o título de berço da civilização” (OLIVEIRA, 2002, p. 185). A partir disso, percebe-se que, além de apontar como aceitável a descrição do Egito feita por Heródoto, nos diz que o Egito Antigo possuía sua localização geográfica situada nas proximidades da Mesopotâmia. Isso serve de demonstrativo da participação que os povos mesopotâmicos tiveram, direta ou indiretamente, na formação do povo egípcio.

É interessante que quando se discute sobre o surgimento do povo Egito, não raro, uma questão outra questão ganha contorno no debate: os egípcios eram brancos ou negros? Acreditamos que essa questão tem gerado inúmeras discussões, um tanto irrelevantes, muitas das quais, sabidamente, são imbuídas por interesses de cunho politico e pessoal. Afirmamos que essa discussão não possui importância, porque o Egito se situa em uma região de constantes transações populacionais. Isso por si só se constitui como um fator que favorecia o envolvimento e até mesmo a miscigenação dos povos que estabeleciam contato.

Segundo CARDOSO (1986), os povos que constituíram a civilização egípcia, no princípio da sua formação, eram caçadores, pesadores e agricultores e se organizavam em sociedades tribais. Apesar de apontar “a falência da ‘hipótese casual hidráulica’” – título do seu livro “O Egito Antigo”, publicado em 1986, o autor reconhece que a agricultura e a criação de animais no Egito somente se tornaram possíveis devido à presença do Nilo. Ainda segundo ele, em virtude da escassez das chuvas a agricultura necessitou da irrigação. E esta foi viabilizada pelas águas do Nilo.

Faz-se necessário destacar que CARDOSO (1986) se refere ao falar da falência da hipótese causal hidráulica, em seu livro supracitado, à falta de sustentação da teoria defendida por alguns estudiosos de que a unificação do Egito teria ocorrido como consequência da existência do rio Nilo e do uso da irrigação. Para eles, a “hipótese causal hidráulica” explica que a transformação do Egito em estado unificado, ocorrida por volta de 3000 a.C., teria se dado exclusivamente pelo viés da dependência da irrigação das águas do rio.

Não obstante, como afirma Cardoso (1986), não é possível afirmar que a agricultura irrigada foi a grande responsável pela unificação do Egito, haja vista que é possível que fatores como a guerra, a conquista e o militarismo atuaram também nesse processo de centralização. É evidente que isso não enfraquece a análise desse texto. Afinal, o que está sendo abordado é a importância do rio Nilo para o nascimento e o desenvolvimento da civilização egípcia, e não o papel desse rio na unificação do Egito.

Nosso argumento se mostra válido, porque de acordo com CÁCERES (1996), os povos do Antigo Oriente Próximo, região que comportava parte das terras do Egito Antigo, tinham suas vidas assentadas na prática da agricultura, que por sua vez, era possibilitada pelos rios. No caso do Egito, o rio Nilo era a fonte hídrica que tornava possível a prática da agricultura. Com isso notabiliza-se o quão vital para a civilização egípcia foi rio Nilo.

Em decorrência disso, pode-se sustentar que, o rio Nilo foi realmente importante para o nascimento e o consequente desenvolvimento dessa civilização. O Nilo era tão prestigiado no Egito Antigo, que para os egípcios o ato de sujar ou até mesmo de desviar indevidamente as águas do rio se enquadrava em um pecado muito grave e socialmente condenável, que não só deveria, mas era julgado com severidade pelas autoridades responsáveis.

O comércio egípcio foi extremamente beneficiado pelo Nilo. Comprovando isso, CARDOSO (1986), nos diz que no Egito Antigo o comércio externo foi possibilitado pelo rio Nilo, o qual facilitou o deslocamento e as transações comerciais entre os egípcios e povos da região, como por exemplo, os fenícios, com quem os egípcios comumente estabeleciam tratos comerciais. Além do mais, o artesanato egípcio deveu muito ao Nilo, haja vista que parte dos produtos artesanais produzidos eram feitos a partir de materiais retirados do rio.

Também, é possível perceber a influência da irrigação, a partir das águas do Nilo, na construção da mentalidade do povo egípcio e na elaboração das suas crenças. Destas, cabe destacar a que afirmava que existia no mundo dos mortos um tribunal da irrigação (CARDOSO, 1986). De pronto, notamos neste elemento da religiosidade do povo egípcio uma referência ao Nilo. A influência do Nilo no plano cultural, social e mental da vida dos egípcios é confirmada por Oliveira (2002), no seu texto “Egito, presente do Nilo”. Segundo ele:

Os antigos egípcios comparavam o Nilo a um gigantesco ramo de lótus: o delta sendo a flor, o oásis de Al Faiyoum o botão, o rio e o vale, o talo. É, aliás, a mesma comparação que comparece nos capitéis que encimam as colunas egípcias, antecipando as três grandes ordens da arquitetura grega. Disputando a majestade ao Nilo, as estátuas e os edifícios egípcios erguem-se da rocha às margens do maior de todos os rios (OLIVEIRA, 2002, p. 186).

Abrindo um parêntese para tratar da religião egípcia no Egito Antigo, é válido destacar que ela se institucionalizou a partir da aglomeração de organizações administrativas provinciais e era empregada como ferramenta ideológica pelo faraó para garantir a unidade no Egito. Nesse contexto, a religião também expressava a estratificação do poder na sociedade egípcia, visto que existia o culto oficial endereçado à monarquia e o culto popular que, como o próprio nome diz se destinava aos indivíduos integrados aos segmentos populares. Para mais, CARDOSO (1986), nos diz ainda que a religião egípcia estava umbilicalmente associada aos mitos funerários ou fúnebres. Por causa disso, os túmulos egípcios são as mais conhecidas fontes de estudo sobre religião desse povo.

Considerações finais

Portanto, a partir das informações que foram apresentadas, nota-se que o Egito Antigo, notadamente, é uma das civilizações mais destacadas da humanidade, por se tratar de uma sociedade repleta de riquezas materiais, culturais e históricas, que numa combinação harmoniosa, enche-nos os olhos e nos faz perceber a magnitude da civilização egípcia. Ademais, o Egito, como fora destacado, se trata de uma das civilizações mais longevas e desenvolvidas da história, fato que tem sua explicação associada, respectivamente, à sua localização geográfica e ao seu envolvimento com outros povos, notadamente, os mesopotâmicos.

Também é possível perceber que o rio Nilo desempenhou um papel fundamental na constituição do Egito Antigo, enquanto civilização. Afinal, foi a partir da utilização das suas águas que os egípcios iniciaram a prática da agricultura, atividade extremamente importante para os povos do Antigo Oriente Próximo.

Ademais, com base no que fora apresentado, pode-se, adicionalmente, concluir que o rio Nilo não foi apenas importante para a gênese e para o desenvolvimento da nação egípcia, como também para a estruturação da vida dos egípcios, influenciando sua cultura, sociedade, seu imaginário e, inclusive sua cosmovisão de mundo e da própria vida.

 

Raimundo Nonato Santos de Sousa – É acadêmico do curso de Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), campus Caxias. Atua como pesquisador-bolsista PIBIC-FAPEMA e pesquisador-colaborador UNIVERSAL-FAPEMA.

Ruan David Santos Almeida – É acadêmico do curso de Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), campus Caxias. Atua como pesquisador-bolsista PIBEX-UEMA.

REFERÊNCIAS

CARDOSO, C. F. O Egito antigo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

CÁCERES, Florival. História Geral. São Paulo: Moderna, 1996.

OLIVEIRA, João Vicente Ganzarolli de. Egito, presente do Nilo, Phoînix: Rio de Janeiro, 2002.

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