Apontamentos em Máteria de Ação Rescisória
Por Efren Fernandez Pousa Junior | 05/05/2010 | DireitoDA AÇÃO RESCISÓRIA
1. Introdução
Definição segundo Barbosa Moreira: "Ação Rescisória é a ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento a seguir, da matéria nela julgada". Porém, a singela, todavia a mais completa das definições acerca da ação rescisória foi dada pelo mestre Pontes de Miranda ao tratá-la como"o julgamento do julgamento". Disposta em nosso Código de Processo Civil a ação rescisória vem elencada nos artigos 485 a 495. É instituto também existente no direito processual da Itália, Alemanha, França, Portugal e abordado no direito Canônico.
Antes de adentrarmos especificamente no assunto impende-nos traçar algumas diferenças entre a coisa julgada material e a coisa julgada formal. A primeira trata de situação em que houve o julgamento do meritum causae, o mérito da causa, ou seja, quando tanto no processo em que foi proferida a decisão como em qualquer outro, considera-se o conflito definitivamente julgado não cabendo impugnação ou inconformidade contra a decisão ou porque esta foi examinada pelo juízo competente e deixou de ser apresentado recurso, e, portanto, por inércia, transitou em julgado; ou, ainda, porque esta já foi apreciada em todos os graus de jurisdição possíveis, inexistindo, a partir de então, na estrutura judiciária, juízo de hierarquia superior para apreciar novamente a demanda (trata-se nesta hipótese da incidência de ação rescisória clássica). Já a coisa julgada formal é aquela em que se considera certa demanda encerrada apenas e tão somente no processo em que foi apreciada (não há hipótese para ação rescisória).
A ação rescisória terá sua competência apreciada originariamente no segundo grau de jurisdição. È, portanto, demanda intentada diretamente nos tribunais de segundo grau, com exceção dos casos em que a competência cabe aos tribunais superiores STJ, STF.
São pressupostos da ação rescisória, além da decisão de mérito com trânsito em julgado, o enquadramento em qualquer das hipóteses elencadas no artigo 485 do CPC (pressupostos específicos de admissibilidade) e ainda todos os pressupostos gerais dispostos no artigo 282 do mesmo diploma legal. Admite-se, ainda que pouco defendida na prática, mas bem fundamentada pela doutrina, a hipótese de ação rescisória da ação rescisória.
Sem prejuízo dos delineamentos do art. 282 há necessidade de depósito do valor de 5% (cinco por cento) aplicados sobre o valor da causa para que se possa pleiteá-la, conforme se depreende do art. 488, inciso II e art. 490, inciso II do CPC. Em caso de sua procedência este valor retornará ao propositor; caso negativo, sem prejuízo do pagamento da sucumbência, este valor reverterá em favor do réu. Logicamente, este depósito não se aplica à Administração Pública nem aos beneficiários da Justiça Gratuita.
Quanto à sua propositura a ação rescisória esta poderá ser interposta pelas partes litigantes, por terceiros interessados no resultado da demanda ou ainda pelo Ministério Público como fiscal da lei.Vale a pena também lembrar que não cabe ação rescisória para reexame de provas já analisadas por outro juízo.
Inicialmente, em resumo: a ação rescisória ocorre para sentenças com trânsito em julgado (coisa julgada material), tem natureza constitutiva negativa, tem prazo decadencial de propositura de dois anos a contar do referido trânsito e, geralmente, é composta de dois juízos, um em que se desconstitui a coisa julgada, chamado "juízo rescindens" e outro em que se regula o caso, denominado "juízo rescisorium".
1.1. Matéria controvertida
Em havendo matéria controvertida que diz respeito à hipótese em que já há decisão com trânsito em julgado e localiza-se outra em que se decidiu situação idêntica de forma contrária. Qual a posição a se tomar, ou seja, qual das duas decisões deve ser obedecida?
Deve-se tomar como parâmetro o prazo decadencial de dois anos, de maneira que: Þ Se a segunda hipótese ofende a coisa julgada na primeira decisão, mas ainda não se tenha passado dois anos do trânsito em julgado da segunda decisão há cabimento para a ação rescisória. Porém, se dois anos já se houver passado da decisão com trânsito em julgado da segunda sentença, a doutrina se divide em duas correntes, quais sejam: 1º Corrente Þ O trânsito em julgado da sentença mais recente é o que vale, segundo o Direito Constitucional lei mais moderna revoga a mais antiga; 2º Corrente Þ O que vale é a primeira sentença, pois já havia a coisa julgada e como já havia se passado dois anos não mais existia a possibilidade da propositura da ação rescisória, de maneira que a segunda nem chega a se formar ou, no mínimo, ofendeu a coisa julgada na primeira, sendo inconstitucional.
2. Ação Rescisória X Recursos
A ação rescisória não se confunde com os recursos em espécie elencados pela Lei Adjetiva Civil, vez que aquela tem o objetivo de atacar a coisa julgada material, desferindo-lhe um ataque na busca da invalidação da sentença, estes caberão contra a decisão emanada de Juízo ou Tribunal.
Decisão Nula x Ação Rescisória
Quando se analisam as possíveis infrações à lei, que poderiam dar origem à rescisória, percebe-se que se trata de uma só espécie de fenômeno que enseja a sua origem. Tal fenômeno é o da nulidade absoluta.Caso haja, por exemplo, mera nulidade de citação, não há possibilidade de rescisória, conforme Resp - Recurso Especial 7556 em RO, terceira turma do STJ, relator ministro Eduardo Ribeiro. "Nula a citação, não se constitui a relação processual e a sentença não transita em julgado, podendo, a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso". Portanto, intentada a ação rescisória, não será possível julgá-la procedente, por não ser caso de rescisão. Deverá ser, não obstante, declarada a nulidade do processo a partir do momento em que se verificar o vício.
3. O artigo 485 CPC e o seu inciso V
O caput do dispositivo define a incidência do princípio da taxatividade como aquele aplicável às hipóteses de cabimento da ação rescisória. Assim, os fundamentos para a propositura da demanda de invalidade de sentença passada em julgado se constituem em número determinado de casos, não admitindo ampliação analógica, haja vista tratar-se de rol taxativo e não meramente enunciativo.
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser reincidida quando:
...
V. violar literal disposição de lei;
Trata-se de hipótese em que o CPC autoriza que a sentença seja rescindida quando tenha sido proferida violando literal disposição de lei. A discussão doutrinária, porém diz respeito se é a sentença que violou literal disposição de lei ou se houve violação a disposição literal de lei no processo, ou ainda se a lei violada tem de ser material ou pode ser processual?
É claro, em nosso entendimento que não é a sentença, em si mesma, que tem necessariamente de ter violado a lei para ser alvo de ação rescisória. Basta que tenha havido violação a literal disposição de lei durante o curso do processo e é claro que tanto faz a natureza da lei que tenha sido violada processual ou material.
Problema maior, porém, diz respeito à qualidade literal. Deve-se tratar, portanto de uma lei que dê origem a uma interpretação só, ou pelo menos a uma interpretação predominantemente aceita. De modo que se há violação de uma lei que tenha sido objeto de mais de uma interpretação aceitável, essa sentença não pode ser objeto de ação rescisória. Caso se trate de uma lei cuja interpretação era controvertida no âmbito dos tribunais, à época da prolação da decisão, não se pode intentar rescisória.
Surge então a súmula 343 do STF, cujo enunciado segue-seipsis litteris: "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". Porém, não incidirá a súmula 343 do STF se na época em que foi proferida a decisão rescindenda não havia divergência de interpretação em torno da questão em litígio.
Concluímos que, se ao tempo em que foi prolatada a decisão rescindenda era controvertida a interpretação do texto legal por ela aplicada não se configura a violação literal ao dispositivo de lei para justificar sua rescisão (485, inc. V), ainda que a jurisprudência do STF venha, posteriormente, afixar-se em sentido contrário (orientação da súmula 343). Ainda comentando a dita súmula o professor Francisco Rezek se manifesta: "O pedido rescisório não é meio idôneo para a nova abordagem interpretativa de prescrições legais a cujo respeito a jurisprudência não seja unívoca".
Cabe, ainda, ponderar que a violação de literal disposição de lei prevista no artigo 485, inciso V do CPC poderá ocorrer também, quando o julgado rescindendo relegar ao desprezo o fundamento jurídico do pedido, sobrepondo-lhe norma estranha à causa e de aplicação inviável. Nesse inciso, se encaixam tanto as infrações à lei material, quanto às infrações à lei processual, desde que se consistam em nulidades e não anulabilidades. Portanto, a ação rescisória poderá ser intentada quando contrariar sentença com o trânsito em julgado ou contra qualquer texto legal (Lei ordinária federal, estadual, municipal, etc) que contrariar outra lei.
Cabe, por fim, lembrar que o art. 489 do Código de Processo Civil teve sua redação alterada em 16 de fevereiro de 2006 pela Lei 11.280, passando assim a ser redigida: Art. 489. O ajuizamento da ação rescisória não impede o cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou antecipatória de tutela".
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