APLICAÇÃO E EFICÁCIA DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
Por Maria Paula Fernandes | 07/12/2009 | DireitoO presente estudo aborda o Regime Disciplinar Diferenciado, que foi instituído após a megarrebelião ocorrida em diversos estabelecimentos prisionais no estado de São Paulo, no ano de 2001, ocasião em que a debilidade do sistema prisional foi publicamente exposta pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Palavras-Chaves: Regime Disciplinar Diferenciado. Presídios. Crime organizado. Presos. Segregar. Eficácia.
1. INTRODUÇÃO
O Regime Disciplinar Diferenciado constituiu-se como um instrumento de manutenção da ordem e da disciplina nos presídios, mas também como uma inegável reação do Poder Público ao crime organizado, com vistas a destruir os vínculos entre os presos integrantes de organizações criminosas, dentro e fora dos presídios, a fim de impedir-se a formulação de novas rebeliões e ataques coordenados.
O objetivo central desta pesquisa é contribuir para a compreensão do instituto do Regime Disciplinar Diferenciado e de suas características, bem como das disposições previstas na Constituição Federal aplicáveis aos presos, nelas abrangidos os direitos e garantias fundamentais e os princípios penais e processuais expressos e implícitos.
Serão abordados os temas concernentes à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à presunção de inocência, à anterioridade da lei e legalidade da pena, ao devido processo legal, à individualização da pena, à proporcionalidade e à ofensividade.
O estudo acerca da aplicação dos preceitos constitucionais no procedimento de inserção do preso no Regime Disciplinar Diferenciado é relevante, sobretudo diante das fortes manifestações da doutrina contemporânea pela inconstitucionalidade do instituto.
A presente pesquisa visa esclarecer se o Regime Disciplinar Diferenciado atende aos devidos preceitos constitucionais concernentes aos indivíduos que se encontram sob o regime prisional, e se o instituto é medida necessária e eficaz para o fim a que se destina.
Serão aduzidas razões por que o Regime Disciplinar Diferenciado é alvo de críticas, na medida em que é considerado um produto da teoria do Direito Penal do Inimigo, segundo a qual considera-se a pessoa do autor do delito, e não o fato concreto, estabelecendo-se um direito penal do Autor em detrimento do direito penal do Ato.
Também serão trazidas a lume considerações de que, por meio do Regime Disciplinar Diferenciado, afirma-se a tendência a um direito penal máximo repressivista, que refuta o primado de ressocialização do preso, anteriormente anunciado pela Lei de Execução Penal, endurecendo-se, sem razão, a execução penal.
Por fim, serão abordadas as considerações sobre ser o Regime Disciplinar Diferenciado um instituto de caráter simbólico e emergencial, criado com vistas a satisfazer a opinião pública, diante das pressões sensacionalistas da mídia, mostrando-se como uma resposta positiva do Poder Público ao clamor da sociedade, ainda que não vislumbrados resultados concretos.
2. A ORIGEM DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
2.1 A instituição do Regime Disciplinar Diferenciado no Brasil
Desde a instituição dos estabelecimentos prisionais, jamais houve a devida estruturação física e organizacional que pudesse atender à população carcerária de maneira humana e eficiente.[1] A dificuldade do Estado em cumprir suas funções constitucionais, notadamente no que diz respeito à segurança pública, vem de longa data, apesar de, na atualidade, a falência do sistema prisional brasileiro se mostrar com mais evidência.
Segundo Roberto Porto,[2] "dos 336.358 presos existentes no país, 262.710 cumprem pena em penitenciárias sob condições precárias". De acordo com o autor, durante anos o Estado não aplicou investimentos no sistema prisional, pois se acreditava que "o problema carcerário estaria restrito às muralhas dos presídios".
Sobre a debilidade do sistema carcerário, que impulsionou fortemente o crescimento das organizações criminosas, explica o referido autor:[3]
A omissão do Estado propiciou a falência das técnicas penitenciárias aplicadas no Brasil e, conseqüentemente, a perda do controle sobre a população carcerária. Durante anos, o Estado brasileiro deixou de exercer o controle sobre os sentenciados. Tomemos como exemplo a já extinta Casa de Detenção de São Paulo, estabelecimento criado para abrigar 3.250 presos. Durante muitos anos, a Casa de Detenção de São Paulo chegou a hospedar mais de 8 mil homens, recorde mundial de detentos em um único estabelecimento, sem que houvesse por parte da Diretoria do estabelecimento qualquer controle sobre o que se passava no interior do presídio.
Por óbvio, esta omissão propiciou o crescimento e a organização de facções criminosas. Somem-se a isso os maus-tratos sofridos pelos sentenciados, muitas vezes espancados e humilhados sem qualquer justificativa.
(...)
O fato é que este cenário de omissão, abandono e maus-tratos nos traz a exata compreensão da formação destas facções criminosas, em que pessoas se reúnem em grupo funcionando como uma unidade, centrados numa liderança pessoal e em idéias colocadas como promessa, esperança e autopreservação. Neste quadro, a hostilidade e o medo são as emoções predominantes. Portanto, 'o grupo se reúne para lutar contra alguma coisa ou para fugir dela, criando um inimigo e depositando nele seus sentimentos hostis. Parece indiscutível que o pressuposto básico predominante na formação das facções criminosas é o de luta-fuga', cujo inimigo é o sistema prisional.
Assim, o crime organizado é, em certo sentido, diretamente decorrente das pressões oriundas do sistema carcerário. No interior dos presídios, com a agregação dos mais diversos tipos de infratores, com variados níveis de criminalidade e violência, e onde a superlotação é o fator mais marcante, a manutenção da ordem interna em muitos casos foi delegada aos próprios prisioneiros, pela conivência das direções dos presídios. Assim informa Roberto Porto,[4] citando Renato Laércio Talli:
Segundo Renato Laércio Talli, em seu livro À sombra do medo, quando o Juiz Corregedor dos Presídios de Avaré, no ano de 1996, com o objetivo de conhecer o perfil da massa carcerária solicitou à Diretoria do presídio a presença dos presos mais antigos e, em conversa informal, demonstrou a eles que deveriam pautar a vida carcerária na disciplina e na ordem, colaborando com a administração e, em conseqüência, seriam atendidos em seus pedidos de benefícios. Estes presos passaram então a impor aos seus pares a disciplina e a ordem, sendo castigados aqueles que infringissem as imposições emanadas. Estes líderes denominaram-se Comissão Democrática de Liberdade.
Com a decrepitude do sistema como pano de fundo, organizações criminosas utilizam como pretexto a difícil realidade penitenciária para a prática de atos que atraiam a atenção do poder público sobre si, promovendo ações coordenadas dentro e fora dos presídios, na forma de diversas rebeliões de grande porte e atentados à segurança da população.
A atuação dos grupos criminosos dentro dos presídios mostrou-se mais intensamente a partir do ano de 2001, ocasião em que líderes de facções criminosas demonstraram o comando por eles exercido fora dos limites da prisão, conforme Percival de Souza:[5]
A instalação do crime organizado dentro da prisão é a primeira grande novidade penitenciária do século XXI. Se o Primeiro Comando da Capital foi fundado em 1993, o fato é que sua primeira grande demonstração de organização aconteceu com rebeliões simultâneas em 2001. Até então, os presídios poderiam ser, no máximo, fontes de informação para o esclarecimento de determinados casos, fora das prisões. Comandar o crime, é a primeira vez.
Os presos comuns acabam por sujeitar-se àqueles mais temidos, formando-se uma hierarquia entre os próprios presos, sobretudo quando os presos que assumiram posição de liderança saem em defesa dos direitos dos demais, granjeando-lhes o respeito e a fidelidade, como no caso de Marcos Willians Herbas Camacho, o "Marcola", líder do Primeiro Comando da Capital - PCC, ao defender o direito de os presos receberem visitas no Dia das Mães. Esse direito, uma vez retirado, serviu como justificativa para uma grande onda de ataques no Estado de São Paulo, por parte do crime organizado, em 2006.
As organizações criminosas atuantes no sistema prisional existem por todo o país, sendo um dos maiores expoentes o Primeiro Comando da Capital (PCC), originária do Estado de São Paulo, que atualmente planeja passar a denominar-se "Partido da Comunidade Carcerária".[6] O PCC é responsável pela maior onda de rebeliões em presídios e ataques coordenados à população no país. É seu objetivo "revolucionar o país de dentro das prisões", em coligação com o Comando Vermelho (CV), organização originária do Rio de Janeiro, que se caracteriza pela inspiração nas "organizações de esquerda da luta armada, inclusive nas táticas de guerrilha urbana".[7]
A necessidade de manutenção da ordem e da disciplina no interior dos estabelecimentos prisionais, o aumento da insegurança provocada pelo crime organizado, e a inegável capacidade dos líderes desses grupos continuarem a ditar ordens aos seus subordinados, controlando-os mesmo de dentro dos presídios, dentre outros fatores, levaram ao estabelecimento do Regime Disciplinar Diferenciado, instituído, a princípio, apenas no Estado de São Paulo, por meio de Resolução da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP – 26, de 04/05/2001). Posteriormente, com a promulgação da Lei n° 10.792/2003, modificou-se o artigo 52 da Lei de Execução Penal - LEP, o que possibilitou a aplicação do RDD em todo o território nacional.
O RDD visa o segregamento de presos, condenados ou mesmo provisórios, em caso de ocorrência de qualquer das situações previstas na LEP, de forma a assegurar a ordem e segurança nos estabelecimentos prisionais e da sociedade, e o isolamento de presos suspeitos de envolvimento em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos, a fim de que sejam rompidos os respectivos vínculos, impedindo-se a formulação de rebeliões e ataques coordenados.
2.2 O Regime Disciplinar Diferenciado como Produto do Direito Penal do Inimigo
O RDD é considerado oriundo da Teoria do Direito Penal do Inimigo, desenvolvida pelo doutrinador alemão Günther Jakobs, e que se caracteriza, basicamente, pela separação dos criminosos em dois grupos distintos – de um lado o cidadão que, tendo cometido um crime, ainda oferece garantias de que será capaz de manter-se fiel ao Direito, não tendo por princípios delinqüir, e do outro lado, o inimigo. A este último, deve ser negado o status de pessoa, cabendo ao Estado não reconhecer-lhe direitos.
Josélia Cristina F. da Silva,[8] em artigo de sua autoria, apresenta a caracterização do inimigo segundo Jakobs:
O inimigo não é pessoa, é um indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa, ou seja, o inimigo é uma não-pessoa e como tal, não é um sujeito processual, logo, não poderá aproveitar-se dos direitos processuais, nem mesmo os constitucionais, como exemplo, o de comunicar-se com seu advogado. O papel do Estado é o de não-reconhecimento de seus direitos, contra o inimigo não se justifica um procedimento penal, legal, e sim, um procedimento de guerra. Uma vez que como indivíduo não oferece segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não deverá, portanto, ser tratado como pessoa e menos ainda esperar que o Estado venha a lhe dar esse tratamento. Pois agindo dessa forma, o Estado estaria vulnerando o direito à segurança das demais pessoas.
O inimigo se conduz de modo desviado por princípio, não oferecendo garantia de um comportamento pessoal e, portanto, não pode ser tratado como cidadão, antes, deve ser combatido como inimigo. Assim, "é inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma".[9] Na categoria de inimigo devem ser abrangidos os criminosos econômicos, os terroristas, os delinqüentes organizados, os autores de delitos sexuais e de outras infrações penais consideradas perigosas.
O inimigo, conforme tal teoria, deve ser mantido sob coação do Estado, aplicando-se a ele medida de segurança ao invés de pena. A pena é direcionada como ameaça somente ao cidadão; o inimigo é excluído.[10]
Para a aplicação da medida, deve-se considerar a periculosidade do inimigo, e não sua culpabilidade, pois o que se aplica é um Direito Penal do Autor e não um Direito Penal do Ato, preterindo-se o que o agente fez ou omitiu, pelo que ele é, por suas características, registros e personalidade.[11] Dessa forma, o foco será sempre o futuro - o que o agente poderia vir a fazer, e não o passado - o que o agente, de fato, fez, antecipando-se a tutela penal para alcançar atos preparatórios, pois o objetivo preponderante do Direito Penal do Inimigo é combater possíveis perigos.[12]
Nesse caso, a pena é voltada para a prevenção de delitos, ainda que não tenha ocorrido lesão real a um bem juridicamente protegido. Nesse contexto, Rafael Braude Canterji,[13] remete à teoria de Jakobs:
Por derradeiro, cria o autor uma 'nova' função para pena: a prevenção antecipada. Em outros termos, poder-se-ia afirmar que essa é uma nova modalidade de prevenção especial negativa. Até então, as modalidades de prevenção do crime tinham na origem da intervenção estatal uma conduta delituosa. Para Günther Jakobs, é desnecessário aguardar a ação do agente e a lesão a algum bem jurídico dos cidadãos. Neste sentido, o Estado deve antecipar-se, agindo contra o inimigo desde o planejamento das futuras condutas delituosas. Acaba-se, aqui, com o princípio da lesividade, bem como se adota, nitidamente, o ideal do chamado Direito Penal do Autor em detrimento do Direito Penal do Ato.
Algumas das implicações trazidas pela teoria do Direito Penal do Inimigo, conforme Luiz Flávio Gomes,[14] são a flexibilização do princípio da legalidade, uma vez que não há descrição exata da conduta praticada e da pena a ser imposta; inobservância dos princípios da ofensividade, da exteriorização do fato e da imputação objetiva; aumento desproporcional das penas; criação de delitos sem bens jurídicos definidos; endurecimento injustificado da execução penal; antecipação exagerada da tutela penal; retirada de direitos e garantias processuais fundamentais, dentre outras.
É possível verificar a ocorrência de tais fatores na aplicação do RDD. Como assevera Rômulo de Andrade Moreira,[15] fere-se o princípio da legalidade quando se permite a colocação de presos sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de que integre organização criminosa sob o regime diferenciado sem que sequer exista definição legal para o que seja "organização criminosa". Também a própria expressão "fundadas suspeitas" fere a presunção constitucional da não-culpabilidade. Observa-se ainda a possibilidade de inclusão no RDD de preso provisório, ou seja, ainda não condenado e, como tal, não considerado culpado segundo a Carta Magna.
A opção pela linha de pensamento de Jakobs conduz ao risco de que se percam as conquistas da democracia concernentes a direitos fundamentais e a princípios constitucionais, como alerta Paulo Busato:[16]
A adoção desta perspectiva seria equivalente a institucionalizar a diferença de tratamento entre o 'cidadão' e o 'inimigo'. De um lado, reduzindo a nada a pouca efetividade prática que até hoje se conseguiu para o princípio da igualdade, e por outro, legitimando o Estado a escolher o perfil dos 'inimigos' de plantão. Aparece a sinistra possibilidade de dizer se a classificação como 'inimigo' deriva de sua condição de terrorista, de membro de uma quadrilha criminosa, de sua preferência religiosa, de sua raça ou sua condição social, quaisquer das condições que possam convertê-lo em um 'estranho à comunidade'.
O aludido professor[17] confirma a forte influência da teoria de Jakobs sobre o RDD, visto que a diferenciação entre cidadãos e inimigos, segundo o doutrinador alemão, deve alcançar todos os âmbitos que dizem respeito ao delito, inclusive a fase da Execução Penal:
Jakobs defende a possibilidade de tratar de maneira distinta 'cidadãos' e 'inimigos' em todos os sistemas de controle associados à realização de um delito, quer dizer, tanto no Direito penal, quanto no Processo penal, e inclusive no âmbito da Execução penal, como é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado. Para ele 'um direito penal do inimigo claramente delimitado é menos perigoso, desde a perspectiva de um Estado de Direito, do que aquele que mescla o Direito penal com fragmentos de regulações próprias do Direito penal do inimigo'.
A instituição do RDD, pautada na teoria de Jakobs, possui "raízes que vão muito além da intenção de controlar a disciplina do cárcere"[18] e implica a violação de direitos fundamentais do preso.
3. A SISTEMÁTICA DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
De acordo com o disposto na Lei n. 10.792/03, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), tanto presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, podem estar sujeitos ao RDD. Assim dispõe o artigo 52 da LEP:[19]
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II – recolhimento em cela individual;
III – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV – o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1° O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2° Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
De acordo com o diploma citado, o preso poderá ser incluído no referido regime em três hipóteses. A primeira delas prevê a possibilidade de colocação do preso sob o regime disciplinar caso este cometa crime doloso, que constitui falta grave, quando o mesmo ocasionar subversão da ordem ou disciplina interna. Neste caso, há uma correspondência entre a falta praticada pelo sentenciado e a sanção de isolamento aplicada, pois a mesma decorre de um comportamento concreto do agente.
Por essa razão, segundo Luiz Flávio Gomes,[20] essa primeira hipótese seria, a princípio, constitucional, pois a sanção se funda sobre o direito penal do fato, contanto que o juiz fixe o prazo do regime de forma razoável, respeitando o limite original de trinta dias, previsto no art. 58 da LEP e desde que seja sempre analisada a gravidade da infração cometida concretamente. Do contrário, haveria violação da dignidade humana.
A segunda hipótese de inclusão no RDD é de possibilidade de inclusão no RDD de presos identificados como de alto risco, também conhecidos como presos perigosos. O problema com relação a tal dispositivo é o subjetivismo utilizado na definição da hipótese, já que inexiste conceituação do que configure o alto risco apresentado pelo preso. Tal inexatidão oferece larga margem para determinação da sanção pela administração penitenciária.
Por último, trata o supracitado dispositivo da sujeição de preso sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento em organizações criminosas. Este dispositivo conduz a uma intensa corrente de discussão, em virtude da possibilidade de se aplicar uma sanção com base em suspeitas e não em fatos. Conforme Luiz Flávio Gomes:[21] "Nenhum ser humano pode sofrer tanta aflição por suspeitas. Viola o princípio da presunção de inocência agravar as condições de cumprimento de uma pena em razão de suposições ou suspeitas". Para o referido autor, se o agente integrar, de fato, organização criminosa, será julgado em processo próprio, aplicando-se a ele a respectiva sanção; se adicionada outra, a do RDD, pelo mesmo fato, caracteriza-se bis in idem.
Outra problemática encontrada nos §§ 1° e 2°, acima citados, é a possibilidade de inclusão no RDD de preso provisório, ainda não sentenciado e que, portanto, não deveria ser considerado culpado, conforme preceitua a Constituição Federal.
A colocação do preso sob o regime diferenciado deverá ser requerida pela autoridade administrativa, sendo necessária autorização judicial, assegurada manifestação do Ministério Público e da defesa, conforme preceituam os parágrafos 1° e 2° do art. 54 da Lei 10.792/2003:[22]
Art. 54 ...............................................................................................
§1° A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.
§ 2° A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias.
O Ministério Público também é parte legítima para requerer a aplicação do RDD, conforme interpretação extensiva feita no artigo 54, § 1° da LEP, interpretando-se sistematicamente[23] o art. 68, II, alínea "a", que declara: "Art. 68. Incumbe, ainda, ao Ministério Público: II – requerer: a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo".
O RDD é apontado como violador dos direitos fundamentais do preso e um atentado à perspectiva reabilitadora que a Lei de Execução Penal procuraria alcançar, pois afasta dos presos a possibilidade de integração social, ao submetê-los ao isolamento contínuo. O objetivo socializador da execução penal é declarado no art. 1° do referido diploma, segundo o qual "a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado".
Acerca das novas disposições da LEP com relação à apuração das faltas praticadas (e não praticadas) pelos presos e à sanção aplicada, observam Salo de Carvalho e Christiane Russomano Freire:[24]
As sanções previstas no art. 52 da LEP resultam aplicadas em Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), regulada e taxativamente disposta (sic) no estatuto penitenciário. Antes da vigência da Lei 10.792/03, a sanção disciplinar imposta à falta grave constituía na suspensão de direitos e isolamento na própria cela (art. 57, parágrafo único), não podendo ultrapassar 30 dias (art. 58). Com a nova Lei, ao art. 53 foi incluído inciso no qual se prevê a inclusão do 'preso perigoso' em RDD independente da apreciação formal de falta, ou seja, mesmo sem a prática de falta grave apurada no procedimento administrativo e posteriormente homologada pelo juiz, se o apenado apresentar as condições previstas nos parágrafos 1° e 2° do art. 52, há possibilidade de ingresso no novo regime de pena – v.g. no caso de apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade (art. 52, § 1°) e quando recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, § 2°).
Outrossim, foi redesenhado o art. 58, excepcionando-se a regra dos 30 dias como lapso temporal máximo para isolamento celular. Sancionado o preso por falta grave ou sendo-lhe atribuído o rótulo de 'perigoso', poderá ser submetido ao RDD (...)
Por isso, tem-se considerado o RDD um instrumento de direito penal máximo, que suplanta a ressocialização do preso como prioridade almejada pela LEP e conflita com a determinação de "oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social",[25] conforme a Exposição de Motivos à LEP.
4. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO E EFICÁCIA DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
Embora a doutrina contemporânea, em sua maioria, concorde que o RDD é um instituto inconstitucional que deve ser rechaçado, por outro lado existem aqueles que entendem ser a medida indispensável no combate à criminalidade.
Tal posicionamento é justificado por Roberto Porto,[26] Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, participante do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), citando, para tanto, as palavras de Gilmar Bartollo, também Promotor de Justiça:
Os denominados regimes disciplinares não devem ser entendidos como uma forma de sancionamento, mas sim como um conjunto de regras aplicáveis a indivíduos cuja conduta criminosa contumaz e reiterada, além da liderança exercida após o encarceramento, exigem tratamento penal diferenciado do atribuído aos demais presos. Consistem no exercício de um maior controle por parte do Estado. Não podem suprimir direitos, o que os tornaria inconstitucionais ou ilegais, mas podem disciplinar o exercício dos direitos previstos, tornado-o compatível com o perigo social representado pelo preso que a ele deve submeter-se. Sua implementação supre, em parte, omissão histórica do Estado no atendimento aos princípios da igualdade e da individualização na execução da pena privativa de liberdade.
Segundo Roberto Porto, o mero aumento das penas não contribui para a redução da criminalidade, sendo necessário que se afirmem os comandos da sentença condenatória, tornando-os concretos. E, para isso, "é preciso que sepermita atribuir regras diferentes para indivíduos com potencial ofensivo diferenciado, sob pena de se perder a eficácia das penas aplicadas".[27]
Neste caso, a aplicação de tratamento diferenciado se justificaria, precisamente, na individualização da pena, que é reflexo do princípio da igualdade, segundo o qual indivíduos diferentes devem ser tratados na medida de suas desigualdades,[28] em clara contradição à doutrina majoritária.
Acerca da constitucionalidade da medida, posiciona-se favoravelmente Fernando Capez:[29]
Quanto a tratar-se o Regime Disciplinar Diferenciado de medida constitucional, entendo que sim, porquanto não existem garantias constitucionais absolutas, as quais devem se harmonizar com os interesses da coletividade, formando um sistema equilibrado. É o princípio da convivência das liberdades públicas. Indaga-se: Enquanto criminosos dentro do presídio arquitetam verdadeiros atos de terrorismo contra a população, a sua contenção dentro do RDD implicaria violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes? O que é mais cruel ou degradante: restringir algumas regalias do prisioneiro, como banho de sol e visitas, ou deixar toda uma população acuada, e que agentes penitenciários e policiais sejam brutalmente assassinados? O bem maior deve ceder em face do bem menor. Ora, o que atenta mais contra o princípio da dignidade da pessoa humana? O recrudescimento das medidas contra os presos é uma necessidade que encontra respaldo no ordenamento legal. O Poder Público tem a obrigação de tomar medidas, nos âmbitos legislativo e estrutural, capazes de garantir a ordem constitucional e o Estado democrático de direito. Nessa esteira, o art. 5º, caput, da Carta de 1988 garante a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e o seu inciso XLIV considera imprescritíveis as ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.
O foco do RDD encontra-se, conforme a ótica dos que são favoráveis à sua aplicação, notadamente voltado para resultados práticos a curto prazo, mediante o uso de medidas repressivistas "contundentes e rápidas" para atingir os fins almejados.
Roberto Porto,[30] defendendo a eficácia da medida, descreve os resultados alcançados pela introdução do RDD no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes:
O sucesso deste modelo prisional pode ser aferido estatisticamente. Durante os mais de quatro anos de funcionamento do Regime Disciplinar Diferenciado implementado no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, nenhuma fuga foi registrada. Não há qualquer registro de rebeliões ou mortes provocadas pelos detentos. Também não há registro de espancamentos de presos ou maus tratos por parte da Administração.
O autor defende a aferição estatística do sucesso do RDD, entretanto, apresenta apenas o CRP de Presidente Bernardes como parâmetro. Ressalte-se, porém, que o estabelecimento prisional de Presidente Bernardes foi inaugurado em 2002, para acolher apenas 160 presos no RDD e, portanto, não seria esperado que ali já ocorressem fugas, mortes e rebeliões, características dos presídios superlotados e em funcionamento há mais tempo. Além disso, o fato de não haver registro de espancamentos e maus-tratos aos presos não significa que o instituto funcione, apenas sinaliza que naquela prisão, especificamente, há um tratamento correto dos prisioneiros, que deveria ser comum em todos os estabelecimentos prisionais.
A eficácia do RDD é negada por Camila Caldeira Nunes Dias,[31] para quem o RDD representa uma dissimulação do Estado, uma medida criada para impedir a visibilidade pública do poder de facções criminosas (especificamente do PCC), para preservação da imagem do Poder Público. Em pesquisa de campo por ela realizada, foi constatada a existência de um arranjo tácito entre o poder formal do Estado e o poder informal das organizações criminosas:
(...) diretores de unidades prisionais estabelecem uma diferenciação entre lideranças "comuns", existentes em todo agrupamento humano, e lideranças perniciosas ou negativas, as quais seriam os alvos das transferências. Para eles, as lideranças negativas seriam aquelas que se mostrassem de forma muito evidente, clara, inequívoca; aqueles que fizessem questão de serem percebidos enquanto tal, e, assim, estivessem afrontando o poder público diretamente, se apresentando como instância decisória fundamental dentro da prisão. Na verdade, o que está implícito nesta estratégia dos diretores, é um acordo tácito entre administração e as lideranças da massa carcerária, a partir do qual se definem os limites do exercício do poder informal pela facção, mas sem que esse exercício do poder provoque a desmoralização da autoridade formal. Trata-se de um arranjo para permitir que as lideranças exerçam seu poder, mas de forma menos visível, para transmitir a aparência – em especial, para quem vem de fora – de que esse poder é exercido pela administração.
Além de não representar uma medida eficaz para desarticular as organizações criminosas, a transferência do líder para o RDD também serviria para afirmar seu valor perante os demais presos, "o que lhe confere ainda mais legitimidade para ocupar a posição de líder de uma organização que se pauta justamente pela oposição às normas oficiais".[32]
Confirmando este posicionamento, Fernando Salla[33] assevera:
Se, de um lado, este regime expõe uma dimensão repressiva, de outro, também produz novos elementos de poder e status. A passagem de presos por estes estabelecimentos de regime severo os investe de maior respeito e prestígio junto à massa carcerária, empoderando ainda mais as lideranças do crime organizado.
5. CRÍTICAS AO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
Pode-se dizer que a instituição do RDD é influenciada pela vitimização e infantilismo da sociedade. Parafraseando Gerber,[34] quando a existência do Direito é condicionada à sua agressão, cada parcela da sociedade entende que, para estar sob o manto deste, para receber a proteção, é preciso demonstrar um dano, uma "quebra do mesmo". Inicia-se, então, "uma cadeia indissolúvel de desresponsabilização", uma vez que a sociedade, a começar por seus dirigentes, passa a atuar como vítima, negando sua parcela de responsabilidade e atribuindo ao lado "mau" da sociedade as culpas pelos seus problemas. Por outro lado, a sociedade atual também sofre de infantilismo, ansiando por satisfação imediata e buscando, "às custas de eliminar a reflexão, uma resposta imediata para qualquer espécie de problema que passe a enfrentar".
Então, criam-se "legislações próprias de emergência, que visam 'acalmar' a população ou 'conter' um determinado tipo de criminalidade",[35] que tragam segurança ao imaginário popular, ainda que não alcancem a raiz do problema e colidam com direitos e princípios desenvolvidos ao longo de séculos.
Nesse contexto, o RDD foi criado como uma forma de resposta simbólica do Estado à sociedade que, sobretudo por meio da mídia, pressiona por maior repressão ao aumento da criminalidade.
Assim alerta Paulo César Busato:[36]
Em resumo: é necessário centrar a atenção no fato de que legislações de matizes como os da Lei 10.792/03 correspondem por um lado a uma Política Criminal expansionista, simbólica e equivocada e por outro, a um esquema dogmático pouco preocupado com a preservação dos direitos e garantias fundamentais do homem. Por isso, há a necessidade de cuidar-se com relação aos perigos que vêm tanto de um quanto de outro.
Esse fenômeno ocorre, justamente, porque tem-se utilizado o direito penal como paliativo para as demais necessidades não atendidas pelo Estado, como esclarece André Luís Callegari:[37]
Há uma idéia generalizada de que o direito penal pode cumprir determinadas funções que deveriam ser destinadas a outros ramos do ordenamento jurídico, porém, como o Estado é ineficiente para a resolução de determinados problemas sociais, sempre se vale do instrumento ameaçador que constitui o direito penal (...)
Desse modo, o direito penal se transforma em um instrumento, ao mesmo tempo, repressivo (com o aumento da população carcerária e a elevação qualitativa e quantitativa do nível da pena) e simbólico (com o recurso a leis-manifesto, através do qual a classe política reage à acusação de 'afrouxamento' do sistema penal por parte da opinião pública, reação esta que evoca uma sorte de direito penal mágico, cuja principal função parece ser o exorcismo).
Assim, a classe política, na ânsia de oferecer uma resposta punitiva imediata, que demonstre à sociedade seu empenho em cumprir prontamente seus deveres, instaura um regime de disciplina (RDD) que viola garantias fundamentais, em função de atrair uma publicidade positiva sobre si. Conforme Callegari,[38]
(...) o passo seguinte só poderia redundar na expansão do Direito Penal, com a criminalização de estágios prévios ao início do delito, de criação de novos tipos penais, de supressão de garantias processuais, tudo em nome da eficiência do Direito Penal como resposta eficaz ao descontrole da sociedade, que, na realidade, se traduz no descontrole do Estado.
Essas considerações também se refletem na hora da aplicação da pena, pois, em nome da eficiência e resposta aos supostos conflitos sociais existentes, o que importa é o caráter publicitário da pena, desconsiderando-se a sua real necessidade, o que se traduz em proporcionalidade com o fato cometido e com a ofensa ao bem jurídico protegido.
Os limites impostos pelo Estado de Direito devem ser respeitados em todo tempo, não devendo ser restringidos direitos e garantias inopinadamente em razão de situações emergenciais, como ensina Winfried Hassemer:[39]
nenhum novo recrudescimento dos limites aos direitos fundamentais pode ser decidido, antes que não se tenha certificado, seguramente, das conseqüências desejáveis e das conseqüências indesejáveis dessas medidas, as quais foram anteriormente introduzidas com o mesmo objetivo. Uma política de segurança interna orientada pelo princípio da proporcionalidade não pode produzir recrudescimentos jurídicos em lote.
Neste sentido, o referido autor[40] elenca, de maneira exemplificativa, determinadas regras que devem ser observadas no combate de toda e qualquer criminalidade, inclusive a organizada. Ressalta-se a primeira delas, que diz respeito à manutenção dos princípios jurídicos em todos os momentos:
a) Também nos tempos da ameaça flagrante à segurança interna, nós precisamos de esferas rígidas, de ponderação e indisponíveis da liberdade dos cidadãos. Uma cultura jurídica se demonstra nos princípios, cuja lesão ela não quer permitir, mesmo quando essa violação prometa um ganho inestimável. A esses princípios pertence, por exemplo, a decisibilidade de não se torturar suspeitos, mesmo se, por esse caminho, se possa salvar a vida de um refém inocente. Pertence também ao respectivo cerne dos direitos fundamentais a proteção da esfera domiciliar das pessoas suspeitas ante à investigação ('grande intervenção de escuta') ou à renúncia sobre um confisco de propriedade independente do ato, realizado por mera suspeita (grifou-se).
A mera utilização de legislação penal repressivista, com um conseqüente aumento das penas, minimização de garantias e criminalização de condutas não possui o condão de combater a criminalidade, cujos índices crescem gradualmente.[41]
Para se combater a criminalidade, são necessários investimentos adequados em políticas sociais, a longo prazo. Entretanto, como lembra David Garland,[42] atualmente a questão da criminalidade não é prioritária, pois o Estado "está mais inclinado a recuar para estratégias punitivas (mais fáceis de serem enunciadas) do que a sacrificar os objetivos econômicos ou sociais em proveito da repressão criminal".
6. CONCLUSÃO
A aplicação do RDD, implica a flexibilização de relevantes disposições constitucionais, negando-se sua aplicação ou sendo ela insuficiente. Há violação da proibição de tratamento cruel, desumano ou degradante, ao se estabelecer o isolamento com período de duração excessiva, pondo-se risco a saúde – sobretudo mental – do preso.Falta descrição clara da conduta praticada para inclusão no regime, sendo utilizados termos vagos e imprecisos, com alto grau de subjetividade, que limitam o exercício da ampla defesa e do contraditório. Por outro lado, permite-se a inclusão de preso provisório no regime, que passa a ser considerado culpado mesmo ante a inexistência de condenação definitiva.
O RDD foi criado num momento em que há uma tendência à expansão do direito penal, que passa a ser utilizado como a primeira razão na solução dos problemas.Assim, quando o Estado não consegue solucionar os problemas sociais por meio de outros instrumentos, ameaça e pune mediante sanção penal.
Com relação às hipóteses de aplicação do RDD, os aspectos mais criticáveis são: a transferência para o regime de presos que não tenham praticado qualquer tipo de infração no estabelecimento prisional e a possibilidade de inclusão de presos provisórios. Em ambos os casos, a aplicação revela-se ilegítima. Com relação ao primeiro aspecto, utilizam-se como fundamentos o simples fato de que sobre o mesmo recaiam fundadas suspeitas de que integre organização criminosa, quadrilha ou bando, ou que apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Assim, criminaliza-se a suspeita e pune-se o indivíduo por quem ele é, não conforme a sua culpabilidade, mas segundo a sua periculosidade – sendo esta de aferição subjetiva.
Não se comprova a eficácia do instituto para a finalidade proposta, qual seja, o isolamento de integrantes de organizações criminosas visando ao rompimento dos vínculos existentes entre eles e conseqüente enfraquecimento do crime organizado. Como demonstrado na pesquisa, o RDD, apesar de impor o afastamento físico entre os presos, também serve para consolidar ainda mais os membros das facções criminosas no papel de liderança, elevando o respeito e a admiração da massa carcerária, uma vez que eles passam a ser vistos como símbolo de força e resistência por conseguirem suportar o duro regime.
O RDD se apresenta como resultado típico de legislações de emergência, criadas para apresentar soluções imediatas, ainda que ineficientes. Serve como um paliativo para acalmar a sociedade, oferecendo-lhe uma falsa esperança de que algo está sendo feito, efetivamente, para manter sua segurança, e assim, a classe política pode manter uma imagem positiva sobre si mesma.
Entretanto, o aludido regime não possui o condão de reduzir a criminalidade. O que ele representa, isso sim, é uma limitação aos direitos fundamentais, instituídos e desenvolvidos ao longo de anos, prescindindo-se da análise aprofundada de suas conseqüências para o Estado Democrático a longo prazo.
Sobretudo, o RDD vai de encontro a toda a ideologia de ressocialização do preso, norteadora da Lei de Execução Penal, vez que lhe é negada a oportunidade de ter participação construtiva na comunhão social. Não há comunhão social em estar sozinho, em isolamento celular por 22 horas diárias, pelo período de 360 dias (podendo ser repetido, até 1/6 da pena). Portanto, o RDD frustra o objetivo do cumprimento da pena, que é a reintegração social do condenado.
O indivíduo passa a ser visto como "algo" diferente, perigoso e incorrigível, imerecedor de estímulos positivos, integrante do "lado mau" da sociedade, sendo tratado como o "inimigo".
Os direitos e garantias fundamentais são conquistas alcançadas historicamente, efetivadas ao longo de décadas.Sua limitação aleatória representa uma ofensa ao Estado Democrático.
Portanto, conclui-se que não há possibilidade de aplicação do RDD, da forma como concebido, sem que se violem as disposições constitucionais dos direitos dos presos e sem que se frustre o objetivo ressocializador da pena, estabelecido pela Lei de Execução Penal.
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8. NOTAS
[1] BRANDÃO, Thadeu de Souza. Organizações Criminosas no Brasil: Uma Análise a partir da Teoria das Elites e da Teoria da Ação Coletiva. Disponível em <http://www.cchla.ufrn.br/interlegere/revista/pdf/3/es06.pdf>. Acesso em 04 set. 2009.
[2] PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007, p. 59.
[3] Ibid.
[4] PORTO, op. cit., p.83.
[5] SOUZA, Percival de. O Sindicato do Crime: PCC e outros grupos. São Paulo: Ediouro, 2006, p. 11.
[6]PORTO, op. cit., p. 76.
[7] Ibid., p. 86.
[8] SILVA, Josélia Cristina F. da. O direito penal do inimigo X direito penal garantista. Revista Justilex, Ano IV, n° 49, jan. 2006, p. 51).
[9]GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (Ou Inimigos do Direito Penal). Disponível em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf>. Acesso em: 15 set. 2009.
[10] BUSATO, Paulo César. Regime disciplinar diferenciado como produto de um direito penal de inimigo. InCARVALHO, Salo de (Coord.). Crítica à Execução Penal. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 300.
[11] Ibid., p. 296.
[12]GOMES, op. cit.
[13] CANTERJI, Rafael Braude. Política Criminal e Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 53.
[14] GOMES, op. cit.
[15] MOREIRA, Rômulo de Andrade. Este monstro chamado RDD. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre , v. 5, n. 28, out./nov. 2004, p. 37-40.
[16] BUSATO, op. cit., p. 300.
[17] Ibid.
[18] BUSATO, op. cit., p. 294.
[19]BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 16 set. 2009.
[20] GOMES, Luiz Flávio. RDD e regime de segurança máxima. Disponível em: <http://www.lfg.com.br> 02 out. 2006. Acesso em: 02 out. 2009.
[21] GOMES, op. cit.
[22] BRASIL. Lei n° 10.792, de 1º de dezembro de 2003. Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código deProcesso Penal e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2003/L10.792.htm>. Acesso em: 16 set. 2009.
[23]GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; CERQUEIRA, Thales T. P. L. de Pádua. O Regime Disciplinar Diferenciado é Constitucional? O legislador, o judiciário e a caixa de pandora. Disponível em: < http://www.bu.ufsc.br/ConstitRegimeDisciplinarDifer.pdf>. Acesso em: 07 out. 2009.
[24] CARVALHO, Salo de; FREIRE, Christiane Russomano. O Regime Disciplinar Diferenciado:Notas Críticas à Reforma do Sistema Punitivo Brasileiro. In CARVALHO, Salo de (Coord.) Crítica à Execução Penal. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 277-278.
[25] Cf. item 13 da Exposição de Motivos à Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://mj.gov.br>. Acesso em 05 out. 2009.
[26] PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007, p. 66.
[27] Ibid., p. 67.
[28] Ibid.
[29] CAPEZ, Fernando. A Intrigada Questão Carcerária. Disponível em:
<http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=2&subsecao=0&con_id=1832>. Acesso em: 17 ago. 2009.
[30] PORTO, op. cit., p. 66.
[31] DIAS, Camila Caldeira Nunes. A instituição do regime disciplinar diferenciado para o controle da população carcerária: efeitos práticos e simbólicos.Vigilância, Segurança e Controle Social na América Latina. Curitiba, mar. 2009, p. 402-425. Disponível em:
<http://www2.pucpr.br/ssscla/papers/SessaoG_A13_pp404-425.pdf>. Acesso em: 02 set. 2009.
[32] Ibid.
[33] SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias. Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 274-307. Disponível em:< http://www.nevusp.org/downloads/down141.pdf>. Acesso em: 01 set. 2009.
[34] GERBER, Daniel. Direito Penal do Inimigo: Jakobs, nazismo e a velha estória de sempre. In: SCHMIDT, Andrei Zenkner (Coord.). Novos Rumos do Direito Penal Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[35] CALLEGARI, op. cit., p. 135.
[36] BUSATO, op. cit., p. 303.
[37] CALLEGARI, op. cit., p. 137.
[38] Ibid.
[39] HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 146.
[40] Ibid., p. 144.
[41] CANTERJI, op. cit., p. 113.
[42]GARLAND, David. As contradições da "sociedade punitiva": o caso britânico. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 13, nov 1999, p. 59-80. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/contradicoes%20garland.pdf>.Acesso em 04 out. 2009.