APLICAÇÃO DE JUSTIÇA NA INDENIZAÇÃO DA DESAPROPRIAÇÃO IMOBILIÁRIA

Por Rogério Holanda de Queiroz | 28/06/2017 | Direito

APLICAÇÃO DE JUSTIÇA NA INDENIZAÇÃO DA DESAPROPRIAÇÃO IMOBILIÁRIA

 

ROGÉRIO HOLANDA DE QUEIROZ

 

RESUMO

 

O presente artigo é fruto de exercício da inteligência que estimula o campo das idéias e das práticas. Uma abordagem realista e multidisciplinar para a percepção de justiça nos valores indenizatórios dos imóveis desapropriados pelo Estado. Analisaremos a desapropriação quanto a suas modalidades, procedimentos expropriatórios, momento consumativo da desapropriação, registro do imóvel desapropriado, visão crítica do autor e considerações finais. Estes comentários são de diversos documentos legais infra-constitucionais que foram inter-relacionados por estreita pertinência com a matéria do referido artigo. Veremos que a construção teórica da desapropriação, e a leitura do Decreto 3.365/41, ainda se escoram em premissas do Direito Administrativo presente no início da Década de 1940. Entenderemos que a Constituição Federal de 1988 impõe a releitura da desapropriação, sobretudo no que se refere ao seu procedimento. Observaremos também que o novo código de processo civil confere ferramentas jurídicas ao Magistrado na busca e aplicação de justiça na indenização da desapropriação amigável. Por fim proporemos uma abordagem multidisciplinar na apuração da justa e completa quantificação do valor da indenização.

 

O fenômeno da expansão dos centros urbanos e o desenvolvimento de infraestruturas têm exigido do Estado maior intervenção na propriedade privada. O adensamento das cidades, associado à crescente implantação de equipamentos públicos, impõem a adoção de procedimentos para aquisição de bens pela Administração, o que, via de regra, se faz por meio da desapropriação.

A desapropriação é um ato expropriatório e um eficiente meio para a Administração Pública atingir seus fins. Segundo Hely Lopes Meireles (2011), jurista, é ela:

O moderno e eficaz instrumento de que se vale o Estado para remover obstáculos à execução de obras e serviços públicos; para propiciar a implantação de planos de urbanização, para preservar o meio ambiente contra devastações e poluições; e para realizar a justiça social com a distribuição de bens inadequadamente utilizados pela iniciativa privada. A desapropriação é, assim, a forma conciliadora entre a garantia da propriedade individual e a função social dessa mesma propriedade, que exige uso compatível com o bem estar da coletividade. (p 608)

 

Percebemos aqui a importância que assume a desapropriação perante o Poder Público, como forma eficaz para o alcance de seus objetivos sociais. Também conceitua Celso Antonio Bandeira de Melo (2001), advogado administrativista:

Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que desapropriação é o procedimento administrativo através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade a adquire para si, mediante indenização, fundada em um interesse público. (p 711)

 

            O procedimento expropriatório é necessariamente precedido pela declaração expropriatória, que pode se dá por lei ou por decreto, em que consiste imprescindivelmente a identificação do bem objetivado, a sua destinação e o preceito normativo que a autoriza. Somente após a declaração de utilidade pública, ou de interesse social, é que se tem o início da desapropriação, que poderá ser amigável ou judicial. No primeiro caso, há acordo sobre o preço no âmbito da própria administração pública, enquanto que na via judicial, frustrada ou concomitantemente à amigável, é o preço fixado, geralmente após avaliação pericial, pelo poder judiciário. Paga a indenização, consuma-se a desapropriação.

Sobre os aspectos gerais da desapropriação podemos considerar que é uma matéria multidisciplinar, que afeta o Direito Civil, o Administrativo, o Constitucional, o Processual e outros; mas é matéria predominantemente de Direito Público.  É através de atos de Direito Público, que a Administração Pública assim como os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público, transfere a propriedade de um bem, móvel ou imóvel, de um terceiro para si, diante de alguma utilidade ou necessidade pública, ou por razão de interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, conforme preceitua o art. 5.º, XXIV, da Constituição Federal. Assim, podemos explicar desapropriação como:

[...] a transferência compulsória de propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. (MEIRELLES, 2010, p. 924).

A doutrina, de um modo geral, com relação ao modo aquisitivo da propriedade pelo Poder Público, trata a desapropriação como modo originário de aquisição da propriedade. Por se tratar de modo originário de aquisição da propriedade, ocorrendo a desapropriação, o bem expropriado fica livre de quaisquer ônus que sobre ele incidiam anteriormente. Além disso, também fica o bem impossibilitado de ser reivindicado. Além dos dispositivos constitucionais da Carta Magna, a desapropriação também possui legislação específica: Decreto-Lei 3.365/1941 [1]; Lei 4.132/1962 [2]; Lei 8.629/1993 [3]; LC 76/1993 [4].

A fonte primária da desapropriação encontra-se no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal, que retrata a chamada desapropriação comum ordinária. Existem quatro modalidades da desapropriação. A primeira é por Necessidade ou Utilidade Pública fundamentada no artigo 5º, XXIV da CF/88 e no Decreto Lei n.3.365/41; a segunda por Interesse Social - Desigualdades Sociais fundamentada no artigo 5º, XXIV da CF/88 e Lei n. 4.132/62; a terceira por Interesse Social – Reforma Agrária fundamentada no artigo 186 da CF/88 e a quarta modalidade por Interesse Social – Plano Diretor fundamentada pelo artigo 182, parágrafo 4º da Constituição Federal de 1988 e Lei n. 10.257/01.

No tocante a utilidade pública, ela se caracteriza pela conveniência que determinado bem possui para o Poder Público, embora não seja imprescindível, nem haja situação de urgência na sua desapropriação. Assim, podemos exemplificar com a expropriação de determinado bem imóvel para a construção de uma creche ou uma escola.

Dá-se a necessidade pública quando alguma situação emergencial e urgente exige a desapropriação de determinado bem, de modo que tal procedimento é imprescindível para a solução daquela situação de emergência. Seria o caso, por exemplo, da desapropriação de um imóvel em face de uma calamidade pública.

E o interesse social é o pressuposto que mais se comunica com a função social da propriedade. Ocorre o interesse social quando, para melhor solucionar os problemas sociais e para melhor aproveitamento e maior produtividade de certo bem em benefício da comunidade, a desapropriação se mostra necessária. O melhor exemplo dado pela doutrina é a expropriação de terras rurais para fins de reforma agrária, quando elas não são devidamente aproveitadas, não cumprindo, assim, a sua função social.

Cabe mencionar que, da mesma forma que os pressupostos acima elencados, a legitimidade ativa para desapropriar também deve ser observada. Assim, dispõe o Decreto-Lei n. 3.365/41, em seu art. 2º, que são sujeitos ativos da desapropriação: a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os Territórios. Segundo o art. 3º do referido Decreto- Lei, os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de Poder Público, também poderão promover desapropriações, desde que haja autorização expressa constante de lei ou contrato.

De acordo com a legislação esparsa, também podem desapropriar: a Petrobrás; o Departamento de Estradas de Rodagem; a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste; o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e as entidades do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social.

Sobre a natureza jurídica da desapropriação entendemos que é um procedimento administrativo e, quase sempre, judicial. Esse procedimento é composto, normalmente, de duas fases. Uma fase administrativa na qual o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar providencias nesse sentido. E outra fase judicial se não houver acordo entre o Poder Público e o particular na fase administrativa, o Estado deverá propor uma ação judicial de desapropriação.

Em se tratando do momento consumativo da desapropriação e segundo entendimento de  Pontes de Miranda (1967), jurista, diz que a desapropriação só se consubstancia no momento em que a sentença ou acórdão é transcrito no registro competente. Firmino Whitaker (1946), Ministro do STF, fala em seu livro Desapropriação que são efeitos da sentença: a transferência do domínio e a extinção do Ônus que pesavam sobre o imóvel. Disse ainda Firmino Whitaker que o domínio transfere-se, concorrendo estas duas condições: o pagamento do preço e a transcrição da sentença. O pagamento antecede a transcrição porque o preceito constitucional exige a indenização prévia. Assim também conceitua José Carlos de Moraes Salles (2006), jurista, o momento consumativo da desapropriação é aquele em que se verifica pagamento ou depósito judicial da indenização fixada pela sentença ou estabelecida em acordo. Sobre essa matéria trata a Lei 6.015, de 1973, com as modificações trazidas pela Lei 6.216/75, e por outros diplomas, prevê o registro “da desapropriação amigável e das sentenças que em processo de desapropriação fixarem o valor da indenização”, à luz do artigo 167, I, item 34. Tema do presente artigo.

Então, as sentenças nos processos de desapropriação devem solucionar a lide e fixar o valor da indenização devida ao expropriado com base em diversos fatores elencados pela Lei Geral das Desapropriações, os quais, atualmente, devem ser interpretados conforme a Constituição Federal que exige indenização justa, ou seja, que o valor corresponda realmente ao valor do bem expropriado. Por conseguinte, é o pagamento da indenização que dá ensejo à consumação da desapropriação e à imissão definitiva na posse do bem pelo expropriante. Assim, efetuado o pagamento ou consignação, expedir-se-á em favor do expropriante, mandado de imissão de posse, valendo a sentença como título hábil para transcrição no registro de imóveis. A sentença tem duplo efeito, sendo a primeira a de autorizar a imissão definitiva na posse do bem pelo expropriante e a segunda consubstancia título idôneo para a transcrição da propriedade no Registro Geral de Imóveis. Alerta-se, contudo, que, para parcela da doutrina, a transferência da propriedade ocorre no momento em que é paga a indenização, e não no momento em que a sentença é transcrita no RGI. 

Na indenização da desapropriação a regra básica está prevista no artigo 5º , XXIV da Constituição Federal e que ela seja justa, prévia e em dinheiro. Prévia quer significar que deve ser ultimada antes da consumação da transferência do bem, na prática o pagamento e a transferência ocorrem no mesmo momento. Justa implica dizer que a indenização deve corresponder ao real e efetivo valor do bem expropriado, não subsistindo para o expropriado qualquer prejuízo patrimonial, para tanto, a indenização deve incluir, também, danos emergentes e lucros cessantes decorrentes da perda da propriedade, além de juros moratórios e compensatórios, atualização monetária , despesas judiciais e honorários. Em Dinheiro significa que o ente expropriante deve pagar ou consignar o valor da indenização em espécie. É o quantum indenizatório.

Aqui faremos relação, que converte grande atenção, do momento do levantamento do quantum indenizatório, através de perícia avaliatória, e da justa fixação, pelo juiz, do valor da indenização. Define José Carlos de Moraes Salles (2006):

Destarte, para que haja justeza e justiça na indenização, é preciso que se recomponha o patrimônio do expropriado com a quantia que corresponda, exatamente ao desfalque por ele sofrido em decorrência da expropriação. Não se deve atribuir ao desapropriado nem mais nem menos do que se lhe subtraiu, porque a expropriação não deve ser instrumento de enriquecimento nem de empobrecimento do expropriante ao expropriado (p 452)

Quando a Constituição literalmente prescreve (artigo 5º, XXIV) que a indenização expropriatória deve ser prévia, justa e em dinheiro, ressalvada os casos nela previstos. Além disso, o artigo 16, §4º, II da Lei de Responsabilidade Fiscal exige que para fins de desapropriação de imóveis urbanos, o ato de desapropriação seja precedido da estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; da declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. 

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho (1989), Juiz de Direito, propunha a substituição do termo indenização pela noção conceitual de compensação indenizatória, a englobar: o justo preço pela perda em si da propriedade e tudo o mais que nela se integra, além da reparação proporcional dos danos e prejuízos produzidos em desfavor do expropriado pela execução do conteúdo do ato expropriatório. Na prática, tratando-se de compensação econômica, conquanto se argumente com a idéia de justiça, o que se preconiza é a indenização igual ao desfalque patrimonial, sem outra consideração que não a rigorosa equivalência entre o que se dá e o que se recebe. Sendo, assim, é reconhecer que, em vez de exigir uma indenização justa deveria a Constituição ordenar que ela seja integral, de valor idêntico à redução patrimonial. O que concordamos e que se tem recomendado é que a indenização expropriatória seja completa. Ressaltamos ainda que para ser completa é fundamental que ela seja ampla e multidisciplinar.

A orientação tem encontrado referência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que registra precedente no sentido de que considera-se justa a indenização cuja importância habilita o expropriado a adquirir outro bem equivalente ao que perdeu para o poder público, ou seja, equivalente ao valor que o expropriado obteria se o imóvel estivesse à venda. É importante a conexão que faz o STJ entre a justeza da indenização e a potencialidade de aquisição de um novo bem pelo expropriado. É que ela revela a imprescindibilidade, ao lado da equivalência e da reparação econômicas, da oportunidade econômica da indenização, como que inerente ao conceito de indenização completa ou justa.

Então podemos indagar em que momento deve ser paga a indenização expropriatória para que seja justa? Ela deve ser prévia à declaração expropriatória? À posse, no caso de imissão provisória? À transcrição do bem, quando for o caso? À decisão de mérito do processo judicial respectivo? Ao trânsito em julgado da sentença condenatória? Ou após uma multianálise esclarecedora da avaliação imobiliária que contemple a justa e completa fixação do valor pelo juiz ? O que propomos é um Diagnóstico Imobiliário Multidisciplinar para que haja uma ampla percepção na formação do valor indenizatório do imóvel desapropriado.

*** 

A propósito, vale rememorar que o procedimento de desapropriação se inicia com a fase administrativa, na qual ocorrem os atos preparatórios para a intervenção na propriedade privada, com o decreto expropriatório, que declara o bem de utilidade pública ou de interesse social. Prossegue com o detalhamento dos bens, sua avaliação e com o convite ao expropriado para tentativa de composição amigável. Não sendo possível a composição, necessário será o ajuizamento da ação de desapropriação.

Desse modo, o expropriante rotineiramente realiza a avaliação dos bens, amparado por documentos técnicos elaborados para o procedimento administrativo e, em caso de insucesso na negociação com o particular, os utiliza para embasar a respectiva ação judicial. Disso decorre que o expropriante possui condições de instruir sua petição inicial com o cadastro técnico ou documento similar, peça técnica elaborada com o objetivo de delimitar e descrever os bens desapropriados, bem como para atribuir-lhes valor.

Esse fato, por si só, configura mais uma vantagem do expropriante, pois o processo judicial se inicia com a oferta acostada à petição inicial, amparada por profissionais do corpo técnico do expropriante ou por ele contratados para esse fim. Isso não assegura, necessariamente, que os valores da oferta serão adequados aos de mercado, pois, sob a ótica do contraditório e da ampla defesa, fica fácil constatar que o particular-expropriado não disporá, salvo raras exceções, de corpo técnico pré-constituído para se contrapor ao laudo unilateralmente elaborado pelo expropriante.

Não bastassem, os entes expropriantes acabam se sobressaindo ainda mais, pois tornam-se verdadeiras figuras de mercado, conhecidas e conhecedoras dos trâmites e dos envolvidos, face à sua ostensiva presença, notadamente em obras de grande porte, que envolvem inúmeros imóveis e procedimentos.

A determinação de realização de perícia prévia é o meio de que dispõe o Magistrado de fazer aferir, por profissional isento, qual é o valor atual de mercado, adequado à oferta, hábil a autorizar até mesmo a eventual imissão provisória na posse requerida pelo expropriante. É por ocasião da perícia prévia que as partes poderão indicar seus assistentes técnicos e formular quesitos, exercitando, com efetividade, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, permitindo que o expropriado discuta, em condições de igualdade, os trabalhos iniciados unilateralmente pelo expropriante.

Então, é de relevante importância a nomeação, pelo Magistrado, de um Perito Avaliador com ampla visão técnica, que o diga multidisciplinar, para apuração da justa quantificação do valor a ser indenizado. É o que o Diagnóstico Imobiliário Multidisciplinar empreende: a aplicação das principais diretrizes técnicas de análise de mercado, inspeção predial e parecer jurídico na apuração do justo quantum indenizatório o qual deverá se aproximar do valor de aquisição, do imóvel em questão, com as mesmas características técnicas, mercadológicas e jurídicas. Metodologia essa efetuada por meio de procedimentos e testes previstos nas normas profissionais dos respectivos conselhos regionais e federal.

Verificamos a ampla relação da realização de um DIM[5] nas perícias prévias das ações de desapropriação como forma de assegurar o apuramento do valor indenizatório completo e justo. É um exercício do contraditório, da ampla defesa e o atendimento aos princípios da indenização conforme determina a Constituição da República de 1988.

Assim, buscando-se a justiça na aplicação do artigo 167, inciso I, item 34 da Lei 6.015/73 e associado aos artigos 464 aos 480, seção x, da Lei 13.105 de 2015 e à luz do artigo 5º,XXIV da CF, a ferramenta DIM é fundamental para uma justa desapropriação amigável.

Tratando-se de ‘desapropriação amigável’ ou administrativa, desde que convencionado pelas partes, admite-se que a indenização venha a ocorrer em momento posterior ao acordo entre as partes, dando-se o pagamento à vista ou em parcelas, conforme acordado, em razão da natureza disponível do direito do particular. Por outro lado, tratando-se de desapropriação judicial, a corrente majoritária tem entendido que a indenização deve anteceder à respectiva consumação, a qual, a seu turno, pressupõe o pagamento do valor correspondente: “o Poder Público só adquirirá o bem e o particular o perderá com o pagamento da indenização”.

Do ponto de vista prático — e dos efeitos sobre o patrimônio do particular, todavia, a imissão provisória na posse e a destinação do bem à finalidade pública alegada no ato expropriatório, garantem ao Poder Público o exercício de todos os atributos típicos do domínio e impossibilitam o reaver do bem, por força do artigo 35 do Decreto Lei 3.365/41.

Esta posição é corroborada pela recentemente editada Medida Provisória 700, de 8 de dezembro de 2015, cujos artigos 2º e 3º, ao alteraram o artigo 176-B da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) e os artigos 1.225, XIII e 1.473, XI do Código Civil, atribuíram efeitos jurídicos de direito real aos direitos oriundos da imissão provisória na posse dos bens expropriados, quando concedida à União, Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou às suas entidades delegadas e respectiva promessa de cessão.

A alteração legislativa é relevante e implica revistar criticamente o conceito de previalidade de indenização, na perspectiva da oportunidade econômica anteriormente descrita, na jurisprudência do Supremo Tribunal federal há precedentes no sentido de que: “subsiste no regime da CF de 1988 (artigo 5º, XXIV), a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal sob a égide das Cartas anteriores, ao assentar que só a perda da propriedade, no final da ação de desapropriação — e não a imissão provisória na posse do imóvel — está compreendida na garantia da justa e prévia indenização.”

Com efeito, para a antiga orientação do STF somente após o fim das discussões judiciais sobre o justo valor da indenização é que o particular será indenizado pelo valor completo, recebendo o montante constante da condenação judicial, pela via crucis do sistema de precatórios (artigo 100, CR/88). Esta indenização, sobre ser garantida somente ao fim do processo judicial, pelo método tradicional de execução de obrigação de dar contra a Fazenda Pública, como a devida anuência, nunca será justa e precisa ser revisitada pelo STF no julgamento da repercussão geral no RE 922.144.

Outro ponto de vista que é de suma importância para o estabelecimento de justiça, e como dissemos anteriormente, é a prévia avaliação elaborada pelo perito competente, bem como o prévio depósito desse valor. São garantias constitucionais que devem ser sempre observadas, pois é através desse procedimento que se oportunizará a realização da garantia constitucional da prévia e justa indenização devida ao expropriado.

José Carlos de Moraes Salles (2006) acerca da necessidade de prévia avaliação do bem a ser expropriado, leciona que:

Na ação de desapropriação, por força do disposto no art. 14 do Dec.-lei 3.365/41, o perito procederá à avaliação dos bens expropriados. Vale dizer: arbitrará o valor, em dinheiro, desses bens. Por outro lado, parece-nos que a avaliação dos bens expropriados deverá ser feita sempre, por força dos termos imperativos constantes dos arts. 14 (caput) e 23 (caput) do Dec.- lei 3.365/41, que é lei especial sobre desapropriações. Entendemos, pois, que não incide, subsidiariamente, na espécie, o disposto no art. 427 do CPC (redação dada pela Lei 8.455 de 24.08.1992), segundo o qual ‘o juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes (p. 323-324)

 

Se o proprietário do imóvel a ser desapropriado não concorda com a avaliação oferecida pelo Poder Público, deve requerer que o juiz designe uma perícia, para que seja realizada avaliação, a ser feita pelo avaliador judicial, ou perito de confiança do mesmo. Isso ocorre porque há a já mencionada necessidade da avaliação prévia, provisória, por perito nomeado pelo juízo, para atendimento ao principio constitucional da prévia e justa indenização. A Constituição assegura de forma enfática ao expropriado o direito ao recebimento de indenização justa pelo sacrifício ocorrido. Celso Antonio Bandeira de Mello comenta o dispositivo constitucional:

Indenização justa, prevista no art. 5º, XXIV, da Constituição, é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exime de qualquer detrimento. Para que assim se configure deve incluir juros moratórios, juros compensatórios, correção monetária, honorários advocatícios e outras despesas, nas condições e termos seguintes (p. 753).

 

Aqui também recomendaremos a utilização do DIM para uma ampla coleta de dados e situações que possam influenciar a quantificação de juros, correção monetária, custos e despesas a serem valorados ao bem expropriado.           

Por conseguinte ODETE MEDAUAR (2002), Doutora em Direito:

A Constituição Federal, ao possibilitar a desapropriação, exige indenização justa e prévia em dinheiro, salvo disciplina diversa prevista na própria Constituição Federal, como ocorre na desapropriação para fins de reforma agrária. O requisito justa diz respeito, em primeiro lugar, ao valor do bem expropriado, que deve corresponder ao valor real do bem; vários aspectos são considerados pelos peritos avaliadores para se fixar tal valor; isso quer dizer que o bem não há de ser nem subavaliado, nem superavaliado, pois nesses dois casos o requisito constitucional estaria desatendido (p. 417-418)

 

            Identificamos na citação acima a recorrente percepção multidisciplinar dos vários aspectos a serem considerados pelos peritos avaliadores na apuração do quantun indenizatório. Sem receio a função do DIM pacificará o juízo no sentido mais profuso. Acerca da necessidade de prévia avaliação, bem como depósito de justa indenização ao expropriado, vale colacionar os seguintes julgados:

“DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA DETERMINADA SEM FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE COM BASE EM LAUDOS TRAZIDOS PELO PRÓPRIO EXPROPRIANTE. Apossamento do Município no bem e integração no serviço público não comprovada na medida que tenha se tornado insuscetível de reintegração ou reivindicação. Necessidade da avaliação prévia, provisória, por perito nomeado pelo juízo, para atendimento ao principio constitucional da prévia e justa indenização. Recurso provido. Decisão reformada.” (TJRJ – AC 1650/2000 – 12ª C.Civ. – Rel. Des. Wellington Jones Paiva – DORJ 21.06.2001)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO.DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. DECISÃO QUE DETERMINOU A IMISSÃO NA POSSE BASEANDO-SE NA AVALIAÇÃO REALIZADA PELO EXPROPRIANTE. AVALIAÇÃO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. PRÉVIA E JUSTA INDENIZAÇÃO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. VALOR DO DEPÓSITO DEVE SER ENCONTRADO PELO AVALIADOR OU PERITO JUDICIAL. ORIENTAÇÃO DA SÚMULA Nº 28 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Este Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça fixaram entendimento no sentido de que é necessária avaliação prévia judicial para deferimento de imissão de posse em desapropriação, em respeito ao Princípio Constitucional da Justa Indenização.Assim sendo, o valor a ser depositado deve der encontrado por perito judicial, não sendo suficiente a avaliação prévia e unilateral realizada pelo ente público. (TJ-PR – Ação Civil de Improbidade Administrativa 10000823 PR 1000082-3 (Acórdão) (TJ-PR). Data de publicação: 07/05/2013)

                Finalmente concordamos que a desapropriação representa um ato extremo de força estatal, o qual deve se amoldar ao modelo constitucional atual. Não é possível tentar interpretar as normas do Decreto-lei 3.365/41 hoje com base em concepções forjadas no contexto jurídico-político da época da sua edição. Imperioso reconhecer, assim, que já não se vislumbra a possível retirada da propriedade do particular sem garantir sua ampla participação no processo, por força do artigo 5º, inciso LIV e LV, não apenas após a declaração de utilidade pública, mas também antes, uma vez que é principalmente nessa fase que seu patrimônio e direito subjetivo é atingido. Faz-se necessário uma análise multidisciplinar que traga clareza e justiça na formação do valor indenizatório do imóvel desapropriado.

Assim entendemos para que haja a percepção de uma justa fixação, pelo magistrado, do valor indenizatório nas desapropriações amigáveis, a indispensabilidade da aplicação de avaliações imobiliárias por metodologia multidisciplinar no intuito de demonstrar, esclarecer e mitigar as variáveis e contestações da apuração do quantum indenizatório.

A desapropriação amigável se apresenta como uma busca de eficiência, sob a ótica da Administração Pública e do particular atingido. Seu conteúdo deve além de pacificar o valor da indenização, mas também albergar tudo aquilo que for possível para que o interesse público seja atingido com o menor impacto sobre o particular. Uma vez celebrado o pacto, deve a Administração cumpri-lo, sob pena de se esvaziar seu conteúdo obrigacional e torná-lo apenas uma ficção, destituída de efetividade, estabelecendo um cenário de profunda insegurança jurídica. É alicerçado na segurança jurídica que o Diagnóstico Imobiliário Multidisciplinar propõe a caracterização da forma amigável nas desapropriações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Decreto-Lei n° 3.365 de 21 de junho de 1941. Disponível em:. Acesso em 15 jun. 2017

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:. Acesso em 15 jun. 2017.

 

BRASIL. Código Civil Brasileiro de 2002. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm Acesso em 16jun. 2017.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 22º ed., São Paulo: Atlas, 2009;

 

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 6ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

 

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011;

 

MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2001;

 

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do Direito. 2.ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 4 tomos, 1972.

 

SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da                Jurisprudência. 5º Ed. Rev., atual. e ampl. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006;

 

SOBRINHO, Manuel de Oliveira Franco, Desapropriação, 2ª Edição, São Paulo: Saraiva, 1989

 

WHITAKER, Firmino, Desapropriação, 1ª Edição, São Paulo: Atlas, 1946

 

 

[1] Lei geral da desapropriação, que cuida especificamente da desapropriação por utilidade pública

[2] Lei da desapropriação por interesse social

[3] Lei da desapropriação rural

[4] Lei da desapropriação rural para fins de reforma agrária

[5] DIM: Diagnóstico Imobiliário Multidisciplinar é uma metodologia avaliatória de imóveis composta por partes de diretrizes técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, do Conselho Federal de Corretores de Imóveis, do Cadastro Nacional de Avaliadores de Imóveis e do Conselho Federal de Administração.

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