Aplicabilidade do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil - Vol. 3

Por Gabriela Costa Faval | 13/12/2016 | Educação

Resumo:

Atendendo às determinações da Lei 9.394/96, que estabelece que a Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica, o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil surge no intuito de auxiliar na realização do trabalho educativo diário junto às crianças pequenas, pretendendo apontar metas de qualidade que contribuíssem para o desenvolvimento integral da identidade das crianças e tornando-as capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância fossem reconhecidos. Contribuindo para que se pudesse realizar, nas instituições, o objetivo socializador dessa etapa educacional, em ambientes que propiciassem o acesso e a ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos da realidade social e cultural, de maneira a servir como um guia de reflexão de cunho educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos, respeitando seus estilos pedagógicos e a diversidade cultural brasileira.

Em uma coleção de três volumes que o compõem, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil está organizado da seguinte forma: Introdução, Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo. Este trabalho estará focado no terceiro volume, objetivando verificar sua aplicabilidade dentro do cotidiano escolar da Educação Infantil. 

Introdução

Atualmente, falar em educação infantil no Brasil implica fazer uma retrospectiva desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996. Isso porque foi a partir das deliberações encaminhadas nessas duas leis e das suas consequências para a área que os desafios que as perspectivas têm sido colocadas.

Vale destacar que a LDB foi construída tendo por base a Constituição de 1988 que reconheceu como direito da criança pequena o acesso à educação infantil – em creches e pré-escolas. Essa lei colocou a criança no lugar de sujeito de direitos em vez de tratá-la, como ocorria nas leis anteriores a esta, como objeto de tutela.

A crítica em relação às propostas de trabalho com as crianças pequenas, que se dicotomizavam entre educar e assistir, levou à busca da sua superação em direção a uma proposta menos discriminadora, que viesse atender às especificidades que o trabalho com crianças de 0 a

6 anos exige na atual conjuntura social – de educar e cuidar –, sem que houvesse uma hierarquização do trabalho a ser realizado, seja pela faixa etária (0 a 3 anos ou 3 a 6 anos), ou ainda pelo tempo de atendimento na instituição (parcial ou integral), seja pelo nome dado à instituição (creches ou pré-escolas).

Essa compreensão da especificidade do caráter educativo das instituições de educação infantil não é natural, mas historicamente construída uma vez que ocorreu a partir de vários movimentos em torno da mulher, da criança e do adolescente por parte de diferentes segmentos da sociedade civil organizada e dos educadores e pesquisadores da área em razão das grandes transformações sofridas pela sociedade em geral e pela família em especial, nos centros urbanos, com a entrada das mulheres no mercado de trabalho.

Com relação às profissionais da educação infantil, a lei proclamava ainda que todas devessem até o final da década da educação ter formação em nível superior, podendo ser aceita formação em nível médio, na modalidade normal. É importante ressaltar o desafio que esta deliberação coloca uma vez que muitas dessas profissionais não possuem sequer o ensino fundamental.

O volume aqui analisado é relativo ao âmbito de experiência Conhecimento de Mundo que contém seis documentos referentes aos eixos de trabalho orientados para a construção das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabelecem com os objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. 

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

É dentro do contexto das reformas educacionais em andamento acima delineadas que situamos o RCNEI. Em fevereiro de 1998 a versão preliminar do documento foi encaminhada a 700 profissionais ligados à área da educação infantil, sendo devolvido um mês depois ao MEC com um parecer final. Em outubro de 1998 a versão final do RCNEI foi divulgada sem que os apelos dos pareceristas, por mais tempo para debates e discussões, fossem atendidos.

A versão final do RCNEI foi organizada em três volumes: Introdução; Formação pessoal e social e Conhecimento do mundo. A leitura do primeiro volume do RCNEI, denominado “Introdução”, permite constatar a ênfase em: criança, educar, cuidar, brincar, relações creche-família, professor de educação infantil, educar crianças com necessidades especiais, a instituição e o projeto educativo. Fala ainda em condições internas e externas com destaque para a organização do espaço e do tempo, parceria com as famílias, entre outros aspectos.

É possível perceber que a versão final do volume l do RCNEI pretendeu seguir as indicações feitas pelos pareceristas da versão preliminar do documento, de ter como referência a criança e não o ensino fundamental, com ênfase na criança e em seus processos de constituição como ser humano em diferentes contextos sociais, suas culturas, suas capacidades intelectuais, artísticas, criativas, expressivas em vez de articulações institucionais que propõem uma transposição, de cima para baixo, dos chamados conteúdos escolares que acabam por submeter a creche e a pré-escola a uma configuração tipicamente escolar.

Os dois outros volumes denominados âmbitos de experiência são: Formação pessoal e social, que contempla os processos de construção da identidade e autonomia das crianças, e Conhecimento do mundo, que apresenta seis sub-eixos: música, movimento, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e matemática.

Esses volumes foram organizados em torno de uma estrutura comum, na qual são explicitadas as ideias e práticas correntes relacionadas ao eixo e à criança e aos seguintes componentes curriculares: objetivos, conteúdos, orientações didáticas, orientações gerais para o professor e bibliografia. Esta forma de organização e o conteúdo trabalhado evidenciam uma subordinação ao que é pensado para o ensino fundamental e acabam por revelar a concepção primeira deste RCNEI, em que as especificidades das crianças de 0 a 6 anos acabam se diluindo no documento ao ficarem submetidas à versão escolar de trabalho. Isso porque a “didatização” de identidade, autonomia, música, artes, linguagens, movimento, entre outros componentes, acaba por disciplinar e aprisionar o gesto, a fala, a emoção, o pensamento, a voz e o corpo das crianças.

A leitura da versão final do RCNEI reafirma o quanto foi prematura a elaboração deste documento, uma vez que ainda persiste a necessidade de um amadurecimento da área, inclusive para saber se cabe dentro da especificidade da educação infantil um documento denominado Referencial Curricular, em função dos sentidos que o termo ‘currículo’ carrega.

Dentro desse contexto o RCNEI deve ser lido como um material entre tantos outros que podem servir para as professoras refletirem sobre o trabalho a ser realizado com as crianças de 0 a 6 anos em instituições coletivas de educação e cuidado públicos. Além disso, vale reforçar que ele não é obrigatório ou mandatório. Ou seja, nenhuma instituição ou sistema de ensino deve se subordinar ao RCNEI a não ser que opte por fazê-lo. Como orientação nacional a área dispõe das “Diretrizes Curriculares Nacionais”  que de forma clara apresentam as diretrizes obrigatórias a serem seguidas por todas as instituições de educação infantil. Essas diretrizes definem os fundamentos norteadores que as Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar:

  1. Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
  2. Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;

C.Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.

ENTENDENDO OS OBJETIVOS

As crianças, desde muito pequenas, interagem com o meio natural e social no qual vivem, com isso aprendem sobre o mundo, fazendo perguntas e procurando respostas as suas indagações e questões. Vários são os temas pelos quais as crianças se interessam: pequenos animais, bichos de jardim, dinossauros, tempestades, tubarões, castelos, heróis, festas da cidade, noticias de atualidade, historias de outros tempos etc. As vivencias sociais, as historias, os modos de vida, os lugares e o mundo natural são para as crianças parte de um todo integrado.

A intenção é que o trabalho ocorra de forma integrada, ao mesmo tempo em que são respeitadas as especialidades das fontes, abordagens e enfoques advindos dos diferentes campos das Ciências Humanas e Naturais. Na maioria das instituições, esses conteúdos estão relacionados à preparação das crianças para os anos posteriores na sua escolaridade.

Com relação ao tempo e espaço, normalmente os conteúdos são tratados de forma desvinculada de suas relações com o cotidiano, com os costumes, com a História e com o conhecimento geográfico construído na relação entre os homens e a natureza. Em algumas práticas, tem sido priorizado o trabalho que parte da idéia de que a criança só tem condições de pensar sobre aquilo que esta próximo a ela e, portanto, que seja materialmente acessível e concreto; e também da idéia de que, para ampliar sua compreensão sobre a vida em sociedade, é necessário graduar os conteúdos de acordo com a complexidade que apresentam.

Dessa forma, desconsideram-se o interesse, a imaginação e a capacidade da criança pequena para conhecerem locais e historias distantes no espaço e no tempo e lidar com informações sobre diferentes tipos de relações sociais. As crianças refletem e gradativamente tomam consciência do mundo de diferentes maneiras em cada etapa do seu desenvolvimento. Quanto mais se desenvolve e sistematiza conhecimentos relativos à cultura, a criança constrói noções que favorecem mudanças no seu modo de compreender o mundo.

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