ANTECIPAÇÃO DE PROVAS NO PROCESSO PENAL

Por CÍCERO RIVONALDO DOS SANTOS | 17/04/2013 | Direito

ANTECIPAÇÃO DE PROVAS NO PROCESSO PENAL 

Autor: Cícero Rivonaldo dos Santos ([1])

Co-Autor: José Rivaldo Leandro dos Santos ([2]) 

INTRODUÇÃO

            Um tema bastante discutido no âmbito do processo penal se trata da produção antecipada de provas ex officio pelo juiz ainda no curso do inquérito policial e depois da ação penal (antes de iniciada a fase de instrução probatória), tendo em vista a possibilidade da alegação de nulidade da prova por parte da defesa, bem como do comprometimento da imparcialidade do juiz.

            No entanto, tal medida encontra supedâneo jurídico em nosso ordenamento, mais precisamente no âmbito de nosso Código Processo Penal, na Jurisprudência do STJ, bem com na legislação infraconstitucional: à Lei nº 9.807/99 que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas.

            Tendo em vista o alicerce das normas jurídicas, várias são as razões alegadas para a produção antecipada de provas, sobretudo, o Ministério Público, titular da ação penal pública, formulando pedidos ao juiz para que este determine a colheita antecipada de provas fundamentadas em: lapso temporal entre o dia da conduta e a data da oitiva, por receio de esquecimento do interrogado ou mesmo pela idade avançada ou imatura; mudança de domicílio de testemunha, do réu, ou pelo fato de morarem em locais distantes, de difícil localização; provas consideradas urgentes; proteção às vítimas ameaçadas, entre outras.

            Deve-se observar que para a decretação da antecipação de provas se faz necessário o preenchimento de uma série de requisitos cumulativos, os quais serão vistos no posteriormente neste trabalho, não sendo suficientes para sua decretação meros indícios inoperantes e incapazes de demonstrarem a materialidade do crime e a existência da autoria, o que muitas vezes poderia ocasionar uma afronta aos direitos fundamentais da parte investigada.

 

1. ANTECIPAÇÃO DE PROVAS EX OFFICIO (art. 156, CPP)

            O nosso Código Penal Processual, em seu art. 156, estabelece que o encargo de provar aquilo que se alega em face de outrem caberá a quem fizer a alegação, no entanto, diante de algumas circunstâncias no caso concreto, faz-se necessário que está produção seja realizada de forma imediata, por meio de órgãos estatais, tendo em vista o comprometimento de seu perecimento e que futuramente não mais seja possível sua realização.

            Desta forma, o legislador observando o quanto o conjunto probatório poderia ser prejudicado, conferiu ao juiz, ex officio, a faculdade de produzir de forma antecipada a realização de provas, mesmo antes da ação penal, desde que sejam consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.

            Assim dispõe o Código Processual:

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:  (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

        I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; 

            Em meio a esta concessão, vários são os questionamentos apresentados por parte de doutrinadores e juristas que alegam o comprometimento do sistema acusatório, a violação da de competência e atribuições impostas na Constituição Federal, e a influencia na imparcialidade do juiz durante a apreciação do caso concreto, entre outras.

            Assim a interpretação do artigo 156, I, do CPP, dever ser interpretada restritivamente, levando em consideração o fumus comissi delicti (prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria) e o periculum libertatis (perigo da liberdade do acusado).

 

2. PROVA ANTECIPADA E O SISTEMA ACUSATÓRIO

            O sistema processual penal adotado no Brasil é o sistema acusatório, cujas funções de acusar, defender e julgar são exercidas por pessoas distintas, apresentando-se tal sistema como contrariedade ao exercício do juiz ordenar a produção antecipada de provas.

            Deste análise, como se pode permitir que um órgão jurisdicional, que deve julgar o processo de forma imparcial venha a intervir em um procedimento de investigação, cuja competência fora atribuída pela Constituição Federal ao Ministério Público e a polícia judiciária, sem que sobre este órgão jurisdicional não exerça nenhuma influência no momento de seu veredicto.

            Por outro lado, não é razoável que o juiz permaneça inerte diante de fatos notórios e acontecimentos terríveis que comprometem a ordem pública e a segurança da sociedade sem tomar nenhuma iniciativa, embora se espere que os órgãos competentes por estas atribuições façam sua parte com a maior eficiência.

            Então, ainda que semelhe ser uma exceção ao sistema processual adotado no Brasil, é justo que diante da materialidade e existência de um crime, quando sabido o prejuízo do da demora ao conjunto probatório, o juiz ordene a produção de provas antecipadas, pois, diante de acontecimentos gravosos o magistrado não deve assumir uma postura estática e ficar inerte.

 

3. LIMITES: PROVAS CONSIDERADAS URGENTES (Art. 366, CPP).

            Não se admite que o juiz, utilizando-se da faculdade conferida pelo legislador venha a seu livre arbítrio ordenar a produção de provas sem fundamentação e embasamento legal por interesse ou satisfação pessoal, ou mesmo por ter conhecimento de fato de forma informal através de conversas particulares ou simples publicação em jornais e revistas.

            Ao juiz se deve a observância dos requisitos urgência e relevância, bem como da necessidade, adequação e da proporcionalidade, tendo em vista que a ordem judicial ex officio de produzir provas antecipadas deverá ocorrem apenas em caráter excepcional.

            O Código Processual Penal confere outra modalidade de produção antecipada de provas ao juiz, além da anterior mencionada (art. 156, I, do CPP), está outra possibilidade deverá ocorrer quando já iniciada a ação e o acusado não comparecer em juízo, encontrando-se expressa no artigo 366, CPP, que assim dispõe:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

            Nestes casos, o acusado sofrerá os efeitos da revelia, a menos que constitua um advogado para que atue em sua defesa acompanhando o processo. Assim é razoável que o juiz proceda e ordene a antecipação de provas, sobre tudo das testemunhas, por serem pessoas que apenas presenciaram o sinistro, não tendo nenhum interesse na demanda, e cujo lapso temporal pode prejudicar a riqueza de detalhes que esta noticiante pode vir declarar, principalmente para aqueles de idade avançada, os quais podem nem sequer estarem vivos quando da realização da instrução probatória, e aquelas de idade madura, como crianças de baixa idade e os relativamente incapazes.

            Outro fato de grande relevância para que o juiz ordene a antecipação de provas durante o curso processual, tem sido a questão da residência e moradia de testemunhas, pois em muitos casos, as pessoas que presenciaram o(s) crime(s) são transeuntes, que nem sempre residem por aquela região do lugar em que o crime ocorrera podendo ocasionar a possibilidade de não mais serem encontrados para prestarem suas declarações, prejudicando o conjunto probatório.

            Deve-se observar, com base na súmula 455 do STJ, que deve ser concretamente fundamentada a decisão que determina a produção de provas com base no artigo 366 do CPP, não justificando unicamente o mero decurso do tempo.

SÚMULA 455. A DECISÃO QUE DETERMINA A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS COM BASE NO ART. 366 DO CPP DEVE SER CONCRETAMENTE FUNDAMENTADA, NÃO JUSTIFICANDO UNICAMENTE O MERO DECURSO DE TEMPO. (STJ)

 

            O Superior Tribunal de Justiça, tem se posicionado neste sentido, como mostra o julgado do HC 243.360/MS.

"HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. ART. 366 DO CPP. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. PROVA TESTEMUNHAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. MERO DECURSO DE TEMPO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. SÚMULA 455/STJ. URGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento de que o simples argumento de que as testemunhas poderiam esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo não autorizaria, por si só, a produção antecipada de prova, sendo indispensável fundamentá-la concretamente, sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal (Súmula 455/STJ).

2. No caso em apreço, verifica-se que o Juiz singular, ao determinar a produção da prova oral – testemunhas arroladas pela acusação -, deixou de apontar concreta e objetivamente qualquer outro elemento, que não o mero decurso do tempo, que evidenciasse o seu caráter urgente. 3. Ordem concedida para anular a decisão que determinou a produção antecipada de provas, bem como todos os atos dela decorrentes, sem prejuízo de nova determinação, desde que fundamentada em dados concretos da sua real necessidade."

(HC 243360/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2012, DJe 02/10/2012)

4. ANTECIPAÇÃO DE PROVAS DIANTE DE CRIMES GRAVES

            Como dito acima, o deferimento da decretação da antecipação de provas deverá ocorrer apenas em caráter excepcional, sendo justificável a sua decretação para elucidar crimes graves, realizados mediante violência, grave ameaça à pessoa, crimes que causem dano a um número indeterminado de pessoas (um mal coletivo, por ex.: tráfico de drogas) e os causadores de elevada perturbação no meio social.

            Tais condutas perturbam não apenas a ordem pública, mas também comprometem o direito à segurança das pessoas, presumindo uma grave ofensa à sociedade, capaz de constranger a todos, exigindo uma tutela de prevenção urgente antes que seus danos venham a incidir.

            Em razão disso, no sentido de combater tais crimes, deve-se utilizar de todas as formas legais para a produção de provas, sendo aceitável a produção antecipada de provas por apresentar características de relevância e urgência, cumulados com necessidade, adequação e proporcionalidade.

5. VITIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS E ANTECIPAÇÃO DE PROVAS

            Outro fator que tem contribuído para a antecipação da colheita de provas se trata de vítimas e testemunhas ameaças e incluídas no programa de proteção, pessoas que vivem coagidas ou exposta a graves ameaças em razão de colaborarem com o procedimento/processo.

            Estas pessoas terão prioridade durante a tramitação do inquérito ou do processo criminal, tendo em vista ser iminente tentativas de ofensas a sua vida ou integridade física durante esse lapso temporal por aqueles delituosos que presumirem serem possíveis denunciados.

            Assim, a Lei nº 9.807/99, dispõe:

Art. 19-A.  Terão prioridade na tramitação o inquérito e o processo criminal em que figure indiciado, acusado, vítima ou réu colaboradores, vítima ou testemunha protegidas pelos programas de que trata esta Lei.  (Incluído pela Lei nº 12.483, de 2011)

Parágrafo único.  Qualquer que seja o rito processual criminal, o juiz, após a citação, tomará antecipadamente o depoimento das pessoas incluídas nos programas de proteção previstos nesta Lei, devendo justificar a eventual impossibilidade de fazê-lo no caso concreto ou o possível prejuízo que a oitiva antecipada traria para a instrução criminal. (Incluído pela Lei nº 12.483, de 2011)

            Desta forma, vítimas e testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou o processo criminal terão seus depoimentos antecipados haja vista o perigo de não mais ser possível realizá-las em momento posterior.

            Apresentando-se assim como mais uma possível forma, conferida ao juiz, para que ordene a produção de antecipada de provas.

CONCLUSÃO

            Não obstante a concessão da faculdade ao juiz para declarar a antecipação de provas, a legislação é clara e expressa quanto à demonstração de urgência para a sua produção, fato este expressamente previstos nos art. 156, I, e art. 366, do CPP.

            Assim quando se tratar de antecipação de provas antes mesmo de iniciada a ação penal deve-se demonstrar a urgência e relevância, observando ainda, a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. Quando se tratar de processo em andamento, e o acusado estiver em revelia, poderá haver a antecipação das provas consideradas urgentes.

            Por tudo exposto, concluímos que a antecipação de provas é medida de caráter excepcional, fazendo-se necessário para tanto fundamentação suficientemente capaz de comprovar o prejuízo que a sua demora pode causar ao conjunto probatório.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 6ª Ed. Salvador. Juspodivm. 2011.

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: Esquematizado. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 123.003, da 11ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, Decisão 05 de dmarço de 2013. Dje: 15 de março de 2013.

GOMES, Luiz Flávio. Produção antecipada de provas. Fator temporal. Caso concreto. Disponível em <http://atualida desdodireito.com.br/lfg/2012/12/05/producao-antecipada-de-provas-fator-temporal-caso-concreto/>. Acesso em 17 abr. 2013.

MARCÃO, Renato. A produção antecipada da prova no art. 366 do Código de Processo Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.66, 1 jun.2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4118>. Acesso em: 17 abr. 2013.


([1]) Estudante de Graduação do 7º semestre do curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAP – CE.

([2]) Estudante de Graduação do 6º semestre do curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAP – CE.