Ansiedade... Realidade... Culpa? Libertação?

Por Reinaldo Müller (Reizinho) | 16/05/2012 | Filosofia

Na medida em que o indivíduo sente a ansiedade comum às situações de vida, ele está fazendo seu desenvolvimento normal.

Quanto melhor viva a ansiedade, melhor será seu desenvolvimento. 

O avanço, em termos de desenvolvimento é proporcional à vivência mais parcial ou mais completa da ansiedade. 

A ansiedade neurótica é uma forma mais constritiva, não criadora, que resulta do fracasso do indivíduo de mover-se, de ir além de situações de ansiedade normal. 

Há ansiedade em qualquer atualização de possibilidades...

Quanto mais possibilidade ele tiver maior será seu potencial de ansiedade. Temos aqui a classificação de ansiedade na sua acepção mais freqüente: a neurótica. Na teoria de Kierkegaard, ansiedade neurótica é conseqüência da recusa de viver a ansiedade normal, prejudicando assim o desenvolvimento.

O indivíduo renuncia às possibilidades que as situações oferecem, deixa de ser criador, vive um conflito de forma regressiva recuando para posições anteriores evitando a ansiedade que a situação envolve. 

"Possibilidade significa "Eu posso". Em um sistema lógico é suficiente dizer que a possibilidade torna-se realidade. Mas isto não é fácil, um determinante intermediário é necessário. Este determinante intermediário é a "ansiedade". 

Uma vez que eu vejo determinadas direções possíveis, concomitantemente, tenho a vivência do "Eu Posso". Posso escolher entre elas e ir adiante ou posso simplesmente renunciar a qualquer avanço e permanecer onde estou, recusando as oportunidades... 

Esta vivência provavelmente é arcaica, situa-se nos primórdios da história do desenvolvimento de cada personalidade. Mas é uma experiência decisiva. Algumas vezes, entretanto, por temor, as pessoas renunciam à ansiedade e perdem os benefícios fundamentais do "Eu posso". 

O mito de Adão retrata o despertar interno do indivíduo para a auto-consciência. Quanto mais consciência, mais eu! 

Kierkegaard refere-se ao início da vida, interpretando o mito de Adão como uma representação poética do instante em que o indivíduo se coloca frente a si mesmo. Um dar-se conta da própria contingência, da própria limitação, é dar-se conta também das suas possibilidades, pois é o conhecimento da limitação que enseja a consciência da possibilidade. 

O Eu emerge, então, desse conscientizar-se. O Eu, sendo a instância que decide e controla a economia das vontades e dos afetos e a dinâmica da personalidade, será tanto mais eficiente quanto mais dominar os mecanismos através dos quais opera. 

Há uma alusão aqui ao inconsciente que não estava definido nesta época e muito menos incorporado ao pensamento científico ou filosófico de então. Como sabemos sua definição só foi surgir, posteriormente, com Freud. 

Toda pessoa que esteve seriamente doente experimentou a ansiedade de não ficar boa, flertava, porém, com o risco de não se recuperar, pois, o indivíduo simpatiza com a possibilidade que mais odeia ou teme. Aqui estamos novamente diante de lampejos de compreensão da dinâmica do inconsciente. Toda vez que tememos algo, ao mesmo tempo desejamos este algo. 

Assim é quando nos vemos face a um conflito ou diante de uma situação que provoca nossa tendência mais forte. Mas, é forte também a tendência a evitar a coisa, a não assumir, a renunciar, a regredir a posições anteriores mais seguras e portanto menos provocadoras de ansiedade.

Em situação de terapia vê-se claro, como as pessoas, em função de ganhos secundários, simpatizam com aquilo que odeiam. Há vantagens para a parte não sadia, dissociada do ego, porque isto significa a negação do problema e portanto um meio de apaziguamento, um recurso para evitar a ansiedade. 

O indivíduo sadio vai adiante a despeito do conflito, de seus medos, enquanto que a pessoa doente refugia-se numa condição de defesa, sacrificando sua liberdade. É a confirmação do que se explicava: quanto maior o número e a intensidade das defesas, menor o desenvolvimento pessoal, maior o sacrifício das possibilidades, maior o empobrecimento da personalidade. 

Não há experiência mais dolorosa do que a ansiedade. Mas, ao fugir da ansiedade o indivíduo perde sua mais preciosa oportunidade de desenvolvimento como ser humano. A ansiedade é melhor professor do que a realidade, pois, qualquer um pode, temporariamente, fugir à realidade evitando situações desagradáveis; mas a ansiedade é uma fonte de educação sempre presente, porque o indivíduo a carrega consigo mesmo. 

Há aqui um paralelo entre ansiedade e realidade, colocando as duas como fontes primordiais de educação, entendendo-se esta como desenvolvimento da personalidade. A realidade é o fato externo pressionando o sujeito a ser objetivo, a manter com ela um relacionamento objetivo. A ansiedade é o fato interno impelindo-o a este relacionamento também objetivo com a realidade internalizada que permite o relacionamento com a realidade externa. 

 Kierkegaard, porém, considera que a realidade não é tão boa mestra quanto a ansiedade. Daquela se pode fugir, ainda, que temporariamente, enquanto que desta, por ser algo interno é mais difícil fazê-lo. A não ser que ele se recuse a vivê-la, entrando então em problemas de repressão e depressão.

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