"Animula Vagula Blandula" (pequena alma flutuante) - Memórias do Imperador Adriano - in Marguerite Yourcenar (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 16/09/2014 | CrônicasMemórias do Imperador Adriano Animula Vagula Blandula (pequena alma flutuante) (in Marguerite Yourcenar) "(...) Os métodos dos gramáticos e dos retóricos são, talvez, menos absurdos do que eu imaginava na época em que lhes estava sujeito. A gramática com sua mistura de regras lógicas e de uso arbitrário, propõe ao espírito jovem um antegosto do que lhe oferecerão mais tarde as ciências da conduta humana, o direito ou a moral, todos os sistemas, enfim, em que o homem codificou sua experiência instintiva. Quanto aos exercícios de retórica, em que éramos sucessivamente Xerxes(1) e Temístocles(2) , Otávio(3) e Marco Antonio(4) , arrebatavam-me e eu me sentia um novo Proteu(5) . Tais exercícios me ensinaram a penetrar alternadamente no pensamento de cada homem e a compreender que cada um se decide, vive e morre segundo suas próprias leis. A leitura dos poetas surtiu efeito mais perturbadores ainda: não estou certo de que a descoberta do amor seja necessariamente mais deliciosa do que a da poesia. Esta me transformou: a iniciação à morte não me levará mais longe num outro mundo do que o crepúsculo de Virgilio(6) . Mais tarde preferi a rudeza de Ênio(7) , tão próxima das origens sagradas da raça ou a sábia amargura de Lucrécio(8) , ou a graça generosa de Homero(9) , ou ainda a humilde parcimônia de Hesíodo(10) . Apreciei, sobretudo, os mais complicados e os mais obscuros poetas que obrigavam meu pensamento à ginástica mais difícil, fossem mais recentes ou mais antigos, desde que me franqueassem novos caminhos ou que me ajudassem a encontrar as pistas perdidas. Naquela época, porém, eu preferia, na arte dos versos, aqueles que falavam mais diretamente aos sentidos, como o metal polido de Horácio(11) ou a brandura voluptuosa de Ovídio(12) . Escauro desanimou-me ao afirmar que eu nunca seria mais do que um poeta medíocre: faltavam-me o dom e a aplicação (...)" (pág. 34) (13) . Notas do autor: (1) Rei Persa, filho de Dário I, viveu no Século V a. C.. O mesmo do filme: "Os 300" (com Rodrigo Santoro). Foi assassinado por seus próprio soldados (465 a.C). (2) General Grego da Era Clássica (Período de Péricles e sucessores), que veio do povo e por isso foi rejeitado pelas elites. Derrotou as tropas do Império Persa na fomosa batalha de Salamina em 29 de setembro de 480 a.C. com sua engenhosidade no combate no mar (desenvolveu um tipo de embarcação invencível que pegou os persas de surpresa em suas naus vulneráveis e muitas vezes superior em número). Temístocles depois de tantas glórias foi exilado da Grécia e acabou se refugiando - por ironia do destino - junto aos próprios inimigos persas que o acolheram e lhe deram proteção até o final de sua vida. (3) (Vide Imperador Augusto ("Otacviano Augusto", segundo dos "Doze Césares", reinou durante 44 anos, conforme a História do Suetônio). (4) Consul Romano na época de "Julio Cesar" (o mesmo do filme "Cleóptera") e que participou do segundo triunvirato (após a morte de Julio Cesar em 44 a.C. o Império Romano foi dividido em três partes, cabendo a Marco Antonio o Egito/Africa, a Otacvio Augusto a Itália e a Marco Emílio Lépido a Península Hispânica. (5) Na mitologia grega: deus Marinho, pai dos titãs: Poseidon, Tétis e Oceano. (6) Poeta romano que nasceu em 70 a.C, cujo nome era Públio Virgílio Marão. Considerado um dos mais importantes poetas de Roma e precursor da língua latina (autor de "Eneida"). Assim como a escritora Marguerite Yourcenar, era admirador da cultura helênica. Influenciou escritores do quilate de Dante (da Divina Comédia) e Fernando Pessoa. (7) Deusa da mitologia grega, destruidora das cidades, sempre vista coberta de sangue e levando armas nas mãos, filha de Zeus e Hera. (8) Poeta romano que viveu entre 99 a.C e 55 a.C. Para ele a "alma é imortal".Viveu quarenta e quatro anos e segundo se sabe suicidou-se num momento de loucura. Ele afirma que o medo da morte criou o mito da imortalidade da alma. (9) (9)Homero dispensa apresentações. Vide Ilíada e Odisseia (Guerra de Troia). (10) Poeta grego contemporâneo de Homero (atividade por volta de 750 a 650 a.C), ambos tido como principais difusores da cultura grega (poesia oral da antiguidade - narrativa épica). (11) Poeta romano e amigo de Virgílio. Estudou em Atenas e foi protegido pelo Imperador Augusto, podendo se dedicar integralmente a poesia. Alguns temas presentes fazem parte de sua obra (doutrina epicurista: brevidade da vida e a necessidade de tranquilidade e de se aproveitar o momento presente). Epicurismo: é o sistema filosófico que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos. (12) Públio Ovídio Naso. Poeta romano, nasceum em 43 a.C e também estudou em Atenas. Escreveu sobre o amor, mitologia, sedução e exílio. Vivia uma vida boêmia, sendo admirado por toda a Roma antiga como um grande poeta. No ano 8 d.C., foi banido de Roma pelo imperador Augusto. Não é sabida a causa do banimento, mas muito provavelmente o seu envolvimento num escândalo com Júlia, a neta do imperador. (13) Bom, Márcia, se vc chegou até aqui, lembre que "Memórias de Adriano" é um romance da autora que estudou profundamente História do Império Romano e imaginou o que seriam as memórias daquele imperador. Isso vale também para a "poesia", segundo ela..