ANIMAL NOTURNO

Por Paulo Valença | 15/12/2009 | Contos

ANIMAL NOTURNO

1

A noite envelhece. O automóvel corta a Avenida João de Barros para entrar à direita n a Agamenon Magalhães, em sentido da praia de Boa Viagem.

O trânsito de carros, motos e bicicletas reduzido facilita, como é natural, que o carro avance com maior facilidade.

O homem "coroa" à direita observa as calçadas laterais com os pedestres apressados, cumprindo o destino imposto pela sobrevivência. Quantos desses não têm problemas familiares, à sua semelhança, com a esposa paraplégica, deformada pela doença, acabando-se aos poucos? Quantos... Para que a angústia de pensar nisso?

- Se não me bastassem os anos de tormento...

Diz baixinho, dando voz à indagação que sempre o atormenta. Até quando assim?

- Só o futuro me dirá!

Cruza o viaduto e acelera avançando, para logo avistar a praia, com o calçadão, as barracas, pedestres e garotas que em duplas ou sozinhas buscam o próximo parceiro no jogo do amor. Qual dessas o agradará. Fará com que estacione o carro e a convide para jantar e depois fazer o amor no motel próximo?

Diminuindo a marcha, vai analisando-as, enquanto sente o sangue correr com mais força na fonte e nas batidas do coração emocionado.

Indiferente às cenas de veículos e dos seres humanos no jogo do interesse carnal o mar chega e devagarzinho morrena praia de areia amarelada pela iluminação mercúrio dos postes aqui e ali.

Sem tardar, pára o carro ao meio-fio. Desce o vidro e, sorrindo, o rosto encara a jovem de blusa branca, decotada e calças bege, justas.

- Tudo bem "gata?".

Ela se avizinha. Alta, esguia, morena. Os olhos negros, grandes. O cabelo escorrido, curto. O andar gracioso. A voz cantada, sexy:

- Tudo "jóia".

- Como é, quer jantar comigo?

Mantendo o sorriso de covinhas ela aquiesce:

- Aceito.

Ele abre a porta do carro e ela movendo-se com a feminilidade do charme da idade adentra. E o carro parte macio.

2

O carro estaciona.

- Gostei muito de você, "gata". Tome o meu cartão. Ligue pra mim. Tchau.

- Tchau!

Ela repete, fitando o rosto magro, envelhecido. De traços grosseiros, cabelos grossos, rentes no crânio oval do sujeito, que sorri e voltando a atenção ao vidro sobre a direção, liga o carro e parte.

A mocinha caminha.

Na mente, as cenas praticadas,solicitadas pelo "cliente". Até quando se submeterá à humilhação de vender o corpo, a própria alma? Ah, se não fosse à necessidade de sobrevivência, a mãe doente, os irmãos pequenos...

- Mas, um dia saio dessa!

O banco vazio. Senta-se. Abre a bolsa a tiracolo. Retira o vidrinho e abrindo-o, deixa o pó branco cair sobre as costas da mão e, abaixando-se, aspira-o, para se sentir renovada, "outra", e enfrentar a própria realidade.

Seus passos conduzem-na à próxima cena. Já então a madrugada abraça a praia, os casais dispersos, os carros em número menor, os edifícios altos, imponentes, modernos, de luzes nas varandas e dependências.

A figura vai se afastando.

Adiante, de repente, o carro importado pára. O rosto do rapaz surge e ela ouve a"cantada" conhecida:

- Vamos dar um "giro" por aí, tesão de mulher?

Aí à semelhança do animal que investirá sobre a presa, ela rebolando-se com sensualidade, se avizinha.

A porta se abre, acolhendo-a.