Animais em campo

Por Laércio Becker | 11/11/2011 | Sociedade

Por Laércio Becker, de Curitiba-PR

Quem não se lembra do polvo Paul? Durante a Copa de 2010, disputada na África do Sul, ele previu – e acertou – os resultados de todos os sete jogos da Alemanha, além da final entre Espanha e Holanda. Estatisticamente, uma performance surpreendente. Perguntem a quem não ganhou nos bolões da época, ou a quem aposta na Loteria Esportiva. Por isso, Paul virou celebridade, com louvor. Morreu em outubro do mesmo ano e ganhou um monumento no aquário de Oberhausen, em que vivia. Mas que outros animais entraram para o folclore do futebol?

O burro Faísca

Os fundadores do Fluminense, quase todos educados na Suíça e na Inglaterra, queriam fazer um clube impecável. Por isso, em 21.10.1903, eles decidiram contratar “um homem competente para dirigir o serviço de capinação do campo”.

Só que a foice não dava bons resultados. Por isso, importaram da Inglaterra uma moderníssima máquina de cortar grama, movida por força animal. Para operá-la, compraram um burro que, segundo Paulo Coelho Netto, era da linhagem do famoso Ruço, de Sancho Pança – o escudeiro de Dom Quixote. Não é de duvidar, o Fluminense era aristocrático pra burro.

Pois Faísca não decepcionou: executou seus afazeres estatutários de forma serena, pachorrenta e com “inalterável gravidade”. Daí que mereceu nada menos do que uma menção especial no Relatório de 1904, que o integrou na história oficial do Fluminense: “o animal que compramos tem dado provas de resistência”.

O detalhe é que Faísca usava “luvas” nas patas, para impedir que as ferraduras provocassem sulcos no gramado. Por isso, era considerado simplesmente o burro mais chic do Rio de Janeiro. Não podemos esquecer que, por incrível que pareça, a Gazeta de Notícias de 10.07.1908 (apud Needell) recomendava aos cariocas o uso de luvas durante o dia... o nobre Faísca seguia à risca a importante recomendação!

A experiência de usar animais para aparar a grama não ficou restrita ao ilustre Faísca. O São Cristóvão FR, décadas depois, ficou famoso por usar carneiros no estádio da rua Figueira de Melo. Não para puxar cortadores de grama, mas para eles mesmos se alimentarem dela. A altura fica bem rente ao solo, o problema é que eles não usam fraldas... De qualquer modo, esse costume conferiu ao clube cadete uma nova mascote, bem adequada à cor branca de seu uniforme: o Carneiro.

 

Fontes:

COELHO NETTO, Paulo. O Fluminense na intimidade. Rio de Janeiro: Borsoi, 1969. v. 2, p. 79.

NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 199, 322.

ROCHA, Aristides Almeida. A simbologia animal no esporte. São Paulo: Scortecci, 2000. p. 36.

O mundo de Sofia, a chimpanzé

O Villa Isabel Football Club tinha seu campo no Jardim Zoológico da Vila Isabel – onde foi disputado o primeiro jogo de futebol noturno no Brasil (ver nosso artigo sobre “Primeiros jogos noturnos”). Daí que era muito comum a inteligente chimpanzé Sofia abrir sozinha sua jaula e entrar no campo durante as partidas. Para desespero dos jogadores, ela gostava de correr atrás deles, sob aplausos e risos da torcida. O jogo era interrompido até que Sofia voltasse para a jaula.

 

Fonte:

OLIVEIRA, Lili Rose Cruz. Vila Isabel de rua em rua. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 2005. p. 44-5.

A estrela de Biriba

Acho que o animal mais famoso do futebol brasileiro é cãozinho Biriba. Tudo começou com o zagueiro Macaé, que saiu da reserva do Botafogo para jogar no Bahia e, numa única partida, conseguiu a façanha de marcar três gols contra. (Não é o recorde nacional que, segundo a Placar Tira-Teima, é do zagueiro Branco, do Metropol. Ele marcou quatro gols em favor do Flamengo do Piauí, num amistoso entre juvenis, em Teresina, em 1965. Apesar de seu notável esforço, o Metropol ganhou de 5x4.)

Depois dessa exibição de gala, Macaé voltou fugido ao Rio de Janeiro, onde se instalou numa pensão em Copacabana, em 1948. Perto dali, um cão vira-lata preto e branco chamado Joá latia à noite toda e já era ameaçado de virar sabão. Para salvá-lo da saboneteira, Macaé levou-o para passear em General Severiano, justamente quando os reservas do alvinegro jogavam com o Bonsucesso. Pois durante um ataque botafoguense, Biriba invadiu o campo para urinar na trave do Bonsucesso, o goleiro se distraiu e a bola entrou. Diante dessa atuação perfeita, Carlito Rocha, presidente do Botafogo e extremamente supersticioso, deu ordens para que Joá, agora com o nome de Biriba, fosse levado a todos os jogos do seu time.

Quando precisava esfriar a partida, Carlito mandava Macaé soltar Biriba em campo, para quebrar o ritmo do adversário. P.ex., em 21.11.1948, na rua Bariri, pelo campeonato carioca, quando o Botafogo perdia para o Olaria por 3x1, Biriba deu uma corridinha pelo campo e o Fogão virou para 4x3.

Ainda em 1948, antes de uma partida, Biriba urinou na perna de um jogador e o Botafogo venceu. Foi o suficiente para que Carlito mandasse urinar naquela perna antes de todas as partidas seguintes. Resultado: o Botafogo, que amargava um jejum desde 1935, foi campeão carioca.

Por essas e outras, Biriba era tratado a pão-de-ló. Recebia os melhores pedaços de carne e o porteiro do clube ainda tinha que provar primeiro, para evitar que fosse envenenado por um clube adversário. Ou seja, perder o porteiro, vá lá, mas perder Biriba, jamais!

Em compensação, sua presença em amistosos rendia uma quota extra no cachê para o clube. P.ex., em dois amistosos com o Corinthians, após o título de 1948. Após a vitória carioca na primeira partida, um delegado mandou prender Biriba antes da segunda. Resultado: o Botafogo perdeu por 2x1.

Biriba mandava e desmandava. Certa vez, rosnou para Zizinho que visitava General Severiano, durante as tratativas para sua contratação. Foi o suficiente para não ser contratado.

Em 1960, Biriba morreu e foi enterrado com honras de herói. Era o fim do estrelato de Biriba no clube da estrela solitária – que, no entanto, continuaria com a fama de supersticioso. E sua torcida ainda ganhou o apelido de “cachorrada”.

 

Fontes:

BELLOS, Alex. Futebol: o Brasil em campo. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 176-8.

MATTOS, Cláudia. Cem anos de paixão: uma mitologia carioca no futebol. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 114-5.

PLACAR Tira-Teima, nº 1, nov. 1997, p. 78.

O macaquinho Super-Biriba

O sucesso de Biriba ultrapassou as fronteiras do Rio de Janeiro. Em São Paulo, os dirigentes do Comercial FC, da capital, resolveram adotar uma versão local para ver se melhorava um pouco a sorte de seu plantel, que não estava nada bem. Por isso, em 1949, lançaram o “Super-Biriba”: um macaquinho vestido com o uniforme do clube, em tamanho confeccionado especialmente para ele.

Só que, ao contrário do quase-xará canino, seu côver primata infelizmente não mudou a sorte do Comercial, que terminou na lanterna e foi rebaixado.

 

Fonte:

RIBEIRO, Rubens. O caminho da bola. São Paulo: CNB, 2000. v. 1, p. 603.

Danúbio rubro-verde

Acho que nem Biriba chegou a tanto.

Osvaldo Fratucelli foi um grande torcedor do Velo Clube, de Rio Claro (SP). Além de acompanhar os jogos do rubro-verde, gostava de adestrar e passear com seu cão, um pastor belga de nome Danúbio. Um dia, Osvaldo resolveu unir suas duas paixões: simplesmente filiou Danúbio no quadro de sócios do Velo!

Com direito a carteirinha e tudo, e pagando religiosamente as mensalidades, Danúbio e Osvaldo compareciam a todos os eventos promovidos pelo clube, contagiando a torcida do Galo rioclarense.

 

Fonte:

A.E. Velo Clube 100 anos. Rio Claro: Velo Clube, 2011. p. 414-5.

Faltou coleira no Chile

Copa do Mundo no Chile, 10.06.1962, Brasil 3x1 Inglaterra. Garrincha fez de tudo, menos... capturar um cachorro que invadiu o campo, ao melhor estilo Biriba. Nem Garrincha, nem o juiz, que saiu correndo atrás do cãozinho. Quem conseguiu a façanha foi o volante inglês Greaves, que ficou de quatro fazendo au-au até conseguir agarrá-lo. Deve ter sido uma interpretação bastante convincente.

Depois ainda teve um segundo Biriba no mesmo jogo. Só que esse ninguém conseguiu pegar, nem Greaves. Ele mesmo é que resolveu sair de campo, fugindo por baixo do alambrado.

 

Fontes:

CASTRO, Ruy. Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha. 13ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 253.

EMEDÊ. Loucuras do futebol. 3ª imp. São Paulo: Panda, 2005. p. 20.

Um Sherlock Holmes canino

Três meses antes de começar a Copa de 1966, a Taça Jules Rimet, feita de prata esterlina coberta de ouro e decorada com lápis-lazúli, ficou em exposição no Salão Central em Westminster, Londres. Em 20.03.1966, foi roubada, o que ameaçava o brilho da premiação. Pouco depois, um bilhete exigia 15 mil libras de resgate. O autor do bilhete foi preso, mas se recusava a dizer onde havia escondido o troféu.

Aí entrou em ação o cão Pickles, que, quando passeava com seu dono, descobriu a taça, enrolada em jornal num pacote, embaixo de uma cerca viva. O dono, fã de futebol, identificou a peça e a entregou às autoridades. Resultado: Pickles virou uma celebridade e chegou a comparecer à festa da vitória da seleção inglesa.

Em 1983, o troféu foi roubado novamente no Rio, mas dessa vez nenhum Pickles o recuperou.

 

Fonte:

STALL, Sam. 100 cães que mudaram a civilização. São Paulo: Prumo, 2009. p. 167-8.

Tem leitão na rede

Segundo Ruy Castro, muitas das saborosas histórias de Sandro Moreyra foram por ele inventadas e viraram lenda.

Mesmo assim... conta Sandro que, certa vez, o Olaria foi fazer um amistoso no interior de Minas, num campo bom, mas de instalações precárias. Quando o ponta-direita alvi-anil foi centrar a bola, um leitãozinho cruzou sua frente e o jogador não conseguiu conter o movimento do pé. Resultado, centrou o leitão em vez da bola. Pior é que Jair Pereira não percebeu e cabeceou o leitãozinho, que entrou no canto do gol. O juiz, após alguma indecisão inicial, acabou confirmando o gol, alegando que a regra é omissa a respeito.

 

Fontes:

CASTRO, Ruy. Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha. 13ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 261.

MOREYRA, Sandro. Histórias de Sandro Moreyra. Rio de Janeiro: JB, 1985. p. 79-80.

 

O bode que não era expiatório

Quando o Canindé ainda era do São Paulo, um belo dia chegou por lá um bode. Chegou e não saiu mais. Dos funcionários, atletas e sócios ganhou a simpatia e o imperial nome de Augusto. E virou um talismã do tricolor. Digamos, uma versão menos radical de Biriba.

Curiosamente, passado algum tempo, Augusto começou a demonstrar sinais de que era viciado – em tabaco. Bastava sentir o cheiro e se punha em duas patas para abocanhar maços de cigarro dos bolsos dos desavisados. Depois, mascava e comia “normalmente”.

Tempos depois, infelizmente morreu atropelado. Coincidência ou não, depois disso, o São Paulo passou por um período de vacas (ou cabras?) magras, nos anos 60.

 

Fonte:

ROCHA, op. cit., p. 30.

Deu bode

Em 30.03.1969, pela enésima vez o Náutico receberia o Sport em seu estádio. Só que havia cinco anos e três meses que o Timbu estava invicto nos Aflitos, em campeonatos estaduais.

Daí que três diretores do rubronegro – Fernando Samico, João Brito e Clóvis da Silveira Barros (o Coca) – resolveram apelar para o Além. Foram ao Palácio de Iemanjá, em Olinda, para contratar os serviços de Pai Edu. Não contentes com isso, resolveram levar um bode ao estádio, para o que tiveram a aprovação de Pai Edu.

No dia do jogo, soltaram o bode envolvido num pano alvirrubro. Assustado com a gritaria da torcida, que estava espantada, o bicho pulou o alambrado e saiu correndo pelo campo até entrar no gol da Rua da Angustura, onde ficou preso na rede, até que funcionários do Náutico e da Federação o retirassem de lá.

Resultado: o Sport 1x0, tento marcado justamente no gol em que entrou o bode premonitório.

 

Fonte:

ARAGÃO, Lenivaldo. Deu bode no jogo. Diário de Pernambuco, 24.08.2009. Coleção “Paixão Traduzida em Cores”, fascículo 20, p. 17.

Os elefantes estão chegando

Quando venceu a segunda divisão paulista de 1952, o CA Linense organizou uma parada em comemoração, da qual até um circo participou. Como, no circo, havia até elefante, dizem Farah Neto e Kussarev Jr. que foi aí que o clube ganhou a mascote e o apelido: Elefante da Noroeste. Não por outro motivo, nesse mesmo ano (cf. Guia Oficial do Campeonato Paulista), o escudo do clube passou a ostentar um elefante. Excelente escolha porque, em heráldica, o elefante simboliza força, grandeza, opulência e potência.

Luiz Fernando Bindi conta outra história, que não sei se é outra versão da anterior ou se coexiste com ela, já que são compatíveis. Campeonato paulista, 13.12.1953. Em seu ano de estréia na primeira divisão, o Linense aplicou um inapelável 4x0 no São Paulo. A euforia foi tamanha que a diretoria disse que todos os jogadores teriam que desfilar sobre um elefante, que já era a mascote deles. Os torcedores se cotizaram, arranjaram um elefante de um circo da região e o sonho foi realizado.

O citado Guia Oficial informa que, muito tempo depois, o Linense ainda promoveu um desfile de elefantes na pista de atletismo do estádio local.

Mas elefante não é monopólio do Linense. Em 1978, a Ponte Preta foi a Itu fazer um amistoso beneficente. Após a entrada dos dois times, qual não foi a surpresa de ver um elefante despontar pela boca do túnel, carregando na garupa o árbitro Dionísio Maurício Brandão, feito um rajá. Por quê? Provavelmente pela fama de Itu, a cidade em que tudo é grande. Depois dessa chegada triunfal, o ilustre paquiderme foi convidado a dar o pontapé inicial.

 

Fontes:

BERTAZZOLI, José. Ponte Preta 100 anos: luta, obstinação e vitória. Campinas: ed. do autor, 2000. p. 150.

BINDI, Luiz Fernando Bindi. Futebol é uma caixinha de surpresas. São Paulo: Panda, 2007. p. 160.

FARAH NETO, José Jorge; KUSSAREV JR., Rodolfo. Almanaque do futebol paulista 2001. São Paulo: Panini, 2001. p. 188.

MOYA, Salvador de. Biblioteca genealógica latina: simbologia heráldica. São Paulo: Instituto Genealógico Latino Brasileiro, 1961. p. 96.

UNZELTE, Celso; DUARTE, Orlando; KUSSAREV, Rodolfo. Campeonato Paulista: guia oficial 2009. São Paulo: FPF, 2009. p. 44.

 

Galinha no gol

Aquidauana, Mato Grosso do Sul, Liga Católica x Noroeste. Lá pelas tantas, o atacante Osni bate uma falta de fora da área, a bola bate numa galinha que tinha pousado no meio da grande área, desvia sua rota e engana o goleiro Peixoto, indo para o fundo da rede. Gol validado para a Liga Católica... com a bênção do Espírito Santo.

Será por isso que o Noroeste de Aquidauana, segundo Ernani Buchmann, é conhecido como Galo Ferroviário? Ou, por uma enorme coincidência, o gol da galinha foi sofrido justamente pelo Galo?

Há uma outra história com galinha. Ocorrida justamente no Porto de Galinhas, Pernambuco, em outubro de 2009. Para promover as belezas locais, a prefeitura resolveu fazer um jogo contra uma Seleção Brasileira de Blogueiros. Seu adversário foi escolhido numa enquete: o Íbis venceu – o que já é estranho. Mais surpreendente ainda é que: 1) também venceu a partida; 2) por 8x0; 3) em apenas 40 minutos de jogo; e 3) jogando com o time juvenil! Detalhe: os blogueiros estavam tão fora de forma que nada adiantou jogarem com cinco jogadores a mais, mais uma mulher (que mostrava os peitos para desconcertar os juvenis do Íbis) e uma galinha!

Peraí, uma galinha? Sim. Em determinado momento do jogo histórico, o meia Rodolfo, do Íbis, deu um chapéu num blogueiro, deu um toque de letra, driblou outros dois, passou pelo goleiro e chutou para marcar um golaço quando... uma galinha invadiu o gramado e tirou a bola em cima da linha. Apontada como a heroína dos blogueiros, ela voltou no segundo tempo, como 18º jogador.

 

Fontes:

BINDI, op. cit., p. 70.

BUCHMANN, Ernani. Quando o futebol andava de trem. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002.

LEAL, Israel. O vôo do pássaro preto: a história do Íbis, o pior time do mundo. Olinda: Livro Rápido, 2010. p. 90-3.

 

O urubu da sorte, com perdão do oximoro

Maracanã, 01.06.1969. Havia dois anos que o Flamengo não conseguia vencer o Botafogo. Pouco antes de começar a partida, torcedores flamenguistas soltaram um urubu de verdade no estádio, com uma bandeirinha rubro-negra amarrada na pata. Depois de pousar caprichosamente no centro do gramado, onde passeou muito à vontade, alçou vôo e sobrevoou a geral, para delírio da galera, que gritou “é urubu, é urubu!”. Deu sorte: o Flamengo venceu por 2x1, pondo fim ao jejum.

Há alguma controvérsia quanto aos autores da façanha. Segundo Carlos Eduardo Mansur e Luciano Cordeiro Ribeiro, teria sido o torcedor Luiz Octávio Machado, professor de Educação Física e morador do Leme, que pegou um urubu num depósito de lixo no Caju. Já para Luís Miguel Pereira, foram Luiz Otávio Vaz (será a mesma pessoa?), Romilson Meirelles e Victor Ellery.

Independentemente da autoria, por que os inspirados torcedores escolheram um urubu?

Um motivo poderia ser o de provocar a fama de superstição do Botafogo (ver “A estrela de Biriba”, acima). Afinal, como bem coloca Câmara Cascudo, o urubu, por se alimentar de animais mortos, é considerado uma ave agourenta (em compensação, também é esperta e, em alguns contos folclóricos, figura até com relativa simpatia). Perfeita, portanto, para assustar os botafoguenses mais supersticiosos.

Outro motivo é que, na década de 60, as torcidas rivais chamavam os rubronegros de “urubus”, como alusão ofensiva ao fato de haver muitos flamenguistas afrodescendentes. Então, eles resolveram, como se diz, “transformar o limão em limonada”. Porque, segundo José Miguel Wisnik, ao adotar o xingamento, é possível reverter “o caráter pretensamente negativo da expressão, imprimindo-lhe uma conotação orgulhosamente provocativa”. Assim como fizeram, p.ex, os pontepretanos com a Macaca, os tricolores com o Pó-de-arroz, os palmeirenses com o Porco e os coritibanos com o Coxa-Branca – mas que não fizeram os são-paulinos com o Bamby, os bugrinos com a Galinha e os torcedores da Briosa com a Burrinha, por motivos óbvios.

Só que, aparentemente, o urubu já era vinculado ao Flamengo há mais tempo, antes mesmo das provocações das torcidas adversárias. Em crônica publicada no Jornal dos Sports, em 01.11.1947, o famoso romancista – e rubro-negro fanático – José Lins do Rego conta que “Ari Barroso arranjou um urubu para o Flamengo, através de um verso do poeta Augusto dos Anjos”. O verso, do soneto Budismo moderno, é o seguinte: “Ah, um urubu pousou na minha sorte!”. O romancista, ao comentar isso, opinou que “o urubu do Flamengo é uma desgraçada boca de praga”.

A propósito, o urubu pode ter sido associado ao Flamengo porque a região próxima à sede da Gávea, antigamente, era um depósito de lixo a céu aberto, infestado de urubus – como bem descreveu o próprio José Lins do Rego, em crônica de 05.05.1945.

Bem, voltando a 1969, quando o vôo do urubu fez sucesso no Maracanã, nesse mesmo ano a torcida do Flamengo fez uma paródia do samba-enredo do Salgueiro (campeão desse ano), Bahia de Todos os Deuses, que cantava nos estádios. Lá pelas tantas, a versão flamenguista dizia: “Sou urubu, mas não faz mal”.

Também nesse ano, o cartunista Henfil deu vida, humanizou e popularizou de vez o urubu, no Jornal dos Sports. Segundo Marcelo Migueres e Celso Unzelte, por dois motivos. Em primeiro lugar, porque o mascote rubronegro de então, o Popeye, era muito americanizado. (Na verdade, o Popeye foi escolhido pelo cartunista argentino Lorenzo Molas, na década de 1940, por ser um marinheiro – afinal, Clube de Regatas... – que, quando comia espinafre – metáfora para a garra –, revertia situações impossíveis e tornava-se imbatível.) Em segundo lugar, porque o urubu traduzia a malandragem e o bom humor do carioca. Fato é que o trabalho de Henfil foi fundamental para consagrar como mascote do rubro-negro, desbancando o Popeye para segundo plano (embora o marinheiro ainda esteja presente em souvenirs). Aliás, mascote oficial, com direito a nome e tudo. Em 2000, foi batizado Samuca. Em 2008, mudou para Uruba e ganhou um filhote, o Urubinha.

Para encerrar, cumpre lembrar que, muito antes do Flamengo, os americanos já foram chamados de “urubus da Cidade Nova”, lá pelos idos de 1907, quando o uniforme do America era preto e sua sede ainda não era na Tijuca.

 

Fontes:

ALENCAR, Edigar de. O carnaval carioca através da música. 5ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985. v. 2, p. 501-2.

ASSAF, Roberto; MARTINS, Clóvis. Campeonato carioca: 96 anos de história. Rio de Janeiro: Irradiação Cultural, 1997. p. 402, 406.

BUARQUE DE HOLLANDA, Bernardo Borges. O clube como vontade e representação. Rio de Janeiro: 7letras, 2009. p. 508-10.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. 5ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. v. 2, p. 776.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Global, 2001. p. 711.

CASTRO, Marcos de. Notas. In: REGO, José Lins do. Flamengo é puro amor. 2ª ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2008. p. 145, 147-8.

COUTINHO, Edilberto. Zelins, Flamengo até morrer. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1995. p. 62, 71-2, 192-3.

CUNHA, Loris Baena. Flamengo: tua vida e tuas glórias. Rio de Janeiro: Maanaim, 2002. p. 42-3.

CUNHA, Orlando; VALLE, Fernando. Campos Sales, 118: a história do América. 2ª ed. Rio de Janeiro: Didática e Científica, s/d. p. 36.

MANSUR, Carlos Eduardo; RIBEIRO, Luciano Cordeiro. Clube de Regatas do Flamengo. Belo Horizonte: Leitura, 2009. p. 33-4.

MIGUERES, Marcelo; UNZELTE, Celso. Grandes clubes brasileiros. Rio de Janeiro: Fábrica de Livros, s/d. p. 105.

MORAES, Dênis de. O rebelde do traço: a vida de Henfil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1996. p. 96.

PEREIRA, Luís Miguel. Bíblia do Flamengo. São Paulo: Almedina, 2010. p. 29, 119, 135 e 183.

REGO, José Lins do. Flamengo é puro amor. 2ª ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2008. p. 34.

WISNIK, José Miguel. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 47-8.

 

Uma granja completa

O Guarany de Cruz Alta (RS) parece que se inspirou no urubu flamenguista e no Biriba botafoguense. Nas décadas de 80 e 90, sua torcida organizada começou soltando um galo ou uma galinha, da arquibancada para dentro do campo. O vôo da ave fazia sucesso na torcida. O juiz interrompia a partida, jogadores titulares e reservas, além dos massagistas, todos corriam atrás.

Depois, para mudar um pouco, começaram a soltar um pato, que deu vôos consagradores nos estádios de Cruz Alta, Ijuí, Pelotas, São Leopoldo, Passo Fundo e Porto Alegre, onde normalmente era bem recebido.

Muito criativa, a torcida queria mais novidade. Então, certa vez, planejaram lançar o pato de um avião. De paraquedas. Fizeram até uma faixa que o acompanharia nesse pouso histórico: “parabéns, pato paraquedista”. Só que a Aeronáutica não autorizou o plano mirabolante e ele foi solto ao modo tradicional mesmo.

 

Fonte:

CERETTA, Lino. Esporte Clube Guarany: uma história de 94 anos. Cruz Alta: ed. do autor, 2007. p. 127-8.

 

Peixe fresco

Partida de futebol amador, entre o Rio Cricket e Associação Atlética (RCAA) e o Flamenguinho de Cantagalo, na sede do RCAA, em Niterói. Em determinado momento, durante um ataque do RCAA, o lateral-esquerdo do time visitante gritou: “Caiu um peixe na minha cabeça!” O zagueiro-central perguntou se era um peixe-voador: não, era uma simples sardinha. Mas como, se o campo fica a uns dois quilômetros das águas da baía da Guanabara?

Os jogadores olharam para o céu e viram uma gaivota ou mergulhão sobrevoando o local, como que pensando em recuperar a presa que deixou cair. Em vão, porque a sardinha foi devidamente temperada, frita e devorada pelos premiados jogadores.

 

Fonte:

IORIO, Patrícia; IORIO, Vitor. Rio Cricket e Associação Atlética. Rio de Janeiro: Arte e Ensaio, 2008. p. 261.