Análise introdutória sobre a imprensa investigativa na cobertura do caso Isabella Nardoni

Por Phelipe Cavalcante | 24/10/2012 | Sociedade

 

Resumo:

 

O presente artigo surgiu para a realização de uma análise introdutória sobre a presença do sensacionalismo na atuação jornalística no Brasil. A tragédia da garota de apenas 5 anos, no edifício London, zona norte de São Paulo, onde os condenados são o pai da menina, Alexandre Nardoni, e a esposa dele, Anna Carolina Jatobá, entrou na pauta dos noticiários brasileiros durante vários meses e recebeu uma atenção jornalística intensa. Os meios de comunicação dos mais diferentes programas e linhas editoriais elegeram este caso para dar uma cobertura extraordinária,  muitas vezes, tentando trabalhar à frente da investigação policial. A Rede Globo de Televisão dedicou horas na difusão da mesma notícia, onde a cada momento reportagens exibiam de forma prolixa o desenrolar deste caso dramático, não apresentando nada de novo aos telespectadores, apenas despertando expectativas no público a cada abordagem.  Mas por que a garotinha Isabella recebeu tamanha atenção da imprensa e da própria sociedade, que acompanhou tão de perto este crime? E por que o jornalismo é fundamental para não somente noticiar, mas para formar juízo de valor sobre os fatos? E o que motivou as pessoas a acompanhar tão de perto esse crime?

Palavras-chave: Jornalismo; investigativo; Isabella Nardoni; Mídia; Imprensa investigativa; Violência infantil.


Introdução

  O jornalismo já faz parte da vida de todos. Do trabalhador informal ao empresário, do profissional da saúde ao do ramo de exatas, do desempregado ao universitário, do sem instrução ao rico fazendeiro, enfim, há uma busca por notícias. Todos os dias as pessoas estão recebendo informações dos mais variados meios de comunicação, desde os esportes à política, da violência urbana à economia, da cultura à tecnologia, e mais de uma série de assuntos difundidos se tornaram cotidianos e necessários para a sociedade. O que é extraordinário, fantástico, sensacional e inusitado chama a atenção e desperta sentimentos contagiantes no ser humano. O mesmo sentido nos clássicos literários, nas dramaturgias e produções cinematográficas. São poucos os que não se inclinam na busca pelo desenrolar de uma história. Principalmente no de uma trama ou suspense, envolvendo a mocinha e o bandido, numa batalha dualística entre o bem e o mal. Por certo mais que a atenção jornalística, o assassinato de Isabella de Oliveira Nardoni, no dia 29 de março de 2008, desencadeou uma série de sentimentos por justiça nos brasileiros.

  O caso da morte da garota foi acompanhado de perto por inúmeros periódicos nacionais e internacionais, com centenas de páginas contando e recontando a história que estava sendo escrita de forma incessante, além do preenchimento com destaques de espaços importantes nos noticiários televisivos do mundo inteiro, principalmente da Rede Globo de Televisão. Mais que a atenção jornalística, o assassinato gerou um envolvimento dos brasileiros com o fato. Sentimentos de revolta, indignação e busca de justiça levaram milhões a acompanharem de perto o desembaraçar da história.

Violência infantil no Brasil: Um caso entre milhares

A morte de Isabella chegou a ser citada nos espaços de comunicação internacional, ganhando tamanha repercussão. Para compreendermos tamanha repercussão e envolvimento das pessoas no caso, a psicologia humana tem uma explicação sobre o assunto quando, no processo cognitivo, os meios de comunicação exercem grande influência ao mostrar imagens fortes, comoventes e impactantes, mexendo com o imaginário popular, e é o que explica Mello e Souza:

Se a comunicação é um processo de reprodução simbólica, evidentemente a arbitração dos símbolos que representam a realidade e que dão sentido à interação humana configura uma operação ideológica. Logo, a atividade jornalística é eminentemente ideológica. Apreender os fatos e retratá-los através de veículos de difusão coletiva significa, nada mais, nada menos, que projetar visões de mundo. E é exatamente isso que os jornalistas fazem cotidianamente. Atuam como mediadores entre os acontecimentos, seus protagonistas e os indivíduos que compõem um universo sociocultural. (público destinatário) (MELLO e SOUZA, 1984, p. 39).

  Segundo pesquisa realizada pela 3Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), 159.174 crianças sofreram agressões domésticas no país. Estima-se que o número seja ainda maior, já que muitos casos sequer são denunciados. As estatísticas apontaram, ainda, que 40 mil dessas crianças ficam em estado grave e cerca de 4 mil delas morrem a cada ano (são, portanto, mais de 10 óbitos por dia).

  Outro dado assustador, de acordo com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em 70% dos casos de violência infantil, os agressores são os próprios pais. O caso Isabella, infelizmente, não é um caso isolado. Pelo contrário, os números de homicídios contra crianças são alarmantes em todo o Brasil.

  Desta feita, porque a história de um assassinato de uma garotinha teve tamanha e extraordinária repercussão? Será que era pouco ou nada provável que um crime como esse ocorresse em uma família da classe média? Presume-se que a repercussão se deu graças à atuação da imprensa, com seu excessivo foco na pauta, embora revelando poucos fatos significantes.

A cobertura do caso

  Conforme destacou o 4Jornal Folha de São Paulo, a Rede Globo, colocou 18 repórteres, 8 produtores e 20 cinegrafistas a campo, só na cobertura dessa pauta. As equipes dispensadas à cobertura resultaram no acréscimo de até 46% na audiência dos principais telejornais brasileiros, como o caso do Brasil Urgente, da Band. Um investimento muito alto segundo o periódico paulista. O levantamento foi feito na primeira quinzena após o crime é comparado com o mesmo período de 2007, ano anterior ao fato. A mesma reportagem publicada pela Folha de São Paulo também apurou que, em uma das edições do Jornal Nacional, o caso Isabella ocupou 15 minutos e 20 segundos do noticiário, o que representam 37% do telejornal mais importante do Brasil.

[...] Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria este tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato. Em casos mais específicos, inexiste a relação com qualquer fato e a “notícia” é elaborada como mero exercício ficcional [...] Um noticiário sensacionalista tem credibilidade discutível [...] (ANGRIMANI, 1995 p. 16).

   Sabendo que os picos de audiência atingiram níveis significativos, o caso passou de uma história trágica para um espetáculo dramático e contagiante. Recebendo um tratamento meramente sensacionalista, onde não se apresentavam novidades sobre o ele. Sabe-se que há diferenças entre a notícia e o que seria sensacionalismo ou espetacularização. Na argumentação de Danilo Angrimani (1995), ele define sensacionalismo como a extrapolação do real.

  Já no Dicionário da Comunicação (2002), sensacionalismo tem a seguinte definição:

1. Estilo jornalístico caracterizado por intencional exagero da importância de um acontecimento, na divulgação e exploração de uma matéria, de modo a emocionar ou escandalizar o público. Esse exagero pode estar expresso no tema (no conteúdo), na forma do texto e na apresentação visual (diagramação) da notícia. O apelo ao sensacionalismo pode conter objetivos políticos (mobilizar a opinião pública para determinar atitudes ou pontos de vista) ou comerciais (aumentar a tiragem do jornal) [...]

2. Qualquer manifestação literária, artística, etc. Que explore sensações fortes, escândalos ou temas chocantes, para atrair a atenção do público (BARBOSA; RABAÇA, 2002).

[...] O sensacionalismo está presente também na linguagem coloquial exagerada, na produção de noticiário que extrapola o real, no tratamento antianódino do fato, na “produção de uma nova notícia que a partir daí passa a se vender por si mesma”, “na exploração do vulgar”, “no destaque a elementos insignificantes [...] na valorização de conteúdos ou temáticas isoladas [...] e sem contextualização político-econômica-social-cultural” [...] (ANGRIMANI, 1995, p. 102).

De acordo com Angrimani (1995), o veículo de comunicação que adota a linguagem sensacionalista nas suas editorias é visto de forma negativa perante os demais. Inverdades, falta de apuração, erros e desvios jornalísticos, são resultados mais comuns de quem utiliza desse gênero.

  A ampla exposição deste caso na mídia provocou o clamor popular, eis que antes mesmo da liberação de qualquer laudo da pericia e decisão judicial diversas pessoas amotinadas cercavam o carro dos acusados clamando por justiça e taxando-os de assassinos. A partir daí, as manifestações prosseguiram nas casas dos familiares de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, no cemitério onde o corpo de Isabella está sepultado e também em sites de relacionamento, onde a mãe da menina recebeu 100 mil mensagens de apoio em apenas algumas semanas; revelando nessa atitude de populares a força da mídia como influenciadora. Influência essa, escondendo diversas outras intenções, como a busca descompromissada pela audiência, desviando-se da verdadeira prática do exercício profissional do jornalismo investigativo, transfigurando-se em uma atuação sensacionalista. De acordo com Sequeira (2005), os “profissionais repudiam a visão romântica do jornalismo investigativo como guardião da sociedade”. A autora destaca que isso ocorre uma vez que os jornalistas discordam que seus trabalhos estão no lugar – ou devem substituir – as práticas de policiais, promotores e juízes.

 Para eles [jornalistas], cabe ao jornalismo investigativo apurar, com profundidade, dentro de balizas éticas, o produto do trabalho dessas áreas, como prestador de serviço”, sugere Sequeira (2005, pp. 189-190).

Conclusão

 Para uma análise exemplificada, com uma repercussão extraordinária, escolhemos o caso Isabella Nardoni para ilustrar o uso de sensacionalismo nas notícias. Ao realizarmos este artigo, nos propomos fazer uma breve análise sobre a cobertura jornalística dada a um dos casos mais marcantes da imprensa nacional. Apresentamos uma reflexão sobre o jornalismo, a imprensa investigativa, a atuação da mídia e o sensacionalismo. Teorizamos esta última prática, infelizmente já enraizada na atividade jornalística em muitos veículos.

  Destacamos alguns autores com suas opiniões sobre o assunto. E, ao estudarmos as propriedades do sensacionalismo, desvendamos muito mais que isso: os efeitos psicológicos que a intensidade, a repetição, o exagero e o apelo emotivo causam nas pessoas. No caso Isabella, mesmo antes do julgamento, (concluído em 27 de março de 2010), os indiciados já haviam sido “condenados” pela população. O direito à ampla defesa, garantido pela Constituição Brasileira, praticamente inexistiu neste caso. Quando uma reportagem dava voz aos advogados do casal, logo outra entrevista era usada para contrapor a versão ora apresentada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGRIMANI SOBRINHO, Danilo. Espreme que sai sangue. Um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus, 1995 (Coleção Novas Buscas em Comunicação, vol. 47).

BARBOSA, Gustavo; RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de Comunicação. 5ª ed.Rio de Janeiro: Campus, 2002.

FOLHA DE S.PAULO. Manual Geral da Redação. São Paulo: Litographica Ypiranga,1987.

Jornalismo investigativo: Ética e condições de prática. Lígia Rogatto e Silva, São Paulo, 2009.

_______. Estrutura da Notícia. São Paulo: Editora Ática, 2006.

MELLO e SOUZA, Cláudio. Jornal Nacional: 15 anos de história. Rio de Janeiro:TV Globo, 1984.

SEQUEIRA, C. M. Jornalismo Investigativo. São Paulo: Editora Summus, 2005.

1¹Este artigo é o resultado do projeto de pesquisa de Conclusão de um Módulo do Curso de Pós-Graduação de Jornalismo Investigativo, ministrado pela Prof.ª Christianne Alcântara, na ESURP.

2²Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Maurício de Nassau – UNINASSAU.