ANÁLISE DOS “DIREITOS DA NATUREZA” DA CONSTITUIÇÃO DO EQUADOR...

Por Rachelly Clécya Brandão de Castro | 07/12/2016 | Direito

ANÁLISE DOS “DIREITOS DA NATUREZA” DA CONSTITUIÇÃO DO EQUADOR DE 2008 À LUZ DAS TEORIAS DOS DIREITOS SUBJETIVOS: TEORIA DA VONTADE COMO FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS DA NATUREZA

RachellyClécya Brandão de Castro

RESUMO

O presente paper pretende analisar a Constituição do Equador de 2008, que trouxe como inovação a natureza como sujeito de direito. Nesse sentido, apresentar-se-á algumas definições acerca dos direitos subjetivos bem como suas teorias e assim tentar-se-á fundamentar os direitos subjetivos da natureza à luz da Teoria da Vontade, de Windscheid. Como abordagem, tentar-se-á utilizar de arcabouço teórico e pesquisa bibliográfica atual, haja vista que as pesquisas e escrituras sobre a temática trazida por esta referida Constituição ainda são um tanto escassas, mas são de grande importância para a análise respectiva. Assim, buscar-se-á aprofundar os conhecimentos sobre direitos subjetivos, analisando as manifestações acerca da amplitude da natureza como sujeito de direito, dessa forma, debater os aspectos dessa inovação, no âmbito de uma perspectiva ecocêntrica sobre a natureza.

 

INTRODUÇÃO 

Para estabelecer um pontapé inicial ao trabalho de pesquisa aqui exposto é necessário apresentar alguns conceitos de autores sobre direitos subjetivos e suas teorias, tomando com especificidade a Teoria da Vontade, haja vista que esta possui uma intensa relação com a Constituição do Equador de 2008, no que trata dos direitos da natureza.

No contexto atual de transição paradigmática, é interessante observar as transformações do direito internacional no que concerne ao constitucionalismo, pois fica evidenciada uma tendência a uma perspectiva ecocêntrica. Nesse contexto, o Equador foi quem deu os mais largos passos até hoje, ao apresentar na sua Constituição de 2008 o reconhecimento da natureza como sujeito de direito. Visto isso, o tema aqui exposto é de extrema importância, pois se trata de uma inovação trazida na Constituição do Equador de 2008, que assim nos permite aprofundar nossos conhecimentos acerca de assuntos que fazem parte da discussão doutrinária do Direito.

Nesses aspectos é que o presente paper apresenta-nos a oportunidade de debater sobre os aspectos positivos dessa inovação, ao mesmo tempo que, buscamos uma teoria que fundamente a natureza como sujeito de direito no âmbito das relações jurídicas.

Utilizando-se de arcabouço teórico, no primeiro capítulo abordar-se-á uma breve definição de conceitos acerca dos direitos subjetivos bem como as suas teorias.

No segundo capítulo abordar-se-á a análise da citada constituição e a relação existente entre a mesma e a Teoria da Vontade, buscando uma fundamentação teórica da natureza como sujeito de direitos.

No terceiro capítulo abordar-se-á a natureza no contexto da Constituição do Equador, abordando os pressupostos ecocêntricos.

Entende-se, dessa forma, que o tema aqui analisado é de intensa relevância, sendo observadas tanto as premissas iniciais quanto as finais, buscando fundamentações necessárias para situar o leitor em toda a problemática. 

1 DIREITOS SUBJETIVOS: BREVE DEFINIÇÃO DE CONCEITOS E TEORIAS 

De início imediato é essencial que se tenha em mente uma noção acerca do direito subjetivo. Por isso, é interessante apresentar algumas definições de conceitos e teorias à luz do direito subjetivo para que o leitor compreenda o sentido do termo direito subjetivo.

Miguel Reale em suas entrelinhas apresenta a seguinte conceituação ao direito subjetivo:

“Direito subjetivo é a possibilidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio”.

Em outras palavras, com base no pensamento de Reale, pode-se afirmar que direito subjetivo é o poder ou capacidade própria do homem em proteger juridicamente seus bens. Nesse sentido, o direito subjetivo surge como facultas agendi, ou seja, é a faculdade que o sujeito titular possui em usar o direito subjetivo para proteger seu bem jurídico. Contextualizando, pode-se citar o direito de propriedade, como afirma Reale:

 “quem tem o direito subjetivo de propriedade tem a faculdade de usar do bem, vende-lo, aluga-lo, lega-lo”(p. 263, 2002).

Por outro lado, o jurista Hans Kelsen refuta o direito subjetivo ao assinalar que:

“o direito subjetivo não é algo distinto do Direito objetivo, é o Direito objetivo mesmo, de vez que quando se dirige, com a consequência jurídica por ele estabelecida, contra um sujeito concreto, impõe um dever, e quando se coloca à disposição do mesmo, concede uma faculdade”.

Para compreender a natureza jurídica dos direitos subjetivos faz-se-ar necessário analisar suas teorias. No presente paper, destacar-se-á a Teoria da Vontade de Windscheid, a Teoria do Interesse de Ihering e a Teoria Negadora de Kelsen e Duguit.

Segundo a Teoria da Vontade o direito subjetivo decorre da vontade humana juridicamente protegida pelo ordenamento jurídico. O fato do direito está relacionado à vontade, levantou algumas criticas acerca desta teoria por nem sempre o direito subjetivo está ligado à vontade, como exemplo clássico existentes nos livros, pode-se citar os incapazes para os atos da vida civil que possuem direitos a despeito da sua vontade, como o direito a propriedade, ainda que este direito seja exercido pelo representante legal. Maria Helena Diniz critica esta teoria, pois segundo o seu pensamento a vontade é imprescindível quanto ao exercício do direito, mas, para ser sujeito de direito o titular não necessita da vontade.

A Teoria do Interesse de Iheringassinala que os direitos subjetivos são os interesses juridicamente protegidos pelo ordenamento jurídico. Para Ihering o direito subjetivo não decorre da vontade e sim do interesse. Esta teoria também veio a sofrer criticas não muito distintas, das tratadas na Teoria da Vontade, a exemplo, dos incapazes, pois, se não possuem capacidade de discernimento, não compreendem as coisas e consequentemente não chegam a ter interesse mas este fato não impede que os mesmos possuam direitos subjetivos.

A autora Maria Helena Diniz critica esta teoria ao assinalar que:

“há interesses protegidos pela lei que não constituem direito subjetivo e direitos subjetivos nos quais não existe interesse do seu titular como os direitos do tutor ou do pai em relação ao pupilo e aos filhos são instituídos em benefício dos menores e não do titular”

A Teoria Negadora de Kelsen não trata de forma distinta o direito subjetivo, para ele o direito subjetivo não se dissocia do direito objetivo, consiste tão somente em um modo de ser da norma jurídica, ou seja, o direito subjetivo se reduz a norma jurídica. Segundo ele:

“o poder jurídico outorgado para o adimplemento de um dever jurídico”

Duguit em sua Teoria Negadora diz que “o que existem são situações de fato de natureza subjetiva”. Ou seja, para Duguit direito subjetivo é um fato juridicamente protegido.

Nas entrelinhas de seu livro Lições Preliminares de Direito, Reale tece critica a estas teorias exemplificadas no trecho a seguir:

“As duas teses acima contrapostas, a que converte o direito subjetivo em um modo de ser da norma jurídica (Kelsen) e a que o reduz a uma situação fatual juridicamente garantida (Duguit) já apontam para uma solução superadora dessa antítese, desse que se reconheça que esses dois pontos de vista correspondem, na realidade, a dois momentos complementares de um único processo: um acha-se configurado abstratamente no plano normativo como possibilidade de ser pretendido algo em tais ou quais circunstâncias; e o outro corresponde à realização dessa possibilidade como pretensão efetiva da pessoa que se situar, concretamente, nas circunstâncias genericamente previstas na regula júris”.(p. 260, 2002)

Em suma, podemos dizer que direito subjetivo consiste na faculdade que o indivíduo possui em requerer, agir ou exigir o que está positivado.  

  1. HÁ RELAÇÃO ENTRE A CONSTITUIÇÃO DO EQUADOR E A TEORIA DA VONTADE? 

Pelo já citado anteriormente, é possível perceber que o sujeito é essencial no direito subjetivo. Nesses aspectos é que neste capitulo analisaremos a Constituição do Equador de 2008 mais precisamente em seus art. 71, 72, e 73, que traz consigo uma inovação ao reconhecer os derechos de lanaturaleza que coloca a natureza ( Pacha Mama) como sujeito de direito. Essa manifestação da legislação equatoriana levanta grandes discussões ao atribuir obrigações aos seres humanos e a natureza, numa perspectiva de equilíbrio.

No art. 71 a Constituição do Equador dispõe:

"Art. 71. La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tienederecho a que se respete integralmente suexistencia y elmantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estrucutura, funciones y processos evolutivos.Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidade podrá exigir a laautoridad pública elcumplimiento delosderechos de lanaturaleza. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas y a loscolectivos, para que protejanlanaturaleza, y promoverá elrespeto a todos los elementos que formanunecosistema."

O que se percebe, no decorrer deste texto constitucional, é que se trata de uma tentativa de superação da visão antropocêntrica para uma perspectiva ecocêntrica, ao atribuir à natureza o direito ao respeito da sua existência bem como da sua manutenção. Nesse sentido, é reconhecida a personalidade jurídica da natureza que possui direitos intrínsecos, ou seja, passa a ser sujeito de direito.

Neste contexto ecocêntrico, Isabella Pearce¹ infere que:

“[...] incluir tal ideia marcadamente ecocêntrica no seu texto constitucional significa ao Estado do Equador assumir aberta e amplamente uma posição ecocêntrica”[...].

No seu art. 72 a Constituição do Equador dispõe:

Art. 72. “La naturalezatienederecho a larestauración. Esta restauración será independiente de laobligación que tienenel Estado y las personas naturales o jurídicas de indemnizar a los indivíduos y coletivos que dependan de los sistemas naturalesafectados. Em los caos de impacto ambiental grave o permanente, incluídos los ocasionados por llaexplotación de los recursos naturales no renovables, el Estado establecerálos mecanismos más eficaces para alcanzarlarestauración, y adoptará las medidas adecuadas para eliminar o mitigar las consequências ambientales nocivas.

Neste artigo é atribuído à natureza o direito de ser restaurada. O que se percebe, dessa forma, é a alocação privilegiada que a natureza possui no ordenamento jurídico equatoriano.

O art. 73 dispõe:

El Estado aplicará medidas de precaución y restricci´n para las atividades que pudenconducir a laextinción de espécies, de ladestrucccion de ecossistemas o laalteración permanente de los ciclos naturales.

[...]

Artigo completo: