Análise do Poema- Morte e Vida Severina

Por Gabriel Pimenta Barbosa de Sousa | 22/09/2016 | Sociedade

O poema trata de um camponês que abandona sua vida no campo em busca da ilusão de melhores condições de vida e de trabalho na cidade indo na verdade engrossar as fileiras dos desempregados, favelados, explorados e excluídos da cidade. Esse poema foi escrito por João Cabral de Melo Neto e conta a história de um trabalhador rural do século XX e sobre a sua peregrinação do campo à cidade.

         É possível identificar nesta obra traços do sistema coronelista durante sua jornada, e será baseado na análise desse tipo de sistema que esse trabalho será desenvolvido. O objetivo será relacionar o poema com esse sistema social.

         Antes de mais nada vamos apontar alguns aspectos do Sistema Coronelista que caracteriza-se principalmente pelo Patriarcalismo: Poder dos grandes proprietários de terras (chefe local); Patrimonialismo: Utilização de bens públicos para fins privados; Filhotismo, nepotismo, paternalismo: Designar o favorecimento de parentes ou amigos próximos em detrimento de pessoas mais qualificadas, geralmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos públicos e políticos. Mandonismo: Perseguição aos inimigos, trabalhadores ou chefes inimigos; Controle e manipulação eleitoral: Curral eleitoral, voto de cabrestos; Política dos governadores: Consistia na troca de favores políticos entre o presidente da República e os governadores dos estados (munícipo-estado-união). Política do “café com leite”: Variação de poder entre grandes proletariados. 

Morte e Vida Severina e o Sistema Coronelista

Na primeira parte do poema o retirante se apresenta. “Trata-se de “Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba”. Em tal apresentação, Severino encarna todos os retirantes que padecem da mesma condição de forma igualitária, “iguais em tudo na vida”. Na perspectiva de ““morte severina” que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”.
Fica claro nessa parte do poema a situação dos retirantes presentes ali, todos em uma condição de abandono a si próprios, com pouquíssimo ou nenhum apoio estatal, sendo obrigados a entregarem seus meios de produção, expulsos da terra em que viviam há tempos pelo latifúndio e a locomoverem-se até a cidade, nesse movimento de massas secular que vem ocorrendo de modo correlato desde a passagem feudo-capitalista quando se iniciou na Europa Ocidental particularmente na Inglaterra em inícios do século XVIII com a Revolução burguesa, como descrita por Marx. Levando em consideração o sistema coronelista vigente, podemos mencionar principalmente o proprietário rural ou fazendeiro que concentra enormemente a posse da terra como fato dominante da sociedade brasileira tornando dependente o proletário rural.

Na segunda parte, Severino se depara com dois homens segurando um defunto, que teria sido vítima de uma das formas de “morte severina” citadas na primeira parte, este agricultor, morreu de emboscada por uma disputa de terras. Fica claro a relação de violência no campo e o Mandonismo, mas, sobretudo o Patriarcalismo nessa parte do poema, tendo o grande proprietário direito de vida e de morte sobre o camponês, sob a cumplicidade do estado.

Na terceira parte, é perceptível o alto nível de religiosidade, um aspecto interessante da cultura do sertão nordestino, “a religiosidade que permeia a sua imaginação”. A reza, era uma forma dos severinos buscarem força e vontade de continuarem seguindo o caminho até a cidade, e um dos principais motivos de tal feito, era fugir da “morte severina”.

“A religiosidade que notamos no texto não é uma religiosidade particular do retirante, algo que este ofereça espontaneamente para Deus como forma de devoção, mas uma carga que deve suportar, uma penitência que deve realizar para obter sua redenção”.

No cotidiano do nordestino, as rezas de rosários, missas e festas religiosas eram executadas constantemente dando-lhes toda uma forma de ver e entender seu mundo.

Na quarta parte, novamente Severino se depara com a morte, em um local de alta presença religiosa, trazendo conformação para os vivos e mostrando um significado para o sofrimento. Porém nem todos se conformavam com tal situação e ironizavam o “espetáculo” do funeral. 

“Como poderia o finado levar para o além aquilo que talvez nunca possuiu no mundo da “vida severina”? Mesmo o caixão que carrega o finado não lhe pertence, não poderia ter comprado em vida, e certamente a “cera, capuz e cordão”, além da imagem da “Virgem da Conceição”, são coisas que lhe custariam grande dificuldade para adquirir”. 

Nesse mesmo trecho Severino se encontra em uma situação realmente difícil, o calor, a falta de comida e de abrigo submete o camponês a um sofrimento extremo. Isso, porque o nordestino foi despojado dos seus meios de produção, terras ferramentas, animais, etc.

         Na quinta parte, também a seca assombrava o caminho de Severino, e a consequência da seca é a escassez e a morte, elementos sempre presentes por todo o caminho de Severino. Onde quer que se encontrasse água no Sertão nordestino, jamais seria possível o abastecimento necessário para toda a população camponesa nordestina pois essa era também apropriada pela figura do coronel. 

“A “vida severina” é uma existência de privações e de miséria, tanto no campo como nas cidades onde procuram abrigo. Com a exceção dos grandes proprietários de terras, que têm acesso a recursos financeiros e materiais suficientes para fazer a terra árida produzir, a grande massa da população está submetida a essa situação”.

Assim, na sexta parte, o retirante percebe que não seria mais possível a obtenção de emprego na cidade onde se localizava ou qualquer outra que se encontrasse no sertão ou mesmo no campo. Nenhum proprietário rural daria emprego para um camponês que trabalhasse no estilo do “roçado”. Somente os operários mais especializados seriam capazes de trabalhar nas formas mecanizadas e técnicas modernas de irrigação e tratamento do solo. Com isso, o pequeno produtor ficaria cada vez mais atrasado e esquecido, tornando-se incapaz de competir com o grande produtor no mercado, que possuíam menores custos e apoio dos bancos.

Nessa mesma parte, Severino se depara com uma mulher que não era uma grande proprietária de terra e nem poderia ser considerada como rica, mas possuía uma boa qualidade de vida explorando uma realidade muito presente no sertão nordestino. A mulher com que o retirante-protagonista dialoga explica que como lá “a morte é tanta” ela vive “de a morte ajudar”. As profissões que se relacionam com a miséria, a doença e a morte são fonte de renda num local onde “só é possível trabalhar nessas profissões que fazem da morte ofício ou bazar”. Porém, para serem médicos ou farmacêuticos, seria necessário uma formação superior, mas para serem benzedeiros, curandeiros ou rezadeiros, seria necessário o conhecimento de várias formas de reza e religiosidade popular. Ambos os cargos não seriam cabíveis aos camponeses, pois os cursos superiores e os ensinamentos religiosos, só eram proporcionados à classe mais alta da sociedade (classe média e alta).

Na oitava parte, (imortalizada na musica e voz de Chico Buarque de Holanda “Funeral de um lavrador” de 1969), retrata a vida de um defunto trabalhador que sonhava com a justiça no campo e uma divisão de terras satisfatória. 

“A terra que cobre a cova será, enfim, sua “roça”, onde o defunto poderá trabalhar para si e não mais “a meias, como antes em terra alheia”, e nem como escravo no eito (latifúndio que emprega trabalho escravo ou semi-escravo)” 

Na parte dez, o viajante chega em Recife, cansado, e ouve uma conversa entre dois severinos, que diziam sobre o trabalho nos cemitérios. Para os ricos o cemitério reserva “as belas avenidas”, “o bairro da gente fina”, ou seja, “o bairro dos usineiros, dos políticos, dos banqueiros” e também “dos industriais, dos membros das associações patronais”. Mas é claro que o herdeiro que não tivesse condições de bancar tal cemitério de classes altas, poderiam enviar os corpos para os “cemitérios trabalhistas”, que era o local em que a população mais pobre seria enterrada. Cada vez ficava mais claro para Severino o privilégio que as classes mais altas possuíam, melhor qualidade médica, melhor educação, entre vários outros benefícios e o quanto a população mais pobre era deixada de lado e não possuía condição de obterem uma qualidade de vida adequada. “Severino é “gente sem instituto, gente de braços devolutos” e de “enterros gratuitos”. Ele é “gente do Sertão que desce para o litoral” e “fica vivendo no meio da lama, comendo os siris que apanha”.

Na décima primeira parte, Severino percebe que não seria possível fugir da sua “vida severina”, e que seu destino seria de grande força, impossível de lutar contra. “Não tem como evitar a morte, e quando essa chegar, evitar sua indigência”.

Na décima segunda parte, severino dialóga com José, o carpinteiro. Esse dialogo muda completamente os ânimos de Severino, mas demonstra porque Morte Severina é um auto de Natal. “A relação entre este carpinteiro (“Seu José, mestre carpina”, vindo de “Nazaré da Mata”) e São José, pai de Jesus, é clara. Nesta parte do poema começa algo que poderíamos comparar com a encenação de um presépio”. No diálogo, o carpinteiro diz que o “mar” de miséria precisa ser combatido, de qualquer maneira, sempre, pois caso contrário, devastaria a terra inteira. “Mas se cada severino tem como sina lutar constantemente contra seu destino de pobreza, se contentando com o simples fato da miséria não aumentar, não seria tal atitude um conformismo disfarçado de luta?”, em relação a isso, Severino faz diversos questionamentos que provam que realmente é necessário um combate à miséria.

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