Análise do poema Ao Santíssimo Sacramento

Por JOICE SANT' ANA | 13/01/2010 | Literatura

FACULDADES INTEGRADAS DE ARIQUEMES


JOICE DE MORAES SANT' ANA


ANÁLISE DO POEMA

AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO


ARIQUEMES

2009

Joice de Moraes Sant' Ana

ANÁLISE DO POEMA

AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Trabalho apresentado à disciplina de Literatura Brasileira I do 4° período do curso de Letras/Inglês das Faculdades Integradas de Ariquemes.

Professora: Mônica Maria dos Santos


Ariquemes

2009

INTRODUÇÃO

Este trabalho de análise do poema de Padre José de Anchieta tem o intuito de identificar, as possíveis formas de se analisar um poema; não somente um poema, como qualquer obra artística. Esta análise aqui apresentada vem revelar a importância de se compreender ao menos em parte, o que o artista ou o autor quis dizer ou representar através de suas obras.

Para que seja interpretada com o mínimo de coerência, faz-se necessária a compreensão e o conhecimento da época e em que contexto histórico a obra fora deixada, pois na linha cronológica da história, as obras literárias ou de arte em geral, apresentam-se com características temporais. Às vezes denunciando, criticando, declarando-se a alguém um amor ou simplesmente revelando-se como um encantado pelas artes, ou ainda como no caso do autor em questão, utilizando-se dos versos para a evangelização.

ANÁLISE DO POEMA

O poema a ser analisado é de autoria do Padre José de Anchieta (1534 – 1597) intitulada "Ao Santo Sacramento" considerado um auto religioso, que tinha como intuito, inculcar valores portugueses cristãos não somente nos índios, mas à sociedade miscigenada que se formava em sua época.

O poema é constituído por dezoito estrofes de quatro versos, sendo os três primeiros versos de cada estrofe, uma redondilha maior, pois contêm sete sílabas poéticas e a última das quatro linhas das estrofes, apresenta apenas três sílabas poéticas, conforme o exemplo, considerando a contagem apenas até a última sílaba tônica.

Suas rimas podem ser classificadas em rimas graves na 1ª e última linha de cada estrofe e agudas nas sílabas do meio, ou seja, são oxítonas as sílabas do 2° e 3° versos das estrofes. Vejamos as sílabas tônicas em destaque nas estrofes:

Oh / que / pão,/ oh / que / co / mi/ da,
Oh / que / di / vi/ no / man / jar
Se / nos / dá / no / san / to al / tar
Ca / da / di / a.

Fi / lho / da / Vir / gem / Ma / ri / a

Que / Deus / Pa / dre / cá / man / dou
E / por / nós / na / cruz / pas / sou

Cru / a / mor / te.

As rimas, conforme análise das nove primeiras estrofes da poesia, são: ABBC, CDDE, EFFG, GHHI, IJJK, KFFL, LMMN, NOOP, PHHQ. Quanto às suasposições, não seguem um padrão, portanto são classificadas em rimas misturadas, pois apresentam diversos encontros fônicos; elas ligam-se através das rimas do último e primeiro versos das estrofes, formando um encadeamento rítmico.

Ao Santíssimo Sacramento

Oh que pão, oh que comida, - A
Oh que divino manjarB1ª estrofe

Se nos dá no santo altar - B
Cada dia. - C

Filho da Virgem Maria - C
Que Deus Padre cá mandou - D2ª estrofe
E por nós na cruz passou - D
Crua morte. - E

E para que nos conforteE
Se deixou no Sacramento - F3ª estrofe

Para dar-nos com aumento - F
Sua graça. - G

Esta divina fogaça - G
É manjar de lutadores, - H 4ª estrofe

Galardão de vencedores - H
Esforçados. - I

Deleite de enamoradosI
Que com o gosto deste pão - J5ª estrofe
Deixem a deleitarão - J
Transitória. – K

Quem quiser haver vitória - K
Do falso contentamento, - F6ª estrofe
Goste deste sacramento - F
Divinal. - L

Ele dá vida imortal, - L
Este mata toda fome, - M 7ª estrofe
Porque nele Deus é homem – M
Se contêm. - N

É fonte de todo bemN
Da qual quem bem se embebedaO8ª estrofe
Não tenha medo de quedaO
Do pecado. – P

Oh! que divino bocadoP
Oue tem todos os sabores, - H9ª estrofe
Vindes, pobres pecadores, - H
A comer. – Q

....

Com tais nós?!

A coincidência sonora ocorre também no interior dos versos, porém a ênfase está no final de cada linha, ou seja, rimas externas, Porém, há classificações quanto à posição, em rimas internas, é o caso das segunda, terceira e quarta estrofes tomadas como exemplos:

Filho da Virgem Maria
Que Deus Padre mandou
E por nós na cruz passou
Crua morte.

E para que nos conforte
Se deixou no Sacramento
Para dar-nos com aumento
Sua graça.

Esta divina fogaça
É manjar de lutadores,
Galardão de vencedores
Esforçados.



No aspecto fônico, as rimas podem ser classificadas também como ricas, pois ocorre com freqüência sonoridade não somente nas duas últimas letras que às compõem, mas também em alguns versos, em mais de uma sílaba gráfica. Vejamos alguns exemplos com as rimas das seguintes estrofes: (2ª – morte/3ª – conforte), (3ª – Sacramento/aumento), (3ª – graça/4ª – fogaça), (4ª – lutadores/vencedores), (4ª – esforçados/5ª – enamorados), (5ª – transitória/ 6ª – vitória). Por haver rimas em mais de uma letra, chamamos a essas rimas de soantes.

Devido a formação das sílabas rítmicas serem de consoantes e vogais, pode-se afirmar que há predominância de rimas consoantes, porém há a presença de rimas vocálicas, como no caso das rimas mandou/passou (2ª estrofe) em que apenas as letras "a" e "u" coincidem.

Ainda sobre as rimas, pode-se classificá-las em sua maioria, como rimas pobres, sendo compostas por palavras de mesma classe gramatical. Vejamos a seguir:

Rimas

·BB - manjar/altar – substantivos

·CC – dia/Maria – substantivos

·DD – mandou/passou – verbos

·FF – Sacramento/aumento – substantivos (3ª estrofe)

·GG – graça/fogaça – substantivos

·HH – lutadores/vencedores - substantivos

·II – esforçados/enamorados- adjetivos

·FF – contentamento/sacramento – substantivos (6ª estrofe)

·LL – Divinal/imortal – adjetivos

·MM – fome/homem – substantivos

·PP – pecado/bocado – substantivos

·HH – sabores/pecadores – substantivos (9ª estrofe)

Embora a maior parte das rimas seja pobre no aspecto sintático, há também algumas rimas consideradas ricas. São elas:

·EE – morte/substantivo – conforte/verbo

·JJ – pão/substantivo – deleitarão/verbo

·KK – transitória/adjetivo – vitória/substantivo

·NN – contêm/verbo – bem/substantivo

·OO – embebeda/verbo – queda/substantivo

Outros recursos sonoros possíveis de se identificar nesta poesia; aliteração e assonância, que são os sons das letras consoantes e vogais, utilizadas de maneira intencional na formação das palavras que compõem as linhas de cada estrofe. Destacam-se as seguintes aliterações neste pequeno exemplo:

Oh que pão, oh que comida,
Oh que divino manjar

Se nos dá no santo altar
Cada dia.

Filho da Virgem Maria
Que Deus Padre cá mandou
E por nós na cruz passou
Crua morte.

As letras grafadas em azul, revelam as aliterações nas consoantes d, n(com som nasal), m, n, c, e r. Já as letras grafadas em vermelho, demonstram a assonância nas vogais o, a, e e a vogal u.

No aspecto lexical, o poeta utiliza-se de palavras e personagens religiosos, já que esta é sua intenção, através da escrita poética, cristianizar mais especificamente os índios. Porém, embora ele estivesse falando à classe de pessoas de uma visão geral, não escolarizada, faz uso de recursos não coloquiais, mas usa palavras que podem ser interpretadas com o mínimo de conhecimento a respeito do assunto abordado na poesia.

Os verbos utilizados no texto, em sua maioria estão no presente, demonstrando que o apreço pela divindade representada na pessoa do Filho da Virgem Maria, é constante e a fé depositada nesta personagem não é fato passado, mas presente. Vamos à segunda, terceira, sexta e sétimas estrofes respectivamente e façamos a comprovação:

Filho da Virgem Maria
Que Deus Padre cá mandou
E por nós na cruz passou
Crua morte.

E para que nos conforte
Se deixou no Sacramento
Para dar-nos com aumento
Sua graça.

...

Quem quiser haver vitória

Do falso contentamento,
Goste deste sacramento
Divinal.

Ele dá vida imortal,
Este mata toda fome,
Porque nele Deus é homem
Se contêm.

Quando faz uso dos verbos no passado, é para expressar ações que ocorreram e resultaram em fatos permanentes amparados nos verbos no tempo presente, como quando ele diz no decorrer da terceira estrofe: "... Se deixou no Sacramento, para dar-nos com aumento Sua graça." E na sétima estrofe: "Ele vida imortal, ..." mais uma vez, revela o verbo no presente, demonstrando ser fato.

Outro fator em relação ao uso dos verbos, é que todo o discurso, é feito no modo indicativo, demonstrando convicção no tema que o autor apresenta no poema.

É uma poesia de leitura rápida, pois o autor utiliza-se de períodos curtos posicionados em cada uma das estrofes, compostas apenas de quatro pequenos versos, o que não necessariamente, facilita a dispensa de excessivas pontuações.

Em relação às figuras de construção ou sintaxe, há casos da presença do hipérbato ou inversão das palavras como no caso da seguinte estrofe:

E para que nos conforte
Se deixou no Sacramento
Para dar-nos com aumento
Sua graça.

A mesma estrofe, sem inversão das palavras:

E para que nos conforte

No Sacramento se deixou

Para com aumento nos dar

Sua graça

Também temos exemplos de anáfora, que é a repetição de palavras no início de um período.

Oh que pão, oh que comida,
Oh que divino manjar

Se nos dá no santo altar
Cada dia.

Esta análise foi feita baseada nas nove primeiras estrofes do poema, pois o padrão seguido pelas outras nove estrofes que o compõe, é o mesmo das já analisadas.

Portanto vale aqui apenas relatar o poema na íntegra, para que possa ser apreciado.


Ao Santíssimo Sacramento

Oh que pão, oh que comida,
Oh que divino manjar

Se nos dá no santo altar
Cada dia.

Filho da Virgem Maria
Que Deus Padre cá mandou

E por nós na cruz passou
Crua morte.

E para que nos conforte
Se deixou no Sacramento

Para dar-nos com aumento
Sua graça.

Esta divina fogaça
É manjar de lutadores,

Galardão de vencedores
Esforçados.


Deleite de enamorados
Que com o gosto deste pão

Deixem a deleitarão
Transitória.

Quem quiser haver vitória
Do falso contentamento,
Goste deste sacramento
Divinal.

Ele dá vida imortal,
Este mata toda fome,
Porque nele Deus é homem
Se contêm.

É fonte de todo bem
Da qual quem bem se embebeda
Não tenha medo de queda
Do pecado.

Oh! que divino bocado
Oue tem todos os sabores,
Vindes, pobres pecadores,
A comer.

Não tendes de que temer

Senão de vossos pecados;

Se forem bem confessados,

Isso basta.

Que este manjar tudo gasta,

Porque é fogo gastador,

Que com seu divino ardor

Tudo abrasa.

É pão dos filhos de casa

Com que sempre se sustentam

E virtudes acrescentam

De contino.

Todo al é desatino

Se não comer tal vianda,

Com que a alma sempre anda

Satisfeita.

Este manjar aproveita

Para vícios arrancar

E virtudes arraigar

Nas entranhas.

Suas graças são tamanhas,

Que se não podem contar,

Mas bem se podem gostar

De quem ama.

Sua graça se desarruma

Nos devotos corações

E os enche de benções

Copiosas.

Oh que entranhas piedosas

De vosso divino amor!

Ó meu Deus e meu Senhor

Humanado!

Quem vos fez tão namorado

De quem tanto vos ofende?!

Quem vos ata, quem vos prende

Com tais nós?!

Padre José de Anchieta