ANÁLISE DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS REALIZADO PELOS TRIBUNAIS LOCAIS: HÁ USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA?

Por SARAH ASSIS CARVALHO e PAULA MARIA ARAGÃO | 23/02/2016 | Direito

ANÁLISE DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS REALIZADO PELOS TRIBUNAIS LOCAIS: HÁ USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA?[1]

Ingrid Brandão e Sarah Carvalho[2]

Christian Barros[3]

 

Sumário: Introdução. 1 Requisitos e elementos gerais dos recursos excepcionais 2 Juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais locais 3 A (não) usurpação de competência do tribunal local. Conclusão. Referências.

 

RESUMO

 

Conforme autorização expressa da lei, os tribunais locais podem exercer juízo de admissibilidade com algumas peculiaridades, sobre os recursos excepcionais, podendo admiti-los ou não. Porém, em muitos casos, os tribunais locais excedem os limites legais, chegando a analisar questões de mérito ou até adentram no mérito da causa dentro de seu juízo de admissibilidade, uma vez que a análise do mérito compete aos tribunais superiores. Dessa forma, o objetivo da pesquisa será demonstrar se os tribunais locais extrapolam ou não sua competência ao realizar o juízo de admissibilidade recursal. E sob essa perspectiva, será analisado quais os limites de atuação desses tribunais, ressaltando as consequências no plano fático do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais realizados pelos tribunais locais.

Palavras-chave: Juízo de admissibilidade. Tribunal local. Competência. Recurso excepcional.

INTRODUÇÃO

O juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais locais sobre os recursos excepcionais é autorizado pelo Código de Processo Civil em seu artigo 542, §1º, estabelecendo que após interposto esse recurso, deve ser aberta vista para o recorrido e os autos serão conclusos para admiti-lo ou não, em quinze dias com decisão fundamentada. Nesse momento, deverá o tribunal local proferir seu juízo de admissibilidade que possui características próprias, como por exemplo, o fato de ser provisório.

Uma vez o juízo sendo positivo, deverá ainda, o recurso passar por outros juízos de admissibilidade e de mérito dos tribunais superiores, como a repercussão geral e o pré-questionamento, por exemplo, devido ao sistema de admissibilidade dos recursos ser desdobrado ou bipartido.

Ainda sobre o juízo realizado pelo tribunal local, este aparece como uma etapa de processamento do recurso excepcional e acaba tendo como função principal, a de limitar a quantidade de recursos que serão apreciados nos tribunais superiores, e na maioria das vezes sob o fundamento de que a decisão recorrida não viola a Constituição Federal (um dos requisitos para interposição do recurso), sendo assim, fazendo um juízo negativo de admissibilidade para que o recurso não suba aos tribunais superiores. Ou seja, de uma forma irá gerar uma economia e celeridade processual, uma vez que os recursos não subirão aos tribunais superiores de imediato, e de outra, não será apreciado o mérito do recurso.

Contudo o que vem ocorrendo na prática é uma extrapolação dessa autorização legal, pois dentro do juízo de admissibilidade do recurso, o tribunal local acaba por adentrar no seu mérito, que em princípio, só deve ser analisado no âmbito dos tribunais superiores.

Com a realização da pesquisa, compreender-se-á, portanto, os aspectos principais desse juízo de admissibilidade realizado por os tribunais a quo, priorizando analisar a competência proveniente dos tribunais, a partir do conhecimento sobre os elementos gerais e requisitos de cabimento e admissibilidade dos recursos excepcionais. Em seguida, será abordada a diferença proveniente entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito, para assim, verificar-se como acontece esse juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais locais na prática e como deveria acontecer. Por fim, se irá identificar se há extrapolação ou não do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais, abordando o posicionamento dos tribunais superiores e doutrinadores sobre a temática.

 

1 REQUISITOS E ELEMENTOS GERAIS DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS

Os recursos excepcionais atendem pelo recurso especial, interponível ao Superior Tribunal de Justiça, e recurso extraordinário, este interponível ao Superior Tribunal Federal, onde ambos estão regulados de forma conjunta nos art. 541 a 545 do Código de Processo Civil. Gonçalves (2013, p. 151) afirma que a “função prioritária dos recursos excepcionais não é permitir que os tribunais façam justiça, corrigindo eventuais erros de julgamento ou de procedimento, mas preservar a Constituição Federal e as leis federais, em sua inteireza, do que resultará a possível correção de tais erros”.

Ambos são cabíveis no prazo de quinze dias conforme o art. 508 do CPC. Além disso, serão interpostos perante o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, contendo os requisitos previstos no art. 541 (I - a exposição do fato e do direito; Il - a demonstração do cabimento do recurso interposto; III- as razões do pedido de reforma da decisão recorrida), com a ressalva de que se for interposição simultânea, estes deverão ser apresentados em petições distintas.

Interposto o recurso (ou ambos), será intimado o recorrido para apresentar contrarrazões no prazo de quinze dias (art. 542 do CPC conforme a Lei n° 10.352/2001 lhe atribuiu), e tanto o recurso especial como o extraordinário são recebidos na forma devolutiva. Vale ressaltar o paragrafo 3° do mesmo artigo que dispõe que “O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)”. Dessa forma, Câmara (2009), dispõe que terá o magistrado competente o prazo de quinze dias para proferir sua decisão.

Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de dez dias (art. 544 do CPC conforme redação dada pela Lei nº 12.322, de 2010). Segundo Câmara (2009, p. 116), “é bom lembrar que, neste caso, não se poderá admitir agravo retido e que o agravo de instrumento, nesta hipótese, deverá ser apresentado ao próprio tribunal recorrido, e não ao órgão ad quem, conforme determina o art. 544, § 2° do CPC”. E conforme o art. 545 do CPC, da decisão do relator que não reconhecer o agravo, caberá agravo interno no prazo de cinco dias.

Analisados os dispositivos elencados no Código de Processo Civil, se irá analisar ainda outras diversas características comuns ao recurso especial e ao recurso extraordinário, bem como suas formas de interposição. Mancuso (2003, p. 103) enumera características comuns a esses recursos como:

a) exigem o prévio esgotamento das instâncias ordinárias; b) não são vocacionados à correção da injustiça do julgado recorrido; c) não servem para mera revisão de matéria de fato; d) apresentam sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido, com uma fase perante o tribunal a quo e outra perante ao ad quem; e) os fundamentos específicos de sua admissibilidade estão na CF  não no CPC; f) a execução que se faça na sua pendência é provisória.

Há, contudo, uma diferença quanto ao termo “esgotamento das instâncias ordinárias”, e no que diz respeito ao recurso extraordinário, Câmara (2009, p. 114) menciona que como “a CF não faz referência ao órgão jurisdicional prolator da decisão contra qual se vai admitir este recurso, é então, este cabível por quaisquer órgãos jurisdicionais, incluindo as turmas recursais dos Juizados Especiais Cíveis, desde que contra elas não se admita mais nenhum recurso ordinário”, enquanto que para o recurso especial, a Constituição limita o cabimento desde recurso contra as decisões proferias pelos tribunais locais, excluindo as turmas recursais dos Juizados Especiais Cíveis. Sobre isso, Didier (2014, p. 264) constata que ‘’os recursos extraordinários pressupõe um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única’’. 

Como vimos, o juízo de admissibilidade é realizado, primeiramente, no órgão a quo, onde Gonçalves (2013) reitera que este juízo deve ser fundamentado. Cabe ainda, ao juízo a quo verificar se há o preenchimento de todos os requisitos formais, enquanto ao juízo de admissibilidade posterior realizado pelo órgão ad quem caberá analisar as questões de mérito. Didier (2014) reitera que no tribunal superior é exercido o juízo definitivo de admissibilidade, onde o juízo provisório do tribunal local não vincula o tribunal superior.

     Além disso, não se pode deixar de fazer uma das principais considerações a respeito destes dois recursos. Ambos estão sujeitos a um requisito específico de admissibilidade, o prequestionamento.

Por prequestionamento quer-se significar a exigência de que a decisão recorrida tenha ventilado a questão (federal ou constitucional) que será objeto de apreciação no recurso especial ou extraordinário. Em outros termos, não se admite que, no recurso especial ou extraordinário, se ventile questão inédita, a qual não tenha sido apreciada pelo órgão a quo.

Este requisito de admissibilidade decorre do próprio texto constitucional, que admite o recurso extraordinário e o recurso especial apenas contra “causas decididas” (CÂMARA, 2009, p. 121).

Por isso, o prequestionamento é essencial para que o recurso especial e o extraordinário tenham a possibilidade de serem admitidos. No entanto, Didier (2014, p. 259) afirma que “o prequestionamento não é um requisito especial de admissibilidade dos recursos extraordinários”.

Há de se tratar ainda sobre a repercussão geral que é um requisito específico do recurso extraordinário, podendo este ser admitido somente quando a matéria versar sobre repercussão geral, está disposta no §3º do art. 102 da Constituição Federal: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”, redação incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.

Por fim, será tratada das formas de interposição desses recursos excepcionais. Segundo Gonçalves (2013, p. 163) “a finalidade do recurso especial é permitir o controle de legalidade das decisões dos tribunais estaduais e da Justiça Federal, bem como promover a uniformidade de interpretação do direito federal”. Por isso, é interponível ao Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que a este compete uniformizar a interpretação do direito federal. É elencado no rol do art. 105, inciso III da Constituição Federal, rol este taxativo por ser condição de admissibilidade.

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

Sobre o recurso extraordinário, Didier (2014, p. 323) afirma que por ter “a função de guarda da Constituição Federal, cabe ao STF conferir interpretação às normais constitucionais, fazendo-o por meio de controle abstrato ou controle concreto de constitucionalidade, sendo este último realizado usualmente por meio de recurso extraordinário”. Sendo assim, o papel do recurso extraordinário é de assegurar às normais constitucionais, a interpretação dada pelo STF, garantindo assim, a uniformidade e validade do sistema jurídico. Nos termos do art. 102, inciso III da Constituição Federal:

“Art. 102: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a gurda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

Sendo assim, entende-se que os recursos excepcionais são de extrema importância para reanálise de matéria de direito, não necessitando que a parte sofra sucumbência, apenas se enquadre nas hipóteses de admissibilidade previstas na Constituição Federal.

2 JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE REALIZADO PELOS TRIBUNAIS LOCAIS

 

O juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais locais sobre os recursos excepcionais é autorizado pelo Código de Processo Civil em seu artigo 542, §1º que estabelece: “Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para apresentar contra-razões. Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada”.

Assim sendo, nesse momento deverá o tribunal local realizar seu juízo de admissibilidade, que é provisório. No tribunal superior será realizado o juízo definitivo de admissibilidade. Esse juízo provisório, no entanto, não vincula o tribunal superior, que possui o juízo definitivo; dessa forma, caberá contra o tribunal local que não admita esse recurso o agravo para o respectivo tribunal superior (DIDIER, 2014, p. 261).

A questão é, o que deve conter nesse juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais locais? Para responder esse questionamento, é necessário realizar uma diferenciação e análise do juízo de mérito e juízo de admissibilidade.

O juízo de admissibilidade é sempre anterior ao juízo de mérito, a solução daquele determinará se o mérito deve ser analisado ou não. No juízo de admissibilidade, verifica a existência dos requisitos de admissibilidade em geral, quais sejam: os requisitos intrínsecos, em que compõe o cabimento, legitimação, interesse, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, e os requisitos extrínsecos, que compõe o preparo, tempestividade e regularidade formal.

No caso dos recursos excepcionais, o juízo de admissibilidade deve conter, além desses requisitos gerais, os requisitos específicos avaliados no capítulo anterior. Com base nos ensinamentos de Nelson Nery Jr. (2007, p. 933) a competência do tribunal “a quo” é limitada, devendo se ater apenas aos requisitos formais desses recursos:

Ao tribunal ‘a quo’ cabe somente verificar se estão presentes os requisitos formais do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial. A efetiva violação da Constituição Federal ou a efetiva negativa de vigência da lei federal são o mérito do recurso, cuja competência para decidir é dos tribunais federais superiores (STF e STJ). É vedado ao tribunal de origem dizer que não houve violação da Constituição Federal ou que não existiu negativa da vigência da lei federal.

Didier (2014, p. 39) determina que “Em regra, reconhece-se ao órgão perante o qual se interpõe o recurso a competência para verificar-lhe a admissibilidade; nega-se-lhe competência, ao contrário, para examinar o mérito.” Dessa forma, o órgão “a quo” poderá realizar apenas juízo de admissibilidade, sobre pena de ultrapassar sua competência; enquanto o órgão “ad quem” poderá realizar ambos juízos, sendo o juízo de admissibilidade, portanto, sujeito a duplo controle enquanto o juízo de mérito sujeito a apenas um controle.

Outro elemento diferenciador desses juízos é que no caso do juízo de admissibilidade, julga se o recurso é admissível ou não. No juízo de mérito, julga se é procedente ou improcedente. Tal diferença se apresenta muitas vezes como um detalhe, mas é essencial para o reconhecimento desses juízos.

O juízo de mérito, com base nos ensinamentos de Barbosa Moreira (1999, p. 121) seria composto:

Objeto do juízo de mérito é o próprio conteúdo da impugnação à decisão recorrida. Quando nela se denuncia vício de juízo (error in iudicando, resultante de má apreciação da questão de direito, ou da questão de fato, ou de ambas), pedindo-se em consequência a reforma da decisão, acoimada de injusta, o objeto do juízo de mérito, no recurso, identifica-se (ao menos qualitativamente) com o objeto da atividade cognitiva no grau inferior de jurisdição, com a matéria neste julgada. Quando se denuncia vício de atividade (error in procedendo), e por isso se pleiteia a invalidação da decisão, averbada de ilegal, o objeto do juízo de mérito, no recurso, é o julgamento mesmo, proferido no grau inferior. Ao examinar o mérito do recurso, verifica o órgão ad quem se a impugnação é ou não fundada (procedente) e, portanto, se lhe deve ou não dar provimento, para reformar ou anular, conforme o caso a decisão recorrida.

Portanto, esse juízo de mérito irá verificar se existe ou não fundamento para o que se demanda, fato que justifica o entendimento de que apenas o órgão “ad quem” poderá realiza-lo, já que possuirá por competência analisar a matéria suscitada no recurso determinado.

Em relação aos requisitos específicos dos recursos excepcionais, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro (2007) relata interessante discussão da doutrina,

Uma incerteza, contudo, ainda permanece no que respeita a alínea “a” dos arts. 102-III e 105-III, qual seja, saber no que consiste o juízo de admissibilidade ao interpretar os comandos constitucionais mencionados. A tarefa, em si, complica-se por culpa da própria dicção da Constituição, porquanto o STF e o STJ ao interpretar as locuções “contrariar dispositivo da Constituição” e “contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”, têm entendido que para o cabimento destes recursos deverá o recorrente demonstrar cabalmente a ofensa à Constituição e, bem assim, a contrariedade ou negativa de vigência à lei federal.

A cognição exigida para se demonstrar se houve ou não a indigitada violação à Constituição ou à lei federal é matéria que toca ao mérito do recurso e não ao juízo de admissibilidade. Dessa forma, demonstrado – como querem os Tribunais Superiores – o cabimento dos recursos excepcionais com base nas alíneas “a” dos comandos constitucionais anteriormente mencionados, deverão necessariamente ser providos os recursos, porquanto já terá havido, por conta do exame em sede de admissibilidade, a perquirição necessária ao exame do mérito.

O processamento dos recursos extraordinários, deste modo, deve ocorrer da seguinte forma: o Presidente ou Vice Presidente do tribunal local deverá examinar cada requisito. Não sendo admitido, caberá a parte intentar agravo de instrumento para o STF ou STJ, para que possua admissão do recurso extraordinário ou especial respectivamente (DIDIER, 2014, p. 284).

Caso seja admitido os recursos, os autos serão remetidos ao STJ para julgamento do recurso especial. Finalizado esse julgamento, serão remetidos ao STF para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado. Essa ordem de preferência pode ser alterada quando a questão constitucional for prejudicada (DIDIER, 2014).

O juízo de admissibilidade realizado pelo tribunal local se apresenta como uma etapa no processamento desses recursos e de certa forma acaba tendo como função a de limitar a quantidade de recursos que serão remetidos aos tribunais superiores, servindo como um meio de celeridade processual, facilitando o recebimento dos recursos nos tribunais superiores.

3 A (NÃO) USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL LOCAL

Como já foi analisado, o juízo de admissibilidade dos tribunais locais possui um limite, que seria apenas os requisitos gerais e formais dos recursos excepcionais. Contudo, o que vem se verificando é que estão ultrapassando sua competência, pois dentro do juízo de admissibilidade do recurso, o tribunal local acaba por adentrar no seu mérito, que só deve ser analisado no âmbito dos tribunais superiores.

Fornaciari Júnior (2002, p. 31) assevera,

No exercício do juízo de admissibilidade, tem se revelado, nos tribunais de segundo grau, uma indiscutível tendência de restringir a subida dos recursos, fazendo-se um trabalho de agulha no palheiro. Para tanto e sempre que vícios ostensivos não se revelem, não poucas vezes, adentra-se na própria razão de ser do recurso, passando a se emitir um juízo de valor acerca da apontada violação à lei federal ou contrariedade à CF, negando-se, com base na suposta correção da decisão recorrida, a possibilidade de subida do especial ou do extraordinário e exame pelo STF ou STJ do apontado maltrato às normas.

Esse fato, contudo, não ocorre apenas no âmbito do recurso especial, como também do extraordinário. Como visto no tópico anterior, a competência do tribunal a quo é limitada, devendo portando realizar apenas o juízo de admissibilidade, provisório e que não vincula o tribunal superior, se atendo aos requisitos formais. Caso ultrapasse o limite determinado pelo legislador, estará caracterizada a usurpação de competência do tribunal local.

Para alguns doutrinadores esse “equívoco” dos tribunais locais é justificável, tendo em vista algumas peculiaridades dos requisitos dos recursos excepcionais. Como explana Ribeiro (2007),

Tem-se, portanto, um interessante fenômeno: tanto no caso do RE, quando no do REsp, a hipótese de cabimento constitui o próprio mérito do recurso (no caso da alínea “a” dos arts. 102 III e 105 III), porquanto a pretensão do recorrente é justamente obter o reconhecimento da contrariedade à Constituição ou à lei federal. Este fenômeno não ocorre nas demais alíneas dos incisos III do art. 102 e 105, nem tampouco nos requisitos de admissibilidade gerais dos recursos. Ao se admitir que na hipótese da alínea “a” dos arts. 102-III e 105-III, o juízo de admissibilidade confunde-se com o juízo de mérito, está-se, por consequência, reconhecendo competência ao tribunal local para decidir se houve ou não ofensa à Constituição ou à lei federal, o que significa verdadeira usurpação da competência definida constitucionalmente ao STF e ao STJ.

                  

                   Deste modo, verifica-se que efetivamente ocorre uma usurpação de competência por parte dos tribunais locais, devido o fato de ultrapassar os limites determinados pelo legislador; mesmo que haja uma certa confusão que, como analisado, pode ‘justificar’ esse equivoco, é adequado o entendimento de que há essa usurpação.

No entanto, não pode o órgão a quo, ao fazer o juízo de admissibilidade, declarar que houve, ou não houve, violação à Constituição ou à lei federal, porque isso é o próprio mérito do recurso. Se o fizesse, o órgão a quo estaria usurpando a competência do ad quem (Gonçalves, 2013, p. 154).

Dessa forma, a parte que não tem provimento no seu recurso, interpõe agravo de instrumento, gerando a subida de uma série de agravos aos tribunais superiores, em razão do tribunal local adentrar no mérito do recurso e não o prover. Prudente (2003) reitera que tanto o recurso especial e o extraordinário deveriam ser ajuizados perante os respectivos tribunais superiores, como forma de eliminar o acervo constante de agravo que acaba subindo a esses tribunais por causa do juízo de admissibilidade dos tribunais locais. Nas palavras do autor, ele afirma que:

Essa medida de enxugamento procedimental dos recursos referidos não so resultaria em visível economia processual, como, também, em sensível economia para os cofres públicos, mediante a desativação das obesas estruturas de apoio às presidências e vice-presidências dos tribunais recorridos, para o serviço de assessoria na decisões de admissibilidade e inadissimilidade dos aludidos recurso extraordinário e especial, totalmente dispensável, na instrumentalidade do processo justo, posto que, se adimitidos esses recursos pelo tribunal a quo, seguirão os autos para o tribunal ad quem e, quando não são admitidos, dessa decisão gesta-se a formação de agravo de instrumento para ser apreciado pelo mesmo tribunal superior, compete para processar e julgar o recurso inadimitido pelo tribunal de origem. (PRUDENTE, 2003, p. 79).

O pior é que esse juízo de admissibilidade dos tribunais locais tem a benção dos tribunais superiores, que afirma que não há a usurpação de competência por parte dos tribunais a quo quando negam seguimento ao recurso expecional sobre o fundamento de violação à Constituição e à lei federal, desde que seja fundamentado. Em seu Voto, assim destacou o ilustre Ministro:

STJ - Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 2.906/MG. Órgão julgador: 3ª Turma. Relator: Ministro Gueiros Leite. Publicado no DJ em 12/11/1990.

“Quero deixar claro que a digna presidência do Tribunal de origem tem competência para triar os recursos especiais antes de sua subida a esta Corte. Trata-se de jurisdição integrada, que já nos vem do recurso extraordinário, predominando, inclusive, a corrente dos que admitem, até mesmo, a delibação do mérito do recurso na origem, através de decisões fundamentadas.”

Isso ocorre em virtude da análise das alíneas “a” dos arts. 105-III e 102-III que envolvem o próprio mérito da controvérsia, pois deve ser verificado se o acórdão violou ou não a Constituição Federal ou lei federal por ser requisito para admissibilidade do recurso.

No entanto, isso não desafoga os tribunais superiores, uma vez que a parte pode recorrer através de agravo de instrumento que será analisado pelo próprio tribunal superior, logo este que tem a competência para julgar o mérito do recurso excepcional, e não cabe aos tribunais locais “barrar” a subida desses agravos, portanto, é um tanto contraditório, uma vez que os autos do recurso subirão junto com o agravo de instrumento aos tribunais superiores devendo ser analisado pelos mesmos.

Atualmente o tribunal de origem literalmente pode o mais, ou seja, têm poderes para adentrar no mérito do Recurso Especial quando do julgamento no primeiro juízo de Admissibilidade, porém, não pode o menos, ou seja, caso o juízo de admissibilidade seja negativo, o Agravo de Instrumento contra essa decisão tem trânsito obrigatório ao tribunal superior, ainda que visivelmente intempestivo e/ou deficiente. (PIRES FILHO, ?).

Dessa forma, não parece muito razoável permitir essa usurpação de competência pelos tribunais locais sob a égide de evitar o volume de recursos que subiriam aos tribunais superiores, uma vez que quando não admitidos há a formação de agravos de instrumento.

Os fins não justificam os meios! Se a intenção dos tribunais superiores é a de equacionar ou minimizar o volume crescente de recursos intentados perante os tribunais superiores, devem ser encontrados outros meios, como por exemplo, a aplicação da súmula vinculante e a repercussão geral, ambos já consagrados na Carta Magna, por força da Emenda Constitucional n° 45. (FRANÇOLIM, 2006, p.660/662).

                   Por isso, é que a questão é muito polêmica. Os tribunais superiores querem equacionar ou minimizar o volume de recursos interpostos, mas em vez de contribuírem com a economia e celeridade processual, acabam recebendo agravos de instrumento contra a decisão que nega o seguimento do recurso no primeiro juízo de admissibilidade do tribunal local. Além disso, os tribunais superiores ‘’dão benção’’ aos tribunais locais que adentrem no mérito do recurso desde que a decisão seja fundamentada, quando é uma clara usurpação de competência concedida pelos próprios STJ e STF. Ou seja, de uma forma irá gerar uma economia e celeridade processual, uma vez que os recursos não subirão aos tribunais superiores de imediato, e de outra, não será apreciado o mérito do recurso.

CONCLUSÃO

 

Primeiramente foi realizada uma análise dos requisitos específicos e características dos recursos excepcionais para conhecer seu processamento, especificidades, ou seja, seus elementos gerais. Após essa análise, realizou-se um estudo sobre o papel dos tribunais locais no processamento desses recursos, que para sua melhor compreensão, se construiu uma diferenciação entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito.

O objetivo desse estudo é analisar os aspectos principais do juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais a quo, priorizando verificar sua competência e os limites desta para em seguida possibilitar a constatação da ocorrência ou não de usurpação da competência dos tribunais locais em seu juízo de admissibilidade.

Como visto, efetivamente ocorre essa usurpação, devido alguns fatores como a própria organização da Constituição Federal que gera uma confusão aos tribunais; outro elemento importante que foi examinado seria o posicionamento dos tribunais superiores quanto a essa usurpação, já que acreditam que aqueles possuem competência para adentrar ao mérito da questão, apesar do legislador entender o contrário.

A usurpação de competência dos tribunais locais gera diferentes efeitos, entre eles uma celeridade no processamento dos recursos já que possibilita limitar os recursos que serão encaminhados para os tribunais ad quem, como também possibilita, em contraponto, um acúmulo de agravo de instrumento perante esses órgãos no caso dos tribunais locais entenderem como não admissível em seu julgamento de admissibilidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. A conhecida, porém ignorada, distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito nos recursos especial e extraordinário. In: MELLO, Rogério Licastro Torres de (Coord.). Recurso Especial e Extraordinário - Repercussão Geral e Atualidades. São Paulo: Editora Método, 2007, v.1, p. 123-136.

 

STJ - Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 2.906/MG. Órgão julgador: 3ª Turma. Relator: Ministro Gueiros Leite. Publicado no DJ em 12/11/1990. Disponível em: <www.stj.jus.br> Acesso em: 03/11/2014.

 

 



[1] Paper final apresentando a disciplina de Recursos do Processo Civil da UNDB

[2] Alunas do 6° Período Noturno da UNDB

[3] Professor, orientador.