ANÁLISE DO FILME: UM GOLPE DO DESTINO E O SEU ENTENDIMENTO PARA A PSICOLOGIA HOSPITALAR.

Por Ligi Anne Palheta Ribeiro | 08/08/2011 | Psicologia

Diante de tanta desumanidade no ambiente hospitalar tornou-se muito importante, o reconhecimento da necessidade de uma maior sensibilidade para com os pacientes, pois devem ser considerados na sua integridade física, psicológica e social, não somente por conhecimentos técnicos e científicos, fatores que muitas vezes provocam o distanciamento do médico em relação ao seu paciente.

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Relacionando o filme: O Golpe do Destino com a abordagem da Psicologia Hospitalar e a relação do médico com seu paciente.

Ao analisar a história do doutor Jack Meckee do filme- O Golpe do Destino- é interessante começar a entender através do desenvolvimento da sua doença, pois foi esta que o fez mudar radicalmente seu modo de pensar e agir em relação aos seus pacientes, a sua família e seu ambiente de trabalho, além de ter escolhido sabiamente, o modo correto de ensinar o respeito e o valor humano para os seus residentes, preocupação esta que envolve os futuros profissionais da saúde.
No início do filme (antes da descoberta do câncer laríngeo), percebe-se que o paciente que estava sendo operado pelo Meckee, não era devidamente respeitado pela sua equipe cirúrgica, pelo fato destes ficarem brincando com o corpo do rapaz e com o motivo da sua fatalidade, demonstrando desta forma, um princípio que muitos médicos atribuem a si próprios como: a onipotência e a finitude. Porém, nem todos pensam assim, visto que, o doutor Bloomfield tratava o seu paciente Serge com muito cuidado e se preocupava em dizer todos os procedimentos do seu tipo de tratamento, já que era invasivo.
Uma outra situação de despersonalização do paciente e das reações que este apresenta no pós-operatório, tornam-se perceptíveis no caso da mulher que ficou com as marcas da cirurgia feita no coração e o fato disto estar afetando sua vida conjugal (uma questão psicológica que pode ser caracterizada como uma reação de perda, nesse caso da beleza), o que simplesmente foi ignorado pelo Dr. Meckee, percebe-se também o desrespeito quando ele entra na sala e nem menciona o nome dela. Isso nos faz refletir o que (Jaspers, 1991) enfatizou sobre a necessidade da medicina recuperar os elementos subjetivos da comunicação entre o médico e o paciente, porque segundo ele, este diálogo foi impropriamente assumido pela psicanálise e esquecido pela medicina, seguindo apenas instrumentações técnicas e a objetividade dos dados.
Esses princípios acabam sendo repassados de geração a geração, é o que percebe-se nos ensinamentos do médico Jack para os seus residentes, este é um momento fundamental para compreendermos seu modo de pensar a medicina, o que infelizmente caracteriza-o como arrogante, um onipotente diante dos seus pacientes, por mais que ele tivesse um direcionamento psicológico e humano. Sendo assim, é importante transcrever o que ele dizia no filme para os estudantes de medicina: "há um perigo a apegar-se de mais pelo paciente, um perigo de tornar-se envolvido de mais". Disse também que : "cirurgia é um julgamento, para julgar você precisa estar desapegado, pois não há nada de natural na cirurgia, porque você esta abrindo um corpo. O trabalho do cirurgião é cortar! Você tem uma chance, você entra, conserta e sai fora!". O que durante o filme os residentes repetem com humor.
Conforme o entendimento da psicologia hospitalar houve um momento muito invasivo para o enfermo Harris, quando o doutor Meckee levou os residentes para conhecê-lo, eles ignoraram seu momento de conforto espiritual, retirando o padre de perto do leito. Na compreensão médico/paciente essas ações são fundamentadas na perspectiva mecanicista, consideradas como fenômenos complexos, constituídos por princípios simples, isto é, relação de causa-efeito, distinção cartesiana entre mente e corpo, análise do corpo como máquina, minimizando os aspectos sociais, psicológicos e comportamentais. Outra exemplificação que é abordada pela psicologia hospitalar, esta na fala do médico Murray, onde despersonaliza seu paciente o identificando como: "pulmão afásico que parou", nesta fala percebe-se até uma humanização do outro colega, já que o mesma cita a importância de pronunciar o nome do paciente (Richards). O que de acordo com esta, o paciente deixa de ter significado próprio, para significar apenas diagnósticos realizados sobre a patologia.
Na relação médico/paciente, enquadra-se o fator rotina e estresse, o pouco tempo para ler as fichas até o final, o que importa é apenas curá-lo, até porque em alguns hospitais, estes papéis são identificados por doenças a fim de ganhar mais tempo. Tudo é muito corrido, resultando muitas vezes, em erros médicos e trocas de exames. (Essa etapa caracteriza-se, como o antes da doença agravar).

Começo da mudança (Médicos como pacientes)

Foi muito interessante o modo como o Dr. Meckee achou irônico ser examinado por outro médico, ignorando a situação de sua doença. Porém, percebeu-se na conversa dele com os outros colegas, uma certa preocupação em saber quem era ela, pedindo seriedade e respeito dos mesmos. Durante a consulta o Meckee percebeu uma certa indiferença no seu atendimento, o que na verdade fazia também para com seus pacientes, ele ficou chateado com a doutora Abboutt, principalmente porque ela não se importou com o seu nome, na hora do exame o médico experimentou a sensação desconfortante de ter um periscópeo dentro da boca, mas mesmo assim ele brincava com a situação, até que o exame revelou um nódulo na laringe. Este acontecimento é muito semelhante ao do endocrinologista Robin, este relata o seguinte: "fiquei desiludido com a maneira impessoal de se comunicar com os pacientes. O colega não demonstrou nenhum interesse por mim, como uma pessoa que estava sofrendo. Não me fez pergunta sobre o meu trabalho". Essas experiências, segundo (Gadamer, 1994) são caracterizadas como hermenêuticas, pois mostram vivências de médicos enquanto pacientes.
Surge a partir de então, um momento de sensibilidade, começa o envolvimento do Dr. Meckee com sua família, este aspecto relaciona-se com a tríade, constituída do: paciente, família e a equipe responsável pela cirurgia, todos se tornam envolvidos na mesma luta, mas cada um compondo um ângulo desse processo. Observa-se também, a ansiedade e a preocupação de perda da voz, diante da descoberta do tumor laríngeo. A fala é um fator muito importante para um médico ou qualquer pessoa, sendo assim, a descoberta da doença o deixou mais tenso e ansioso. A psicologia hospitalar explica que em geral, quanto mais valorizado for o órgão, maior será a ansiedade do paciente face a sua cirurgia.

Despersonalização do médico Meckee

Foi muito impactante aprender a adequar-se as regras da instituição, começou a saber o quanto é demorado e burocrático preencher fichas de hospital, ele perdeu o seu statos de médico renomado e foi obrigado a sentar numa cadeira de rodas. Sentiu o mesmo desconforto de despir-se diante de pessoas desconhecidas, considerou inconveniente o fato de dividir um quarto de espera com outro paciente, pois estava com vergonha e não queria ser reconhecido.
Percebeu-se a preocupação do mesmo com o procedimento da sua cirurgia e nesta mesma cena, volta-se a questão da invasão do corpo, da confiança e da autorização, momento este caracterizado por entrega participativa do paciente cirúrgico.

Aumento da gravidade da doença

Vivendo na qualidade de paciente e sob efeito do anéstesico, Meckee se assusta com equipamentos de exames que não condizem com sua doença, tornando-se agressivo diante de um erro na troca de fichas, além de desiludido com o tratamento imposto e inválido para o seu caso, ficou mais aborrecido com sua médica que simplesmente só pediu desculpas e lhe disse que seu tumor é maligno. Neste momento, percebe-se a apatia da doutora diante do seu quadro crítico.
O seu momento de letargia e apatia com a doença fica bem nítida quando conversa com June (portadora de um tumor no cérebro), esta tem um papel fundamental para a valorização da vida e do respeito para com a dor alheia, aprendida gradualmente pelo médico que dessa forma possui uma mudança significativa diante dos seus atos médicos. Soube compreendê-la na situação de ser desenganado pelo médico. A relação médico/paciente explica esses casos como iniciativa reflexiva, para poder avaliar determinadas atitudes desumanas.
A mudança do médico é agora bem sucinta, pois no seu segundo encontro com os residentes, tornou-se bem notável a mudança de valores em relação aos pacientes. Até a correção deste para com o estudante que identificou um doente como: "o terminal do 1217", deixando o médico aborrecido, ele também desprezou a expressão: jay-jay que os residentes davam para qualquer enfermo, essa é uma fase do Meckee ansioso com a sua cirurgia, ele aproveitou aquele momento com os estudantes de medicina, para repassar valores humanos e bioéticos.

Ensinando a experiência

No final do filme ele impõe que seus residentes devam passar pelos mesmos procedimentos que seus futuros pacientes poderão sofrer, porque segundo o doutor Meckee a teoria não é o suficiente para entender e respeitar o sofrimento do doente, ou seja, eles terão que sentir e viver a doença.

Portanto, segundo Gadamer faz-se necessário a experiência da condição de submetido ao conhecimento científico e não somente deste de conhecedor, este argumento, entretanto, também pode produzir uma exigência quase artificial: experiências pessoais para a compreensão das situações de saúde nas quais se encontram os pacientes.

REFERÊNCIAS:

ANGERAMI, Valdemar A. C. Psicologia Hospitalar: A atuação do psicólogo no contexto hospitalar. São Paulo: Traço, 1984.

CAPRARA, Andrea. FRANCO, Anamélia Lins e Silva. Cadernos de Saúde Pública. Vol. 15 nº 3. Rio de Janeiro. Julho/setembro, 1999.